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Educação Matemática Debate

versão On-line ISSN 2526-6136

Ed. Mat. Deb. vol.9 no.17 Montes Claros maio 2025

https://doi.org/10.46551/emd.v9n17a11 

Artigos

Histórias Infantis e Resolução de Problemas Matemáticos: um caminho para o desenvolvimento do pensamento criativo das crianças na Pré-escola

Historias y Resolución de Problemas Matemáticos: un camino para el desarrollo del pensamiento creativo de los niños en Preescolar

Ana Luiza Candido Kraft1 
http://orcid.org/0009-0009-2391-874X

Viviane Clotilde da Silva2 
http://orcid.org/0000-0002-0315-6532

1Escola Barão do Rio Branco. Blumenau, SC — Brasil

2Universidade Regional de Blumenau. Blumenau, SC — Brasil


Resumo

A pesquisa analisou o desenvolvimento do pensamento criativo e a compreensão de noções matemáticas por meio de práticas que exploram a resolução de problemas matemáticos relacionados a uma história infantil. O estudo é parte de uma pesquisa qualitativa do tipo pesquisa-ação; apresenta discussões sobre a criatividade, o uso de histórias infantis e a resolução de problemas para seu desenvolvimento, além de descrever e analisar uma prática realizada com crianças de uma pré-escola. Para a coleta de dados, utilizaram-se os registros da professora-pesquisadora, das crianças e imagens. As análises apontaram que esse tipo de atividade estimula as crianças a desenvolver estratégias e resoluções diferenciadas, características do pensamento criativo, além de possibilitar a apropriação das noções matemáticas exploradas.

Palavras-chave Pensamento Criativo; Criatividade; Prática Educativa; Resolução de Problema; História Infantil

Resumen

La investigación analiza el desarrollo del pensamiento creativo y la comprensión de nociones matemáticas en prácticas que exploran la resolución de problemas matemáticos relacionados con una historia infantil. El estudio forma parte de una investigación cualitativa de tipo investigación-acción; presenta discusiones sobre la creatividad y el uso de historias infantiles y resolución de problemas para su desarrollo. También se describe y analiza una práctica realizada con niños y niñas de Educación Infantil. Como instrumentos de elaboración de datos se utilizaron: los registros de la profesora-investigadora, de los niños y las imágenes. Los análisis señalaron que actividades de este tipo estimulan a los niños a buscar estrategias y resoluciones diferenciadas, características del pensamiento creativo, y les permiten apropiarse de las nociones matemáticas exploradas.

Palabras clave Pensamiento Creativo; Creatividad; Práctica Educativa; Resolución de Problemas; Historia Infantil

Abstract

The research analyzed the development of creative thinking and the understanding of mathematical notions through practices that explore solving mathematical problems related to a children's story. The study is part of a qualitative research of the action-research type; presents discussions on creativity and the use of children's stories and problem-solving for its development. It also describes and analyzes a practice carried out with children in Prescchool. The data collection instruments used were: the records of the teacher-researcher and the children, as well as images. The analyses indicated that activities of this type stimulate children to seek out different strategies and resolutions, characteristics of creative thinking, and allow them to internalize the mathematical notions explored.

Keywords Creative Thinking; Creativity; Educational Practice; Problem Solving; Children's Story

1 Introdução

No Brasil, a Educação Infantil atende crianças de zero a cinco anos e onze meses, tendo como objetivo principal o seu desenvolvimento integral. Para alcançar esse propósito, é essencial que sejam realizadas práticas com base nos eixos norteadores interação e brincadeiras, promovendo aprendizagens que envolvem conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer-se (Brasil, 2010). Por isso, é importante que os professores tenham claro que essas aprendizagens acontecem constantemente, seja realizando práticas rotineiras, práticas livres ou intencionais. Esse conhecimento os leva a estar atentos a todos os momentos da criança, sejam eles de cuidado e/ou de educação, buscando observar reações, interações e descobertas.

Em relação às potencialidades das práticas intencionais, quando são realizadas com problematizações e investigações, podem variadas, uma vez que, para que as crianças resolvam e pesquisem algo, precisam desenvolver noções nas mais diversas áreas. Esse conhecimento do professor potencializa a sua prática e, por consequência, a aprendizagem das crianças.

[...] a Educação Infantil precisa promover experiências nas quais as crianças possam fazer observações, manipular objetos, investigar e explorar seu entorno, levantar hipóteses e consultar fontes de informação para buscar respostas às suas curiosidades e indagações. Assim, a instituição escolar está criando oportunidades para que as crianças ampliem seus conhecimentos do mundo físico e sociocultural e possam utilizá-los em seu cotidiano

(Brasil, 2017, p. 43, grifo nosso).

Nesse contexto, Belo e Burak (2020, p. 7) afirmam que, na Educação Infantil, é importante que a prática pedagógica seja realizada “a partir de atividades lúdicas, como brincadeiras, músicas, histórias infantis, jogos e outras de interesse das crianças”. Em outros termos, é essencial partir do que é importante para elas, possibilitando a mobilização de seus conhecimentos prévios.

Além disso, vários pesquisadores, como Amarilha (1997), Coelho (1991) e Monteiro et al. (2020), têm afirmado a relevância das histórias infantis e do contato com livros pela criança para o seu desenvolvimento integral. Faria et al. (2017, p. 31) asseguram que “é na infância que se constroem as primeiras experiências de vida que subsidiarão a formação do caráter, da personalidade e da consciência. Nesse sentido, a criança deve ser inserida em uma cultura que estimule o pensar, o sentir, o expressar e o experienciar”, o que ocorre quando elas têm acesso a histórias infantis.

Por sua vez, Coelho (1991) ressalta a importância do livro infantil tanto na área das artes literárias quanto em práticas pedagógicas para que a criança esteja envolta em um ambiente em que o divertir e o educar acontecem simultaneamente. Pensando no desenvolvimento de noções e linguagem matemáticas, Arnold (2016) e Carcanholo e Duarte (2016) discutem, em suas pesquisas, a potencialidade do uso dos contextos explorados nas histórias infantis, das suas ilustrações e até de problematizações elaboradas com base nelas.

Monteiro et al. (2020) afirmam que, no contexto das problematizações, o contato com histórias infantis estimula a capacidade criativa das crianças. Esse contato as ajuda a criar conexões entre elementos e desenvolver soluções originais para problemas apresentados na história, o que pode contribuir para a compreensão de conceitos em diversas áreas do conhecimento.

Dessa forma, acredita-se que a integração entre as histórias infantis e a investigação ou resolução de problemas vinculados a elas, as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças podem ser potencializados em todas as áreas, incluindo noções e linguagem matemáticas. Nesse sentido, Smole, Cândido e Stancanelli (1999, p. 20, grifo nosso) afirmam que “a leitura do texto necessariamente pede debate, diálogo, crítica e criação. Explorar problemas nesse contexto pode auxiliar os alunos a transferir esse processo para outras situações de resolução de problemas”.

As afirmações de Monteiro et al. (2020) e de Smole, Cândido e Stancanelli (1999) indicam que, além de contribuir para a aprendizagem das crianças em relação às noções e linguagem matemáticas, as histórias infantis e a resolução de problemas contribuem para o desenvolvimento da criatividade. Contudo, para que essa criatividade seja observada, é fundamental que o professor compreenda como ela se manifesta.

Com foco na promoção da criatividade e na compreensão das noções e da linguagem matemáticas, este estudo tem como objetivo discutir o significado de pensamento criativo e suas características em práticas explorando noções e linguagem matemáticas por meio da resolução de problemas vinculados a uma história infantil. Para isso, apresenta um referencial teórico sobre o tema, a descrição de uma prática realizada com crianças da Educação Infantil e a análise do pensamento criativo. É importante definir o que se entende por compreensão, que, segundo Van de Walle (2009, p. 45), corresponde à “quantidade de conexões que uma ideia tem com as já existentes”.

Inicialmente, este estudo discute o conceito de pensamento criativo e criatividade em Matemática, bem como as atividades cognitivas que os representam. Em seguida, apresenta-se uma breve explanação sobre a relevância das histórias infantis na Educação Infantil e das práticas que exploram a resolução de problemas com base nessas histórias para o entendimento de noções e linguagem matemática. Por fim, aborda-se a importância do trabalho com a resolução de problemas na Educação Infantil e a análise de uma prática realizada.

2 Criatividade em Matemática e práticas envolvendo histórias infantis e resolução de problemas

O pensamento superior, uma capacidade exclusivamente humana, envolve competências cognitivas avançadas, como raciocínio abstrato, resolução de problemas complexos, pensamento crítico e a imaginação, que desempenha um papel crucial em várias esferas da vida, incluindo arte, ciência, negócios e inovação (Gontijo et al., 2019). Fundamentada na imaginação, a criatividade se configura como uma habilidade intrinsecamente humana, possibilitando a geração de ideias originais, resoluções inovadoras e produção de algo novo a partir da combinação de informações, experiências e conhecimentos pré-existentes.

Pesquisadores que estudam o desenvolvimento da criatividade, como Bicer (2021) e Gontijo et al. (2019), afirmam que ela remonta aos primórdios da humanidade, sendo compreendida de diferentes formas: como algo místico, como uma capacidade relacionada à genialidade ou como uma construção humana, conforme a evolução dos estudos sobre o tema. Na sequência, apresenta-se uma breve descrição do significado de cada uma dessas interpretações.

2.1 Concepção mística

Gontijo et al. (2019) afirmam que há indícios de que as primeiras percepções da criatividade atribuíam a ela um caráter místico. Nessa perspectiva, as pessoas eram acometidas por um ser divino, que possibilitava que elas tivessem ações criativas. O próprio Platão, em seus escritos, fazia referência a uma “musa inspiradora dos poetas” (Gontijo et al., 2019, p. 19), que não era um ser real.

2.2 Concepção de genialidade

A concepção de criatividade como genialidade não a considera um dom divino, mas como uma capacidade inata de algumas pessoas. Silver (1997) assegura que essa concepção apresenta a criatividade como uma característica rara, que apenas alguns privilegiados possuem, de modo que, quando necessitam, as ideias criativas surgem sem muito esforço. Ele complementa que “a visão genial da criatividade sugere que ela provavelmente não é fortemente influenciada pela instrução e que o trabalho criativo é mais uma questão de explosões ocasionais de percepção do que o tipo de progressão constante em direção à conclusão que tende a ser valorizada na escola” (Silver, 1997, p. 75).

Gontijo et al. (2019) apresentam alguns exemplos de pessoas que se destacaram pela sua criatividade em várias áreas, sendo tomadas como gênios. Nas artes, Leonardo da Vinci, Michelangelo e Rafael, que viveram no período do Renascimento — entre os séculos XIV e XVII — cujas criações são tidas como obras-primas até hoje. No campo da ciência, Galileu Galilei e Isaac Newton foram alguns dos cientistas que desafiaram as visões tradicionais e transformaram a compreensão do mundo natural.

Esses exemplos ilustram pessoas que se destacaram por sua criatividade. Todavia, ressalta-se que, segundo essa visão, ou a pessoa nasce criativa, ou não. Não há possibilidade de desenvolvê-la ao longo da vida.

2.3 Concepção de criatividade como uma construção humana

Silver (1994, p. 75) afirma que, nessa concepção, “a criatividade está intimamente relacionada ao conhecimento profundo e flexível em domínios de conteúdo; e é frequentemente associada a longos períodos de trabalho e reflexão”. Gontijo et al. (2019) complementam afirmando que ela se constitui uma construção humana, que resulta de um trabalho mental, ou seja, surge de um problema e se desenvolve com base em uma intencionalidade, buscando novos caminhos de resolução ou resposta.

Nessa concepção, a criatividade se constitui como uma capacidade humana que pode ser desenvolvida, cabendo à educação promover a realização de práticas que estimulem as crianças e os jovens a aprimorá-la. Acredita-se nessa visão e, por esse motivo, é importante discutir como estimulá-la em práticas pedagógicas, mais especificamente naquelas envolvendo noções matemáticas.

De acordo com a Base Nacional Comum Curricular — BNCC (Brasil, 2017), as instituições que fomentam a expressão da criatividade entre as crianças contribuem significativamente para o desenvolvimento de habilidades de investigação, formulação e teste de hipóteses. Adicionalmente, incentivam a capacidade de gerar soluções com base no acúmulo de conhecimentos provenientes de diversas áreas do saber.

Ao incentivar a criatividade, as instituições de Educação Infantil mostram às crianças a importância de buscar abordagens inovadoras para os desafios que enfrentam. Além disso, promovem a habilidade de lidar de forma mais eficaz com falhas e frustrações do cotidiano escolar e pessoal, ajudando-as a enxergar o erro não como um obstáculo, mas como uma oportunidade de aprendizado. O medo do erro, quando não trabalhado, pode gerar constrangimento e inibir a capacidade da criança de se aventurar, explorar e raciocinar de maneira autônoma.

Na sala-referência1 das instituições de Educação Infantil, as práticas que envolvem a Matemática convidam à compreensão da criatividade como uma habilidade fundamental para o desenvolvimento das crianças. Embora a Matemática seja frequentemente percebida como um domínio de rigidez e precisão, em que os cálculos seguem regras exatas e os problemas são resolvidos por meio de métodos bem definidos, há um mundo de possibilidades criativas que desafia essa percepção convencional.

A criatividade na Matemática é um fenômeno intrigante e multifacetado, que revela uma interseção fascinante entre o rigor lógico e a imaginação. É importante que os professores realizem, junto com as crianças, práticas que desenvolvam, além da compreensão matemática, o pensamento criativo. Segundo Oliveira e Carneiro (2023, p. 15), o pensamento criativo é uma “ação mental inventiva e indagadora que oportuniza ao(à) resolvedor(a) da tarefa desafiadora ou do problema desenvolver diferentes estratégias inovadoras no processo da formulação e resolução da situação-problema, estimulando assim a criatividade em Matemática”.

Esse processo envolve três atividades cognitivas, denominadas por Silver (1994) de fluência, flexibilidade e novidade. A seguir, essas atividades são descritas com base nas definições desse autor.

  1. Fluência: refere-se à capacidade de gerar muitas ideias ou respostas em um curto período. Essa habilidade demonstra facilidade e rapidez no pensamento, permitindo que muitas soluções sejam produzidas. Quanto maior o número de ideias geradas, maiores são as chances de encontrar uma solução inovadora e eficaz para um problema. Assim, ela se constitui como um aspecto essencial da criatividade, visto que amplia o espectro de opções disponíveis a serem exploradas.

  2. Flexibilidade: é a capacidade de se adaptar a novas situações, pensar de maneiras diferentes e mudar de abordagem quando necessário. Em termos de pensamento criativo, a flexibilidade permite ver um problema de múltiplas perspectivas e considerar alternativas variadas. Isso é crucial para encontrar soluções fora do convencional, dado que possibilita a mudança no modo de pensar e a exploração de caminhos não óbvios, aumentando a probabilidade de se chegar a respostas únicas e inovadoras.

  3. Novidade: implica a produção de ideias originais e únicas, que se destacam das convencionais. No contexto da criatividade, a novidade representa a inovação e a introdução de novas formas de pensar ou fazer as coisas. Uma ideia é considerada nova se ela for original e não uma simples variação de algo já existente. A busca pela novidade é o que impulsiona o progresso e a inovação em diversos campos do conhecimento, tornando-se um pilar central para qualquer processo criativo.

Sintetizando, a fluidez gera uma profusão de ideias, a flexibilidade propicia a capacidade de adaptação e a exploração de variados caminhos, enquanto a novidade assegura a originalidade. Essas três habilidades, em conjunto, formam o alicerce da inventividade, abrindo caminho para a descoberta de soluções inovadoras e eficazes em múltiplos cenários.

Com base no exposto, pode-se afirmar, seguindo Bicer (2021), que a capacidade criativa na aprendizagem da Matemática envolve a geração de ideias, procedimentos ou produtos relacionados a padrões e modelos matemáticos. Desde que sejam inovadores para quem os criou, mesmo já sendo conhecidos por outras pessoas, esses produtos contribuem para desenvolver o pensamento matemático.

Estimular o pensamento criativo proporciona benefícios amplos, fortalecendo as habilidades de resolução de problemas, a confiança e a autonomia das crianças. À medida que elas descobrem seu potencial criador e têm confiança nas suas capacidades, tornam-se mais aptas a enfrentar desafios com criatividade e iniciativa. Dessa forma, o desenvolvimento da criatividade na Educação Infantil é fundamental para a formação integral das crianças. Ao oferecer um ambiente seguro e estimulante para explorar, fazer perguntas, criar e propor soluções, valoriza-se sua curiosidade e favorece a flexibilidade cognitiva, essencial à sua compreensão do mundo e atuação no mundo.

Diante disso, cabe aos professores que atuam em instituições de Educação Infantil elaborar práticas educativas intencionais que desenvolvam o pensamento criativo e, por consequência, a criatividade das crianças. Para isso, é imperativo oferecer experiências diversificadas que promovam a análise e síntese, por meio da resolução de problemas, do uso de materiais variados e da integração de várias áreas.

Essa proposta se baseia na junção de práticas que envolvam a resolução de problemas matemáticos, vinculados a histórias infantis. Nesse âmbito, o trabalho com histórias infantis foi escolhido por ser amplamente incentivado como estratégia para estimular o imaginário das crianças, uma vez que

ouvir histórias é muito importante para a formação de qualquer criança, pois possibilita fomentar o imaginário infantil, responder perguntas e criar novas ideias, sentir emoções, estimular a capacidade intelectual, descobrir o mundo, desenvolvendo assim todo o potencial da criança, levando a pensar, questionar e duvidar

(Monteiro et al., 2020, p. 6, grifo nosso).

Além disso, como afirma Coelho (1991), o seu uso pedagógico possibilita que se explorem questões relacionadas à história infantil em diversas áreas. Em relação à exploração de noções e linguagem matemáticas, Smole, Cândido e Stancanelli (1999, p. 12) indicam que

a história contribui para que os alunos aprendam e façam matemática, assim como exploram lugares, características e acontecimentos na história, o que permite que habilidades matemáticas e de linguagem desenvolvam-se juntas, enquanto os alunos leem, escrevem e conversam sobre as ideias matemáticas que vão aparecendo ao longo da leitura.

Ademais, a combinação da leitura de histórias infantis com a problematização faz com que as crianças identifiquem noções e linguagem matemáticas em diversos contextos, incentivando-as a buscarem seus conhecimentos prévios para resolver o problema proposto relacionado à história apresentada, além de estimulá-las a refletir sobre a situação e recorrer a conceitos matemáticos para sua resolução.

Este tipo de prática, onde o aluno tem a possibilidade de comunicar o que pensa e explicar seu raciocínio, é bastante natural quando, ao ouvir uma história, inquere-se a criança sobre o que aconteceu ou está por vir. Este diálogo entre professor e aluno, na retomada do que ouviram ou na tentativa de prever o que vai acontecer, é fundamental para a resolução de um problema matemático, pois possibilita que o aluno reflita sobre suas hipóteses e, por vezes, as reformule, chegando a um conhecimento mais elaborado

(Montoito e Cunha, 2020, p. 173).

Trabalhar noções matemáticas na Educação Infantil ajuda a criança a compreender e a interagir melhor com o mundo ao seu redor. Como destacam Miranda e Sá (2020), o objetivo nesse estágio não é ensinar Matemática de forma isolada, mas contribuir para o desenvolvimento da criança. Afinal, a Matemática, assim como outras áreas do conhecimento, contribui para a construção de significados sobre a realidade.

Nesse sentido, a resolução de problemas permite que as crianças aprendam de maneira natural e envolvente, relacionando conceitos matemáticos a situações concretas. Smole, Candido e Stancanelli (1999, p. 20) destacam que a relação entre histórias infantis e problemas matemáticos torna esse processo ainda mais significativo, posto que incentiva a participação ativa das crianças na busca por soluções. Elas podem utilizar diferentes recursos, como desenhos, oralidade, dramatização e tentativa e erro, tornando o aprendizado mais dinâmico e próximo de sua vivência.

Explorar noções e linguagem matemáticas em um universo lúdico e interativo, respeitando os diferentes modos de pensar e expressar das crianças, cria um ambiente em que elas não apenas compreendem o que está sendo abordado, mas também desenvolvem a criatividade.

Nesse contexto, torna-se relevante apresentar como a compreensão do trabalho com resolução de problemas na Educação Infantil. De acordo com Allevato e Onuchic (2021), trabalhar com resolução de problemas significa apresentar um problema e, por meio da sua resolução, desenvolver novos conhecimentos. Esse problema, na Educação Infantil, muitas vezes assume a forma de um desafio ou uma questão a ser resolvida pelas crianças. Ele é denominado problema gerador, visto que, segundo as autoras, objetiva explorar novas noções.

Dessa forma, segue-se a metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática por meio da Resolução de Problemas, apresentada por Allevato e Onuchic (2021), com adaptações2. Essa adequação é necessária, considerando que se trata de crianças da Educação Infantil, que ainda não foram alfabetizadas. Contudo, busca-se preservar as etapas essenciais dessa metodologia, as quais são descritas a seguir.

  1. Apresentação do problema gerador: como a resolução de problemas está vinculada a uma história infantil, inicia-se a leitura do livro pelo professor e, quando surge a questão a ser resolvida, ele pede para as crianças pensarem sobre ela e buscarem uma resolução. Segundo Mandel, Silva e Possamai (2023, p. 56-57), “é o momento em que se instiga a curiosidade da criança em relação à história e pode ser realizado com materiais que se relacionem a ela, a partir de questionamentos que levem a criança a interagir”.

  2. Resolução do problema: individualmente ou em grupo, as crianças discutem sobre o problema proposto e buscam resolvê-lo, fazendo registros (muitas vezes pictóricos) de como pensam a resolução. Nesse momento, o professor incentiva e observa. Conforme Allevato e Onuchic (2021, p. 49), o professor observa “o trabalho dos alunos, incentivando-os a utilizarem seus conhecimentos prévios e [...] a troca de ideias”.

  3. As crianças apresentam suas resoluções: nesse momento, as crianças mostram seus registros e explicam para seus colegas o que fizeram. O professor incentiva, por meio de questionamentos, buscando explorar o conhecimento envolvido. É importante incentivá-las a apresentar e prestar atenção, a fim de se explorarem as várias possibilidades de se chegar à solução (Allevato e Onuchic, 2021).

  4. Formalizam-se os conhecimentos: na Educação Infantil, a formalização consiste em explorar os entendimentos das crianças e, nas discussões, levá-las a compreender as noções matemáticas envolvidas.

Não há uma formalização dos conhecimentos propriamente dita, pois o objetivo dessa etapa da Educação Básica não é ensinar uma disciplina específica, como a Matemática, mas proporcionar às crianças a compreensão das noções e da linguagem matemáticas presentes na prática realizada, contribuindo para o entendimento do contexto explorado.

Tendo em vista que as crianças fazem uma releitura do mundo, com os conhecimentos matemáticos não é diferente. Na Educação Infantil, começam a ter vivências ligadas à linguagem matemática e vão construindo parâmetros de referência para “ler” o mundo matematicamente, através de brincadeiras e vivências lúdicas propostas, de modo intencional, pelas professoras

(Ciríaco, Miranda e Brasil, 2024, p. 5).

e) Resolução de problemas complementares: na Educação Infantil, esses problemas têm como objetivo explorar uma mesma noção em diferentes contextos ou aprofundar o conhecimento sobre determinado conceito.

Esses momentos incentivam as crianças a buscar novos caminhos (flexibilidade), expressar suas ideias (fluidez) e compreender diferentes formas de resoluções (novidade). Dessa maneira, como apontam Costa e Gontijo (2023), quando o professor dá voz às crianças e valoriza suas ideias, as práticas baseadas na resolução de problemas se tornam um caminho para a promoção da criatividade.

3 Percurso metodológico

A pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa do tipo pesquisa-ação, uma vez que cada etapa ocorreu em um processo contínuo de planejamento, implementação, descrição e avaliação, visando aprimorar tanto a prática quanto a pesquisa ao longo do processo (Tripp, 2005). Em relação aos objetivos, caracteriza-se como um estudo descritivo. Esse método possibilitou uma análise detalhada das interações e estratégias utilizadas pelas crianças durante a resolução dos problemas apresentados, permitindo investigar o desenvolvimento da criatividade nesse contexto.

A pesquisa foi realizada em uma turma da Educação Infantil em Blumenau (SC), envolvendo 26 crianças, no final do ano de 2024. Naquele momento, a maioria já possuía conhecimento sobre a relação número-quantidade até 10 e entendia a relação número-ordem. Quanto à escrita, reconheciam algumas letras e identificavam a grafia de algumas palavras, mesmo sem terem sido alfabetizadas.

Essa experiência integra um estudo mais amplo, desenvolvido no âmbito de um Mestrado Profissional, que pesquisa o desenvolvimento da criatividade e da compreensão de noções e linguagem matemáticas. Nesta etapa específica, descreve-se e se analisa apenas uma das práticas realizadas, com um olhar voltado para a criatividade que emergiu no processo, sua análise e as compreensões matemáticas desenvolvidas.

A intervenção foi conduzida na sala-referência da turma, que foi devidamente organizada para que as crianças pudessem transitar e descobrir livremente. Barbosa (2010), ao discutir práticas a serem realizadas com bebês, afirma que é importante um olhar cuidadoso para o espaço no qual as crianças realizam suas práticas, para que eles sejam seguros e estimulantes, permitindo que elas experienciem diferentes vivências. Amplia-se essa afirmação para as práticas realizadas com crianças bem pequenas e crianças pequenas, uma vez que essas também precisam de cuidado e liberdade para se desenvolverem integralmente.

A prática apresentada teve como base o livro Os mistérios da Caixa: desvendando a Matemática por meio de Problemas, elaborado especificamente para esta pesquisa pelas autoras deste artigo. O material foi desenvolvido no contexto do mestrado profissional, que está em processo de finalização, realizado no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática (PPGECIM), da Universidade Regional de Blumenau (FURB). O problema analisado corresponde ao segundo desafio resolvido pelas crianças, cujos detalhes serão apresentados na descrição da atividade.

A elaboração de dados foi realizada utilizando três métodos complementares, proporcionando uma análise mais ampla e detalhada. O primeiro método consistiu nos registros da professora-pesquisadora em seu diário de bordo; o segundo incluiu registros das falas das crianças em áudio; e o terceiro método envolveu a análise de imagens obtidas por meio de fotografias da prática e dos registros escritos pelas crianças. Esses três métodos foram utilizados de forma complementar, garantindo um olhar mais abrangente sobre a prática e possibilitando uma análise detalhada das interações e aprendizagens das crianças ao longo do processo.

A análise revelou que a prática contribuiu para o desenvolvimento da criatividade das crianças. A intervenção foi conduzida com base em categorias elaboradas à priori, fundamentadas no referencial teórico. Dessa forma, foram consideradas atividades cognitivas que constituem o pensamento criativo: fluência, flexibilidade e novidade, buscando observar essas características conforme apontado por Silver (1994).

  1. Fluência: verificar a compreensão de noções e da linguagem matemáticas exploradas.

  2. Flexibilidade: observar as diferentes estratégias elaboradas a partir das instruções apresentadas.

  3. Novidade: analisar o número de respostas e justificativas originais para o problema.

Na sequência apresenta-se a descrição completa da prática realizada, seguida da análise baseada nos focos destacados.

4 Descrição da prática

A prática foi realizada com base em um livro infantil elaborado especificamente para trabalhar com resolução de problemas envolvendo noções matemáticas, a fim de explorar esses conceitos com as crianças e estimular sua criatividade.

O livro contém cinco problemas geradores, cada um explorando um campo matemático: numérico, espacial, grandezas e medidas, algébrico e estatístico. Além desses, havia cinco problemas complementares, que consistem em questões ou desafios matemáticos que acompanham os problemas geradores, com o objetivo de expandir ou diversificar as possibilidades de resolução e aprofundar um pouco mais a noção matemática explorada.

O problema apresentado e analisado nesta pesquisa foi selecionado por abordar o campo de Medidas, um ramo da Matemática que possibilita o desenvolvimento de práticas interdisciplinares e a exploração de conceitos relacionados a diferentes áreas matemáticas.

O processo ocorreu de forma semanal. As crianças foram informadas de que, todas as segundas-feiras, retomariam a leitura do livro impresso em folhas A3, dando continuidade à história. Além disso, uma criança ficaria responsável por retirar o envelope contendo o desafio — denominação atribuída aos problemas — a ser solucionado. Os problemas complementares seriam resolvidos no mesmo dia ou distribuídos em dias alternativos ao longo da semana.

No dia da realização dessa prática, a sala foi organizada para que as crianças se sentassem em roda e pudessem ouvir a história, junto à professora, que segurava o livro em mãos. Como essa era a segunda prática realizada com as crianças, envolvendo o livro, iniciou-se relembrando o início da história infantil. Elas demonstraram interesse e participaram falando sobre os personagens, o contexto em que se encontravam e o problema resolvido na semana anterior. Depois dessa retomada, manifestaram o desejo de continuar a história e descobrir o próximo desafio a ser resolvido.

Na trama, os personagens continham uma caixa contendo desafios matemáticos a serem resolvidos. Como forma de levar as crianças a interagir com eles, foram apresentados os desafios em fichas, colocadas dentro de envelopes individuais e fixados nas caixas desenhadas nas páginas do livro. Assim, em cada prática, quando um personagem tirava uma ficha da caixa, uma das crianças era convidada a ir até o livro e retirar o envelope com a questão a ser lida.

O livro foi aberto na página onde estava o envelope com o problema, e uma das crianças foi escolhida para retirá-lo e possibilitar sua leitura. A imagem apresentada na Figura 1 mostra a página do livro e o problema a ser resolvido na versão digital. No exemplar físico utilizado em sala, no lugar da ficha com o problema, havia um envelope contendo a carta.

(Kraft e Silva, 2025, p. 11)

Figura 1 Página do livro com o problema apresentado para as crianças 

A criança segurou a carta, observou os desenhos contidos nela e interpretou que o problema envolveria coisas antigas, animais e folhas, socializando essa observação com os colegas. Na sequência, a curiosidade e o desafio foram lidos em voz alta. A Figura 2 apresenta a carta em detalhe, para facilitar sua análise.

(Kraft e Silva, 2025, p. 11)

Figura 2 Ficha com o problema a ser resolvido 

A leitura despertou a curiosidade das crianças, que começaram a perguntar como esses métodos funcionavam. Elas questionavam como era possível medir usando braços e pés. Aproveitando o envolvimento e o interesse das crianças, foi proposto o desafio da carta: “Meça a mesa com sua mão”, deixando-as livres para interpretar o pedido e realizar a atividade como desejassem, sem a orientação da professora.

Para que os alunos sejam capazes de apresentar as diferentes maneiras que utilizam para resolver problemas, cabe ao professor propiciar um espaço de discussão no qual eles pensem sobre os problemas que irão resolver, elaborem uma estratégia e façam o registro da solução encontrada ou dos recursos que utilizaram para chegar ao resultado

(Cavalcanti, 2001, p. 122).

Livres para fazer a atividade como quisessem, algumas crianças mediram a parte superior da mesa (tampo), enquanto outras optaram por medir sua altura, ou seja, seus pés. Houve também aquelas que mediram os dois lados não paralelos do tampo. No total, foram observadas cerca de cinco diferentes partes da mesa medidas. Isso demonstra como o aprendizado prático, aliado à curiosidade natural das crianças, pode tornar a experiência mais envolvente.

Pode-se afirmar que a diversidade de percepções sobre que parte da mesa deveria ser medida evidencia a fluência de ideias relacionadas ao problema proposto. Segundo Gontijo (2024, p. 197), essa fluência “corresponde à capacidade de apresentar uma abundância ou grande quantidade de ideias sobre um mesmo assunto ou possibilidades de respostas para um mesmo problema”, o que foi claramente observado nesse momento da prática.

Após a atividade de medição com as mãos, as crianças quiseram apresentar suas resoluções. Foi realizada a socialização, em que todas apresentaram oralmente suas conclusões, enquanto as demais ouviam atentamente.

Possamai e Allevato (2024) afirmam, com base em um trabalho realizado no Ensino Fundamental, que é fundamental considerar o envolvimento e a disposição dos alunos para explorar novos conhecimentos. Quando as atividades são lúdicas e promovem a participação ativa, as crianças demonstram grande interesse e entusiasmo, o que potencializa o aprendizado.

Verifica-se nessa prática que, mesmo sendo pequenas e tendo uma tendência maior à dispersão, quando envolvidas com a prática, as crianças ficam atentas e participam de forma contínua.

Nessa etapa do processo, elas verificaram que realizaram medidas de formas diferentes e obtiveram resultados variados. O Quadro 1 apresenta a resolução de quatro crianças, selecionadas para exemplificar a diversidade de estratégias utilizadas. Para diferenciá-las, elas foram identificadas por números.

Quadro 1 Descrição da realização da prática por algumas crianças 

Criança Parte da mesa medida Como foi realizada a medida Resultado
1 Tampo e pés da mesa Mão 13 mãos
2 Tampo da mesa Palma da mão 7 mãos
3 Tampo da mesa Ponta do dedo maior até o punho 4 mãos
4 Tampo da mesa Palma da mão 8 mãos

Fonte: Elaboração própria

Inicialmente, as crianças apresentaram apenas os resultados encontrados, mas logo ficaram curiosas para entender por que os valores eram tão diferentes. Então, cada uma explicou como realizou a tarefa.

A criança 1 mencionou que havia medido toda a mesa, incluindo o tampo e os pés. As demais mediram apenas o tampo, mas de maneiras distintas. A criança 2, ao explicar sua abordagem, revelou que não teve o cuidado de posicionar as mãos bem próximas umas das outras. A criança 3 utilizou a distância da ponta do dedo maior até o punho, em vez da medida entre o polegar e o dedo mindinho. Já a criança 4, ao apresentar sua resolução, mostrou que mediu os dois lados não paralelos da parte superior e afirmou que eles eram iguais. Nenhuma das crianças considerou medir a área do tampo da mesa, apenas seu comprimento.

As crianças utilizaram distintos métodos para medir a mesa, demonstrando a construção ativa do conhecimento matemático e o desenvolvimento do pensamento criativo. Van de Walle (2009) destaca que a aprendizagem matemática significativa ocorre quando as crianças são incentivadas a explorar diferentes estratégias e compartilhar suas descobertas.

Durante a prática, foi possível observar o envolvimento das crianças no processo de investigação e experimentação, testando diferentes maneiras de medir a mesa. O Quadro 1 exemplifica a diversidade de respostas apresentadas pelas crianças. Ao explorarem livremente diversas estratégias e compararem os resultados entre si, elas começam a entender conceitos como variabilidade nas medições e a importância da precisão, o que é uma introdução natural à noção de padrões, unidade de medida e consistência.

Permitir que as crianças explorem os problemas a partir dos seus próprios entendimentos, como destacam Possamai e Allevato (2024), é central para o desenvolvimento matemático, pois permite que, ao articularem suas descobertas, construam um conhecimento mais profundo sobre a Matemática e o mundo ao seu redor. Assim, a curiosidade e o desejo de investigar são catalisadores para uma aprendizagem significativa e duradoura, incentivando-as a formular perguntas, testar hipóteses e refletir sobre suas práticas. Dessa forma, promove-se o desenvolvimento do pensamento crítico, da criatividade e de habilidades para a resolução de problemas no cotidiano.

Após a medição e a socialização, cada criança recebeu uma folha para registrar a prática realizada, considerando que cada uma utilizou um método único de medição.

É importante incentivá-las a registrar, mesmo que seja por meio de desenhos, e pedir-lhes que expliquem como pensaram para resolver os problemas. Nesse momento, o professor poderá compreender o seu raciocínio e fazer a intervenção necessária para a correção dos equívocos, de modo a contribuir para o desenvolvimento do raciocínio matemático

(Carvalho, 2014, p. 159).

Escolheram-se os registros de outras quatro crianças para retratar, na Figura 3, as diferentes maneiras de representar a prática. Esses registros reforçam a afirmação anterior de que, ao apresentar uma questão aberta, as crianças adotaram diferentes estratégias de resolução, chegando a resultados diversos. Esse fato possibilitou discussões e a compreensão sobre o campo matemático envolvido.

(Acervo da Pesquisa)

Figura 3 Resolução do problema por algumas crianças 

Observou-se que a criança que fez o desenho na parte superior esquerda representou uma mão, indicando que havia medido a mesa com ela, e, ao lado, escreveu o número nove, mostrando quantas vezes essa medida foi utilizada. No desenho superior direito, a criança se retratou com a mão sobre a mesa, indicando que havia medido a lateral do tampo, anotando a quantidade de mãos usadas para essa medição.

Na imagem inferior esquerda, a criança desenhou a mesa completa e o número 13. Ao ser questionada, ela informou que mediu o tampo e os pés da mesa. Já no desenho inferior direito, a representação mostra que a criança mediu os dois lados não paralelos do tampo da mesa, verificando que um deles tinha cinco mãos e o outro, seis.

As diferentes formas de apresentar os resultados demonstram o desenvolvimento da atividade cognitiva associada à novidade (Gontijo, 2024), visto que a Figura 3 exemplifica a originalidade das crianças em suas representações.

Após as apresentações, as crianças discutiram porque os valores eram diferentes e chegaram à conclusão de que isso aconteceu devido à variação no tamanho das mãos e à forma como utilizaram para medir. Algumas usaram as mãos fechadas, outras abertas; algumas não se preocuparam em posicioná-las juntas, enquanto outras mediram utilizando a distância entre o dedo maior e o punho. O fato de terem empregado mais de cinco formas diferentes de medir influenciou a divergência dos resultados.

Nesse momento, as crianças demonstraram flexibilidade no pensamento, compreendendo que os resultados diversos derivaram das abordagens para resolver o problema ou do fato de o instrumento de medida, a mão, ter tamanhos diferentes (Silver, 1994). Após chegarem a essa conclusão, a pedido das crianças, virou-se a página do livro para mostrar os resultados obtidos pelos personagens da história, e as elas perceberam que também tinham encontrado valores diferentes.

Dando continuidade à atividade, leu-se a próxima página (Figura 4), que apresentava um problema complementar. Observando as crianças percebeu-se o entusiasmo ao se prepararem para iniciar a prática seguinte.

(Kraft e Silva, 2025, p. 13)

Figura 4 Problema Complementar 

Após a leitura, as crianças pegaram seus lápis para medir a mesa e, dessa vez, foi acordado que deveriam medir sua largura. No entanto, ao compararem os lápis entre si, perceberam que tinham tamanhos variados, o que gerou uma discussão sobre as diferenças de medida que poderiam surgir. Segundo Van de Walle (2009, p. 407), “uma discussão sobre a necessidade de uma unidade padrão pode ter mais significado após os grupos em sua turma terem medido os mesmos objetos com suas próprias unidades e terem chegado a respostas diferentes”.

Diante do entendimento de que o tamanho dos lápis deveria ser o mesmo, foram distribuídos lápis novos, todos do mesmo tamanho, orientando as crianças a usá-los como medida padrão, sem introduzir naquele momento, as unidades convencionais de medida, como centímetros ou metros.

Após essa nova medição, leu-se a frase no quadro que o personagem da história segurava. As crianças começaram a comparar seus resultados com os dos colegas, e a maioria obteve o mesmo valor, com apenas cinco apresentando medidas diferentes.

Um menino, vendo a discussão entre seus colegas sobre o fato de as medidas anteriores serem diferentes e as de agora serem iguais, prontamente explicou por que isso aconteceu: “Cada mão tem uma medida, porque somos diferentes e o lápis tem a mesma medida para todos”. Esse comentário gerou uma curiosidade coletiva, levando as crianças a confirmarem, medindo um lápis com o outro, se todos realmente tinham o mesmo tamanho. Esse fato demonstra que “a apropriação dos conhecimentos matemáticos não se dá de maneira natural ou intuitiva; mas, a partir da mediação dos instrumentos e signos culturais, por meio das relações entre seres humanos” (Miranda e Sá, 2020, p. 16). Após as discussões e a conclusão apresentada por uma das crianças, a maioria começou a compreender o processo.

Ao perceber essa diferença, as crianças foram até as mesas dos colegas que haviam obtido resultados diferentes e repetiram o processo, verificando que, na realidade, as medidas eram iguais às delas. Após essa verificação, questionaram seus colegas sobre o procedimento utilizado. Ao analisarem o processo de medição, perceberam que alguns não haviam posicionado os lápis um depois do outro corretamente, mas sobreposto parcialmente um lápis ao próximo, o que gerou discrepâncias nos resultados. As crianças discutiram entre si sobre a melhor forma de medir e compreenderam por que seus valores eram diferentes.

Após as discussões, a página do livro foi novamente virada, e todos juntos verificaram as medidas dos personagens da história. Constataram que, ao usarem o lápis como referência, eles também haviam obtido as mesmas medidas. Isso reforçou o entendimento e a confiança nas suas descobertas, mostrando que a medida de um objeto é representada por um número e que, para encontrá-la corretamente, é necessário um instrumento único de referência, permitindo a comparação de seu comprimento com o do objeto medido.

5 Considerações finais

O estudo deste artigo teve como objetivo discutir o significado de pensamento criativo e suas características em práticas explorando noções e linguagem matemáticas por meio da resolução de problemas vinculados a uma história infantil. Para isso, apresentou-se, inicialmente, o referencial teórico que explora as diversas concepções de criatividade, posicionando-se em relação àquela considerada mais pertinente.

A partir desse posicionamento, abordou-se a diferença entre pensamento criativo e criatividade, ressaltando a importância de estimular o primeiro para desenvolver o segundo, ou seja, incentivar o pensamento criativo para se tornar mais criativo.

Depois, apresentaram-se as atividades cognitivas que caracterizam o pensamento criativo — fluência, flexibilidade e novidade —, que permitem verificar indícios de criatividade nas práticas realizadas pelas crianças. Por fim, analisou-se uma prática realizada com crianças de cinco e seis anos, buscando identificar indícios dos processos mentais apresentados anteriormente e seus entendimentos matemáticos.

Como considerações finais deste estudo, afirma-se, com base no vivenciado e analisado, que essa prática permitiu verificar que o trabalho relacionado a uma história infantil levou as crianças a se envolverem. Elas gostaram de acompanhar e escutar o que acontecia com os personagens e criaram roteiros para a continuação da narrativa.

A exploração desse problema aberto, a partir da história, possibilitou que refletissem sobre a situação apresentada, interpretando-a de acordo com seus entendimentos e buscando uma estratégia própria para resolvê-la. Esse processo evidenciou a fluência de ideias e a flexibilidade de pensamento na busca de instrumentos de medida. Além disso, ao analisar os registros, observou-se a originalidade das formas utilizadas pelas crianças para representar a ação executada e o resultado obtido.

Importante mencionar que, após resolverem o problema proposto, as crianças demonstraram grande interesse em retornar à história para conferir se os personagens tinham realizado a tarefa da mesma forma, revelando o vínculo que se formou entre elas, os personagens e os problemas apresentados.

Em relação aos conhecimentos associados ao campo de Medidas, percebeu-se que, à medida que a prática se desenvolvia, as crianças foram compreendendo algumas noções relacionadas, como a necessidade de definir claramente o que deve ser medido e a importância de utilizar o mesmo instrumento para garantir que, ao medir o mesmo objeto, o resultado obtido seja consistente.

Dessa forma, acreditou-se que práticas pedagógicas que relacionam histórias infantis à resolução de problemas possuem grande potencial para o desenvolvimento de noções e linguagem matemática e criatividade. Quando o professor explora problemas abertos e incentiva as crianças a pensarem e buscarem estratégias próprias para resolvê-los, além de criar espaços para socialização das resoluções e resultados e troca de experiências, ele fortalece o aprendizado. Nesse processo, o papel do professor deve ser o de mediador, questionando as estratégias adotadas e os resultados obtidos, consolidando os entendimentos corretos.

Nota

A revisão textual (correções gramatical, sintática e ortográfica) deste artigo foi custeada com verba da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), pelo auxílio concedido no contexto da Chamada 8/2023.

1De acordo com Fochi (2015), as salas-referência são espaços de vivência e pertencimento, onde crianças e professores convivem por várias horas do dia e realizam suas rotinas diárias.

2Os interessados em conhecer as 10 etapas da Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática por meio da Resolução de Problemas podem ler o capítulo escrito por Allevato e Onuchic (2021), apresentado nas referências deste artigo.

Referências

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Recebido: 31 de Outubro de 2024; Aceito: 05 de Fevereiro de 2025; Publicado: 10 de Maio de 2025

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