INTRODUÇÃO
Os conceitos e ideias relativos a saúde e assistência à população foram mudando ao longo do tempo. Gradualmente, a proposta da medicina curativa, voltada para atenção ao indivíduo já doente, deixou de ser a melhor opção para assistência à população, segundo os especialistas da área. Assim, começou a crescer a necessidade de atuação na promoção à saúde, a qual suscitou importantes discussões sobre como agir para que seja possível manter uma população com qualidade de vida, com isso, evitar os desgastes e gastos necessários para restabelecer o bem-estar perdido.
A perspectiva de promoção à saúde, presente nas políticas públicas e que fundamenta este estudo, prevê a garantia de conhecimentos para além do cuidado de si, ou seja, é uma compreensão que coloca no centro do debate o papel do Estado e dos sujeitos coletivos. Desse modo, em linhas gerais, a promoção à saúde tem como fundamento a preocupação com a realidade social, cultural e econômica de uma população, de modo que seja possível traçar estratégias de promoção e cuidado.
Pensando sob esta ótica, não é difícil encontrarmos informações sobre o que é favorável para a manutenção da saúde. Praticar atividades físicas, manter uma alimentação saudável, boas horas de sono, evitar o estresse, ter momentos de lazer são recomendações que auxiliam na formação de bons hábitos e de uma vida saudável. Porém, é importante destacar que o acesso às informações é amplo, no entanto, a possibilidade de colocá-las em prática, pelo menos para boa parte da população, nem tanto. Diante disso, questiona-se como seria possível para parte da população, que mal tem o que comer, possuir uma alimentação saudável? Como evitar o estresse, ter boas horas de sono ou momentos de lazer se não há emprego, boas condições de moradia, diante da inevitabilidade em manter uma rotina pesada de trabalho para ter o mínimo necessário para viver? Esses questionamentos deixam claro que manter bons hábitos, ter qualidade de vida e, consequentemente, boa condição de saúde não depende só do indivíduo.
Neste sentido, a escola se destaca como espaço potente para que se desenvolva a relação entre a saúde e a sociedade. De acordo com o Ministério da Saúde (2009), em razão de a escola ser um local de formação de opiniões e de hábitos, principalmente, para crianças e adolescentes, ela se torna ferramenta eficiente para a educação em saúde, para a formação de cidadãos conscientes e críticos, responsáveis por suas escolhas (Brasil, 2009).
Nestes termos, o Programa Saúde na Escola (PSE), criado pelo Decreto nº 6.286, de 05 de dezembro de 2007 (Brasil, 2007), é uma proposta do Governo Federal, baseada na prevenção, promoção, acompanhamento e atendimento à saúde, que tem como alicerce central a intersetorialidade entre a educação e a saúde.
O PSE é resultado de uma parceria entre os Ministérios da Saúde e da Educação e tem como objetivos: promover a saúde e a cultura da paz, enfatizando a prevenção de agravos à saúde; articular ações do setor da saúde e da educação, aproveitando o espaço escolar e seus recursos; fortalecer o enfrentamento das vulnerabilidades da clientela escolar; além de incentivar a participação comunitária, contribuindo para a formação integral dos estudantes da rede básica (Brasil, 2007; 2009). Portanto, ele surge como um Programa que prevê o estreitamento das distâncias e o fortalecimento da relação entre os setores da Saúde e da Educação, buscando a aproximação com a sociedade, a fim de tornar mais eficientes as ações já desenvolvidas separadamente por esses setores.
No presente estudo, o PSE foi analisado sob a ótica do Ciclo de Políticas proposto por Ball e Bowe (1992). Esta abordagem teórico-metodológica considera o macro e o micro contexto, por isso, dá grande importância às pessoas envolvidas na condução de todo processo, tal como propõe uma análise dos contextos que envolvem a política, desde a sua criação até a execução e avaliação dos resultados (Contextos da Influência, Produção de Textos e da Prática). Segundo Costa e Medeiros (2024), os contextos abordados no Ciclo de Políticas estão entrelaçados e fazem parte de um mesmo processo. Assim, de maneira concomitante e cíclica, o Contexto da Prática acaba trazendo de volta o Contexto da Influência.
Utilizada em estudos para análises de políticas educacionais, esta abordagem é muito útil como referencial analítico em programas e políticas, pois possibilita uma análise de todo o processo de criação, seja inicialmente nas influências para sua formulação, seja na construção dos textos oficiais, implantação e reflexos alcançados na prática (Mainardes, 2006).
PERCURSO METODOLÓGICO
Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, cujo foco de análise foi o Contexto da Prática, um dos contextos considerados pelo Ciclo de Políticas, conforme apontado anteriormente. O objetivo central foi compreender como dirigentes de educação e da saúde dos municípios do território do Médio Sudoeste da Bahia se apropriam das orientações oficiais do PSE a fim de desenvolverem ações educativas que promovam a saúde nas escolas dos seus municípios.
Ao tomar como ponto de partida o Ciclo de Políticas, Ball, Maguire e Braun (2021) destacam que, na teoria da atuação, as políticas estão sujeitas a reformulações que estarão ligadas às realidades do seu local de implantação, considerando influências sociais, culturais, econômicas e intenções políticas dos seus implementadores. Assim, os atores envolvidos nesse processo não são replicadores dos textos políticos como quem segue um protocolo pré-determinado e imutável.
Nesse sentido, a opção pelo Contexto da Prática se deu em função da possibilidade de interpretação e de tradução dos textos políticos que cada personagem envolvido no processo de implementação desta política faz, principalmente, se forem consideradas as realidades sociais, políticas e econômicas do local em que a política será implantada. Para entender como esse processo funciona, foram analisadas as respostas atribuídas a um questionário respondido pelos dirigentes (Secretário de Educação e Saúde) dos municípios do Território de Identitdade do Médio Sudoeste da Bahia.
O questionário foi elaborado com base na proposta da Escala Likert, na qual as afirmativas são apresentadas e o/a respondente é convidado a expressar o seu grau de concordância com aquela frase. Para isso, ele deve marcar a resposta que mais traduz sua opinião de acordo a seguinte escala: (1) concordo totalmente; (2) concordo; (3) discordo totalmente; (4) discordo e (5) sem opinião. Desta maneira, foram formuladas afirmações direcionadas para os principais pontos sobre o Programa Saúde na Escola, baseados na literatura referente à temática em questão e no conhecimento prévio acerca do Programa. Os questionários foram enviados de forma on-line e as respostas devolvidas em prazos pré-determinados pelos dirigentes dos municípios do Território de Identitdade do Médio Sudoeste da Bahia.
De acordo a Secretaria de Planejamento da Bahia (SEPLAN), o conceito de Território de Identidade foi construído por meio de um processo iniciado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 2003. Em 2010, os Territórios de Identidade da Bahia foram reconhecidos como divisão territorial oficial de planejamento das políticas públicas do estado da Bahia. A partir de então, o território baiano passou a ser dividido em 27 Territórios de Identidade, que são base para planejamento e implantação de políticas públicas, considerando as necessidades específicas de cada território e com engajamento de agentes locais (Bahia, 2016).
O território do Médio Sudoeste da Bahia abrange os municípios de Caatiba, Firmino Alves, Ibicuí, Iguaí, Itambé, Itapetinga, Itarantim, Itororó, Macarani, Maiquinique, Nova Canaã, Potiraguá, Santa Cruz da Vitória. O município de Itapetinga é o polo de referência municipal do Médio Sudoeste. Dentre os 26 dirigentes (13 da educação e 13 da saúde) que fazem parte da administração dos municípios que compõe o território do Médio Sudoeste da Bahia, participaram desta pesquisa 21 dirigentes (12 da educação e 9 da saúde).
A base considerada para a análise das respostas dadas aos questionários foi a análise de evidências proposta por Yin (2015). Portanto, a análise buscou desenvolver uma descrição da fase de implementação do Programa Saúde na Escola que se iniciou no momento em que os dirigentes municipais se apropriaram dos textos oficiais e estabeleceram estratégias para o desenvolvimento das ações.
As respostas foram organizadas visando ao entendimento de algumas etapas do processo de implementação, a saber: (1) escolha dos temas pactuados e adequações às realidades e necessidades de cada município; (2) material de apoio fornecido pelo governo; (3) verba destinada para o desenvolvimento das ações; (4) planejamento e acompanhamento das ações; (5) treinamento dos servidores municipais que atuarão no desenvolvimento das ações; e (6) relações intersetoriais entre educação e saúde. Com essa análise, buscou-se compreender como o PSE funciona na prática, sob o ponto de vista dos dirigentes municipais, também evidenciar suas percepções a respeito do Programa, descrever as práticas adotadas, além de caracterizar as estratégias de planejamento e desenvolvimento das ações com foco nas relações intersetoriais.
O PROGRAMA SAÚDE ESCOLA: A INTERSETORIALIDADE NO CONTEXTO DA PRÁTICA
Considerando as influências que atravessaram a produção do PSE enquanto política pública, desde as discussões sobre a promoção à saúde até a materialização dos textos políticos que o norteia, este artigo analisa a forma como o este Programa é percebido e desenvolvido pelos dirigentes que estão à frente das pastas (Secretaria Municipal de Educação e de Saúde), responsáveis por colocar em prática o que é proposto nestes textos.
É importante destacar que o desenvolvimento de uma política pública depende muito dos atores envolvidos. Considerando o Ciclo de Políticas, o Contexto da Prática é marcado pelo que estabelece os textos oficiais, contudo, isso não quer dizer que, independentemente de onde sejam materializados, o seu desenvolvimento ocorra do mesmo modo. Assim, é preciso compreender como os envolvidos no desenvolvimento das políticas interpretaram e traduziram as propostas da política e a colocaram em prática, considerando as realidades locais.
As discussões sobre prevenção e promoção à saúde, bem como a amplitude de suas abordagens, inclusive no ambiente escolar, destacam-se quando analisamos as influências que levaram à elaboração do PSE, do mesmo modo como estão refletidas nos textos políticos do Programa. Sob este ponto de vista, reforça-se a ideia de que o referido Programa apareceu como uma boa estratégia para prevenção e promoção à saúde.
Dentre os dirigentes que participaram desta pesquisa, 14 (66,7%) concordam que PSE, por meio de sua proposta oficial, apresenta-se com grande potencial para a promoção, a prevenção e o acompanhamento da saúde. Os outros 7 (33,3%) concordaram totalmente com essa afirmação. Desta forma, a importância e o potencial do Programa aparecem como unanimidade entre os dirigentes, mostrando que os profissionais que estão diretamente envolvidos no processo de planejamento e desenvolvimento do PSE estão de acordo com o que é proposto pelo texto oficial.
Reforçando essa característica, alguns dirigentes ainda classificaram como pontos positivos do Programa o fato de favorecer a prevenção de doenças na comunidade escolar e nas famílias dos alunos; permitir o acompanhamento mais próximo das crianças e adolescentes, formando jovens mais saudáveis; identificar problemas de saúde na comunidade escolar e prevenir agravos. Ainda sobre o potencial do Programa, vale lembrar que uma das funções das Equipes de Saúde da Família (ESF), quando foram criadas, era aproximar o Sistema Único de Saúde (SUS) da população e uma das intenções do PSE foi promover o trabalho em conjunto com essas unidades. Também foi um dos pontos positivos levantados pelos dirigentes, o fato de favorecer a integração entre saúde e famílias, aproximando as demandas e as necessidades da população dos seus direitos, fortalecendo a rede e as ações da atenção básica por meio de informação e cuidados às classes menos favorecidas, o que possibilita a melhoria dos indicadores de saúde.
Sem a intenção de desvalorizar as características positivas apontadas pelos dirigentes, vale reforçar uma preocupação apresentada durante a análise dos textos do PSE e que aparece muito forte no Contexto da Influência: a importância de se apropriar do discurso da promoção à saúde e colocá-lo em prática, buscando minimizar a dominância assistencialista, já caracterizada como de menor impacto social e que sobrecarrega a atenção básica à saúde (Brasil, 2007).
Cavalcanti, Lucena e Lucena (2015) apontam esta contradição quando ressaltam que mesmo recebendo críticas de especialistas em debates e conferências por todo o mundo, o modelo centrado nas características biológicas - com atenção na doença já instalada e na busca pela cura - ainda é o modelo hegemônico. Pode-se pensar, então, que a reprodução de ações com este direcionamento deve estar associada, também, à falta entendimento acerca do significado de promoção à saúde e das múltiplas necessidades sociais envolvidas. Assim, personagens no desenvolvimento de programas como o PSE têm a equivocada sensação de que estão alcançando os objetivos propostos por uma política que busca inovações.
Quando questionados se o PSE consegue aproximar o sistema de saúde da comunidade no município, 15 (71,4%) dos dirigentes concordaram com esse potencial do Programa, 3 (14,3%) concordaram totalmente e outros 3 (14,3%) discordaram. Dos 3 dirigentes que discordaram da capacidade do PSE de aproximar a saúde da comunidade, 2 são da saúde e 1 da educação, e não foi encontrado em nenhum dos municípios pesquisados os seus dois dirigentes (educação e saúde) discordando desse item simultaneamente.
Cabe considerar que a unanimidade entre os dirigentes frente ao que propõe o Programa não quer dizer que não há pontos negativos durante a sua execução. Para alguns dos participantes, em suas realidades, é necessário intensificar a assistência médica, odontológica e psicológica dos envolvidos. Para alguns dirigentes, o PSE não consegue atender com prioridade os alunos com deficiências e aqueles com necessidades educacionais especiais, o que evidencia uma dificuldade de integração entre a identificação de um problema, o atendimento e o acompanhamento dos estudantes.
As ações desenvolvidas permitem levar informações relevantes sobre saúde à comunidade escolar e seus familiares e, também, identificar/diagnosticar problemas de saúde entre os estudantes por meio de exames de acuidade visual, auditivos, nutricionais, entre outros. Essa identificação é uma maneira de aproximar esses estudantes do SUS por meio da Atenção Básica, todavia, para que o circuito se complete, é importante que os problemas sejam acompanhados e tratados. Assim, a falta de acompanhamento após as ações aparece como uma falha a ser solucionada.
Porém, merece destaque que um importante elo para o sucesso do Programa continua em segundo plano. Permanecem muito visíveis, aos olhos dos dirigentes, os processos de identificação, acompanhamento e tratamento, mas a promoção à saúde, como estratégia primordial no PSE, não aparece, com isso, o Programa perde o seu caráter inovador.
Analisando aprofundadamente as respostas dos dirigentes sobre esse aspecto, é possível perceber que as ações do Programa possibilitam uma importante integração entre a comunidade escolar, seus familiares e o atendimento à saúde nos municípios, sobretudo, quando nessas ações é possível identificar uma série de problemas entre os estudantes. No entanto, essa integração só se tornará realmente forte e eficiente se a promoção à saúde, em seu conceito mais amplo, for contemplada. Assim, será garantido o suporte da Atenção Básica e de outros serviços que assegurem o atendimento e o tratamento, com isso, diminuir as demandas dos estudantes. Com a repetição de erros no início do processo, o sistema de saúde continuará sobrecarregado e sem condições de corresponder ao alto fluxo do atendimento e tratamento.
Logo, quanto mais as ações do PSE estiverem concentradas apenas na identificação de problemas e encaminhamento para tratamento, mais sobrecarregado ficará o sistema de saúde. Cabe destacar que o PSE foi criado sob a influência do crescimento do debate sobre a promoção à saúde, assim, se esta não aparecer como elo central da cadeia, o ciclo não se completará. Do ponto de vista macro, esse é um importante potencial do Programa, mas que deve ser acompanhado cuidadosamente em cada realidade para que, em cada micro contexto no qual esta interação não esteja sendo realizada satisfatoriamente, seja possível identificar as falhas no circuito promoção/prevenção/identificação/acompanhamento/tratamento, por conseguinte, buscar possibilidades de saná-la junto às administrações municipais.
Considerando as macro e micro realidades, os textos de políticas públicas podem ser interpretados e traduzidos de diferentes formas para melhor se adaptarem aos contextos locais. Nesse sentido, dos dirigentes participantes, 13 (61,9%) deles concordam quando afirmamos que os textos oficiais do PSE permitem que sejam feitas adequações para a realidade de cada município no desenvolvimento das ações, 5 (23,8%) reforçam essa afirmação concordando totalmente, 2 (9,5%) discordam e 1 (4,8%) dos dirigentes não opinou sobre esse ponto. Dentre os dirigentes que discordaram desta afirmação, 1 é da saúde e o outro é da educação, assim como o gestor que se colocou como sem opinião. Neste quesito, vele destacar a importância da ação em conjunto dos dois setores, pois os profissionais da saúde possuem importantes informações sobre as realidades locais, enquanto os profissionais da educação podem contribuir, efetivamente, na elaboração de estratégias para desenvolvimento das ações junto aos estudantes.
Para que programas voltados à saúde nas escolas tenham efetivo desenvolvimento, é fundamental que eles estejam em concordância com as prioridades e realidades das escolas em questão. Silva, Caballero e Ceccim (2010) pontuam a necessidade de resistir à reprodução de estratégias já estabelecidas e desenvolver propostas adequadas às realidades locais. Contextualizando com o que propõe o Ciclo de Políticas, Ball e Bowe (1992) destacam que os textos políticos estão sujeitos a adaptações realizadas pelos atores envolvidos, considerando realidades locais, sociais, econômicas, culturais e, até mesmo, políticas. Desta forma, os textos oficiais não devem, necessariamente, ser seguidos como uma receita, já os envolvidos não precisam, ou não devem, ser meros replicadores das propostas.
No que se refere aos textos oficiais do PSE, eles destacam a necessidade de ponderar as características da população de cada município, por isso, as ações em saúde na escola devem respeitar estas características. Inclusive, é indicação do texto que institui o Programa, que o planejamento das ações considere o contexto escolar e social, o diagnóstico local em saúde e a capacidade operativa em saúde do escolar (Brasil, 2007). Assim, os dirigentes que consideram não ser possível adaptar o que é proposto pelo Programa estão interpretando-o equivocadamente, em vista disso, podem não conseguir extrair das ações desenvolvidas melhores resultados para o seu município.
Considerar a realidade de cada município é um princípio importante que deve ser considerado no momento da escolha dos temas pactuados no início do processo, e que serão trabalhados ao longo do ano. O Governo Federal sugere temas a serem trabalhados nas ações do PSE e essas sugestões podem ser adaptadas ou, até mesmo, substituídas, caso o grupo de trabalho municipal envolvido nesse processo entenda que existem temas que podem contribuir de maneira mais efetiva para o momento de cada município (Brasil, 2007).
Desde a escolha dos temas a serem trabalhados é importante a presença de um grupo multiprofissional para que as discussões sejam amplas e diferentes necessidades dos municípios possam ser consideradas. Neste contexto, quando foi apresentado aos dirigentes a afirmação de que a escolha dos temas pactuados é feita após reuniões entre os dirigentes e membros dos setores educação e saúde, 16 (76,2%) concordaram com a afirmação, enquanto 2 (9,5%) concordaram totalmente, demonstrando que este procedimento é adotado em seus municípios. Diferente da maioria, 2 dirigentes (9,5%) discordaram. Nesses casos, é importante que se observe a formação do grupo de trabalho envolvido neste processo, para que não se corra o risco de escolher temas que não estejam afinados com as necessidades locais. Os dois dirigentes que discordaram da afirmação não pertencem ao mesmo município, sendo um da educação e outro da saúde, o que demonstra falta de comunicação entre os setores. Ainda sobre esta mesma afirmação apresentada no questionário, 1 gestor (4,8%) se declarou sem opinião, o que levanta a possibilidade de ele não estar envolvido diretamente no desenvolvimento do Programa, o que é um aspecto negativo diante da importância da figura do gestor para o desenvolvimento de políticas públicas.
Para a escolha dos temas que serão pactuados, é indispensável que os dirigentes e demais profissionais envolvidos no desenvolvimento do Programa extrapolem o que é apresentado pelos textos oficiais como sugestões de ações. A interpretação da proposta do PSE baseada no conceito de promoção à saúde indicado pela OMS é fundamental para que os temas a serem desenvolvidos não tenham um caráter voltado apenas para educação em saúde, sem que se considerem os contextos sociais nos quais estão inseridas as escolas e que influenciam fortemente no impacto esperado junto à comunidade.
Proporções bem semelhantes aparecem quando 16 (72,6%) concordam e 3 (14,3%) concordam totalmente quando afirma que as realidades sociais, culturais e econômicas do município são consideradas nos momentos de planejamento das ações que serão desenvolvidas pelo PSE, enquanto 2 (9,5%) discordaram. Essas semelhanças demonstram que a formação de um grupo multiprofissional e que conheça as realidades do município favorece o planejamento das ações articuladas com as reais necessidades da população. Essa ação conjunta e intersetorial é um dos diferenciais deste Programa. Por isso, não se deve considerar coincidência o fato de os 2 dirigentes - 1 da educação e 1 da saúde que discordaram desta afirmação - serem os mesmos que também discordaram quando se afirmou que os temas pactuados são escolhidos após reuniões entre os membros de ambos os setores.
Se para a escolha dos temas pactuados já é importante a intersetorialidade, para o planejamento das ações não seria diferente. Como foi encontrado nos dados, a maioria dos dirigentes afirmou que os setores da educação e saúde trabalham em conjunto no processo de escolha dos temas pactuados, assim, já era de se esperar que esta também fosse a prática durante o planejamento das atividades. Isso se confirmou quando 18 (85,7%) dirigentes concordaram que, em seus municípios, as atividades desenvolvidas durante a execução PSE são planejadas em conjunto entre os membros da educação e da saúde. Essa característica foi reforçada por 2 (9,5%) dirigentes que concordaram totalmente, enquanto 1 (4,8%) discordou. Mais uma vez, um mesmo gestor, da saúde, demonstra, em suas respostas, que em seu município a intersetorialidade não está acontecendo como deveria, ou pelo menos, indica que este gestor esteja mais afastado das atividades voltadas ao Programa, tendo em vista que o gestor da educação deste mesmo município não apresenta as mesmas impressões, já que suas respostas sobre esses quesitos são opostas ao do seu colega da saúde.
Ações coordenadas e em conjunto entre os setores da educação e da saúde, para que programas como o PSE tenham as suas propostas inovadoras contempladas, precisam de ideias convergentes sobre o conceito mais amplo da promoção à saúde. Eberhardt e Reis (2011) se preocupam com a persistente individualização das problemáticas que pode descaracterizar as ideias modernas dessas políticas sociais e conduzir para a repetição de estratégias já conhecidas e com pouco impacto, pois caminham para a medicalização dos problemas educacionais.
Cabe inferir que a intersetorialidade é fator crucial para o bom desenvolvimento da política em questão. Possibilitar o trabalho em conjunto entre os setores da educação e da saúde é, sem dúvida, o grande potencial do PSE, pois essa interação traz benefícios diretos para as duas pastas e é a população a grande impactada, positivamente, com essa relação mais próxima.
Esse relevante potencial do PSE é destacado como ponto positivo por alguns dirigentes, quando afirmam que essa proximidade pode identificar e minimizar problemas que afetam os alunos no processo de aprendizagem, ampliando as oportunidades para um ensino de qualidade, com conhecimentos importantes apresentados de maneira lúdica. Além disso, tal aproximação pode estimular o debate, favorecer um planejamento mais amplo, promover a integração e a conexão entre as secretarias, de modo que às atividades das ESF sejam mais dinâmicas, por conseguinte, gerarem um retorno positivo à comunidade.
A intersetorialidade aparece, cada vez mais, como um imperativo no desenvolvimento de políticas sociais, o que, na mesma magnitude, reforça a necessidade de debates que busquem identificar e minimizar os obstáculos para sua materialização. Trabalhos como os de Monnerat e Souza (2010) e de Valadão (2004), por exemplo, apontam os entraves e as complexidades para o desenvolvimento de ações intersetoriais, tais obstáculos vão desde a promoção de discussões elaboradas sobre o tema, sobretudo para empoderamento dos envolvidos, até as dificuldades estruturais.
Desse modo, o desenvolvimento da intersetorialidade aparece como pontochave. Isso fica claro quando 13 (61,9%) dos participantes desta pesquisa concordam que as ações coordenadas entre os setores de educação e saúde são fundamentais para o atendimento da proposta do PSE. Tal entendimento foi reforçado por 7 (33,3%) que concordam totalmente. Neste quesito, apenas 1 (4,8%) gestor, da educação, declarou sem opinião, o que demonstra pouco envolvimento. A importância da intersetorialidade é reconhecida até mesmo pelos dirigentes que, em respostas anteriores, evidenciaram que, em seus municípios, este pode ser um problema a ser resolvido, já que relataram que os setores envolvidos não atuam conjuntamente em etapas importantes como formação de grupo de trabalho, escolha de temas e planejamento das ações.
Diante da importância da intersetorialidade para o desenvolvimento do PSE, existe a possibilidade que esta também possa aparecer como uma das principais dificuldades enfrentadas, principalmente, pelos dirigentes. Proporcionar e administrar as relações entre educação e saúde pode, então, aparecer como um obstáculo a ser superado. Silva et al. (2014) destacam que a intersetorialidade é um instrumento de gestão e deve dar suporte aos profissionais que a desenvolvam. Assim, os dirigentes precisam priorizar ações que fortaleçam a inclusão social e a equidade, diferenciando-se de práticas assistencialistas.
Quando questionados sobre se o ato de coordenar e organizar as ações intersetoriais (entre os setores de educação e saúde) é uma dificuldade durante a execução do PSE nos municípios, a maioria, 13 (61,9%) dos dirigentes discordaram, 6 (28,6%) concordaram, 1 (4,8%) concordaram totalmente e 1 (4,8%) se manteve sem opinião sobre esse quesito. Assim, 7 dirigentes colocaram a administração das relações intersetoriais como um grande desafio para o desenvolvimento do Programa. Destes, 5 são dirigentes da saúde. Mesmo que pontual, essa maioria pode representar uma dificuldade ainda maior em gerir esse tipo de relação por parte dos profissionais da saúde, possivelmente em função das características das suas rotinas. Essa provável característica deve ser considerada na escolha da pessoa que coordenará o Programa.
A maioria dos dirigentes dos municípios do Médio Sudoeste da Bahia entende e concorda quando o assunto é a relevância da intersetorialidade para o PSE, assim, buscam promover uma boa relação entre os setores da educação e da saúde durante todo o processo que envolve o desenvolvimento do Programa, mesmo que isso se apresente como uma dificuldade. Desse modo, essas dificuldades, mesmo que pontuais, devem ser consideradas.
Sobre este quesito é possível perceber que dirigentes, mesmo sendo minoria, não consideram que as relações intersetoriais acontecem de maneira satisfatória em seu município e apresentam essa integração como uma dificuldade para a execução do PSE. Essa insatisfação apareceu em destaque como ponto negativo ao relatarem que os profissionais da educação se envolvem pouco com as ações e que existe resistência por parte dos diretores e professores nas escolas. Essa falta de integração se reflete em uma outra queixa relatada, a de que, por vezes, falta aos profissionais da saúde estratégias didáticas necessárias para conduzir as atividades nas salas de aula na escola.
Silva e Rodrigues (2010) identificaram o predomínio do setor da saúde em relação ao da educação em ações que deveriam ser compartilhadas. Ainda sobre esta questão, Silva (2010) destaca a importância de se entender os indicadores da educação para o alcance da promoção à saúde e, não diferentemente, a educação precisa utilizar dos conhecimentos advindos da saúde para combater os problemas de aprendizagem que são influenciados pela baixa qualidade de vida. Desse modo, as ações intersetoriais entre educação e saúde devem funcionar como uma via de mão dupla.
Os documentos oficiais do PSE recomendam que o Estado deve dar suporte e formação continuada aos profissionais que atuam no desenvolvimento do PSE (Brasil, 2007). Essa foi uma questão que gerou uma divisão entre as opiniões dos dirigentes que participaram da pesquisa.
Quando questionados se os membros dos grupos de trabalho que atuam nas ações do PSE recebem formação específica para o desenvolvimento de suas atividades, 7 (33,3%) discordaram, enquanto 2 (9,5%) discordaram totalmente. Ou seja, 9 dos 21 dirigentes participantes dizem não receber o suporte necessário para a preparação do pessoal para as atividades específicas do Programa. Em contrapartida, 6 (28,6%) concordaram e 4 (19%) concordaram fortemente, enquanto 2 (9,5%) não apresentaram opinião sobre o assunto. Assim, 10 dirigentes afirmam que os profissionais, que atuam em seus municípios com as atividades do PSE, recebem, ou pelo menos receberam, treinamento para desenvolverem suas funções. Mesmo parecendo tão dividido, este quesito apresenta homogeneidade entre as respostas dos dirigentes de um mesmo município. Na maioria dos casos, ambos compartilham do mesmo pensamento, o que indica que em alguns municípios esse treinamento aconteceu e em outros não. Essa é uma questão que deve ser analisada mais de perto para que seja possível entender qual a origem deste treinamento, se está sendo oferecido pelo Estado e não é aproveitado por alguns, ou se este treinamento é uma iniciativa dos próprios municípios.
A falta de suporte aos profissionais envolvidos foi mais um dos pontos negativos levantados por alguns dirigentes. Para estes, um Programa como o PSE deveria ter disponibilidade de profissionais com formação específica, como isso não acontece, há uma sobrecarga dos servidores que já estão envolvidos em outras atividades, o que reflete na falta de empenho e maior interesse no desenvolvimento das ações.
Pimentel (2019) destaca que, por mais que o Brasil esteja avançando no acesso à educação, ainda é necessário investimento para garantir a qualidade. O suporte adequado permitirá a reformulação de ações necessárias para melhorar a qualidade da educação e valorização dos profissionais, assim, teremos um impacto efetivo nas atividades pedagógicas. No entanto, a realidade mostrada por Oliveira e Nunes (2017) é de profissionais da educação que precisam lutar pela garantia de direitos já previstos em lei e pela valorização dos seus trabalhos nas unidades de ensino em que atuam.
Este é um problema também considerado por Cavalcanti, Lucena e Lucena (2015). Para esses autores, o desenvolvimento de programas inovadores, como o PSE, exige ações voltadas para a formação de recursos humanos. Portanto, para as ações serem colocadas em prática, alcançando os seus reais objetivos, é necessário um trabalho interdisciplinar, intersetorial, com desenvolvimento de uma pedagogia diferenciada, que agregue realidades do cotidiano e leitura social crítica, caso contrário, não conseguirá se desprender de antigas práticas conservadoras.
Iniciativas como cursos de formação para temas priorizados pelo PSE ou cursos de pós-graduação poderiam minimizar essas deficiências. Contudo, o processo de ensinoaprendizagem ainda está muito ligado aos modelos tradicionais, o que prejudica a implementação de programas inovadores. Com isso, as práticas do setor da saúde acabam influenciando fortemente o setor da educação, mantendo o modelo biomédico ainda com muita força.
Considera-se não ser coincidência que essas queixas tenham sido trazidas pelos mesmos dirigentes que colocaram a relação intersetorial dos profissionais da educação e saúde na formação dos grupos de trabalho como uma das grandes dificuldades enfrentadas em seus municípios. Assim, ao resolver os problemas na relação dos diferentes profissionais que formam o grupo de trabalho, estes municípios, consequentemente, minimizariam os problemas didáticos dos profissionais da saúde e as dificuldades com os temas relacionados à saúde por parte da equipe pedagógica. No entanto, a harmonia entre os setores proporcionaria o desenvolvimento de ações mais eficientes com divisões de trabalho, nas quais cada um realizaria funções mais próximas da sua realidade profissional.
Considerando que não foi feita, neste trabalho, uma análise detalhada de cada município, é possível apenas levantar algumas linhas de análise sobre as diferentes realidades apresentadas. Apesar de os textos oficiais do PSE assegurarem a necessidade e a responsabilidade do Estado de proporcionar formação continuada para os servidores envolvido, como já foi destacado nas discussões sobre o Ciclo de Políticas, os textos políticos não garantem, na prática, que serão executados como proposto. Então, aqui pode aparecer fortemente o engajamento e o diferencial do trabalho dos dirigentes e demais atores no Contexto da Prática. Diante disso, executar e adaptar os textos políticos são responsabilidades de quem lê e interpreta esses textos.
De maneira mais precisa, é possível perceber que a intersetorialidade é ponto crucial para o PSE. Quando atividades como a formação do grupo de trabalho, a seleção dos temas pactuados, o planejamento, o desenvolvimento e o acompanhamento das ações são realizados de forma conjunta, por uma equipe multiprofissional motivada, é possível contextualizar com as realidades locais e o PSE aparece bem afinado com todo o histórico que lhe antecede e que direcionou a escrita dos seus textos oficiais. Em casos em que isso não acontece, é preciso que cada localidade se reorganize na busca por sanar dificuldades pontuais e alcançar os objetivos traçados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os textos que instituem o PSE apontam para uma política com grande potencial transformador e que pode contribuir fortemente com a promoção à saúde e qualidade de vida da população. No entanto, é importante que os atores envolvidos na execução da proposta, os intérpretes dos textos oficiais, também tenham o conhecimento dos antecedentes de sua criação por meio de uma formação que considere a intersetorialidade e a promoção à saúde como elementos norteadores de ações coletivas.
Os dados produzidos apontam que os atores que participaram desta pesquisa têm papel fundamental no desenvolvimento das ações do PSE, em outras palavras, os dirigentes municipais da educação e da saúde são os responsáveis pela interpretação dos textos oficiais e pelo planejamento coletivo de atividades junto aos grupos de trabalho em seus municípios.
Os dirigentes concordaram unanimemente sobre o potencial que o PSE apresenta sobre a promoção, a prevenção e o acompanhamento da saúde. Nestes termos, acreditar no que é proposto é o primeiro passo para um planejamento cuidadoso e apropriado das ações que serão desenvolvidas. A maioria dos dirigentes também concorda que as ações do Programa aproximam o atendimento e o acompanhamento à saúde da população do seu município, característica que influenciou a criação do PSE e que também aparece nos textos oficiais. Ressaltam que é possível adaptar as ações desenvolvidas aos contextos de cada município, mostrando que esta não é uma política com propostas engessadas e que devam ser desenvolvidas sempre da mesma maneira, sem considerar as necessidades locais.
O trabalho em conjunto dos setores da educação e de saúde aparece como estratégia eficiente para o planejamento e o desenvolvimento de bons hábitos de vida e manutenção da saúde de uma população, embora este tenha sido um ponto que ainda aparece com certa fragilidade em alguns dos municípios estudados. Cabe considerar que o PSE foi instituído sob esse princípio, assim, a intersetorialidade entre a educação e a saúde aparece nos textos oficiais como grande diferencial do Programa, sendo um importante pré-requisito para o seu sucesso.
Os municípios que formam grupos multiprofissionais e promovem discussões em conjunto, para o planejamento e desenvolvimento das atividades, demonstram que conseguiram se apropriar melhor das orientações oficiais, logo, conseguem promover, no Contexto da Prática, ações condizentes com as propostas dos textos que direcionam o Programa e essa é uma característica que, com base na participação dos dirigentes, está presente na maioria dos municípios do Médio Sudoeste da Bahia.
Diante do já esperado protagonismo da intersetorialidade e que foi confirmado com este estudo, as ações intersetoriais são fundamentais da promoção da saúde de uma população. Ter profissionais de múltiplas áreas, que podem contribuir em diferentes frentes na busca pela qualidade de vida, é a melhor estratégia para impactar positivamente a sociedade. A referência aqui não é somente aos setores da educação e saúde, mas também aos setores da infraestrutura, meio ambiente, economia, esporte, cultura, lazer. Só assim será possível alcançar as amplas e entrelaçadas demandas da promoção à saúde.