INTRODUÇÃO
O cenário atual da educação superior em saúde tem imposto novos desafios e inspirado transformações profundas para atender às mudanças evolutivas na formação dos estudantes1. Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)2),(3 dos cursos de graduação em Medicina e Enfermagem recomendam as metodologias ativas (MA) como estratégia educacional para desenvolver as competências e habilidades na formação dos profissionais de saúde. As MA surgiram nos anos 1980, em contraponto ao modelo de transmissão de conteúdo representado pela figura do “professor aulista”, configurando-se como uma alternativa à aprendizagem passiva que requer proatividade e participação dos alunos para a execução das atividades4.
Nas MA, o processo ensino-aprendizagem parte de uma situação-problema, que proporciona reflexão crítica, mobilizando o aluno a buscar pelo conhecimento, com o intuito de solucioná-la. Tal mobilização incentiva novas reflexões e a proposição de soluções adequadas, aproximando, cada vez mais, os raciocínios teórico e prático5,6. Com uma abordagem centrada no estudante, as MA estimulam sua autonomia e sua autorregulação como protagonista na construção do conhecimento4),(7, retirando-o da zona de conforto gerada pelo modelo tradicional de ensino e convocando-o a ser responsável por seu processo de aprendizagem, o que pode explicar por que a percepção do corpo discente não é unânime quanto à predileção por esse tipo de estratégia metodológica, quando comparadas às metodologias tradicionais8),(9.
Atualmente, uma das MA utilizadas nas instituições de ensino superior (IES) em saúde é a Aprendizagem Baseada em Equipe (ABE, do original em inglês, Team-Based Learning - TBL), cuja base teórica é o construtivismo, priorizando relações horizontais no processo ensino-aprendizagem, do qual o professor é um facilitador. O repertório anterior dos alunos é valorizado em sua construção cognitiva, propiciando uma aprendizagem significativa e a consciência de tal processo (metacognição), aliadas ao desenvolvimento de habilidades relacionadas à iniciativa, à tomada de decisões e ao raciocínio clínico10),(11. A interação entre os pares (aluno-aluno) propicia neles o desenvolvimento das habilidades de comunicação e de trabalho colaborativo, que também são demandas características dos serviços de saúde e contemplam as DCN brasileiras2),(3),(12)-(16.
Estudos mostram que a aprendizagem do aluno, no TBL, depende de fatores como o formato de estruturação do curso, com divisão da turma em pequenos grupos17),(18, e o tipo de conteúdo abordado, que tem como base situações-problema19),(20. Quanto às características discentes (como perfis comportamentais e habilidades de estudo), uma pesquisa anterior mostra que tal fator não têm impacto significativo na aprendizagem em um ambiente TBL, embora estudantes introvertidos prefiram o método de ensino tradicional em detrimento do TBL21)-(23. Apesar disso, outro estudo sugere que essa aprendizagem pode ser afetada pelos perfis de introversão ou extroversão dos estudantes24),(25.
Em 2020, durante o contexto de pandemia da coronavirus disease 2019 (Covid-19), uma alteração na legislação brasileira26 determinou que as instituições de ensino substituíssem, temporariamente, as aulas presenciais por aulas em meios digitais. Assim, o método TBL, tradicionalmente aplicado de modo presencial, passou a ser executado por algumas IES na modalidade de ensino remoto síncrono (ERS) de emergência27), também chamado de ensino remoto emergencial (ERE ou ERT, sigla do inglês, emergency remote teaching)27),(28. Neste trabalho, foi adotada a expressão “ensino online síncrono” como correspondente ao ERE.
Na tentativa máxima de reproduzir os princípios do ensino presencial no ambiente virtual, de acordo com as diretrizes da Team-Based Learning Collaborative (TBLC)29, decorreu a necessidade de adaptação, desde estratégias didáticas até a implementação de plataformas digitais, o que acarretou desafios, tanto à vivência escolar dos discentes, quanto à prática docente30. Apesar dos esforços, o aprendizado online traz consigo um estigma de qualidade inferior, quando comparado ao aprendizado presencial31. Entretanto, em estudo comparativo envolvendo 427 estudantes e realizado no contexto pandêmico, as sessões de TBL online foram avaliadas tão positivamente quanto as sessões presenciais32. Outro estudo sobre o ensino durante a pandemia da Covid-19, também comparando os modos presencial e online do TBL, evidenciou que as sessões online síncronas podem oferecer benefício demonstrável para os alunos33.
Tanto no TBL presencial, quanto no TBL online, cada tema principal (“macrounidade”) a ser trabalhado em um módulo é abordado em três fases: 1. preparo prévio; 2. garantia do preparo; 3. aplicação dos conceitos34. As duas modalidades se distiguem quanto ao meio em que são realizadas a segunda e a terceira fases, quando os casos clínicos propostos são resolvidos coletivamente, com a presença de todos em sala, seja ela física ou virtual.
Com base nessas considerações, esta pesquisa teve como objetivos avaliar a percepção de graduandos de saúde sobre o TBL online e analisar se existe diferença de percepção dessa modalidade entre os grupos de estudantes com níveis distintos de exposição anterior às sessões presenciais e online do método, além de verificar se tal percepção pode ser afetada pelo perfil comportamental do estudante.
MÉTODO
O presente estudo foi realizado no período de setembro a dezembro de 2021, na Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein (FICSAE), englobando os cursos de graduação em Medicina e Enfermagem. O primeiro foi ofertado a partir de 2016 já com o TBL implantado, ano em que a instituição passou a empregar o método de forma sistemática nos seus cursos de graduação. O segundo funcionou com o método de ensino tradicional por 26 anos, até a introdução do TBL em 2015. A implementação do método conta com o apoio institucional tanto no suporte de pessoal, quanto de infraestrutura e tecnológico, o que foi intensificado a partir de 2020, com a necessidade de migração para o modo online síncrono e consequente utilização de salas online na plataforma Zoom ® , em substituição às salas físicas da FICSAE. As especificidades de aplicação das modalidades presencial e online estão descritas no Quadro 1.
Fases do Team-Based Learning | Modalidades de ensino | |
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Presencial | Online síncrono | |
1. Preparo prévio (pré-classe) | O professor seleciona o material para os estudantes, disponibiliza-o na plataforma acadêmica Canvas e designa a tarefa correspondente ao conteúdo escolhido. | O professor seleciona o material para os estudantes, disponibiliza-o na plataforma acadêmica Canvas e designa a tarefa correspondente ao conteúdo escolhido. |
2. Garantia de preparo | Teste individual de garantia de preparo realizado em sala de aula, com uso da plataforma acadêmica Canvas no computador ou tablet do aluno, no período de 10 a 15 minutos; Teste em equipe de garantia de preparo, no período de 10 a 20 minutos, com discussão realizada em sala de aula, seguida de feedback imediato; Levantamento das respostas de todas as equipes, discussão entre todos da turma, feedback imediato e apelação; Breve revisão pelo professor para esclarecimentos e feedback geral; Tempo total dessa fase: entre 60 e 75 minutos, sendo que os testes têm duração predeterminada, conforme mencionado. | Teste individual de garantia de preparo realizado remotamente por meio da plataforma acadêmica Canvas, no período de 10 a 15 minutos; Teste em equipe de garantia de preparo, no período de 10 a 20 minutos, com discussão realizada nas salas online do Breakout da plataforma Zoom ® , seguida de feedback imediato; Levantamento das respostas de todas as equipes, discussão entre todos da turma na sala online principal, feedback imediato e apelação, cujo debate também ocorre na sala online principal; Breve revisão pelo professor para esclarecimentos e feedback geral na sala online principal; Tempo total desta fase: entre 60 e 75 minutos, sendo que os testes têm duração predeterminada, conforme mencionado. |
3. Aplicação dos conceitos | O caso é apresentado pelo professor em sala de aula por meio de projeção ou na forma impressa; A resolução do caso é realizada em equipe, com discussão em sala de aula para que cada grupo chegue à resposta considerada mais adequada à situação-problema proposta. O professor circula para acompanhar as discussões em cada grupo; As respostas das equipes são apresentadas, simultaneamente, a toda a turma em sala de aula, com o líder de cada grupo levantando a placa com a alternativa escolhida; As equipes são reunidas para discussão ampla entre todos da turma, com feedback imediato e possibilidade de apelação por escrito; Tempo total dessa fase: entre 30 e 60 minutos. | O caso é postado pelo professor na plataforma Canvas; A resolução do caso é realizada em equipe, com discussão nas salas online da plataforma Zoom ® , para que cada grupo chegue à resposta considerada mais adequada à situação-problema proposta. O professor entra nas salas para acompanhar as discussões em cada grupo; As respostas das equipes são postadas, simultaneamente, na plataforma Canvas, sendo acessadas e verificadas pelo professor; Os membros das equipes são conduzidos para a sala online principal, onde o professor conduz a discussão, com feedback imediato e possibilidade de apelação por escrito; Tempo total dessa fase: entre 30 e 60 minutos. |
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Vale destacar que, na experiência mencionada de transposição do TBL presencial para o online síncrono, o tempo destinado a cada etapa foi mantido de uma modalidade para a outra, conforme apresentado no Quadro 1. Além disso, os materiais selecionados para o preparo prévio permaneceram os mesmos, tanto em formato, quanto em conteúdo, já que a fase 1 do TBL é, originalmente, configurada para o estudo individual pré-classe e online. Outro elemento não alterado foi o tipo de questões que compunham as fases seguintes, sendo mantidos os exercícios mais diretos nos testes individual e em equipe da fase 2, e a resolução de casos da fase 3.
Desenho de estudo
Trata-se de estudo observacional, transversal de caráter descritivo-exploratório, comparativo relacional, com os seguintes critérios de inclusão: estudantes matriculados na instituição de escolha para a realização da pesquisa, em todos os períodos dos cursos de graduação em Medicina e Enfermagem, com mais de 18 anos de idade, que tinham participado de pelo menos uma sessão de TBL online, até o momento de início do estudo.
Amostra e coleta de dados
A pesquisa utilizou a técnica de amostragem não probabilística de conveniência. Inicialmente, foi feito um levantamento dos alunos elegíveis a compor a amostra da pesquisa. Levantados esses nomes, a população ficou constituída de 998 possíveis respondentes, que foram convidados por e-mail, via plataforma virtual Research Electronic Data Capture (REDCap ®), para participar do estudo de forma voluntária. Em caso do aceite do aluno, foi enviado o link para responder, primeiramente, por meio da plataforma REDCap ®, a dois instrumentos: questionário sociodemográfico e Avaliação da Percepção do Aluno-Team-Based Learning (APA-TBL)35. Após a conclusão dessa etapa, era enviado um link distinto, específico para o Teste de Perfil Comportamental DISC36, cuja aplicação ocorreu em plataforma online específica, sob licença comercial de uso da ferramenta, por meio de um acesso exclusivo para cada participante.
Para caracterizar os participantes deste trabalho, além de variáveis como sexo, idade, curso e período acadêmico, o questionário sociodemográfico mensurou a participação dos estudantes nas sessões de TBL presencial e TBL online, até o momento da realização da pesquisa. Para tanto, o nível de exposição dos participantes ao método foi dividido em dois intervalos, para cada uma das modalidades: “de 1 a 10 sessões” e “mais de 10 sessões”. A determinação desses intervalos deveu-se ao contexto pandêmico em que a pesquisa foi realizada, pois, no segundo semestre de 2021, ainda não se sabia quando as atividades presenciais iriam ser retomadas, de modo que o segundo intervalo estando em aberto (“mais de 10”) abarcaria tal indefinição temporal na ocasião de aplicação do questionário.
O instrumento APA-TBL foi desenvolvido e validado no Brasil, em 2018, por Cunha et al., sendo composto por 24 questões baseadas na escala Likert e distribuídas em quatro dimensões: 1. influência da equipe no desempenho individual (Q6, Q8, Q12, Q13, Q14, Q15, Q18, Q19, Q20, Q23 e Q24); 2. atuação/papel do professor na aplicação do método (Q2, Q3, Q21 e Q22); 3. comprometimento do aluno (Q1, Q4, Q5 e Q11); 4. responsabilidade e desempenho da equipe (Q7, Q9, Q10, Q16 e Q17)35.
O Teste DISC, por sua vez, é uma técnica de perfilamento comportamental criada pelo norte-americano Marston, na década de 1920, que mede quatro fatores: “D” (dominância); “S” (estabilidade, do inglês, submission); “I” (influência); e “C” (conformidade). É composto por 24 questões objetivas de múltipla escolha, tendo como opções de resposta adjetivos que descrevem comportamentos a serem escolhidos seguindo o parâmetro “mais” e “menos” em relação à autoidentificação do respondente. Os percentuais resultantes da aplicação do Teste DISC indicam a intensidade de cada fator no comportamento do indivíduo, sendo relacionados pela métrica “em alta” e “em baixa” para que se defina o perfil comportamental. Essa caracterização possibilita delinear as motivações, forças e fraquezas do indivíduo perfilado, além de sua forma de agir em geral e com outras pessoas37.
Dos 998 estudantes convidados a participar do estudo, 241 (24%) aceitaram voluntariamente responder ao questionário sociodemográfico e ao APA-TBL, e, destes alunos, 108 (11% da população do estudo) acessaram e responderam, posteriormente, ao Teste DISC. Como se trata de amostras por conveniência, não foi possível realizar o cálculo de representatividade delas, porém foi viável determinar o tamanho de efeito mínimo detectável pela amostra obtida. Considerando os 241 participantes respondentes do APA-TBL, o tamanho de efeito mínimo detectável nos percentuais das respostas da escala Likert foi w = 0,22 para um teste Qui-quadrado de aderência a uma distribuição uniforme. Para os cálculos, foram fixados: nível de significância de 5% e poder de teste de 80%. Cohen (1988) propôs a seguinte interpretação dos valores de tamanho de efeito: w = 0,1, w = 0,3 e w = 0,5 representam tamanhos de efeito pequeno, médio e grande, respectivamente38. Considerando os 108 participantes respondentes do DISC, o tamanho de efeito mínimo detectável da diferença entre os escores dos quatro grupos do instrumento foi f = 0,16 para ANOVA e f = 0,17 para o teste de Kruskal-Wallis. Para os cálculos, foram fixados: nível de significância de 5% e poder de teste de 80%. Cohen (1988) propôs a seguinte interpretação dos valores de tamanhos de efeito: f = 0,1, w = 0,25 e w = 0,4 representam tamanhos de efeito pequeno, médio e grande, respectivamente38.
Análise de dados
Inicialmente, os dados foram descritos considerando, para as variáveis quantitativas, os seguintes elementos: média, desvio padrão, valor mínimo, valor máximo, mediana e 1º e 3º quartis. Para as variáveis qualitativas, foram consideradas apenas as frequências39. Para a análise dos resultados do APA-TBL, foram calculados os escores para cada uma das quatro dimensões do instrumento, e também se considerou a análise por questão, a partir da determinação como uma favorabilidade à junção das respostas “concordo” e “concordo totalmente” que alcançou índices de 75% ou mais.
A comparação entre os escores do APA-TBL entre os grupos de interesse foi realizada por testes de Mann-Whitney, de Kruskal-Wallis40 ou ANOVA para dados com distribuição normal38. Utilizou-se o teste Post-hoc de Dunn para determinar quais grupos diferiram entre si quando havia significância no teste de Kruskal-Wallis41. As verificações de normalidade das variáveis foram realizadas pelo teste de Shapiro-Wilk42. As análises foram executadas na linguagem computacional R, versão 4.1.143, com nível de significância adotado de 5%.
Aspectos éticos
Todos os participantes do estudo responderam à pesquisa apenas após estarem cientes dos propósitos e procedimentos da pesquisa, e terem preenchido, de forma voluntária, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Israelita Albert Einstein: Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 42142620.0.0000.0071 e Parecer nº 4.890.810. O presente trabalho está em consonância com a Resolução nº 466/201244, homologada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), fazendo uso exclusivo dos dados coletados e mantendo-os sob sigilo.
RESULTADOS
A amostra da pesquisa foi composta por 241 estudantes, sendo 44% da graduação em Medicina e 56% em Enfermagem, com predominância do sexo feminino (81%), na faixa etária de 20,8 a 24,4 anos. Ainda quanto ao perfil da amostra, investigou-se o nível de exposição dos participantes às modalidades de TBL presencial e online, até o momento da coleta de dados. A maioria dos alunos tinha participado de mais de 10 sessões de TBL presencial (90%). Já em relação à participação em sessões de TBL online, houve um equilíbrio entre as classes no total da amostra: 47% dos graduandos tinham participado de 1 a 10 sessões, e 53%, de mais de 10 sessões.
Em relação às respostas ao instrumento APA-TBL, na dimensão “influência da equipe no desempenho individual”, o maior índice de favorabilidade foi encontrado no item Q24 (95%), sendo este o percentual máximo também em relação aos resultados das demais dimensões do APA-TBL. Embora os outros itens dessa dimensão não tenham índices de percepção positiva tão altos, observou-se uma favorabilidade dos estudantes ao método, uma vez que apenas uma (Q14, 74%) de suas 11 questões ficou abaixo do limite estabelecido de 75% na soma das respostas das classes “concordo totalmente” e “concordo” (Gráfico 1).
Na dimensão “atuação/papel do professor na aplicação do método”, os itens Q2 e Q3 tiveram os menores índices de favorabilidade, em ordem decrescente, sendo que ambos obtiveram menos de 75% dos respondentes indicando “concordo totalmente” ou “concordo” (Gráfico 2).
Um alto índice de favorabilidade em relação ao método foi observado também na dimensão “comprometimento do aluno”, em que todas as questões apresentaram mais de 85% de respondentes indicando “concordo totalmente” e “concordo” (Gráfico 3).
Na dimensão “responsabilidade e desempenho da equipe”, o item Q16 apresentou o menor índice de favorabilidade (43%), seguido dos itens Q7, Q10 e Q17, em ordem decrescente. O item Q9 foi o único a obter mais de 75% na soma das respostas nas classes “concordo totalmente” ou “concordo” (Gráfico 4).
Para a análise dos resultados referentes às quatro dimensões do APA-TBL, foram gerados escores para cada uma delas. Como esses escores não seguiram uma distribuição normal, as medidas descritivas preferenciais para a interpretação dos dados foram a mediana e os quartis (1º e 3º). As dimensões apresentaram medianas muito semelhantes, com valores entre 3,8 (para a dimensão “responsabilidade e desempenho da equipe”) e 4,3 (para a dimensão “comprometimento do aluno”), assim como os quartis. Além disso, todas as dimensões apresentaram valores discrepantes para baixo, ou seja, maior concentração em escores maiores.
Os escores das dimensões do APA-TBL foram comparados em relação ao número de participação dos estudantes nas sessões de TBL presencial e nas sessões online (se “de 1 a 10 sessões” ou “mais de 10”). Os alunos que participaram de mais sessões de TBL presencial (n = 186) demonstraram percepção mais negativa da atuação do professor no TBL online quando comparados aos que haviam participado de menos sessões do TBL presencial (n = 19), sendo os valores do escore no 1º e 3º quartis de estudantes com participação em mais de 10 sessões (4,0 [3,5-4,3]) menores que os dos estudantes com 1 a 10 sessões (4,0 [4,0-4,5]), valor-p = 0,039.
Das quatro dimensões que compõem o instrumento APA-TBL, em três os testes mostraram significância estatística entre os estudantes que haviam participado de 1 a 10 sessões (n = 96) e mais que 10 sessões de TBL online (n = 106). Os valores do escore mediano e do intervalo interquartil do grupo mais exposto ao método foram menores que os do menos exposto: 3,8 [3,5-4] e 4 [3,8-4,5], valor-p = 0,001 (“atuação/papel do professor na aplicação do método”); 4,3 [3,8-4,5] e 4,3 [4-4,8], valor-p = 0,028 (“comprometimento do aluno”); 3,6 [3,0-4,0] e 3,8 [3,4-4,2], valor-p = 0,042 (“responsabilidade e desempenho da equipe”). Os estudantes que participaram de mais de 10 sessões de TBL online demonstraram percepção mais negativa com relação à atuação do professor na aplicação do método, ao comprometimento do aluno e à responsabilidade e ao desempenho da equipe quando comparada à percepção dos que participaram de menos de 10 sessões do TBL online.
Os resultados obtidos a partir dos 108 respondentes do instrumento DISC foram agrupados em torno dos quatro fatores comportamentais mais prevalentes entre os estudantes: dominância (D), influência (I), estabilidade (S) e conformidade (C).
O principal perfil comportamental encontrado foi o tipo “S”, correspondendo a 38% dos alunos. O indivíduo com a estabilidade em destaque no comportamento tem, como principais descritores, a capacidade de ser bom ouvinte, paciente, sincero, constante e membro de equipe, sendo um elemento relevante a possibilidade de apresentar dificuldades em demonstrar suas emoções36.
Como segundo perfil comportamental, foi observado o “I”, representado por 31% dos respondentes. A influência pode indicar a capacidade de alguém lidar com pessoas e as influenciar, sendo maior essa habilidade conforme mais alto esse perfil comportamental. Os principais descritores são comportamento confiante, inspirador, popular e sociável, tendo o otimismo, geralmente, como emoção marcantemente presente36.
O terceiro perfil encontrado foi o “C”, correspondendo a 24% dos participantes do estudo que responderam ao questionário DISC. Pessoas com a conformidade prevalente são voltadas a lidar melhor com regras e procedimentos estabelecidos por outros, tendo, como principais descritores de comportamento, habilidades mais precisas em relação à análise e ao perfeccionismo, e demostrando comportamentos mais cuidadosos e minuciosos. Nesse perfil comportamental, o medo de cometer erros é uma emoção possivelmente frequente36.
O perfil menos prevalente entre os 108 respondentes do Teste DISC foi o “D”, correspondendo a 7% dos alunos. A dominância prevalente no comportamento indica que a pessoa tem maior habilidade em lidar com problemas e desafios, possuindo como principais descritores de seu comportamento a competitividade, a capacidade de decisão, a objetividade e o foco em resultados. Apresenta, geralmente, a emoção raiva como um propulsor de sua capacidade de resolução36.
Esses quatro grupos DISC foram comparados em relação aos escores das dimensões do APA-TBL e não obtiveram diferença estatística (p-valor > 0,05).
A partir dos resultados encontrados neste estudo, elaborou-se um material instrucional em formato digital intitulado “Recomendações para aplicação do Team-Based Learning na modalidade online”, cujo arquivo em PDF está disponível para acesso e download gratuitos no linkhttps://tinyurl.com/comoaplicartblonline.
DISCUSSÃO
No presente estudo, os discentes dos cursos de graduação em Medicina e em Enfermagem participantes demonstraram ter uma percepção favorável em relação ao TBL online, uma vez que somente sete das 24 questões do APA-TBL apresentaram menos de 75% de respondentes indicando “concordo” ou “concordo totalmente”. Tal favorabilidade encontrada corrobora estudo recente sobre a eficácia do TBL online, no qual mais de 80% dos estudantes tiveram a percepção das sessões como sendo agradáveis e propícias à participação ativa e ao engajamento nas discussões em grupo45. Outro estudo também sobre a aplicação do TBL online durante o período pandêmico indicou uma influência positiva do modo online sobre a responsabilidade dos alunos, que o preferiram à modalidade presencial46.
O maior índice de favorabilidade (Q24, 95%) encontrado no estudo está relacionado à ideia de que a aprendizagem em equipe beneficia o futuro profissional, evidenciando que a maioria dos participantes reconhece a importância da colaboração nos ofícios da área de saúde, conforme afirmam estudos anteriores15),(16.
A percepção positiva em 10 das 11 questões da dimensão “influência da equipe no desempenho individual” revelou uma favorabilidade dos estudantes ao método. Esse achado corrobora estudo que apontou melhora no desempenho individual dos estudantes a partir do trabalho em equipe desenvolvido no TBL online46.
Duas das questões do APA-TBL que apresentaram proporção de favorabilidade menor que o limite estabelecido estão na dimensão “atuação/papel do professor na aplicação do método” (Q2, 51%; Q3, 70%). Outras quatro questões pertencem à dimensão “responsabilidade e desempenho da equipe”: Q7 (60%); Q10 (62%); Q16 (43%); e Q17 (70%). Vale ressaltar, no entanto, que os itens Q2, Q3 e Q16 estão relacionados a ações que independem da modalidade do TBL, seja presencial ou online, pois as etapas de seleção e disponibilização do conteúdo pelo professor ocorrem anteriormente à sessão do TBL, bem como a escolha das equipes, que é feita no início de cada semestre e não sofre mudanças no decorrer do período. Portanto, tal achado parece não representar uma insuficiência específica do TBL online. Esse resultado confirma estudo anterior sobre a importância do aspecto administrativo presente no papel desempenhado pelo professor no TBL online, como planejar as sessões e definir a composição dos grupos, entre outras funções que lhe competem para um satisfatório desenvolvimento do curso47.
Já o resultado de menor favorabilidade também obtido nos itens Q7, Q10, Q14 e Q17 pode estar relacionado à modalidade online síncrona das sessões de TBL ocorridas durante a pandemia da Covid-19, uma vez que a participação em grupo pode ter sido afetada pelas especificidades da dinâmica interativa no ambiente virtual. Nesse sentido, mais uma vez, mostra-se relevante a atuação do professor na organização das salas online, no gerenciamento dos mecanismos de interação nelas e no esclarecimento das regras que regem as sessões do TBL online47.
O menor índice de favorabilidade em todo o estudo foi encontrado no item Q16 (43%), que diz respeito à composição das equipes de discussão do TBL online; portanto, destaca-se a relevância da interação aluno-aluno na percepção do método, que, junto às interações do aluno com o professor e com os materiais e recursos didáticos, constitui o ambiente colaborativo das MA4. Ainda nesse sentido, os resultados mostraram que o item Q11 teve 88% de respostas “concordo” e “concordo totalmente”. Ou seja, os alunos parecem ter se preparado adequadamente, mas percebem que a contribuição com o grupo, durante a sessão de TBL online síncrona, poderia ter sido maior, conforme apontado pelas respostas aos itens Q7 e Q10, discutidos anteriormente.
Um fator que pode ter impactado tal percepção são as limitações de interação, no meio digital, entre os membros de um mesmo grupo. Um estudo recente realizado em um curso de educação a distância (EaD) identificou que, apesar dos estudantes terem consciência de que a interação é importante e de que a ajuda entre os colegas colabora com seu aprendizado, nem sempre eles conseguem se envolver de forma satisfatória nessas relações48. Além disso, o achado deste estudo ratifica o quão importante é o aspecto colaborativo na organização das salas online e na gestão dos grupos nas sessões online síncronas do TBL. Uma vez que os ambientes virtuais de aprendizagem não são colaborativos por natureza, tais tarefas ficam a cargo do professor, que assume mais esse desafio, no intuito de incentivar a participação dos estudantes e a interação entre eles47.
Cabe ao professor, ainda, atentar para sua interação com os estudantes, fator este de destaque no processo complexo e multifatorial que é a aprendizagem49. Em uma sessão de TBL presencial, discentes e docentes estão em um mesmo espaço físico, o que permite a interação frequente do professor com os grupos, estimulando o engajamento dos membros na solução das questões e, principalmente, do caso em questão. No TBL online, no entanto, para interagir com os grupos, o professor precisa entrar e sair virtualmente das salas online em que ocorrem as discussões, o que impõe diferenças espaçotemporais que precisam ser assimiladas tanto pelo docente condutor da sessão, quanto pelos alunos.
Além dessas limitações no modo de interagir com os estudantes, a prática didática no meio digital implicou em uma necessidade de adaptação abrupta dos professores, que se viram obrigados a fazer uso da tecnologia na docência e a lidar com as dificuldades encontradas no manejo dessas novas ferramentas. Um estudo de revisão integrativa que analisou a implementação da aprendizagem online sob a perspectiva do educador médico concluiu que os professores demandam um forte apoio institucional, com orientações detalhadas sobre como implementar os dispositivos tecnológicos em questão. Foi constatada também uma forte necessidade de colaboração entre os docentes para o desenvolvimento mais coeso do ensino online50.
A percepção dos alunos sobre o TBL online foi analisada em relação ao nível de exposição anterior às sessões de TBL presencial e online. Os estudantes expostos a mais de 10 sessões do TBL presencial tiveram uma percepção significativamente mais negativa na dimensão “atuação/papel do professor na aplicação do método”, em comparação aos alunos menos expostos, que participaram de 1 a 10 sessões. Tal achado aponta que a mediação desempenhada pelo professor nas sessões online parece ter sido insuficiente na percepção dos estudantes com exposição prolongada ao TBL presencial.
A frequência de participação nas sessões do TBL online também resultou em uma percepção significativamente mais negativa nessa mesma dimensão, além das dimensões “comprometimento do aluno” e “responsabilidade e desempenho da equipe”. Ou seja, a exposição prolongada ao TBL online parece ter impactado negativamente a percepção dos alunos sobre o método. Embora estudo recente já citado tenha concluído que o TBL online é eficaz para o processo ensino-aprendizagem45, vale destacar que o achado mencionado do presente estudo pode se justificar pelos desgastes físico e cognitivo causados por fatores como tempo excessivo de uso de tela (tanto no estudo pré-classe, quanto durante as sessões online) e estado de prontidão constante demandado para a interação mediada por ferramentas digitais.
Assim sendo, é possível observar a eficácia desse método de ensino e a importância de alternar sua aplicação nas modalidades presencial e online, com diversificação dos recursos didáticos, a fim de evitar a exaustão dos alunos por conta do ensino tecnologicamente mediado.
Com a atenuação do contexto pandêmico, em julho de 2022, o Conselho Nacional de Educação (CNE) deliberou favoravelmente à aprovação das “Diretrizes Nacionais Gerais para o desenvolvimento do processo híbrido de ensino e aprendizagem na Educação Superior” (Parecer CNE/CP nº 14/2022), considerando que, pela situação excepcional criada pelo novo coronavírus, foi acelerada a busca por novos caminhos para reorganizar as dinâmicas de ensino e de aprendizagem na educação superior brasileira. Para o CNE, a flexível concepção de processo ensino-aprendizagem mesclando atividades presenciais e online, por meio do uso de tecnologias digitais, foi viabilizada pela crescente conectividade, trazendo novas demandas à formação superior.
Além disso, ainda segundo o parecer do conselho, o desenvolvimento de estudos, pesquisas, experimentações e inovações relativos à educação híbrida em curso em todo o país poderá trazer valiosas contribuições para sua consolidação51. Tal documento foi homologado pela Portaria MEC nº 558, de 2 de agosto de 2022, destacando a valorização da modalidade online, ainda que findada a necessidade de realização das atividades educacionais em casa52. Assim, a nova abordagem pedagógica preconiza, por definição, o protagonismo do aluno no processo ensino-aprendizagem, cabendo ao professor atuar como orientador, monitor e mentor, tal qual se configura o TBL, que se mostra um método adequado e interessante de ser incorporado nesse contexto atual de educação híbrida.
No que tange ao mapeamento do perfil comportamental dos participantes do presente estudo, a coleta de dados com o Teste DISC apresentou um menor número de respondentes (n = 108), quando comparado ao número de respondentes do APA-TBL (n = 241), possivelmente porque foi enviado aos estudantes somente após o preenchimento online do TCLE e do APA-TBL na plataforma REDCap ®, na qual ele não pode ser incluído como os demais questionários e termos em razão do acordo firmado com o desenvolvedor do instrumento.
Na comparação dos diferentes perfis comportamentais dos participantes com as percepções das quatro dimensões do APA-TBL, estas não apresentaram resultado com significância estatística (p-valor > 0,05). Desse modo, ficou demonstrado que os fatores DISC de comportamento dos estudantes não influenciaram a avaliação do método investigado.
Como limitações do estudo, destaca-se que não foi possível comparar os resultados obtidos com estudos anteriores cujo objeto tenha sido a avaliação do TBL presencial. Além disso, pelo fato da técnica de amostragem utilizada no estudo ter sido do tipo não probabilística de conveniência, o cálculo de representatividade das amostras não pode ser realizado, sendo apenas viável determinar o tamanho de efeito mínimo detectável por cada amostra obtida. Por outro lado, a interferência do nível de participação em sessões online na percepção dos alunos sobre o método deve ser ressaltada. A relevância de estudos como este está no fato de que conhecer a avaliação dos estudantes em relação ao método possibilita que docentes e gestores educacionais atendam às demandas discentes referentes à aplicação do TBL online e à estruturação do curso e de seus recursos humanos, pedagógicos e tecnológicos53.
CONCLUSÕES
O presente estudo mostrou uma favorabilidade na percepção dos graduandos de saúde sobre o TBL online em 17 das 24 questões do APA-TBL. Os alunos com exposição a mais de 10 sessões do TBL online apresentaram uma percepção significativamente mais negativa em três das quatro dimensões do APA-TBL, quando comparados aos menos expostos. O grupo que havia participado de mais de 10 sessões de TBL presencial apresentou uma percepção significativamente mais negativa em apenas uma dimensão do instrumento, quando comparado ao grupo menos exposto. Além disso, o estudo demonstrou que não houve correlação entre o perfil comportamental do estudante e sua percepção sobre o TBL online.