OS DIRETORES ESCOLARES SãO CENTRAIS PARA UMA EDUCAçãO DE QUALIDADE, conforme apontam diversos estudos nacionais (Abrucio, 2010; Oliveira & Carvalho, 2018; Siqueira, 2020) e internacionais (Grissom et al., 2021; Leithwood et al., 2004). Em razão disso, deveriam ser um dos focos das pesquisas sobre gestão escolar, embasando o desenho e a implementação de políticas públicas para todos os estudantes.
Apesar de sua importância, ainda há uma baixa produção acadêmica brasileira centrada nos diretores (Flessa et al., 2018; Mariano et al., 2016). Para Vieira e Vidal (2014), existem poucos estudos sobre essa categoria de profissionais no Brasil, lacuna que possivelmente está “associada à relativa indefinição sobre a matéria no país, nas últimas décadas” (p. 49). Em um levantamento comparativo entre países latino-americanos, Flessa et al. (2018) apontam que apenas três entre dez artigos no Brasil têm enfoque na liderança escolar. Esses estudos, em geral, destacam as características dos diretores, suas práticas e seus desafios. Para os autores, tal cenário mostra que o tema ainda não está estruturado como um campo de pesquisa no Brasil - situação, para eles, similar à encontrada em outros países da América Latina. Mariano et al. (2016), por sua vez, ao analisarem a produção brasileira com foco nos diretores, com base em teses, dissertações e artigos de 2000 a 2013, registram que foram encontrados apenas 5 artigos que tratam desses profissionais, entre 44 pesquisas levantadas. Souza (2019) destaca a importância desse tópico e inclui o dirigente escolar como um tema de análise relevante em seu levantamento, especialmente em relação à função, ao perfil e ao papel de que os diretores dispõem.
Entre os temas da gestão escolar, a gestão democrática motiva a maioria dos trabalhos e tem lugar de destaque no Brasil (Chirotto, 2013; Mariano et al., 2016; Pazeto & Wittmann, 2001; Sander, 2007; Souza, 2006a, 2019). Para Souza (2019), 30 anos após a Constituição Federal, “mesmo a gestão democrática não tendo tomado a cena da gestão escolar no cotidiano das instituições educativas brasileiras, ela pauta a pesquisa desse campo de conhecimento” (p. 14). Embora reconheçam a importância do tema, muitos autores ressaltam a necessidade de ampliação das temáticas abordadas no campo da gestão escolar (Cária & Andrade, 2016; Flessa et al., 2018; Mariano et al., 2016; Martins & Silva, 2011; Oliveira, 2015; Souza, 2006a; Vieira & Vidal, 2019). O olhar para os diretores é uma dessas novas temáticas que mereceriam mais atenção, dada sua centralidade para a polí- tica educacional.
Analisar a produção nacional de gestão escolar com foco nos diretores escolares foi o que motivou a elaboração desta pesquisa. Foram examinados 40 estudos sobre diretores, em um universo de 691 artigos sobre gestão escolar publicados no Brasil de 1989 a 2019, com o objetivo de entender quais são as características centrais dessa literatura. Para atender ao objetivo, elaboramos três metas específicas que orientaram o desenvolvimento deste artigo: i) o levantamento dos principais autores que desenvolveram as pesquisas e suas respectivas instituições; ii) a identificação dos principais temas desenvolvidos pelos estudos; e iii) o levantamento das metodologias de pesquisa empregadas.
O desenvolvimento do campo da gestão escolar no Brasil
Os estudos sobre gestão escolar no Brasil podem ser divididos em três grandes momentos (Souza, 2006b): o período clássico (1930-1980), que compreende os estudos pioneiros na área de administração escolar; o período de crítica ao clássico (1980-1990), o qual engloba os trabalhos que buscaram analisar criticamente os pioneiros, trazendo uma perspectiva política e sociológica ao campo; e o período recente (a partir de 1990), que tem apresentado tendências de diversificação e ampliação das temáticas investigadas.
O período clássico compreende os autores que fizeram os primeiros esforços de sistematização da área de administração escolar, quando se estabeleceram os contornos teóricos iniciais e as bases do campo no Brasil. Esse período envolve os estudos de Anísio Teixeira (1935, 1956, 1961, 1964), Antônio Carneiro Leão (1939), José Querino Ribeiro (1938, 1952, 1954), Manoel Bergströn Lourenço Filho (1963) e Myrtes Alonso (1976) (Marinho, 2014; Sander, 2007; Souza, 2006b). Tais autores foram responsáveis por desenvolver, sistematizar e constituir o conhecimento da referida área no Brasil, com forte embasamento nos preceitos da administração científica. Entendiam, assim, que os princípios da administração geral poderiam ser aplicáveis à administração escolar e buscaram referências estrangeiras para o desenvolvimento do campo. Para Sander (2007), os pioneiros buscaram referências nos trabalhos elaborados por Fayol, Taylor, Gulick, Urwick e Weber, além de pensadores americanos de vanguarda, como Dewey, James e pesquisadores pioneiros da administração educacional, como Cubberley, Sears e Moehlman. Em fevereiro de 1961, realizou-se o I Simpósio Brasileiro de Administração Escolar, na Universidade de São Paulo (USP). Ao final do evento, foi fundada a Associação Nacional de Professores de Administração Escolar (Anpae) - atual Associação Nacional de Política e Administração da Educação -, mais antiga associação de administradores educacionais da América Latina e importante marco na criação do campo da política e gestão da educação no Brasil (Sander, 2007).
O segundo momento engloba os trabalhos que adotaram uma perspectiva crítica na análise da administração escolar, surgidos ao final dos anos 1970 e no início dos anos 1980, no contexto de redemocratização do país (Sander, 2007; Souza, 2006b). Para Sander (2007), esse período envolve a transição do foco da dimensão escolar para a dimensão educacional, reflexo das discussões na sociedade brasileira à época. Inicia-se, então, um movimento de crítica ao que havia sido produzido na primeira fase, especialmente no que se refere à aplicação dos princípios da administração científica para o ambiente da escola. Incluem-se, a essa altura, os trabalhos de Miguel Gonzalez Arroyo (1979), Maria Dativa Gonçalves (1980), Maria de Fátima Felix (1984) e Vitor Paro (1986). A partir desse momento, a administração escolar passa a ser denominada gestão escolar. O texto de Gonzalez Arroyo (1979), Administração da Educação, poder e participação, é considerado, para Souza (2006b), o trabalho mais inspirador para todo o desenvolvimento da crítica aos estudos pioneiros em administração escolar e foi responsável por inserir a variável política nas análises do tema. Paro (1986), por sua vez, é apresentado como o autor mais influente dessa fase, sendo responsável por examinar as condições pelas quais a gestão escolar passa a ser voltada para a transformação social. Assim, esse segundo momento é marcado por importantes conquistas relativas à gestão escolar, em especial no que tange ao estabelecimento da gestão democrática como um princípio norteador do ensino público no país. Destacam-se as lutas em torno da Constituição Federal de 1988 e da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabeleceram, legalmente, os princípios da gestão democrática. Na Constituição Federal de 1988, o artigo 205 passa a prever que a educação “será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Já o artigo 206 estabelece que o ensino será ministrado com base em sete princípios, sendo um deles “a gestão democrática do ensino público”. Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei n. 9.394/1996 -, o artigo 14 determina que “os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica”, conforme os princípios de participação dos profissionais da educação e das comunidades escolar e local.
A partir dos anos 1990, é iniciado um novo momento no campo da gestão escolar no Brasil, com maior diversificação em relação às temáticas examinadas. Inaugura-se, assim, a terceira fase dos estudos, que se estende até o momento atual. Neste terceiro momento, apesar da diversificação de temas relativos à gestão escolar, diversos autores apontam para a expressiva concentração nos temas relativos à gestão democrática (Chirotto, 2013; Mariano et al., 2016; Pazeto & Wittmann, 2001; Sander, 2007; Souza, 2006a). Para Sander (2007), “é importante destacar que a gestão democrática motivou cada vez mais estudiosos e é hoje a linha de pesquisa que acolhe o maior número de estudos e publicações no campo da gestão da educação brasileira” (p. 43).
Investigações anteriores indicaram a predominância de estudos sobre gestão democrática. Pazeto e Wittmann (2001), com base em um levantamento da Anpae de 1991 a 1997, verificaram que, de 922 trabalhos, 134 estavam diretamente relacionados ao tema de gestão escolar, com a maioria centrada no tema de “democratização da gestão e autonomia”. Souza (2006a), por sua vez, com base em mais de 3 mil teses e dissertações produzidas no período de 1981 a 2001, encontrou 183 estudos focados na temática. Desse total, 31% se concentraram na questão da gestão democrática, seguidos pelos trabalhos com destaque para a direção escolar. De acordo com o autor, é interessante notar que, ao longo dos anos, não há uma diminuição dos estudos sobre gestão democrática, estando as pesquisas mais voltadas “a demonstrar como a escola deve se organizar para ser democrática e menos a descrever e analisar como tem se organizado a gestão da escola, democrática ou não” (Souza, 2006a, p. 26). É notório que, mesmo nos estudos relacionados ao diretor escolar (segunda categoria mais presente), há predominância dos temas relativos ao procedimento de escolha, especificamente ao processo de eleição para diretor de escola - tema de estreita relação com gestão democrática.
Nesse sentido, com base no entendimento de que os estudos brasileiros recentes sobre gestão escolar têm forte concentração na perspectiva da gestão democrática, alguns pesquisadores identificaram a necessidade de se ir além dessa discussão, trazendo outras temáticas e novas perspectivas ao campo (Cária & Andrade, 2016; Flessa et al., 2018; Mariano et al., 2016; Martins & Silva, 2011; Oliveira, 2015; Souza, 2006a). Sobre a produção acadêmica recente em gestão escolar, Sander (2007, p. 439) afirma que:
Faltam dados científicos para comprovar o nível de melhoria da qualidade da produção acadêmica na área, mas as evidências da prática sugerem que temos um longo caminho a percorrer para darmos um novo salto de qualidade na produção intelectual no campo da administração educacional.
Reconhece-se, assim, a centralidade da gestão democrática e sua importância para o campo, mas também a necessidade de desenvolvimento e introdução de novas perspectivas e temas de análise, diversificando o campo e tornando-o mais rico, diverso e ampliado. Martins e Silva (2011), por exemplo, com base em 753 pesquisas, de 2000 a 2008, indicam a importância de os estudos irem além da discussão em torno do conceito de gestão democrática, destacando a necessidade de relacionar a gestão escolar com resultados observáveis e outros fins escolares. Para os autores, “o uso do termo ‘gestão democrática’ aparece, em parte dos estudos, de forma vaga e difusa, tomado como critério inequívoco para se atestar ou discutir o valor de uma educação escolar, sua pertinência ou qualidade” (p. 243). Assim, os autores reconhecem que, apesar de ser um princípio legítimo e legalmente constituído, o conceito de gestão democrática, sob essas condições, pode perder de vista a realidade que está sendo investigada. Para os autores:
A tendência de localizar determinados fatos e circunstâncias escolares como elementos que se prestam apenas a corroborar teorias e categorias gerais de análise foi inversamente proporcional à parca relação estabelecida entre a gestão escolar e determinados dados escolares objetivados, por exemplo, no desempenho de alunos em avaliações de larga escala das unidades escolares pesquisadas, no fluxo escolar e nas características socioeconômicas de alunos e suas famílias. Esses dados costumam ser documentados nas escolas e deveriam ser articulados a mecanismos de efetivação de uma gestão que se quer democrática. (Martins & Silva, 2011, p. 243).
Há, em especial, destaque para a necessidade de que os estudos sobre gestão escolar consigam fazer uso de dados quantitativos, estabelecendo relações entre aspectos da gestão escolar e os processos e resultados educacionais (Flessa et al., 2018; Martins & Silva, 2011; Oliveira, 2015).
Entre as novas temáticas, os trabalhos acadêmicos sobre diretores escolares merecem destaque, dada sua centralidade para uma política de educação de qualidade (Leithwood et al., 2004; Grissom et al., 2021). Apesar disso, o tópico vem recebendo pouca atenção na produção nacional a respeito de gestão e liderança escolar (Flessa et al., 2018; Mariano et al., 2016).
Metodologia do estudo
Para a construção da metodologia desta pesquisa, foi utilizado o referencial proposto por Hallinger (2012). O autor defende a adoção de rigor metodológico nas revisões sistemáticas e propõe um conjunto de questões que formam um quadro conceitual para a condução de revisões de literatura, envolvendo, mas não se limitando a: escolher o tópico central de interesse (percepção de um problema, questões orientadoras e objetivos); delimitar as perspectivas conceituais que guiam o estudo; determinar as fontes e os dados que serão levantados (de onde e que tipo de trabalhos serão escolhidos); avaliar como os dados serão analisados e categorizados; e apontar os principais resultados, limitações e implicações do estudo.
A pergunta motivadora deste artigo foi: “Quais são as características centrais da pesquisa sobre diretores escolares no Brasil nas últimas três décadas (1989 a 2019), com base nos artigos publicados em revistas nacionais?”. Com o intuito de responder a essa pergunta, a pesquisa faz três questionamentos específicos:
Quais foram os principais autores que desenvolveram esses estudos e a quais instituições eles pertencem?
Quais são os principais temas abordados por esses artigos? Quais são os conteúdos e temáticas mais presentes?
Quais foram as metodologias de pesquisa mais comumente utilizadas?
Este estudo utilizou como referência pesquisas anteriores sobre o estado da arte em gestão escolar no Brasil (Mariano et al., 2016; Martins & Silva, 2011; Pazeto & Wittmann, 2001; Souza, 2006a). Esses trabalhos foram utilizados para a determinação das palavras-chave e para a escolha dos filtros de seleção dos artigos.
Para a criação da base de dados, foram levantados os artigos publicados no Brasil, de 1989 a 2019, com base em nove palavras-chave. Foram utilizadas duas bases de dados: o portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a plataforma Educ@, da Fundação Carlos Chagas (FCC). O Portal de Periódicos da Capes é uma biblioteca virtual “que reúne mais de 45 mil títulos, 130 bases referenciais, 12 bases dedicadas exclusivamente a patentes, além de livros, enciclopédias e obras de referência, normas técnicas, estatísticas e conteúdo audiovisual” (Ministério da Educação [MEC], 2019). Já a plataforma Educ@, produzida pela FCC, congrega 52 periódicos da área de educação e utiliza a metodologia Scientific Electronic Library Online - SciELO (FCC, 2020). Por meio desse mecanismo de busca inicial, foram levantados 1.037 artigos em 287 revistas. Para chegar a eles, foram pesquisadas as palavras-chave entre aspas no campo “Assunto”, com os filtros “Artigos”, “Em português”, “Periódicos revisados por pares”, no período de 1987 a 2019.1 O levantamento da base de dados foi feito de outubro a dezembro de 2019.
Não foram contemplados teses, dissertações, livros, artigos publicados por pesquisadores brasileiros em revistas internacionais e em outros tipos de publicações nacionais (como as de órgãos governamentais ou os relatórios de pesquisa), assim como as revistas com menores classificações. Nesse sentido, é essencial reconhecer os limites desta pesquisa e a importância de que novos estudos sejam feitos para complementar os inúmeros esforços de sistematização da literatura sobre gestão escolar que vêm sendo realizados no país.
Concluída a base de dados, a primeira etapa foi a escolha de artigos de acordo com três pontos centrais: i) artigos publicados em revistas brasileiras, em português; ii) artigos publicados em revistas com classificação A1, A2, B1 e B2,2 em qualquer área do conhecimento; e iii) artigos relacionados diretamente ao tema de gestão escolar. Em relação ao primeiro ponto, entende-se que este estudo visa a entender qual é o estado da arte das pesquisas sobre gestão escolar no Brasil, produzidas em português e disponíveis, em termos linguísticos, a todos. Estudos que foram publicados em espanhol ou inglês foram excluídos, mesmo que publicados em revistas nacionais; do mesmo modo, estudos em português publicados em revistas de outros países, ainda que pertencentes à plataforma de periódicos da Capes ou ao portal Educ@, também foram excluídos. Em relação ao segundo ponto, o foco foram as revistas com maior pontuação, conforme os critérios de classificação Qualis Perió- dicos, estabelecidos pela Capes. Por fim, o terceiro ponto buscou excluir os artigos relacionados a outras temáticas (gestão de cooperativas, gestão participativa e/ou democrática de cidades, orçamento participativo, entre outros), assim como artigos voltados à educação, mas não diretamente ligados à temática da gestão escolar na educação básica (gestão democrática no ensino superior, conselhos municipais e estaduais de educação, entre outros).
Feito esse filtro inicial, a segunda etapa envolveu a leitura dos resumos de 691 artigos, com o intuito de selecionar aqueles diretamente relacionados ao estudo sobre diretores escolares. Foram selecionados, com base nessa leitura, 40 artigos provenientes de 24 revistas, para formar a base de dados deste estudo, conforme os três pontos já apresentados.
Os 40 artigos foram, então, na terceira etapa, analisados de acordo com os objetivos espe- cíficos desta pesquisa. Os estudos foram lidos integralmente e, com base nessa leitura, classificados de acordo com as temáticas centrais e metodologias empregadas. Para a análise dos métodos de pesquisa utilizados pelos artigos, utilizou-se como base o desenho metodológico proposto por Weinstein et al. (2019).
Análise dos estudos sobre liderança do diretor escolar no Brasil
Do total de 691 artigos sobre gestão escolar produzidos no período de 1989 a 2019, apenas 40 trataram dos diretores escolares - aproximadamente 6% do total. É interessante observar que a produção acadêmica sobre o tema cresce ao longo do tempo, tendo um expressivo aumento na última década: foram 4 artigos produzidos de 1989 a 1999; 8, de 2000 a 2009; e 28, de 2010 a 2019 (Figura 1).
A palavra-chave mais utilizada é “gestão escolar” (17 vezes), seguida por “diretor” (9) e “gestão democrática” (6). A palavra-chave “liderança” é citada em cinco artigos; ela aparece, pela primeira vez, em 2008, em artigo publicado na revista Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação por pesquisadores da Universidade de Aveiro/Portugal (Trigo & Costa, 2008). Os acadêmicos brasileiros passaram a usar o termo apenas em 2016 (Oliveira & Waldhem, 2016; Cária & Andrade, 2016), reflexo da “marginalização” do termo no campo (Vieira & Vidal, 2019). Na Figura 2, podemos observar as palavras-chave mais recorrentes nos artigos selecionados.
Os 40 artigos selecionados podem ser observados na Tabela 1, com os respectivos títulos, autorias e locais de publicação. Nas próximas seções, partimos para a análise desses trabalhos com base em três perspectivas: análise dos autores e instituições, análise do conteúdo e análise da metodologia empregada.
Autores | Ano | Título | Local de publicação | |
---|---|---|---|---|
1989 a 1999 | Nancy Gomes Dos Santos | 1989 | A burocracia do estado brasileiro pós-64 e a figura do "novo" administrador escolar de 1o e 2o graus |
Revista Educação em Questão |
José Camilo dos Santos Filho, Maria Lúcia R. D. Carvalho e Clara Germana de Sá Gonçalves | 1993 | Administração educacional como processo de mediação interna e externa à escola | Paidéia | |
Áurea Maria Guimarães, Joyce Mary Adam de Paula e Silva e Laurizete Ferragut Passos | 1994 | Administração escolar e processo educativo | Educação: Teoria e Prática | |
Maria Do Carmo Squilasse | 1997 | Paradigmas organizacionais em gestão escolar: um estudo piloto | Educação: Teoria e Prática | |
2000 a 2009 | Luis Miguel Carvalho | 2000 | O Senhor Director: fragmentos de uma história de actores e práticas escolares em Portugal | Educação e Pesquisa |
Serlei Maria Fischer Ranzi e Maclovia Corrêa da Silva | 2004 | Múltiplos itinerários de um lente e diretor do ginásio paranaense | História da Educação | |
Ângelo Ricardo de Souza | 2006 | Os dirigentes escolares no Brasil |
Educação: Teoria e Prática | |
Arilene Maria Soares de Medeiros | 2006 | Formação do gestor escolar no contexto do desenvolvimento das teorias curriculares | Revista Educação em Questão | |
Tufi Machado Soares e Lucia Helena G. Teixeira | 2006 | Efeito do perfil do diretor na gestão escolar sobre a proficiência do aluno | Estudos em Avaliação Educacional | |
João Ribeiro Trigo e Jorge Adelino Costa | 2008 | Liderança nas organizações educativas: a direcção por valores | Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação | |
Vitor Henrique Paro | 2009 | Formação de gestores escolares: a atualidade de José Querino Ribeiro | Educação & Sociedade | |
Flávia Obino Corrêa Werle, Carla Mantay e Alenis Cleusa de Andrade | 2009 | Direção de escola básica em perspectiva municipal | Educação | |
2010 a 2019 | Vitor Henrique Paro | 2010 | A educação, a política e a administração: reflexões sobre a prática do diretor de escola | Educação e Pesquisa |
Ângelo Ricardo de Souza e Andréa Barbosa Gouveia | 2010 | Diretores de escolas públicas: aspectos do trabalho docente | Educar em Revista | |
Teresa Jussara Luporini, Vera Lúcia Martiniak e Zélia Maria Lopes Marochi | 2011 | Eleição e formação de diretores de escolas municipais: a legislação e as práticas da rede municipal de ensino de Ponta Grossa | Revista Histedbr On-line | |
Joyce Mary Adam de Paula e Silva | 2011 | A construção da identidade de diretores: discurso oficial e prática | Educação em Revista | |
Luiza L. S. Santana, Nina R. S. Cunha, Marco A. M. Ferreira, Luiz R. C. Moura e Adriel R. de Oliveira | 2012 | Gestores Escolares da Rede Pública em Minas Gerias: Fatores de Satisfação no trabalho | Educação em Revista | |
Adrian Alvarez Estrada e Edaguimar Orquizas Viriato | 2012 | A escola enquanto organização burocrática: A Gestão Escolar na perspectiva dos Diretores Escolares de Cascavel | Revista Histedbr On-line | |
Gelson Silva Junquilho, Roberta Alvarenga De Almeida e Alfredo Rodrigues Leite da Silva | 2012 | As “artes do fazer” gestão na escola pública: uma proposta de estudo |
Cadernos EBAPE.BR | |
2010 a 2019 | Graziela Zambão Abdian, Viviani Fernanda Hojas e Maria Eliza Nogueira Oliveira | 2012 | Formação, função e formas de provimento do cargo do gestor escolar: as diretrizes da política educacional e o desenvolvimento teórico da administração escolar | ETD Educação Temática Digital |
Graziela Zambão Abdian, Maria Eliza Nogueira Oliveira e Graziela de Jesus | 2013 | Função do diretor na escola pública paulista: mudanças e permanências | Educação & Realidade | |
Roberta Alvarenga De Almeida Vargas e Gelson Silva Junquilho | 2013 | Funções administrativas ou práticas? As "artes do fazer" gestão na escola mirante | Ciências da Administração | |
Jorge Adelino Costa e Sandra Figueiredo | 2013 | Quadros de referência para o desempenho dos líderes escolares | Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação | |
Josania Lima Portela Carvalhêdo e Teresa Christina Torres Silva Honório | 2013 | Formação do gestor escolar: a experiência do curso de especialização em Gestão Escolar no Piauí | Revista Exitus | |
Maria Lília Imbiriba Sousa Colares e Newton Antonio Paciulli Bryan | 2014 | Formação continuada e gestão democrática: desafios para gestores no interior do Amazonas | ETD Educação Temática Digital | |
Isabella Maria Nunes Ferreirinha | 2015 | O espelho do gestor escolar do ensino público: relação de poder e governamentabilidade | Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos | |
Andreia Rubina Da Conceição Costa e António V. Bento | 2015 | Práticas e comportamentos de liderança na gestão dos recursos humanos escolares | Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação | |
Viviani Fernanda Hojas | 2015 | Concurso público para diretor na escola estadual paulista: expectativas dos órgãos centrais do ensino e concepções de diretores | Educação em Revista | |
Ana Cristina Prado de Oliveira e Andrea Paula Souza Waldhelm | 2016 | Liderança do diretor, clima escolar e desempenho dos alunos: qual a relação? | Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação | |
Neide Pena Cária e Nelson Lambert de Andrade | 2016 | Gestão democrática na escola: em busca da participação e da liderança | Revista Eletrônica de Educação | |
Antonio Amorim, Alfredo Eurico da Matta e Kátia Siqueira de Freitas | 2017 | O retrato holográfico do gestor da escola básica e a necessidade de novas possibilidades gestoras | Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação | |
Juliano Mota Parente | 2017 | Gestão escolar no contexto gerencialista: o papel do diretor escolar | Roteiro | |
Ana Cristina Prado De Oliveira e Cynthia Paes De Carvalho | 2018 | Gestão escolar, liderança do diretor e resultados educacionais no Brasil | Revista Brasileira de Educação | |
Isabela Macena Dos Santos e Edna Cristina Do Prado | 2018 | Entre a eleição e a indicação política: as relações de poder no cotidiano do gestor escolar | Revista Exitus | |
Rodrigo da Silva Pereira e Maria Abádia da Silva | 2018 | Políticas educacionais e concepção de gestão: o que dizem os diretores de escolas de ensino médio do Distrito Federal | Educar em Revista | |
Vera Lúcia Jacob Chaves, Valéria Silva de Moraes Novais e Gilmar Barbosa Guedes | 2018 | A gestão escolar e formas de provimento ao cargo de diretor escolar: o Plano de Ações Articuladas em foco | Revista Eletrônica de Educação | |
2010 a 2019 | Almerindo Janela Afonso | 2018 | O diretor enquanto gestor e as diferentes pressões e dilemas da prestação de contas na escola pública | Roteiro |
Patrícia Resende Pereira e Kelley Gasque |
2019 | Tomada de decisão do gestor escolar das escolas públicas de ensino médio no Distrito Federal e a interface com o letramento informacional | Em Questão | |
Daniela Patti do Amaral | 2019 | Seleção de diretores de escolas públicas: argumentos sobre o mérito do candidato | Educação | |
Simone de Fatima Flach | 2019 | A escolha dos diretores de escolas e sua relação com o princípio da gestão democrática no ensino público em municípios paranaenses | Perspectiva |
Fonte: Elaboração da autora com base nos dados da pesquisa.
Análise dos autores e instituições
Os artigos foram publicados por 65 autores - a maioria dos artigos, portanto, foi escrita por dois ou mais autores. Apenas nove tiveram duas publicações no período: Ana Cristina Prado de Oliveira (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - Unirio), Ângelo Ricardo de Souza (Universidade Federal do Paraná - UFPR), Gelson Silva Junquilho (Universidade Federal do Espírito Santo - UFES), Graziela Zambão Abdian (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Unesp), Jorge Adelino Costa (Universidade de Aveiro/Portugal), Maria Eliza Nogueira Oliveira (Unesp), Roberta Alvarenga De Almeida Vargas (UFES), Viviani Fernanda Hojas (Unesp e Universidade Federal do Acre - UFAC) e Vitor Paro (Universidade de São Paulo - USP).
As pesquisas foram desenvolvidas em 37 instituições.3 Desse total, 33 são nacionais e quatro, estrangeiras (todas de Portugal). A Unesp foi a instituição com maior produção no período, com um total de cinco artigos desenvolvidos por seus pesquisadores. As pesquisas foram desenvolvidas em dois campi: Departamento de Educação do campus de Marília e Departamento de Educação do Instituto de Biociências do campus de Rio Claro. As demais instituições nacionais foram responsáveis pela produção de, no máximo, dois artigos, com destaque para Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Universidade de Brasília (UnB), UFES, UFPR, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e USP. Em relação às regiões brasileiras, aquela com maior representatividade em termos de pesquisas desenvolvidas foi a Sudeste, com um total de 21 pesquisas, seguida pelas regiões Sul (11) e Nordeste (7).
É importante perceber a presença de sete pesquisadores de quatro instituições de Portugal, que produziram um total de cinco artigos no período: Andreia Rubina da Conceição Costa e António V. Bento (Universidade da Madeira), Almerindo Janela Afonso (Universidade do Minho), Luis Miguel de Carvalho (Universidade Técnica de Lisboa), e João Ribeiro Trigo, Jorge Adelino Costa e Sandra Figueiredo (Universidade de Aveiro).
Análise do conteúdo
Com base na leitura dos artigos sobre gestão escolar no Brasil, é possível analisarmos quais são os temas centrais, de que forma eles evoluíram ao longo do tempo, quais metodologias foram empregadas nesses estudos, entre outras questões.
Em relação aos temas, é possível dividir os artigos em sete categorias (alguns estudos foram incluídos em mais de uma categoria):
Seleção e formação continuada (13 estudos).
Características e identidade/perfil dos diretores (7 estudos).
Análise do papel dos diretores com base na evolução do conceito de gestão escolar (7 estudos).
Reflexão sobre burocracia e impacto no trabalho do diretor (7 estudos).
Observação do cotidiano dos diretores (4 estudos).
Associação entre o perfil do diretor e o desempenho do aluno (3 estudos).
Outros campos de conhecimento (3 estudos).
A Tabela 2 sistematiza a divisão entre essas categorias.
Categorias | Subcategorias | Autores |
---|---|---|
1. Seleção e formação | 1a. Formação (inicial e/ou continuada) |
Carvalhêdo e Honório (2013)
Colares e Bryan (2014) Medeiros (2006) Paro (2009) |
1b. Seleção e formas de provimento |
Amaral (2019)
Chaves et al. (2018) Costa e Figueiredo (2013) Flach (2019) Hojas (2015) Santos e Prado (2018) |
|
1c. Ambas: seleção e formação | Abdian et al. (2012, 2013) Luporini et al. (2011) |
|
2. Características dos diretores | 2a. Baseada nas avaliações de larga escala |
Amorim et al. (2017)
Souza (2006c) Souza e Gouveia (2010) |
2b. Baseada na autopercepção e na percepção da comunidade escolar |
Costa e Bento (2015)
Ferreirinha (2015) Silva (2011) |
|
2c. Baseada na legislação | Werle et al. (2009) | |
3. Evolução do conceito sobre gestão escolar | 3a. Conceito sobre gestão escolar e seu impacto no trabalho do diretor |
Cária e Andrade (2016)
Paro (2009, 2010) Pereira e Silva (2018) Santos (1989) Soares e Teixeira (2006) Squilasse (1997) |
4. Burocracia e o trabalho do diretor | 4a. Reflexão sobre o trabalho do diretor dentro de uma estrutura burocrática |
Afonso (2018)
Estrada e Viriato (2012) Guimarães et al. (1994) Parente (2017) Santos (1989) Santos Filho et al. (1993) |
5. Cotidiano dos diretores | 5a. Atual/Artes do Fazer |
Junquilho et al. (2012)
Vargas e Junquilho (2013) |
5b. Relato histórico |
Carvalho (2000)
Ranzi e Silva (2004) |
|
6. Impacto da liderança | 6a. Relação liderança e desempenho de alunos |
Soares e Teixeira (2006)
Oliveira e Waldhem (2016) Oliveira e Carvalho (2018) |
7. Outros campos de conhecimento | 7a. Administração |
Santana et al. (2012)
Trigo e Costa (2008) |
7b. Tecnologia da informação | Pereira e Gasque (2019) |
Fonte: Elaboração da autora com base nos dados da pesquisa.
A categoria que concentra o maior número de estudos refere-se à análise da seleção e da formação dos diretores escolares (Abdian et al., 2012; Abdian et al., 2013; Amaral, 2019; Carvalhêdo & Honório, 2013; Chaves et al., 2018; Colares & Bryan, 2014; Costa & Figueiredo, 2013; Flach, 2019; Hojas, 2015; Luporini et al., 2011; Medeiros, 2006; Paro, 2009; Santos & Prado, 2018). A primeira subcategoria busca examinar as experiências de formação dos diretores, seja por meio de estudos de caso de programas de formação desenvolvidos em estados brasileiros, seja por meio de análise teórica sobre a formação. Em relação aos estudos de caso, Carvalhêdo e Honório (2013) tiveram como foco a experiência de formação continuada dos gestores escolares no estado do Piauí, enquanto Colares e Bryan (2014) analisaram o curso de Especialização em Gestão Escolar, implementado pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). Em relação aos estudos teóricos, Medeiros (2006) buscou discutir a formação do gestor escolar no contexto do desenvolvimento das teorias curriculares, enquanto Paro (2009) refletiu sobre a formação dos diretores com base no conceito proposto por Querino Ribeiro. A segunda subcategoria centra-se na análise da seleção dos diretores, baseando-se no exame da legislação de diferentes municípios (editais de concurso e legislações municipais) e/ou realizando entrevistas com os diretores escolares. A diversidade de municípios e estados analisados é relevante: foram analisados municípios em Alagoas (Santos & Prado, 2018); Rio de Janeiro (Amaral, 2019), Pará (Chaves et al., 2018; Flach, 2019), Rio Grande do Norte (Chaves et al., 2018) e São Paulo (Hojas, 2015). O intuito dos estudos também foi variado: analisar os requisitos relacionados ao mérito nos editais de seleção (Amaral, 2019); avaliar a tensão entre a gestão democrática e as lógicas patrimonialistas ainda vigentes, entendendo se a democracia está presente no processo (Chaves et al., 2018; Flach, 2019); compreender as expectativas dos órgãos centrais em relação aos diretores (Hojas, 2015); e entender o impacto da forma de seleção (indicação ou eleição) nas relações de poder na escola (Santos & Prado, 2018). Ainda nessa segunda subcategoria, um artigo trouxe a perspectiva internacional para o tema da seleção de diretores. O estudo de Costa e Figueiredo (2013) apresentou uma síntese de quadros de referência para a liderança nas escolas em vários países, com destaque para Inglaterra, Canadá, EUA, Chile, Austrália e Nova Zelândia. Por fim, a terceira subcategoria diz respeito aos estudos que analisaram a seleção e a formação dos diretores no estado de São Paulo (Abdian et al., 2012; Abdian et al., 2013) e no município de Ponta Grossa, no Paraná (Luporini et al., 2011).
Com relação à segunda categoria, encontram-se os estudos centrados na análise das características centrais e da identidade/perfil dos diretores (Amorim et al., 2017; Costa & Bento, 2015; Ferreirinha, 2015; Souza, 2006c; Souza & Gouveia, 2010; Silva, 2011; Werle et al., 2009). A primeira subcategoria de estudos busca investigar características dos diretores, como gênero, formação, experiência e qualificação profissional, carga horária de trabalho, formas de seleção e remuneração. Dessa forma, tais trabalhos visaram a traçar um perfil dos diretores, principalmente com base nos dados disponíveis nas avaliações de larga escala, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) (Souza, 2006c; Souza & Gouveia, 2010) e o Censo Escolar (Amorim et al., 2017). A segunda subcategoria, por sua vez, concentra-se no entendimento da identidade dos diretores, buscando descrever o perfil deles com base nas autopercepções e nas percepções da comunidade escolar (Costa & Bento, 2015; Ferreirinha, 2015; Silva, 2011). Ferreirinha (2015) trouxe a percepção dos gestores escolares sobre si mesmos (o olhar no espelho), avaliando seu cargo e sua contribuição para a educação no país. Silva (2011), por sua vez, com o intuito de observar a construção da identidade dos diretores, analisou o discurso oficial (documentos e legislações que definem seus perfis) e o discurso individual desses profissionais (cultura organizacional estabelecida nas escolas), visando a avaliar a identidade dos diretores tanto oficial quanto a criada na prática. Por fim, Costa e Bento (2015) expandiram esse olhar, examinando a percepção da equipe escolar (docentes e não docentes) acerca das práticas e dos comportamentos da liderança do diretor escolar, além de analisarem quais comportamentos devem ser privilegiados. Por fim, a terceira subcategoria, composta apenas por um estudo, visa a apurar o perfil dos diretores com base na legislação (Werle et al., 2009). O estudo de Werle et al. (2009) tem em vista a legislação dos municípios do Rio Grande do Sul no que se refere à direção escolar, entendendo de que forma as leis classificam os diretores, quais as incumbências, sua formação, de que forma a carreira é estruturada, de que forma a carreira está relacionada com a gestão democrá- tica, entre outras.
A terceira categoria diz respeito aos estudos que olharam para a evolução dos conceitos sobre administração/gestão escolar no Brasil e seu impacto nas concepções sobre diretor escolar (Cária & Andrade, 2016; Paro, 2009, 2010; Pereira & Silva, 2018; Soares & Teixeira, 2006; Squilasse, 1997). Paro (2009) buscou, na obra de Querino Ribeiro, o embasamento para refletir sobre a formação dos diretores escolares, discutindo o suposto paradoxo entre formação técnica e formação fundamentada no pedagógico. Há um interesse pela reflexão em torno da discussão sobre a concepção técnica e a pedagógica, sobre as dimensões do trabalho do diretor e sua evolução ao longo do tempo. Santos (1989) discutiu a questão da burocracia e, com base na legislação de 1968 e 1971, analisou a evolução e a ampliação de um cargo que antes estava limitado a atividades administrativas. Paro (2010), por sua vez, em um trabalho que se tornou um marco no campo, trouxe à tona a discussão sobre a concepção conservadora e identificada com os preceitos da administração empresarial sobre administração escolar, confrontada com uma concepção mais progressista, voltada para a gestão democrática. Alguns estudos problematizaram a evolução do conceito ao longo do tempo e seu impacto na percepção dos diretores e na construção do campo. É o caso de Pereira e Silva (2018), que examinaram as concepções de gestão dos diretores de escolas públicas de ensino médio do Distrito Federal com base nos marcos históricos do debate e nas disputas em torno dos conceitos sobre gestão escolar. Tal trabalho é semelhante ao desenvolvido por Squilasse (1997), que buscou verificar o grau de concordância de dirigentes escolares com os paradigmas históricos sobre gestão escolar (mais identificados com uma lógica empresarial ou com a gestão democrática). Já Cária e Andrade (2016) trabalharam as potencialidades e os limites do gestor como responsáveis pelo processo democrático e participativo nas escolas, além do significado de uma real participação nas decisões da escola, por parte da comunidade escolar. A perspectiva é direcionada à articulação dos fundamentos teóricos e legais sobre gestão democrática com o que é observado no cotidiano escolar. Por fim, o trabalho de Soares e Teixeira (2006) visa a avaliar os diferentes tipos de perfil de liderança escolar, com base na evolução do conceito da gestão mais gerencial para a gestão tradicional/conservadora e, enfim, para uma gestão democrática, avaliando de que forma esses diferentes perfis impactam o desempenho dos estudantes.
A quarta categoria envolve os estudos que buscaram olhar especificamente para as tarefas do diretor no que diz respeito aos conceitos de burocracia e em relação às instâncias superiores e demandas externas (Afonso, 2018; Estrada & Viriato, 2012; Guimarães et al., 1994; Parente, 2017; Santos, 1989; Santos Filho et al., 1993). Santos (1989) analisa a burocratização do sistema educacional brasileiro, após 1964, principalmente com base na legislação de 1968 e 1971, verificando de que forma a direção da escola deixa de ser um cargo técnico para transformar-se em cargo de natureza política, à mercê das influências político-partidárias. Estrada e Viriato (2012) discutem os conceitos clássicos relacionados à burocracia e os pontos relacionados à burocratização do trabalho do diretor, assim como Guimarães et al. (1994), que debatem a construção dos papéis burocráticos na gestão escolar, com especial enfoque para o diretor escolar e os conceitos de autoridade e controle. Santos Filho et al. (1993) apontam que os diretores desempenham o papel administrativo menos voltados aos professores e mais aos interesses da burocracia externa à escola e às instâncias superiores de poder. Recentemente, essa discussão foi abordada por Parente (2017) e Afonso (2018), envoltas em um novo referencial teórico, relacionado à discussão do gerencialismo e das teorias da nova gestão pública. Parente (2017) identifica, na organização do trabalho dos diretores, alguns elementos, como a ampliação de suas atribuições, o excesso de formalismo e a forte influência da burocracia externa e das instâncias superiores. Já Afonso (2018) observa especificamente as pressões relativas à prestação de contas (accountability) e seu impacto no dia a dia dos diretores em Portugal.
A quinta categoria envolve os trabalhos relacionados ao cotidiano do diretor, atual ou histórico, englobando quatro estudos (Carvalho, 2000; Junquilho et al., 2012; Vargas & Junquilho, 2013; Ranzi & Silva, 2004). Dois desses pertencem a uma primeira subcategoria, que contempla os relatos atuais sobre os diretores, focados em uma análise do “saber fazer”, conforme proposto por Junquilho et al. (2012) e Vargas e Junquilho (2013). A segunda subcategoria envolve os trabalhos desenvolvidos por Carvalho (2000) e Ranzi e Silva (2004), que elaboraram relatos históricos sobre diretores com papel de destaque no passado. Carvalho (2000) fez o relato de um diretor português, de 1950 a 1970, buscando analisar, por meio do texto, a trajetória do sistema educativo escolar em Portugal. Já Ranzi e Silva (2004) relataram a história do diretor Lysimaco Ferreira da Costa, do Ginásio Paranaense, entre os anos 1920 e 1928, por meio da análise de telegramas, bilhetes e cartas.
A sexta categoria envolve os estudos que buscaram fazer associações entre os perfis de liderança e o desempenho dos alunos (Soares & Teixeira, 2006; Oliveira & Carvalho, 2018; Oliveira & Waldhem, 2016). Esses artigos, com base em avaliações de larga escala, como o Programa de Avaliação da Educação Básica do Sistema Mineiro de Avaliação Educacional (Proeb/Simave) e a Prova Brasil, buscaram avaliar de que forma a liderança escolar tem interferido no desempenho dos alunos. Soares e Teixeira (2006) classificaram os diretores em três perfis de gestão (gerencial, tradicional/conservadora e democrática) e, por meio de técnicas de regressão hierárquica, avaliaram que os diretores com perfil plenamente democrático pareciam influenciar a proficiência dos alunos em língua portuguesa. Oliveira e Carvalho (2018) analisaram a relação entre um indicador de liderança (formado pela percepção dos professores sobre o diretor e pela forma de seleção do diretor) e o desempenho dos alunos, verificando uma associação positiva entre o desempenho em matemática no 5º ano do ensino fundamental e a liderança dos diretores, assim como uma associação negativa no caso dos diretores nomeados, em geral, por indicação política. Por fim, Oliveira e Waldhem (2016) procuraram avaliar a relação entre liderança, clima escolar/colaboração docente e desempenho dos alunos, encontrando uma associação positiva entre a liderança do diretor e o clima escolar/colaboração docente com o desempenho dos estudantes.
Por fim, a sétima categoria envolve três estudos que trataram de temáticas relacionadas a outros campos de conhecimento, notadamente à área de administração (Santana et al., 2012; Trigo & Costa, 2008) e à de tecnologia da informação (Pereira & Gasque, 2019). São trabalhos que trazem importantes contribuições aos estudos sobre os diretores, mas foram embasados em outros referenciais teóricos. No caso de Santana et al. (2012), os autores buscaram analisar a satisfação no trabalho dos diretores da educação básica pública. O referencial da pesquisa tem origem em teorias da administração e foi desenvolvido em um programa de pós-graduação em Administração Pública, utilizando como referência as teorias de satisfações humanas e de qualidade de vida no trabalho. São observados os construtos do modelo de Walton para a análise dos diretores: remuneração justa e adequada; condições de trabalho; uso e desenvolvimento de capacidades; oportunidade de crescimento e segurança; integração social na organização; constitucionalismo; equilíbrio trabalho e vida pessoal; e relevância do trabalho. O artigo de Trigo e Costa (2008) também utiliza as teorias de administração para a análise do trabalho dos diretores, situando as organizações educativas no quadro das organizações em geral e examinando-as com base no campo dos estudos organizacionais e no tema da liderança, com base no referencial teórico da direção por valores. Por fim, o trabalho de Pereira e Gasque (2019) aplica o referencial sobre information literacy (letramento informacional), combinando-o com os modelos de tomada de decisão para avaliar de que forma se comportam os diretores para buscar e usar as informações e para a posterior tomada de decisão, em escolas de ensino médio do Distrito Federal. Os pesquisadores concluem que, em relação aos padrões do letramento informacional, há o desenvolvimento de poucas habilidades por parte dos diretores e, portanto, existe a necessidade de formação sistemática para lidar com a informação.
Análise das metodologias de pesquisa
Com base nas categorias e na metodologia propostas por Weinstein et al. (2019), foi possível avaliar os artigos de acordo com três pontos centrais: o desenho geral da pesquisa, as técnicas dos estudos empíricos e a análise com relação à metodologia empregada pelos estudos empíricos (Tabela 3).
Desenho geral | Técnicas - estudos empíricos | Análise - estudos empíricos | |||
---|---|---|---|---|---|
Ensaio/teórico | 5 | Dados primários | 15 | Qualitativo | 23 |
Empírico | 35 | Entrevistas e grupos focais | 5 | Análise de discurso | 13 |
Análise de dados primários | 15 | Questionários e estudos de caso | 4 | Análise documental | 10 |
Análise de dados secundários | 16 | Questionários | 2 | Quantitativo | 8 |
Análise de dados primários e secundários | 4 | Outros | 4 | Estatística descritiva | 5 |
Dados secundários | 16 | Análise multivariada | 3 | ||
Análise legislação e documentos | 8 | Misto (Quali-Quanti) | 4 | ||
Análise de dados | 6 | ||||
Análise de documentos históricos | 2 | ||||
Dados primários e secundários | 4 |
Fonte: Elaboração da autora com base nos dados da pesquisa.
Em primeiro lugar, em relação ao desenho geral da pesquisa, há 5 artigos teóricos e 35 empíricos. Entre estes últimos, há uma divisão aproximadamente igual para os artigos que usam dados primários e secundários (15 e 16 artigos, respectivamente), além de 4 estudos que aplicam ambos os formatos.
Em segundo lugar, foram investigadas as técnicas de análise dos estudos empíricos. Os que utilizaram dados primários fizeram uso principalmente de entrevistas e grupos focais, seguidos pelos que mesclaram o envio de questionários com a realização de estudos de caso em municípios ou estados. Em relação aos estudos que utilizaram dados secundários, a principal fonte de informação foram legislações e documentos municipais, estaduais e nacionais - a maioria concentrou-se na análise de legislações, editais e documentos governamentais para a realização de estudos de caso (8). Aparecem, na sequência, os trabalhos que empregaram dados de avaliações de larga escala no Brasil, como a Prova Brasil, o Saeb e o Censo Escolar, para análises descritivas e correlacionais (6).
Por fim, na análise da metodologia empregada pelos estudos empíricos (excluídos aqui os artigos que fizeram exame da legislação e de documentos históricos), é notória a predominância de trabalhos qualitativos, correspondendo a praticamente metade da amostra. Quatro estudos utilizaram metodologias mistas, em geral combinando o envio de questionários com a realização de estudos de caso. Entre os artigos que fizeram análise de dados (com base em dados primários ou secundários), 5 elaboraram estatísticas descritivas, sendo que 3 deles utilizaram dados de avaliações de larga escala e 2 lidaram com dados primários, obtidos por meio do envio de questionários aos diretores. Apenas 3 estudos usaram dados oficiais, entre os 40 artigos da base de dados, para relacionar as características da liderança com o desempenho dos alunos.
Análise das referências bibliográficas
Complementarmente às análises apresentadas, Simielli (no prelo) examinou a interna- cionalização das referências bibliográficas utilizadas por esses 40 artigos. Foram examinadas 446 referências sobre gestão escolar citadas e concluiu-se que os estudos produzidos na primeira e na segunda fases (1930 a 2000) ainda apresentam grande impacto sobre a produção recente no Brasil. Apesar da ampla produção internacional sobre o tema da gestão escolar, com forte enfoque no papel dos diretores escolares, a produção nacional ainda faz pouco uso de estudos internacionais. Mesmo com a crescente citação de títulos estrangeiros nos estudos mais recentes, especialmente a partir de 2010, ainda não há nenhuma referência internacional que tenha sido citada mais de duas vezes pelas pesquisas nacionais - evidenciando a baixa influência da produção internacional sobre a literatura nacional (Simielli, no prelo). O levantamento, assim, evidenciou a relevante produção nacional sobre o tema, porém ainda em baixa interlocução com estudos e pesquisadores internacionais.
Considerações finais
Nesta pesquisa, foram levantados e analisados os artigos sobre os diretores escolares desenvolvidos no Brasil de 1989 a 2019. Verificamos a existência de poucos estudos sobre o tema no país, confirmando o que já havia sido apontado por Flessa et al. (2018), Mariano et al. (2016) e Vieira e Vidal (2014). Em nossa base de dados, os artigos com foco nos diretores escolares representaram aproximadamente 6% do total de estudos sobre gestão escolar publicados nas últimas três décadas. Esse número, porém, vem crescendo nos últimos anos, com aumento significativo a partir de 2010.
O campo ainda é pequeno no Brasil: apenas nove autores publicaram mais de um artigo sobre o tema nas últimas três décadas. A maioria das instituições de pesquisa é da região Sudeste, responsável pela produção de aproximadamente metade dos artigos, correspondendo ao que foi produzido conjuntamente pelas regiões Sul e Nordeste. Ressalta-se a importância da investigação que vem sendo desenvolvida por pesquisadores portugueses e publicada no país, responsáveis por trazerem temáticas novas para a discussão, como os quadros de referência de liderança escolar e a questão da accountability.
Em relação ao conteúdo, a principal categoria dos artigos analisa a seleção e a formação dos diretores - alinhado ao que Souza (2006a) encontrou em seu levantamento. Em segundo lugar, aparecem três categorias: características e identidade/perfil dos diretores; análise do papel dos diretores, com base na evolução dos conceitos sobre gestão escolar; e reflexão sobre burocracia e seu impacto no trabalho do diretor.
Considerando-se a importância do tema de liderança escolar no debate internacional, é fundamental que esse assunto se torne um campo de pesquisa estruturado no Brasil. Para além da centralidade do tema no debate acadêmico, é preciso que essa discussão se torne uma prioridade na agenda governamental, destacando a importância dos diretores na promoção de uma educação de qualidade para todos. O debate acadêmico, nesse sentido, pode contribuir para garantir que a temática entre na agenda governamental, fornecendo evidências e repertório para que as políticas públicas possam ser desenhadas e implementadas de maneira efetiva.