Desde a virada do século XX atéos dias atuais, o Brasil tem apresentado um crescimento vertiginoso na popularização do acesso à rede mundial de computadores. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017)1, só, em 2017, o país ganhou novos 10 milhões de internautas, totalizando 75% dos lares brasileiros com acesso à internet. Mas, apesar desses números crescentes, permanece desafiadora a quebra da barreira que ainda separa os incluídos e os excluídos do mundo digital, discrepância observada com mais destaque nas regiões periféricas das grandes cidades e nas zonas rurais do Brasil.
Preocupada com essa problemática emergente da contemporaneidade, a pesquisadora, professora e jornalista potiguar Maria Aparecida Ramos da Silva, nos apresenta em seu livro Inclusão digital nas escolas públicas: o uso pedagógico dos computadores e o ProInfo Natal/RN, de 2018, dados coletados em sua pesquisa de mestrado em Ciências Sociais, realizada em quatro escolas municipais da capital potiguar, sobre a efetividade do Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo) do Governo Federal na inclusão digital de jovens brasileiros e no uso pedagógico das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs).
No primeiro capítulo, a autora traça um panorama histórico das transformações econômicas, políticas e sociais com base na emergência das TICs, ressaltando o perigo do aprofundamento das desigualdades sociais com a privação do acesso à rede. Tendo como objeto a educação, Maria Aparecida Ramos da Silva aponta a importância da internet como mecanismo de socialização do saber e indispensável ferramenta utilizada por governos, gestores, professores, alunos e pais visando à melhoria da educação pública brasileira; porém, somente, alcançará sua efetividade se disponível também às camadas mais desfavorecidas da sociedade e às regiões que ainda apresentam dificuldades de se conectar mundialmente. Segundo Silva, fazer parte da rede não é apenas fundamental para a inclusão econômica, mas também para aspectos muito mais amplos da vida cotidiana, como a participação política, os assuntos comunitários, a produção cultural, o entretenimento, a interação social e a educação.
No capítulo seguinte, a autora aponta o que tem sido feito em termos de políticas públicas para a inclusão digital no Brasil contemporâneo, tomando, como objeto empírico, a execução pelo Governo Federal do Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo). Criado pelo Ministério da Educação, em 1997, ainda na gestão do então presidente da república Fernando Henrique Cardoso, seu objetivo era promover o uso da tecnologia como ferramenta de enriquecimento pedagógico no ensino fundamental e médio. Em 2007, o presidente Luís Inácio Lula da Silva, pelo Decreto nº 6.300, de 12 de dezembro de 2007, reestrutura o ProInfo, com enfoque no letramento digital em que, segundo exposto por Silva “[...] os indivíduos devem ter habilidades para manusear as novas TICs e ter condições de acessar as tecnologias com uma visão mais crítica, além de produzir conhecimento para a rede mundial de computadores” (2018, p. 27).
Do ponto de vista metodológico, a pesquisadora considera, como corpus de análise, escolas públicas municipais de Natal contempladas pelo ProInfo, espalhadas nas quatro regiões administrativas da cidade. Na capital potiguar (Natal), o ProInfo está presente desde o primeiro ano de sua implementação, em 1997, sob a coordenação do Setor de Educação a Distância vinculado à Secretaria Estadual de Educação que, primeiro, adotou o programa em escolas estaduais da capital - no Colégio Estadual doAtheneu Norte-Riograndense e no Instituto de Educação Presidente Kennedy -, em Mossoró, no NTE Jerônimo Rosado, e em Caicó, no NTE José Augusto, segundo Silva.
No terceiro e último capítulo do livro, a pesquisadora apresenta os resultados de sua investigação sobre a efetividade do ProInfo nas escolas selecionadas. Sobre a avaliação de políticas públicas, Silva assinala a importância de se distinguir três categorias possíveis de análise: a eficácia, que diz respeito à avaliação de metas e resultados de um programa; a eficiência, relação entre os recursos empregados na implementação de uma determinada política e os resultados alcançados; e a efetividade, procedimento traçado pela autora, que diz respeito à relação dos objetivos da implementação de uma política pública e seus resultados práticos para o público beneficiado.
Quanto à efetividade do ProInfo nas escolas investigadas, Maria Aparecida Ramos da Silva considera o letramento digital e crítico um aspecto fundamental a ser levado a efeito na avaliação. Para a pesquisadora, o ProInfo tem cumprido um papel fundamental nas escolas de Natal, mas, na sua execução, foram observadas dificuldades que comprometem os resultados esperados. O primeiro aspecto apresentado por Silva diz respeito ao conflito geracional entre professores e alunos. Os “imigrantes digitais”, como ela apresenta alguns professores que perpassaram o ambiente escolar antes e depois da inserção dos laboratórios de informática e da popularização do acesso doméstico à internet, sobretudo no início dos anos 2000, relataram dificuldades em se adequar às inovações tecnológicas e de utilizar metodologias mais atraentes para os “nativos digitais”, ou seja, os alunos que já cresceram no contexto digital. Silva, nesse sentido, relata que muitos professores apresentam resistência em incentivar o uso de computadores por não dominarem o manuseio dos equipamentos e das inúmeras possibilidades de navegação em rede. A capacitação desses profissionais é prejudicada pela falta de apoio governamental, uma vez que se faz necessário investir um turno extraclasse para tanto, segundo a pesquisadora, bem como na falta de sintonia entre as coordenações dos diferentes polos do ProInfo em Natal, dificultando o intercâmbio de experiências e direcionamento de atividades comuns. Outro fator complicador da efetividade do PoInfo em Natal, apresentado no livro pela pesquisadora, refere-se às condições precárias de infraestrutura dos laboratórios de informática, fazendo com que dois ou mais alunos utilizem, simultaneamente, o mesmo computador. Essa geração, nativa da era digital, domina, segundo Silva, a linguagem digital, mas, apenas, para navegabilidade em rede, sem possuir, muitas vezes, conhecimento sobre ferramentas que podem contribuir para seu desenvolvimento educacional. Mais do que acesso ao equipamento tecnológico, a conexão em rede deve ter, como finalidade, a expansão das capacidades educacionais e críticas, tanto dos alunos quanto dos professores.
Maria Aparecida Ramos da Silva congrega diferentes referências da área da comunicação, educação, sociologia e políticas públicas com uma escrita envolvente, sagacidade teórica e rigor metodológico em seu livro. Inclusão digital nas escolas públicas: o uso pedagógico dos computadores e o ProInfo Natal/RN. Portanto, trata-se de uma obra valiosa para profissionais da área da Educação, Ciências Sociais e Políticas Públicas, bem como para gestores, pesquisadores e curiosos, interessados em entender mais sobre os desafios da inclusão digital em um mundo cada vez mais conectado e que ainda precisa lidar com as profundas desigualdades sociais quanto ao acesso a uma educação de qualidade.