Introdução2
Ao iniciar a escrita deste texto imediatamente me transportei para o momento da minha formação docente e iniciação profissional, nos idos de 1990, quando as discussões sobre as metodologias de alfabetização e as críticas aos métodos sintéticos (fônico, silabação etc.) eram efervescentes, e novos caminhos e propostas para o ensino da leitura e escrita começavam a se delinear. Era muito forte naquele momento a busca de formas inovadoras de encaminhar a alfabetização a partir de novas perspectivas para o ensino da leitura e escrita. O estudo de Soares (2000) sobre o Estado do Conhecimento em alfabetização, por exemplo, dá conta da multiplicidade de perspectivas acadêmico-científicas que, a partir de 1980, lançaram luzes sobre aspectos linguísticos, cognitivos, históricos, sociais e pedagógicos envolvidos nas discussões teórico-metodológicas sobre alfabetização como um processo muito mais complexo do que uma técnica de codificação e decodificação.
Embora a discussão sobre métodos faça parte da própria história da alfabetização, a crença de que para alfabetizar só existe um método possível parecia superada, mas foi retomada nos primeiros anos do século XXI e ganhou mais força a partir de políticas educacionais adotadas recentemente em um momento bastante controverso quanto aos rumos da educação no país. Destaca-se a instituição da Política Nacional de Alfabetização (PNA), pelo Decreto nº 9.765, de 11 de abril de 2019, cuja orientação é pela adoção dos métodos de marcha sintética, com destaque para o fônico, apontado no documento como o único baseado em evidências científicas, provenientes dos “achados das ciências cognitivas”, que abrangem os estudos da mente e sua relação com o cérebro, “como a psicologia cognitiva e a neurociência cognitiva” (BRASIL, 2019, p. 20).
Esse discurso da cientificidade, adotado nos documentos oficiais sobre o método fônico no ensino da leitura e escrita, corrobora o alerta feito por Soares (2004, 2019) de uma tendência perigosa de retorno a paradigmas anteriores, com perda dos avanços e conquistas já realizados sobre alfabetização ao longo de muitas décadas; com prejuízos à premissa da autonomia do professor em suas escolhas metodológicas; com desconsideração de que aprender a língua escrita envolve não só aspectos cognitivos, mas a aprendizagem de um objeto cultural em suas diversas facetas (linguística, histórica, social, afetiva); e incentivo ao uso de um método (fônico) em que a alfabetização começa pelo fim do processo, ou seja, pela aprendizagem das relações fonema-letra. Constitui-se como um retrocesso, pois, ao privilegiar uma única área como científica, a PNA desconsidera toda uma produção acadêmica que aponta outros elementos da alfabetização, tais como a heterogeneidade das crianças em seus processos de aprendizagem. Destaco também que essa perspectiva contribui para uma interpretação equivocada, e falaciosa, de que a alfabetização das crianças tem sido realizada no improviso e no amadorismo – o que não é verdade –, o que justificaria um maior controle sobre o trabalho docente.
Ao contrário do que quer nos fazer crer a PNA, as discussões sobre alfabetização são marcadas por diferentes vozes, oriundas das contribuições de diversas áreas do saber (SOARES; MACIEL, 2000), e pelas práticas que se constroem no dia a dia pelas professoras e professores que medeiam o processo de alfabetização neste país, cujas desigualdades sociais se impõem como um grande desafio à inserção de milhares de crianças no mundo da cultura escrita. Essas práticas, forjadas no cotidiano escolar, vão se constituindo como o repertório de saberes dos docentes, que não se curvam às inovações sem resistências diante das necessidades de aprendizagem de seus alunos, apesar das formas de supervisão e vigilância sobre seu trabalho.
Nesse sentido, Morais (2012) aponta que as pesquisas sobre o que os professores fazem mostraram que, ao serem obrigados a adotar o método fônico, eles recriaram as suas atividades segundo o que consideravam adequado aos seus alunos, selecionando novas propostas para motivar e usar o tempo de suas aulas de forma mais produtiva e motivadora como formas de insubordinação à interferência no seu trabalho.
Silva (2014) corrobora, em sua pesquisa, a constatação de Morais (2012) de que as professoras, mesmo tendo que seguir um programa de uso do método fônico:
[…] (re)inventavam, em seu cotidiano, outras maneiras de fazer, como dizer o nome das letras em vez de pronunciar os fonemas e acrescentar outras propostas e materiais, alguns deles mais próximos do método silábico e outros relacionados à perspectiva do letramento. […] construíam suas práticas de ensino da leitura e da escrita pautando-se não apenas nas orientações e materiais do programa, mas também em outros materiais e outras experiências que vivenciaram e que constituíam os seus saberes e as suas práticas. (SILVA, 2014, p. 121-122).
Cerdas (2007, 2012), ao revisar pesquisas sobre alfabetização, também traz dados relevantes sobre a variedade do repertório de boas práticas desenvolvidas e experimentadas nas salas de aula brasileiras nos mais diversos contextos e condições, mas que estão invisibilizadas. Os materiais produzidos para a formação de professores ao longo dos últimos anos, que trazem relatos de experiências docentes, também se constituem como fonte de práticas significativas e inovadoras, bem diferentes dos exercícios mecânicos e repetitivos dos métodos sintéticos, que primam pelo treino e pela memorização.
Na história dos métodos de alfabetização3, os defensores daqueles nomeados de sintéticos concebem a língua como um código e a escrita como um sistema de representação gráfica dos sons, como é apontado no caderno da PNA (BRASIL, 2019). A alfabetização constitui-se, nessa perspectiva, como “o ensino das habilidades de leitura e de escrita em um sistema alfabético” (BRASIL, 2019, p. 18). O objetivo primeiro desses métodos é com a aprendizagem das regras de decodificação e codificação da língua, pelo conhecimento do código alfabético e das correspondências grafofonêmicas. Portanto, “tratam a criança como um ser que concebe as unidades internas das palavras tal como o fazem os indivíduos já alfabetizados [...]” (MORAIS, 2012, p. 30).
[...] partem do pressuposto de que as crianças, naturalmente e sem dificuldades, já pensariam, desde cedo, que as letras ‘substituem sons das palavras que pronunciamos’ […] é o que justificaria a solução de, simplesmente, transmitir-lhes, de forma pronta, as informações sobre correspondências som-grafia. (MORAIS, 2012, p. 31).
A aprendizagem desse modo de representação gráfica – escrita – a partir de métodos sintéticos se inicia pelo estudo das unidades linguísticas menores (som, letra, sílaba) para enfim chegar às estruturas mais complexas, em especial ao texto. Na prática, a ideia desses métodos é apresentar às crianças os sons e as letras passo a passo, em uma ordem considerada crescente em termos de dificuldades. A partir do momento em que aprendem o código alfabético, as atividades e exercícios propostos enfatizam a ortografia e a gramática, ficando para segundo plano o conteúdo da escrita e sua função (COLELLO, 2014).
O método fônico reflete, portanto, uma “[…] concepção de linguagem instrumental, que toma a língua e seu sistema de funcionamento como objetos da alfabetização, despersonalizando os sujeitos que a enunciam, que pensam sobre a linguagem e significam o mundo” (CORAIS, 2019, p. 163). Além disso, tendo a homogeneização como um pressuposto, esses métodos ignoram e desconsideram as subjetividades, sendo o fracasso na alfabetização visto como culpa unicamente do sujeito, uma vez que o método foi aplicado a contento.
A adoção do método fônico não constitui inovação, mas um retrocesso para a alfabetização, à medida que “considera que a capacidade de segmentar as palavras em sequências de fonemas é algo pouco complexo [...] e que, sem pronunciar tais fonemas isoladamente, as crianças não se alfabetizam ou não se alfabetizariam da ‘melhor maneira’” (MORAIS, 2012, p. 31). Isso sem falar dos textos presentes nesses materiais didáticos, que se constituem como pseudotextos para aprender a ler e escrever, como o exemplo (Figura 1) da cartilha três do livro do Programa Alfa e Beto (BARBOSA, 2013, p. 26):
Acreditar que o método fônico é a solução para a alfabetização em nosso país é desconsiderar toda a história da alfabetização e os avanços teóricos e científicos na área, sem contar a diversidade socioeconômica, cultural e linguística própria da sociedade brasileira. A citação de Cagliari, por exemplo, explicita a ideia equivocada dos defensores dos métodos sintéticos de que há um conhecimento mais fácil ou mais difícil em termos de letras/sílabas/sons.
Para uma criança que vai aprender a escrever, qualquer coisa é difícil, e a motivação para se preferir uma palavra à outra ou a escrita de uma letra à outra não se justifica em termos linguísticos, mas com base em critérios e interesses da criança. Certamente, há palavras mais fáceis e mais difíceis do ponto de vista dos métodos. Se se adota um método silábico, palavras com a estrutura CV (consoante + vogal) são mais simples do que palavras com sílabas do tipo CCVCC (por exemplo trens). Se, em vez disso, a criança parte do alfabeto, palavras curtas (por exemplo trens) são mais fáceis do que palavras longas (por exemplo matemática) – mesmo que estas palavras longas só tenham sílabas do tipo CV. A dificuldade está nos métodos e não na ação de quem aprende. Por isso, não vejo como se pode dizer que escrever uma palavra como peixe constitui uma atividade mais complexa, mais difícil do que escrever pata ou casa, para quem está aprendendo a escrever. (CAGLIARI, 2007, p. 71-72, grifo nosso).
Esses métodos também se caracterizam pela fragmentação do material de leitura; preocupação de que o leitor seja capaz de emitir sons correspondentes a um grupo de letras; leitura mecânica, com prejuízo à compreensão dos significados dos textos; leitura letra por letra, ou sílaba por sílaba, o que dificulta o acesso ao sentido do texto; e desconsideração do sujeito da aprendizagem. A situação muitas vezes é que “O aluno fala português, mas não reconhece a sua língua na sala de aula, nem nos exercícios propostos pelo professor, tampouco é capaz de transpor os supostos aprendizados para as suas práticas sociais” (COLELLO, 2014, p. 172).
Separa-se o momento de aprender a ler e escrever do momento de ler e escrever, contrariamente às discussões teórico-metodológicas realizadas desde as últimas décadas do século XX. Métodos que vão na contramão de uma perspectiva na qual a alfabetização não se caracteriza como ensino de um código, mas como “ensino-aprendizagem inicial da leitura e da escrita” (MORTATTI, 2019, p. 49) e que, tendo como objeto de conhecimento a própria linguagem e suas manifestações discursivas, baseiam-se em práticas sociais de uso da leitura e escrita.
Entendo, como os autores com os quais dialogo, que conhecer as relações entre sons e letras não é suficiente para dar conta da compreensão da escrita em toda sua complexidade, como veremos ao longo deste texto. E, como conhecimento cultural, a aprendizagem do sistema da língua não pode se dar fora do contexto das interações discursivas (CORAIS, 2019), desconsiderando o sujeito que aprende.
A criança, nessa perspectiva, jamais chega à escola vazia de conhecimentos sobre a escrita, por mais restritos que sejam seu ambiente familiar e comunitário em termos de quantidade e da qualidade do repertório de leitura e escrita a que está submetida e com o qual interage. Essa deve ser uma premissa fundamental da alfabetização na contemporaneidade, e mesmo aqueles que não dominam a escrita alfabética envolvem-se em práticas de leitura e escrita por meio da mediação do outro e desenvolvem saberes sobre os textos e gêneros discursivos que circulam socialmente. No entanto, como essas experiências socioculturais são singulares, nem todas as crianças chegam à escola com o mesmo nível de conhecimentos sobre a escrita, o que tem implicações importantes no desenvolvimento das práticas de ensino, já que a sala de aula se configura como espaço da diversidade e da diferença, que precisam ser respeitadas como potencialidades.
Não se pode ignorar o contexto da pandemia da covid-19, que, desde o início de 2020, tirou crianças e professores do convívio presencial nas escolas em razão da necessidade de distanciamento social. Situação que deve aprofundar ainda mais o fosso entre as crianças mais ricas e as mais pobres da sociedade no que tange às suas condições de existência, com consequências à sua alfabetização, e aos índices de abandono e fracasso escolar no período pós-pandêmico.
Importa nessa discussão pensarmos sobre por que, para que e o que almejamos como formação para as crianças das camadas populares. As respostas a essas questões implicam opções no encaminhamento de políticas de alfabetização e formação dos alfabetizadores. Mais do que a adoção de um método, o discurso da cientificidade presente na PNA, está atrelado a uma política de governo que pretende ter o controle do trabalho do professor, não só na educação básica, mas no ensino superior, e a uma perspectiva de sociedade em que as diferenças não são toleradas e as vozes dissonantes devem ser silenciadas, de modo que formação crítica do sujeito e a premissa freiriana da educação como prática de liberdade são rechaçadas.
Assim, o argumento de que muitos de nós fomos alfabetizados com esses métodos sintéticos não se sustenta. Grande parte dos que frequentaram por vários anos a escola não desenvolveu o gosto e o hábito da leitura. Estudantes, mesmo na universidade, demonstram dificuldades em escrever, expressar suas ideias e pensamentos, serem autores da sua escrita. As avaliações que medem a proficiência da população na leitura e escrita revelam níveis insatisfatórios que comprovam essa realidade4. Quantos de nós de fato se tornaram leitores e escritores autônomos e autorais no uso da linguagem escrita?
Há uma preocupação legítima com a autonomia dos sujeitos diante das práticas sociais de escrita, tendo em vista o seu pertencimento às sociedades letradas, “[…] organizadas em torno de um sistema de escrita […] uma cultura cujos valores, atitudes e crenças são transmitidos por meio da linguagem escrita e que valoriza o ler e o escrever de modo mais efetivo do que o falar e o ouvir […]” (MORTATTI, 2004, p. 98). Nosso dia a dia está repleto de escrita, e suas demandas ampliam as perspectivas para uma alfabetização que permita “[…] uma escolaridade prolongada e a autonomia social dos adultos no espaço político e econômico das sociedades desenvolvidas” (CHARTIER, 1998, p. 12), o que vai muito além da escrita de um bilhete simples ou de uma lista de compras.
É importante reafirmar a função social da escola na ampliação do repertório cultural e literário das crianças, especialmente daquelas cujo acesso à leitura e à escrita é restrito. É fazer dela “[…] espaço-tempo de ampliação da leitura do mundo pelo aprofundamento tanto do conhecimento linguístico quanto dos modos de dizer e ler o mundo [...]” (GOULART, 2019, p. 15).
A alfabetização caracteriza-se como uma questão política de marginalização social daqueles que não dominam a escrita, não como um código a ser decifrado, mas como linguagem fundante das interações sociais. Como enfatiza Geraldi (2011, p. 29), “Reduzir a alfabetização à aprendizagem de uma técnica […] é desvestir o processo de alfabetização de todo e qualquer cunho político. Como se a técnica fosse neutra e como se seu uso – os sentidos que faz circular – fosse independente de interesses sociais.”. Essa é uma questão fundamental da ideia de uma prática alfabetizadora desprovida do sentido ético da docência na promoção de uma leitura mais crítica da realidade (FREIRE, 1991). Ninguém melhor do que Paulo Freire (1991) descreveu o papel político da aprendizagem da leitura e escrita ao apontar que a leitura de mundo, que precede a leitura da palavra, modifica-se à medida que o sujeito aprende a ler a palavra escrita.
Embora a busca de novas alternativas didáticas para a alfabetização não seja recente e coincida com o período da minha formação no magistério, os desafios da alfabetização e do analfabetismo funcional – jovens e adultos que frequentaram a escola, mas demonstram níveis muito baixos de proficiência na leitura e escrita – persistem e evidenciam a falta de uma política de Estado que priorize de fato a educação, falta que se dá a ver na descontinuidade das políticas e propostas para a alfabetização e a formação docente. Apesar de o artigo não ter como objetivo abordar com profundidade esses aspectos, vale destacar que a interrupção do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) é um dos exemplos mais recentes de descontinuidade que abriu vácuo para a adoção de uma perspectiva fônica para a alfabetização a partir da PNA.
A voz e o protagonismo das crianças na alfabetização
Para a perspectiva discursiva, baseada nos princípios bakhtinianos, a linguagem nos constitui e é por nós constituída na dinâmica das relações entre sujeitos. E é pelo conjunto dessas relações, mediadas por signos (gestuais, orais, escritos etc.), que os sujeitos apreendem as diferentes vozes sociais, constituindo também sua subjetividade, em um constante vir a ser, de modo único e singular. A razão de ser da linguagem está, desse modo, nos “[…] sentidos que mobilizam o homem, desde suas necessidades mais comezinhas até suas necessidades de rupturas com o já estabelecido, inclusive com a língua” (GERALDI, 2011, p. 30). O sujeito se serve da língua, como realidade material, para suas necessidades concretas, importando muito menos a forma linguística e muito mais a sua adequação ao contexto concreto da situação de enunciação.
A língua tem a propriedade de ser dialógica, sendo o enunciado um todo de sentido materializado nos textos orais e escritos. Esses enunciados constituem-se pela palavra em diálogo com outras palavras, de tal modo que todo discurso é atravessado pelo discurso de outrem. Nas palavras de Fiorin (2016, p. 36), a perspectiva bakhtiniana concebe que “Um enunciado se constitui em relação com enunciados que o precedem ou sucedem na cadeia de comunicação [...] um enunciado solicita uma resposta, resposta que ainda não existe”. E “[…] o estudo do enunciado como unidade real da comunicação discursiva permitirá compreender de modo mais correto também a natureza das unidades da língua (enquanto sistema) – as palavras e as orações” (BAKHTIN, 2019, p. 22, grifo do autor). Isso implica considerar que o sistema de formas normativas é produto de uma reflexão sobre a língua, uma abstração produzida que não serve aos propósitos imediatos da comunicação (BAKHTIN, 2014).
O objeto de ensino é a linguagem escrita por inteiro, e não o sistema da língua per se (CORAIS, 2019). Pensar a alfabetização a partir desse entendimento é vislumbrar caminhos bastante diversos daqueles propostos por métodos sintéticos, com destaque neste texto para o fônico, que concebem a escrita como um código e desconsideram as relações dialógicas que a constituem. Como aprendizagem da língua materna, em toda sua complexidade, seu ensino deverá se dar a partir dos enunciados nos quais ela se manifesta no universo diversificado dos gêneros discursivos e de seus contextos de produção.
Retomando a síntese de Colello (2014, p. 172), entendo que as consequências dessa concepção discursiva em relação ao ensino da língua materna são muitas e centrais às críticas aos métodos fônicos, pois essa concepção permite romper “[…] com a postura passiva do sujeito-aprendiz, não apenas com relação à língua propriamente dita, mas, em consequência disso, também com relação às atividades propostas em classe ou ao uso do material didático”, além disso, como “agentes da produção linguística”, as relações entre professores e alunos também se modificam.
Partindo do princípio bakhtiniano, o sujeito nas suas interações com a escrita busca sentidos na leitura, estabelece diálogos com o texto, com a palavra do outro, ao mesmo tempo que se expressa por meio da palavra de forma singular. Nessa dimensão discursiva da linguagem, “A procura da própria palavra, é, de fato, procura da palavra precisamente não minha, mas de uma palavra maior que eu mesmo” (BAKHTIN, 2011, p. 385). Espera-se, que nas atividades propostas em sala “[…] se tomem as enunciações das crianças no processo concreto de interação […] que se trabalhem os diferentes gêneros do discurso e as situações em que são produzidos e que evocam” (GOULART, 2019, p. 16), sendo o estudo das formas da língua orientado pelo processo de produção de sentidos.
As práticas de alfabetização no cotidiano da sala de aula, sejam elas quais forem, constituem-se no espaço-tempo das interações discursivas entre diferentes sujeitos que ensinam e aprendem mutuamente. No entanto, a qualidade dessas relações pode variar dependendo de como se dá a mediação do conhecimento pelo professor e do quanto a fala das crianças na sala de aula se permite ser ouvida. A opção metodológica que fazemos aqui é a da autoria do professor no seu planejamento e na elaboração de práticas de alfabetização que valorizem a produção de discursos em sala de aula, nas quais as crianças têm voz como sujeitos do processo de ensinar/aprender a língua escrita em toda sua complexidade como produção cultural das interações humanas. Compreendo que:
É no ato de escritura, no desejo de materializar seu discurso em texto escrito, que a criança vai adentrando o mundo da escrita, […] vai se constituindo como escritora e leitora de textos, como um sujeito sócio-histórico que busca compreender o mundo ao se apropriar da linguagem escrita, reconhecendo-se como cidadã. (CORAIS, 2019, p. 156).
É também no ato de escritura deste texto que me encontro a seguir com práticas que contemplam muitos dos aspectos apontados anteriormente, a alfabetização como processo discursivo, a escrita como linguagem e a criança como sujeito de fala. Práticas planejadas e desenvolvidas por licenciandos do curso de pedagogia no âmbito do projeto de extensão “A parceria escola e universidade na alfabetização das crianças e na formação inicial de alfabetizadores”, coordenado por mim, e que, em parceria com escolas públicas na formação inicial dos estudantes do curso de pedagogia, visa à criação de projetos didáticos voltados à alfabetização de crianças nos anos iniciais do ensino fundamental. Com início em 2017, esse projeto oportuniza aos licenciandos a vivência no cotidiano da escola e a construção de práticas que dialogam com a realidade das crianças, suas singularidades e necessidades. Assim, o material, ora apresentado, faz parte do acervo das práticas desenvolvidas em classes de alfabetização pelos licenciandos, extensionistas do projeto, durante o ano letivo de 2018. A seleção desse material se deve ao fato de que o trabalho realizado com a turma indica caminhos para o ensino da língua materna em uma perspectiva discursiva.
A primeira experiência à qual me reporto se deu em uma escola pública com crianças ainda não alfabetizadas e que foram reunidas em uma mesma sala de aula. Essas crianças carregavam as marcas do fracasso na apreensão da escrita; diziam repetidamente que “não sabiam ler”, revelando torna-se seu um discurso constituído por palavras de outros: pais, professores, colegas, já que, em uma perspectiva tradicional, só é possível ler e escrever quando se aprende a ler e a escrever alfabeticamente.
Contrários à ideia anterior, comum aos métodos sintéticos, entendemos, a partir de Vygotski (1991, p. 132), que se deve “[…] ensinar às crianças a linguagem escrita, e não apenas a escrita de letras”. Nosso desafio – de extensionistas e coordenadora – era desconstruir a perspectiva do fracasso encarnado pela turma a partir de propostas didáticas, nas quais descobrir a função simbólica da escrita é também a busca pela autoria e protagonismo das crianças.
As atividades realizadas como parte do projeto didático intitulado “Era uma vez” tiveram como foco a ampliação do repertório de contos de fada das crianças e a produção textual coletiva nas reflexões sobre a escrita. Iniciou-se com a leitura do livro “Era uma vez...”, de Vilardo (2012), que conta a história de uma menina que, no meio da floresta, encontra um livro e fica curiosa para saber sobre a história narrada, pedindo ajuda a outros personagens com referência a contos de fadas, lendas e fábulas. No decorrer do texto, surge uma velhinha que provoca a criatividade da menina a criar sua própria história. Descobre-se, assim, autora.
As crianças ouviram e participaram da leitura dos contos e fábulas referentes aos personagens do livro “Era uma vez...”. Essas histórias foram contadas a partir de diferentes estratégias: leitura; fantoches; avental com personagens; e animação. Essa primeira etapa durou três semanas e, a cada semana, duas histórias foram contadas. Após a leitura, as crianças discutiam oralmente as histórias, encontraram espaço para expressar suas opiniões, impressões e sentimentos em relação ao texto, colocaram-se também como ouvintes da palavra do outro, ressignificando sua experiência como leitor. A partir dessa etapa de roda de conversa, as crianças criavam desenhos com os quais foram tecendo uma colcha de histórias (Figura 2), como um mosaico de interpretações e reciprocidade com a palavra lida/ouvida.
Essas atividades possibilitaram a participação das crianças em situações de comunicação, interação e aprendizagem mediadas pela literatura infantil; contribuíram na ampliação do repertório de textos dessas crianças; serviram como estímulo à oralidade pelo diálogo com a história lida, com as professoras e entre as crianças; e propiciaram o trabalho com leitura, escrita e outras linguagens como parte do desenvolvimento da atividade criadora e imaginativa dessas crianças. Buscamos romper “[…] com a dicotomia entre o ler e escrever, propondo um fluxo contínuo de escritas que pedem para serem lidas e leituras que subsidiam a produção textual” (COLELLO, 2014, p. 175).
Entendo que há, a partir daí, um sentimento de pertencimento desses alunos à comunidade de leitores e escritores com a qual eles puderam conviver no contato com as histórias dos contos de fada, que povoam o imaginário infantil. Quando ouvem as histórias, eles dialogam com seus autores e personagens, ao mesmo tempo falam de suas impressões, dão suas opiniões e revelam suas interpretações nas trocas com seus pares.
É a expressão mais clara da perspectiva bakhtiniana de que nós vivemos em um mundo de “palavras do outro” e o pertencimento a esse universo da “palavra do outro” nos impõe a tarefa de compreendê-la, o que implica sua assimilação e a apropriação das riquezas da cultura humana (BAKHTIN, 2011, p. 379).
Nesse diálogo com a palavra do outro, os alunos, coletivamente, assumem a autoria na escrita e criam o livro da turma (Figura 3). As crianças são mobilizadas para essa escrita e, considerando os aspectos próprios do gênero discursivo dos contos de fada, materializam no texto suas vozes, encontrando na pluralidade o consenso pela negociação.
Essa produção coletiva possibilitou a reflexão sobre a escrita tanto do ponto de vista de aspectos como ortografia, gramática, pontuação, quanto em relação ao sentido do texto, à medida que foi sendo elaborado. As crianças puderam expressar suas opiniões e, com a mediação da licencianda, negociaram o nome da história, seus personagens, seu enredo e desfecho, mas também a composição formal do texto, seu conteúdo e linguagem. Atende-se à perspectiva de uma escrita sempre permeada por um sentido e que pressupõe um interlocutor (SMOLKA, 2012).
Com suas cópias em mãos, já que o livro da turma foi impresso para cada uma das crianças, uma delas anunciou: “Ei! Esse livro é nosso!”. Essa fala é a expressão do trabalho realizado com elas a partir da compreensão da perspectiva sociointeracionista de que o desenvolvimento da criação literária infantil demanda estimular a criança a escrever sobre um tema conhecido e importante “[…] que a incentiva a expressar em palavras seu mundo interior” (VYGOTSKI, 2018, p. 66).
Apesar de o texto produzido ser bastante simples, a escrita coletiva das crianças é marcada por elementos que nos permitem dizer que elas ampliaram seu repertório de textos, à medida que seus personagens se referem aos das histórias lidas, a lebre, a tartaruga e o porquinho. O “era uma vez”, “um dia” são também marcas próprias dos contos de fada. Ao mesmo tempo, atualizam essas histórias, situando-as em seus interesses e experiências cotidianas infantis quando seus personagens jogam bola e um deles faz gol, transformando tudo em uma grande festa.
Pela perspectiva adotada nas atividades realizadas, esses alunos puderam acessar, pela voz do outro, pela palavra, diferentes discursos, puderam dialogar com eles, produzindo também seus discursos orais e escritos, revelando impressões, hipóteses, desejos e seu encantamento pelo universo da literatura infantil. As mesmas crianças que diziam não saber ler puderam participar da escritura de uma história tecida por várias mãos na “prática viva da língua” (BAKHTIN, 2014, p. 98). A escrita como encontro entre pessoas que assumem papéis em um processo de negociação de sentidos e criação de novos significados: escreve-se para alguém e espera-se dele uma atitude responsiva (COLELLO, 2014). Embora seja apenas uma experiência, esta se reveste de sentido e significado, caracterizando-se como dialógica, pois é catalisadora das vozes dessas crianças, muitas vezes silenciadas pela própria escola.
Considerando o trabalho realizado com os contos e fábulas, a partir dos quais também foram realizadas outras atividades (Figura 4) com as palavras escolhidas das histórias lidas – trabalho com o alfabeto móvel, bingo, jogo da forca, contação coletiva de histórias com uso de imagens, lista de palavras –, quero reforçar a concepção de que as crianças aprendem corrigindo a sua própria escrita, nas discussões em grupos, com a mediação qualificada do professor, dotando esses momentos de sentido, sem que para isso haja apagamento da criança, da sua capacidade de expressar seu pensamento, de criar, imaginar e dizer sobre seus sentimentos, colocando-se no mundo pela palavra.
Pela postura de euforia e entusiasmo dos alunos observados pela licencianda na realização dessas atividades, destaco a importância de que as práticas de ensino-aprendizagem da língua escrita precisam ser significativas para que sejam internalizadas, pois “Não é preciso fragmentar a linguagem e seu ensino para que os conhecimentos fonológicos sejam trabalhados, nem enfocá-los de modo exaustivo” (CORAIS, 2019, p. 159), como acontece nos métodos sintéticos baseados em exercícios de treino, repetição e memorização.
Com base na perspectiva bakhtiniana, “O sistema da língua é dotado das formas necessárias (isto é, dos meios linguísticos) para emitir a expressão, mas a própria língua e as suas unidades significativas – as palavras e as orações – carecem de expressão pela própria natureza, são neutras” (BAKHTIN, 2011, p. 296). Portanto, a “[...] emoção, o juízo de valor, a expressão são estranhos à palavra, à língua e surgem unicamente no processo do seu emprego vivo em um enunciado concreto [...] o significado de uma palavra [...] é extraemocional” (BAKHTIN, 2011, p. 292).
Em outra experiência, também no âmbito do projeto de extensão que relato agora, os licenciandos desenvolveram atividades integrando leitura, escrita e oralidade a partir da leitura do livro infantil Monstruosidades, de Elias José (2009), com duas turmas de primeiro ano. Ao longo de três meses, as crianças mergulharam em um universo fantástico com monstros pouco convencionais e divertidos.
Esse processo envolveu desde a criação individual do nome do monstro e a descrição de suas características até a produção de um livro coletivo da turma, no fluxo contínuo das práticas de leitura e escrita significativas e contextualizadas. O trabalho desenvolvido nessas turmas permitiu às crianças participarem de atividades usando outras linguagens, como a modelagem com argila do monstro criado por cada um, o recorte e a colagem e o desenho como formas de expressão artística, como mostra a Figura 5. Buscamos encorajar os alunos a se colocarem como autores de seus textos, a ler e a escrever ao mesmo tempo em que se apropriam do sistema alfabético.
Mais uma vez, aqui buscamos conciliar na prática alfabetizadora a expressão artística da criança pelo uso de diferentes materiais, em especial pelo desenho que, na perspectiva sociointeracionista, é uma criação típica da infância, é atividade por si só estimuladora ou facilmente estimulada por outrem. Além disso, a presença de atividades organizadas a partir de diferentes linguagens, entre elas a escrita, propicia a materialização da imaginação e da fantasia das crianças e todo sentimento que elas provocam.
Como preconiza Vygotski (2018, p. 30), “[…] qualquer construção da fantasia influi, inversamente, em nossos sentimentos e a despeito de essa construção por si só não corresponder à realidade, todo sentimento que provoca é verdadeiro, realmente vivenciado pela pessoa e dela se apossa”. Queríamos que o trabalho com o tema dos monstros fosse também uma oportunidade para que as crianças pudessem falar de seus medos e expressar seus sentimentos e emoções a partir da fantasia estimulada pela leitura do livro que motivou as atividades realizadas.
O texto coletivo criado pelas crianças como produto final do projeto abarca a ideia de “[…] produção textual como uma proposta de compreensão voltada para um alguém […] e a leitura como um convite à reconstrução de significados partilhada entre interlocutores” (COLELLO, 2014, p. 172). Para essas crianças, a presença de um interlocutor, outros alunos da escola, permitiu que a atividade ganhasse um significado; ao prever como esses leitores iriam responder à sua produção, envolveram-se na dinâmica das interações discursivas pela escrita, o que demandou revisão da escrita, ilustração do texto, elaboração do livro e da capa, entre outras atividades.
Priorizamos em todas as propostas didáticas a voz do aluno, seja nas conversas, nas rodas de leitura, nas suas produções artísticas, na escrita individual e na produção coletiva do texto do livro, reforçando nossa compreensão de que a prática alfabetizadora prime pela expressão, pelo diálogo, pelo protagonismo e pela autoria da criança. A apropriação do sistema da língua se dá no contexto mesmo do seu uso nas interações humanas, na produção dos discursos e na apropriação cultural.
No final do processo, foi organizado um encontro entre as duas turmas na escola, a fim de que pudessem apresentar seus monstros e seus livros, bem como suas histórias. O relato de uma das licenciandas sobre esse momento revela como essa atividade foi importante na percepção das crianças sobre serem autoras de sua escrita. “Os alunos estavam ansiosos (uma agitação só) para apresentarem o livro aos colegas. […] Os alunos se sentiam muito importantes em poder apresentar o livro aos colegas, sentiam-se realmente autores de algo que foi feito por eles, e por isso alguns quiseram ler.” Foram criados espaços de interação no ambiente escolar, e, ao escrever para o outro a escrita ganhou sentido e significado para as crianças, como se pode notar em um dos trechos da história criada por elas e no cuidado com as ilustrações (Figura 6).
No excerto a seguir (Figura 6), por exemplo, é interessante notar uma inversão, não é o monstro que causa medo, mas é ele quem revela seus medos. As crianças se identificam com o personagem criado por elas e personificam ali o medo das provas, o que parece ter relação com esse momento em que há uma preocupação demasiada em prepará-las para as avaliações externas periodicamente aplicadas nas escolas.
A partir dessas vivências com as crianças, reforçamos nossa perspectiva contrária à ideia de fragmentação do processo de alfabetização em duas etapas: aprendizagem das propriedades do sistema alfabético e a aprendizagem da leitura e produção de textos (CORAIS, 2019). Compreendemos que as atividades de ensino da escrita devem permitir que a “[…] criança possa dizer o seu discurso, em diferentes propostas, baseadas na literatura, na vida cotidiana, no acontecimento vivido dentro ou fora da escola, nas narrativas pessoais ou em grupo, ou na livre imaginação e criação” (CORAIS, 2019, p. 161); que “É com a linguagem que organizamos nossas vidas e é com a linguagem que se constituem as atividades escolares, sejam elas mais interativas ou menos interativas” (GOULART, 2019, p. 18); e que a língua escrita é “[…] um importante conhecimento social, um importante modo de significar” (p.19).
Busco refletir sobre caminhos que podem ser trilhados com as crianças em sua alfabetização no trabalho com a linguagem, opondo-me radicalmente ao discurso, presente na PNA, de que o método fônico é o único caminho científico para alfabetizar. Nesse sentido, Belintane (2006, p. 266) alerta-nos que a recomendação da perspectiva fônica, ao enfatizar o caráter científico de um único método, cria uma oposição a outras perspectivas como se fossem algo “não científico” e que “não reúne credibilidade suficiente para influenciar as políticas públicas.”, evidenciando seu caráter ideológico. Como mencionado ao longo do texto, entendo que as opções teórico-metodológicas no encaminhamento das políticas públicas para alfabetização não são escolhas triviais. No momento atual, essas escolhas envolvem políticas que primam por um controle maior das redes de ensino, das diretrizes, conceitos e estratégias do trabalho docente; pelo uso sistemático da metodologia fônica; e pelos “programas de formação de professores com mais mecanismos de controle de qualidade e dos programas” (BELINTANE, 2006, p. 271).
Considerações finais
Assim como iniciei este texto, retomo aqui as lembranças de meu ingresso na carreira docente como um momento de muita euforia em relação à alfabetização e de desejo de mudanças nas práticas de sala de aula, caracterizadas há muito pelos métodos sintéticos, que hoje voltam à cena sob o falso discurso da cientificidade.
O que buscávamos, naquele momento, como ingressantes na carreira, era dar uma nova feição à alfabetização no contexto escolar, buscando agregar às práticas textos mais significativos, jogos, escrita espontânea, e rodas de leitura na organização de um ambiente considerado alfabetizador. Havia naquele momento uma perspectiva de que a nossa atuação docente poderia fazer diferença na formação ética e cidadã dos alunos em busca de uma sociedade mais justa.
Pesquisas7 realizadas com professores alfabetizadores em diferentes contextos revelaram a diversidade de situações vivenciadas e de práticas, avançando para um trabalho cada vez mais significativo na formação de nossos alunos como leitores, em uma perspectiva mais crítica do ensino da leitura e da escrita. Reconhece-se a alfabetização como uma questão social muito mais complexa, que não se limita a uma questão de método, como tantos estudiosos e pesquisadores já vêm apontando desde o final do século XX.
Passados tantos anos, hoje como formadora de professores na universidade, tenho convicção de que o discurso do uso do método fônico como único realmente eficiente na alfabetização é um retrocesso diante de tantas experiências significativas e inovadoras construídas no cotidiano escolar no ensino da leitura e escrita e dos desafios da alfabetização. Esses desafios não passam apenas pela permeabilidade das perspectivas teórico-metodológicas nas políticas educacionais, mas pela valorização do magistério, melhoria das condições salariais dos professores, do trabalho nas escolas e de mitigação da desigualdade de vida de nossas crianças e suas famílias. As realidades culturais e econômicas são diversas e desiguais, as crianças são únicas, singulares, e os processos de ensino-aprendizagem heterogêneos, sendo um contrassenso pensar que um único método possa atender a toda essa diversidade.
Como aponta a perspectiva bakhtiniana, nenhuma palavra está vazia de conteúdo ideológico ou vivencial, sendo o enunciado atravessado pelo discurso de outrem, de tal modo que as escolhas metodológicas não são neutras. Essas escolhas são também políticas. É, sem dúvida, um momento importante para reafirmarmos nosso compromisso com a escola pública e com as crianças das camadas populares que mais precisam dela, o que implica uma alfabetização que considere a palavra do aluno em sua diversidade, na busca da construção de autoria e protagonismo na ampliação do seu repertório de práticas culturais de leitura e escrita, tendo em vista a sua formação como sujeito sócio-histórico e cultural na luta pela inclusão social.