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Jornal de Políticas Educacionais

On-line version ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.13  Curitiba  2019  Epub July 18, 2022

https://doi.org/10.5380/jpe.v13i0.64315 

Artigos

Política de formação docente da SEDUC/AM: oferta e acesso dos professores aos cursos de 40 horas

Public policy of the SEDUC/AM teachers’ formation: offer and access to the 40 hours course

Política de formación docente de la SEDUC/AM: oferta y acceso de los profesores a los cursos de 40 horas

Estrela Dinamar Vinente Santarém1 

Elisabeth Gonçalves de Souza2 

Amanda Sangy Quiossa3 

1Mestre em Gestão e Avaliaçã da Educação Pública (CAED/UFJF)

2Doutorado em Estudos Linguísticos (UFMG); Professora do CEFET/Rj - Campus Petrópolis

3Mestre em História (UFJF), Assistente de Dissertação - CAED/UFJF


Resumo

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa cujo objetivo era investigar os fatores que dificultaram o acesso dos professores de municípios do interior do estado do Amazonas aos cursos de 40 horas oferecidos como parte das políticas públicas de formação docente da Secretaria de Educação do Amazonas. Baseamos-nos em Nóvoa (2009), Tardif (2010), Pimenta (1999), Saviani (1996), Imbernón (2009) e Romanowski (2007). Utilizamos como metodologia o estudo de caso. O estudo evidencia a necessidade de implementação de ações que garantam o acesso dos professores aos cursos de formação continuada.

Palavras-Chave: Políticas públicas; Formação Continuada; Previsão e oferta de cursos

Abstract

This article presents the result of a research which the objective was to investigate the factors that made difficult the access of teachers from the interior of state of Amazonas state to the 40 hours course offered as part of the public policy of the Amazonas secretary of education teachers’ formation. We based it on Nóvoa (2009), Tardif (2010), Pimenta (1999), Saviani (1996), Imbernón (2009) and Romanowski (2007). We used as methodology the case study. The study evidences a need to implement actions which guarantee the access of the teachers to the continued formation courses.

Keywords: Public policy; Continued Formation; Forecasting and course offerings

Resumen

Este artículo presenta los resultados de una investigación cuyo objetivo fue investigar los factores que dificultaron el acceso de los profesores de municipios del interior del estado de Amazonas a los cursos de 40 horas ofrecidos como parte de las políticas públicas de formación docente de la Secretaría de Educación del Amazonas. Basámonos en el caso de Nóvoa (2009), Tardif (2010), Pimenta (1999), Saviani (1996), Imbernón (2009) y Romanowski (2007). Utilizamos como metodología el estudio de caso. El estudio evidencía la necesidad de implementar acciones que garanticen el acceso de los profesores a los cursos de formación continuada.

Palabras clave Políticas públicas; Formación continua; Previsión y oferta de cursos

Introdução

A pesquisa que deu origem a este artigo investigou os fatores que dificultaram o acesso dos professores dos municípios do interior do Amazonas aos cursos de 40 horas oferecidos pelo Centro de Formação Profissional Pe. José Anchieta - CEPAN4.

Este artigo tem como objetivo tratar da temática da formação continuada de professores na rede estadual de ensino de ensino, a partir da política desenvolvida pelo estado do Amazonas, por meio da Secretaria de Estado de Educação e Qualidade do Ensino do Amazonas (SEDUC-AM). Para isso, ele está dividido em quatro seções. A primeira traz uma breve discussão teórica acerca dos desafios da formação continuada de professores no estado do Amazonas, a segunda aponta o percurso metodológico da pesquisa realizada, a terceira trata do acesso dos professores do interior aos cursos de 40 horas e, por fim, a última traz reflexões sobre formação continuada.

Os desafios da formação continuada de professores no estado do Amazonas

A formação continuada é um processo que se instaura a partir da conclusão da formação inicial, entendida por Santos (2011, p. 6) “como estratégia de qualificação profissional face às exigências da ‘sociedade do conhecimento e/ou sociedade da informação”. Nesse sentido, caracteriza-se como um processo contínuo e permanente na busca pelo conhecimento, visando à construção de novos saberes e à qualificação do indivíduo no seu campo de atuação profissional.

Assim sendo, a formação permanente do professor deve proporcionar um processo contínuo de aprendizagem,

concebida como reflexão, pesquisa, ação, descoberta, organização, fundamentação, revisão e construção teórica e não como mera aprendizagem de novas técnicas, atualização em novas receitas pedagógicas ou aprendizagem das últimas inovações tecnológicas. (GADOTTI, 2003, p. 31).

Nessa ótica, a formação continuada ou permanente se constitui numa atividade formativa e, quer seja em nível de pós-graduação ou de cursos de atualização, deve ser constante e abarcar “estruturas que tornem possível a compreensão, a interpretação e a intervenção sobre a prática” (IMBERNÓN, 2010, p.43). Assim, a qualificação docente precisa ser pensada a partir do campo de atuação do professor para refletir na melhoria do seu fazer pedagógico.

Entretanto, a maioria das ações de formação continuada praticada pelo sistema público de ensino é idealizada à margem do cotidiano pedagógico dos professores e proposta em pacotes fechados. Da maneira como são propostas, tais ações, de acordo com Gatti (2008), não promovem especificamente a atualização e o aprofundamento do professor na promoção do conhecimento em suas áreas de atuação, uma vez que a ação não é “construída dentro da profissão, isto é, baseada numa combinação complexa de contributos científicos, pedagógicos e técnicos, mas que tem como âncora os próprios professores, sobretudo os professores mais experientes e reconhecidos” (NÓVOA, 2009, p. 44 - 45).

Nesse enquadramento da formação continuada como um processo que precisa promover “propostas educativas que nos façam sair deste círculo vicioso e nos ajudem a definir o futuro da formação de professores” (NÓVOA, 2009, p. 28), focamos o presente estudo sobre a formação continuada de 40 horas praticada pelo Centro de Formação da SEDUC/AM, no período de 2011 a 2015, nos 61 municípios do interior do estado, na perspectiva de evidenciar sua importância para a melhoria da qualidade na atividade docente e, consequentemente, do ensino na rede estadual.

De acordo com Gadotti,

para o educador ensinar com qualidade, ele precisa dominar, além do texto, o com-texto, além de um conteúdo, o significado do conteúdo que é dado pelo contexto social, político, econômico... enfim, histórico do que ensina (GADOTTI, 2003, p. 48).

Assim sendo, o objetivo principal deste texto está centrado na investigação, a partir da perspectiva dos formadores do Centro de Formação Padre Anchieta (CEPAN/AM), dos fatores que dificultaram o acesso dos professores dos municípios do interior do Amazonas aos cursos de 40 horas oferecidos pelo CEPAN.

É nesse contexto que os cursos de formação continuada de 40 horas oferecidos pelo CEPAN/SEDUC/AM, objeto desta pesquisa, são praticados, apesar dos dilemas enfrentados ao longo do seu processo de planejamento, execução e avaliação. Neste trabalho, no entanto, abordamos o acesso dos professores aos cursos de formação continuada com carga horária de 40 horas, na modalidade presencial, em: Educação por Projetos, matemática, ciências, língua inglesa, Projeto Político Pedagógico, física, biologia, química, língua portuguesa, gestão, planejamento e avaliação, ensino das artes, ensino religioso, educação infantil, educação ambiental, história e geografia, descritores para os anos iniciais e finais do ensino fundamental.

É importante destacar ainda que os cursos de formação continuada destinados à qualificação do professor, praticados pelos estados e municípios, estão previstos na meta 16 do PNE (2014-2024) que tem por objetivo:

formar, em nível de pós-graduação, 50% dos professores da Educação Básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos os(as) profissionais da Educação Básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino (BRASIL, 2014, p.12).

Da mesma forma, o Plano Estadual do Amazonas (PEE/AM, 2015-2025), instituído pela Lei n° 4.183/2015, também prevê na meta 16, que trata da formação continuada de professores, atender a todos os professores da educação básica do estado com formação continuada em sua área de atuação.

Com a intenção de melhor ilustrar a realidade da formação continuada no Amazonas, expomos os dados sobre a meta 16, interstício de 2011 a 2015, constantes no portal do PNE, no qual se observa um crescimento gradativo da formação continuada dos professores da educação básica no estado, apresentando um percentual que varia entre 22,90% e 26% em relação ao quantitativo de professores do ano de 2011 (38.371) e 2015 (43.929), visível na tabela 4, porém muito baixo para se enfrentar o desafio presente nesta meta que se traduz na formação de 100% do corpo docente do estado.

Tabela 1 Índices de formação continuada na educação básica no estado do Amazonas 

Formação Continuada no estado do Amazonas
Ano Professores da educação básica no Amazonas Professores atendidos Percentual
2011 38.371 8.859 22,90%
2012 39.070 9.891 25,10%
2013 41.202 10.720 25,80%
2014 41.990 11.060 26%
2015 43.929 11.202 25,50%

Fonte: Elaborada pela autora a partir da fonte MEC/Inep/DEED/Censo Escolar / Preparação: Todos Pela Educação - Portal do Observatório do PNE (2017).

Nos dados constantes da tabela, apesar de a formação apresentar um crescimento gradativo ao longo dos 5 anos, verifica-se uma defasagem da formação em relação ao quantitativo de professores no período, em que, efetivamente, foram atendidos apenas 11.202 professores de um universo de 43.929 professores, demonstrando um crescimento real de aproximadamente 3,1% no atendimento dos professores com formação continuada.

Com base nos índices alcançados no período de 2011 a 2015, é possível inferir que o estado não conseguirá alcançar o proposto na meta se mantiver esse percentual de atendimento. Acrescente-se a isso o fato do plano já estar há três anos em andamento e o estado, até o ano de 2016, conforme dados verificáveis no Portal do Observatório do PNE (2017), ter atendido 11.732 professores de um universo de 44.606. Esses dados correspondem a um crescimento na formação continuada no estado de apenas 0,8% entre os anos de 2015 e 2016.

Nesse entendimento, além dos esforços a serem envidados para ampliar e, algumas vezes, até implantar políticas de formação para ofertar cursos nas áreas de atuação dos professores, também é fundamental o acompanhamento dos recursos financeiros destinados a esse fim, e a utilização das certificações no processo de progressão da carreira, como ressalta Barretto (2015).

Outro fator importante é o investimento em cursos que proporcionem troca de experiência e partilha dos “saberes demandados pela prática educativa em si mesma” (FREIRE, 1996, p.11) e, não apenas, o alcance do quantitativo da meta 16.

Percurso teórico-metodológico

A dissertação que deu origem a este artigo utiliza como estratégia de pesquisa o estudo de caso, por se tratar de um método que possibilita investigar “fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real” (YIN, 2001, p.19).

No processo de investigação, foram utilizados como fonte de evidências: i) levantamento de dados na documentação constante do arquivo do Centro, como relatórios de viagem dos formadores e relatórios anuais do Centro e do Plano de Ações Articuladas (PAR); ii) realização de um grupo focal com nove formadores do Centro; iii) entrevista com a gerente de formação e com a diretora do CEPAN; iv) aplicação de questionários aos professores dos municípios de Amaturá, Anamã, Anori, Autazes, Borba, Boca do Acre, Iranduba, Nhamundá, Nova Olinda do Norte, Santo Antonio do Içá, Santa Isabel do Rio Negro, Tapauá e Uarini, onde ocorreram, de acordo com os relatórios, os cursos de 40 horas, ofertados pelo CEPAN. Esses questionários buscam identificar o perfil dos docentes participantes nos cursos oferecidos, bem como elencar as formações oferecidas.

Foram analisados também os relatórios de viagem dos formadores, resultantes da realização dos cursos de 40 horas, oferecidos no período de 2011 a 2015, a fim de mapear a oferta desses cursos nos 61 municípios do interior do estado, bem como levantar indícios que pudessem auxiliar na construção das entrevistas e questionários.

O perfil dos professores formadores atuantes no CEPAN foi construído a partir do formulário de participação no grupo focal, e o dos professores que participaram da pesquisa foi com base nas informações sobre a área de formação, atuação e participação nos cursos oferecidos pelo CEPAN, coletadas no questionário aplicado por meio de formulário online do Google formulários.

Os nove professores formadores atuam no Centro com uma carga horária que varia entre 20 e 40 horas semanais, a maioria possui disponibilidade para viagens e todos possuem especialização em sua área de formação. Ao longo do tempo de atuação como formador e do período investigado (2011 a 2015), todos ministraram cursos de formação nos municípios do interior do estado por meio de programas como Proinfantil, Profuncionário, PNAIC, Coordenação Pedagógica e também os cursos de 40 horas oferecidos pelo CEPAN.

A partir dos dados coletados no formulário, mas com o devido sigilo, os nove formadores atuantes nas diferentes áreas do conhecimento são especificados no texto como F1, F2, F3, F4, F5, F6, F7, F8 e F9, conforme demonstrado no quadro 4, ordem estabelecida de acordo com os pronunciamentos durante a realização do grupo focal. Optou-se também por se referir aos formadores no gênero masculino.

Quadro 1 Identificação dos formadores participantes do grupo focal 

Identificação no texto Área de atuação
F1 ciências da natureza e ensino religioso
F2 ciências da natureza e ciências humanas
F3 ciências humanas
F4 educação infantil, educação dos anos iniciais e
profissionais da educação (metodologias)
F5 educação infantil, educação dos anos iniciais e
profissionais da educação (metodologias)
F6 educação infantil, educação dos anos iniciais e
profissionais da educação (metodologias)
F7 linguagens
F8 matemática e ciências da natureza
F9 linguagens

Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base nos dados do questionário para traçar o perfil dos participantes do grupo focal (2017).

A diretora e a gerente de formação também foram entrevistadas. Ambas são licenciadas em pedagogia e possuem especialização em gestão escolar, a segunda é mestre em Gestão e Avaliação da Educação Pública (UFJF), e a primeira ainda é mestranda na mesma universidade. As duas estão atuando como diretora e gerente de formação no CEPAN, respectivamente, há apenas um ano, mas vêm desenvolvendo trabalhos na área de gestão há 20 anos. As entrevistadas são nominadas no texto como D, diretora, e GF, gerente de formação.

Nos 13 municípios selecionados para a pesquisa, participaram 189 professores, dos quais a maioria, 63,5%, possui pós-graduação; 38,6%, graduação; 2,6%, magistério e 1,6%, ensino médio.

Dos 189 professores participantes da pesquisa, a maioria (65,6%) está atuando como professor da rede estadual de ensino por um período que varia de 6 a mais de 20 anos e apenas 34,4%, de 1 a 5 anos. Assim, apresentam condições de analisar as formações oferecidas.

Quanto à carga horária dos professores, a maioria (57,1%) respondeu que possui carga horária de 40 horas semanais nas escolas estaduais; 34,9%, de 20 horas e apenas 7,9%, de 60 horas semanais. Com base nesses dados, é possível inferir que a maioria dos professores dos 13 municípios dedica-se ao magistério na Secretaria Estadual de Educação. Dos professores participantes da pesquisa, 36,5% atua nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano); 33,3%, nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e 30,2%, no ensino médio. Também se constatou nas respostas que 96,3% dos professores desenvolvem suas funções na modalidade presencial regular e apenas 3,7%, no ensino presencial mediado por tecnologia5.

Em relação à área de atuação, observa-se, no gráfico 4, que a maioria dos professores (24,9%), por atuar nos anos iniciais do ensino fundamental, ministra todos os componentes curriculares obrigatórios do 1º ao 5º ano; 24,3% são da área de linguagens, e as demais áreas também estão representadas.

Os sujeitos participantes desta pesquisa têm estreita relação com a docência e com a formação continuada de professores oferecida pelo CEPAN, seja como formador, diretora, gerente de formação ou professor que atua em sala de aula e, portanto, precisam seguir aprendendo os saberes implicados na formação docente (SAVIANI, 1996) para melhor conduzirem sua prática pedagógica diante da realidade de sua sala de aula como professor ou formador.

Gráfico 1 Cursos oferecidos pelo CEPAN (2011 a 2015) 

Sobre a participação nos cursos oferecidos pelo CEPAN, observamos que 34,8% participaram do curso de Descritores para as séries iniciais e finais do ensino fundamental; 15,2%, do de língua portuguesa e 19,7%, do de gêneros textuais. Somando a participação dos professores nesses cursos, conclui-se que a maior oferta de cursos ocorreu na área de linguagens. Diante de tal constatação, poderíamos entender que os números confirmam a alegação dos formadores de que os professores da área de linguagens são favorecidos com a oferta de cursos.

Esse fato enfatiza a questão da hierarquização das disciplinas com um privilégio claro nas formações continuadas ofertadas aos professores para as áreas de língua portuguesa e matemática. Essa é uma questão que precisa ser considerada ao se planejar políticas públicas de formação de professores, tendo em vista a importância da integração de todas as áreas do conhecimento para a formação dos alunos para a educação básica.

Acesso dos professores do interior aos cursos de 40 horas: olhar dos formadores

Quando nos propusemo a investigar a formação continuada praticada pelo CEPAN, deparamos-nos com uma previsão feita para atender a 17 mil professores no interior do estado do Amazonas, no período de 2011 a 2015. Desse universo, apenas 2.714 foram atendidos ao longo do período, demonstrando, em nosso entender, uma discrepância entre a previsão e a oferta/realização dos cursos.

Nessa discussão, apresentamos o gráfico 2, gerado a partir dos dados encontrados nos relatórios e nos planejamentos do Centro e no Plano de Ações Articuladas (PAR).

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados dos relatórios do PAR e CEPAN 2011 a 2015.

Gráfico 2 Previsão e oferta dos cursos de 40 horas (2011 - 2015) 

No ano de 2011 e 2012, a previsão era de 3000 vagas para cursos no interior do estado, das quais 619 foram ocupadas em 2011 e 420 em 2012.

No ano de 2013, foi previsto atender 4 mil professores, mas foram atendidos apenas 395. Em 2014, previu-se atender novamente a 3 mil professores com cursos, contudo apenas 680 receberam formação. Outra vez, em 2015, propôs-se ofertar 4 mil vagas para cursos de formação, todavia foram atendidos apenas 600 docentes.

É importante ressaltar aos leitores que essa previsão diz respeito apenas aos cursos de 40 horas, planejados pelo CEPAN, com foco na área de atuação dos professores e realizados com verbas exclusivas do estado.

Diante desses dados, ficamos desafiados a encontrar os fatores que interferiram no acesso dos professores aos cursos e, consequentemente, contribuíram para esse desequilíbrio e, com base nos resultados da pesquisa, buscar meios que pudessem contribuir na resolução dessa problemática.

Saviani (1996) e Imbernón (2009) destacam a importância do contexto para o desenvolvimento das formações ou do trabalho educativo e proporcionam razões para buscar entender a discrepância existente entre a previsão (17.000) e a oferta / realização (2.714) dos cursos de 40 horas ao longo do período de 2011 a 2015 para os professores do interior.

Diante dos dados encontrados, procuramos investigar, junto aos envolvidos, os fatores que interferiram no acesso dos professores aos cursos, buscando verificar se nossa hipótese, o binômio gasto x deslocamento, foi o fator que contribuiu negativamente no acesso dos professores dos municípios do interior aos cursos previstos para o período em estudo.

Assim sendo, esse fator compôs nossa investigação no campo de pesquisa e evidenciou, na exposição dos formadores, diretora e gerente de formação, ser efetivamente um dos fatores responsáveis por essa desproporção entre a previsão e a oferta/realização dos cursos, que descrevemos a seguir para fundamentar nossa hipótese.

Além das evidências reveladas na previsão da oferta, os formadores, a diretora e a gerente de formação foram unânimes em destacar o binômio gasto x deslocamento como um dos fatores que interferiram na oferta/realização dos cursos nos municípios do interior do estado, salientando, em relação ao gasto ou recursos, questões como:

  • As diárias que não saíam a tempo para custear as despesas do formador nos municípios e o valor de “R$ 69,90 não pagava nem o hotel que você estava hospedado” (F8), por isso “muitos colegas não queriam ir porque não tinham como se manter no município” (F2);

  • A falta de apoio para desenvolver as atividades no município, bem como a “segurança pessoal” (F8); e o “seguro de vida”, citado por todos;

  • Pagamento de hora aula “como em outras épocas, antes de 2000, havia, é, o pagamento de hora aula para qualquer formador, para qualquer formação. Depois foi retirado, entendeu?” (F1).

Quanto ao deslocamento, os formadores e as entrevistadas citaram alguns fatores que contribuíram para dificultar o acesso aos municípios, como:

  • A questão geográfica do estado: “no interior, o principal fator é a logística, porque o estado é grande e toda nossa logística é feita através dos rios, dos barcos e também de avião” (D), “tem município que você pega dois veículos, três, outros cinco, tem que ir de barco e de avião, atravessar um riozinho” (F5);

  • O gasto para se deslocar dentro do estado é, muitas vezes, maior do que para outros estados, pois

    a gente tem realidades aqui, calhas no Estado do Amazonas que são chamadas de locais de difícil acesso, onde o valor de uma passagem aérea dava para você ir e voltar para São Paulo, para o Rio de Janeiro, para o Sul do país, entendeu? Então, é uma diferença muito grande, porque a logística é muito distante (D);

  • O deslocamento do formador e o acompanhamento também são impactados pela logística e geografia do estado: “essa questão geográfica, ela interfere muito na disponibilidade do formador, na questão dele [sic] ir e voltar. Isso também interfere no acompanhamento da formação, porque tu vais lá e volta. Muitas vezes só na ida, o deslocamento são dois dias, três dias” (F5).

Os fatores pontuados pelos sujeitos da pesquisa validam nossa hipótese de que o binômio gasto x deslocamento interferiu na oferta/realização dos cursos e, consequentemente, no acesso dos professores dos municípios aos cursos de formação do CEPAN, mas também desvelam outros como a necessidade de estruturar o Centro. Nesse aspecto, a gerente de formação destaca:

são três estruturas que nós precisaríamos ter à disposição: uma estrutura de logística, uma estrutura financeira e uma estrutura de pessoal. Eu classifico como três grandes fatores, é um tripé que tem que estar interligado para que nós possamos atender de forma equitativa todos esses professores (GF).

A gerente de formação, os formadores e a diretora apresentam sintonia em suas falas quanto às dificuldades enfrentadas pelo Centro em relação à estrutura logística, financeira e de pessoal e à relevância desses fatores para o desenvolvimento da formação. Com efeito, a logística e o quadro de formadores dependem de recursos, ou seja, esses três fatores estão interligados.

Ainda nesse contexto, a necessidade de ampliar o quadro de formadores do Centro, evidenciada pela GF, encontra eco na voz dos formadores, os quais unanimemente concordaram que o quantitativo de formadores não é suficiente para atender a todos os municípios do estado, bem como na voz da D, quando descreveu a forma como o Centro capta professores do quadro da secretaria para atuarem como formadores:

O nosso Centro ainda não tem, como há em outros estados, lei específica para regulamentar uma seleção interna dentro da Secretaria e uma gratificação de valor diferenciado. Assim, a gente agrega os formadores convidando, vendo pela experiência. Então, com essa forma de seleção não conseguimos captar determinados profissionais para fechar o quadro. A ideia é que a gente possa melhorar isso no futuro. (D).

Em relação à questão do quantitativo dos formadores, ficou claro que, além do Centro não dispor de formadores em todas as áreas do conhecimento, também não apresenta atrativos para que um professor de sala de aula se torne formador. Ao contrário, quem se aventura nessa função tem perdas como “a questão dos benefícios de aposentadoria, que são bem delicados. O tempo fica maior” (D).

A falta de formador e a ampliação desse quadro no Centro de Formação da SEDUC/AM é um problema que outras secretarias de educação também enfrentam. A SEMED de Caruaru e Campo Grande, nos estudos de Gatti, Barretto e André (2011), também apontaram dificuldades para encontrar formadores e, consequentemente, implementar as ações de formação.

O estudo também destaca como outras secretarias contornaram o problema. A SEDUC do Ceará, a SEMED de Campo Grande e a SEMED de Aparecida de Goiânia buscaram alternativas que, de acordo com Gatti, Barretto e André (2011), valorizam o saber da experiência docente defendido por Tardif (1999) e Pimenta (2010) por meio da formação colaborativa (IMBERNÓN, 2009).

Barretto (2015), em seu estudo “As políticas de formação docente para a Educação Básica no Brasil: embates contemporâneos”, também aponta iniciativas de formação continuada implementadas pelos estados do Mato Grosso, Minas Gerais e Paraná, em que professores estão contribuindo com seus colegas.

Ainda com relação aos fatores que interferiram no acesso dos profissionais alocados nos municípios do interior do estado às ações formativas do CEPAN, os participantes da pesquisa suscitaram também a falta de uma política de formação no estado, de recursos destinados exclusivamente para executar a formação, uma vez que “não existe educação a custo zero” (F1, F2 e F8), bem como a necessidade de ampliação do quadro de formadores e de sua valorização, dentre outros.

As evidências aqui pontuadas refletem dificuldades e problemas apresentados por Romanowski (2007) no processo de organização da formação continuada que

incluem falta de verbas, dificuldade para liberação do professor, falta de local, horários incompatíveis, falta de infra-estrutura espacial e didática, falta de articulação entre as universidade e escola, desmotivação do professor, dificuldade de avaliar a prática pedagógica. Podem, ainda, ser citadas discordâncias com o objetivo da formação continuada entre os professores e as agências formadoras, bem como o estabelecimento da relação entre teoria e prática (ROMANOWSKI, 2007, p. 137).

As problemáticas enfrentadas pela formação continuada praticada pelo CEPAN, aqui expostas, não são exclusivas, visto que a maioria dos problemas enfrentados, com exceção da geografia peculiar do estado, é recorrente, de acordo com Romanowski (2007), nas formações pelo país afora e se enquadram nos obstáculos destacados por Imbernón (2010), no âmbito da formação de professores, entre os quais estão a falta de formadores, de coordenação, de acompanhamento e avaliação, de verbas, bem como horários de formação inadequados que sobrecarregam os professores, predomínio de improvisos nas formações, dentre outros.

Os problemas expostos pelos participantes da pesquisa contribuem para uma reflexão crítica da formação no estado, pois, consoante o pensamento de Freire (1996, p. 44), “é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”. Nessa perspectiva, a partir da visualização e do entendimento dos problemas enfrentados pelo CEPAN para realizar a formação dos professores, acreditamos ser possível buscar mecanismos que possam ajudar na construção de propostas de intervenção no sentido de proporcionar maior acesso dos professores da rede estadual alocados nos municípios do interior do estado às ações formativas do CEPAN.

Ressaltamos que a melhoria da formação não se limita à resolução dos problemas de logística e infraestrutura com vistas a ampliar o acesso dos professores aos cursos do CEPAN, indo além disso. Em nosso entender, avançar na busca de uma formação que considere a “prática social como o ponto de partida e como ponto de chegada possibilitará uma re-significação dos saberes da formação de professores” (PIMENTA, 1999, p. 25) e poderá ajudar na compreensão das condições sócio-históricas que determinam a tarefa de educar (SAVIANI, 1996), bem como incrementar o saber docente, considerado um saber plural (TARDIF, 2010), formado a partir da integração dos vários saberes, dentre eles o saber experiencial, que constitui os fundamentos da competência da atividade docente.

Assim, com foco na busca por soluções para o problema evidenciado neste estudo, a próxima seção traz nosso maior desafio, materializado na apresentação de uma proposta com ações que, no nosso entender, podem ajudar a viabilizar meios para se chegar à resolução dos problemas identificados no acesso dos professores aos cursos de formação do CEPAN, como também na busca por uma formação que contemple os contextos vivenciados pelos professores / cursistas na sua prática pedagógica.

Sobre a formação continuada: considerações para a reflexão e a ação.

Entre os fatores que interferiram no acesso dos professores da rede estadual alocados nos municípios do interior aos cursos oferecidos pelo CEPAN, os sujeitos da pesquisa destacaram que o binômio gasto x deslocamento contribuiu para uma oferta/realização de cursos muito abaixo do planejamento realizado.

Os fatos evidenciados na pesquisa demonstram que os percalços causados pelo binômio gasto x deslocamento na oferta/realização de cursos nos municípios estão diretamente relacionados à logística para deslocar o formador da capital até o município onde deve ministrar o curso ou dos professores (cursistas) até a capital para participar da formação. Logo, esses fatores envolvem custos (valores) ou tempo, dependendo do meio de deslocamento utilizado, ou seja, o deslocamento via transporte aéreo, muitas vezes, é mais caro do que para qualquer parte do país. Em contrapartida, o deslocamento via transporte fluvial é mais em conta, porém exige mais tempo, podendo variar, de acordo com relatos constantes do trabalho, entre 3 a 5 dias.

Diante desse contexto, a criação e a implantação de um núcleo de educação a distância (EAD) no CEPAN com vistas a ampliar a oferta de cursos e o acompanhamento da formação continuada poderia amenizar e/ou resolver o problema, uma vez que “a educação a distância apresenta-se como uma modalidade capaz de contribuir para a formação em locais distantes dos grandes centros de produção do conhecimento” (ROMANOWSKI, 2008, p. 95).

Nessa concepção, a EAD pode ser entendida como uma estratégia para equacionar essa problemática, vivenciada no CEPAN, no âmbito da logística e potencializar a formação continuada na rede estadual de ensino, por ser uma modalidade que combina tecnologias convencionais e modernas, por meio das quais é possível agregar pessoas, que vivem em locais geograficamente mais remotos, em um ambiente de aprendizagem interativo e colaborativo, além de proporcionar a “interconexão em tempo real” (LEVY, 1999) dos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, transformando, assim, o exercício de ensinar e aprender em um processo de colaboração ágil e eficaz na socialização dos conhecimentos.

Além dessas vantagens, a EAD, conforme assinala Levy (1999), promove “um novo estilo de pedagogia, que favorece ao mesmo tempo as aprendizagens personalizadas e a aprendizagem coletiva em rede” (LEVY, 1999, p. 157) e confere ao aluno autonomia quanto à determinação do tempo e do espaço destinados ao estudo.

No entanto, autores como Gatti (2013 - 2014) apontam algumas fragilidades relacionadas à forma como os cursos vêm sendo praticados nessa modalidade por entender que

cursos a distância demandam: equipes docentes com boa formação na área e também quanto a aspectos específicos do ensino nessa modalidade; tecnologias sofisticadas e ágeis; materiais bem produzidos e testados; polos bem instalados; monitores ou tutores bem formados, tanto nos conhecimentos de áreas como no uso de tecnologias educacionais, apoiados e acompanhados sistematicamente; sistemas de controle bem delineados com pessoal adequado; avaliação da aprendizagem em formas consistentes, entre outros cuidados (GATTI, 2013 -2014, 38).

Com efeito, os aspectos apontados são relevantes e, segundo a mesma autora, nem sempre são encontrados nos cursos ofertados na modalidade EAD pelo país afora. Assim, para que o CEPAN enverede no campo da EAD, faz-se necessário, com base na visão de Gatti (2013 - 2014) sobre os aspectos que fragilizam os cursos a distância, investimentos para a criação e a implantação de um núcleo de educação a distância no Centro, aliados à elaboração de um projeto estabelecendo todas as etapas para a execução da ação.

O processo de implementação da EAD no Centro de Formação também perpassa pelo investimento na formação dos formadores. Essa formação, na visão de Imbernón (2010, p. 110), precisa transcender “os problemas gerais que provocam uma excessiva paixão pela metodologia (pelo modo e não pela razão)” e ainda, de acordo com o mesmo autor, agregar novas perspectivas que contemplem as relações entre os professores, as emoções, as atitudes, a complexidade docente, a auto formação, a comunicação, dentre outras, como a construção dos saberes docentes e a compreensão do contexto.

Em consideração aos argumentos apresentados por Imbernón (2010) em defesa de uma formação voltada para o fazer pedagógico e a necessidade de uma formação técnica para os formadores, que forneça fundamentos para a atuação na modalidade a distância, desmembramos a presente proposta em duas ações de formação.

A primeira voltada para capacitar os formadores nos aspectos conceituais, tecnológicos, didáticos e metodológicos da EAD para que possam atuar de forma consciente nessa modalidade de ensino, quer seja como professor conteudista, professor ministrante, tutor, coordenador de tutoria ou coordenador de curso.

A segunda destinada à reflexão “sobre o novo papel do professor, as novas exigências da profissão docente, principalmente da formação continuada do professor, da professora” (GADOTTI, 2003, p. 21), ou seja, uma formação, no entendimento de Nóvoa (2009, p. 23), voltada para a “construção de redes de trabalho colectivo que sejam o suporte de práticas de formação baseadas na partilha e no diálogo profissional”.

Ao mesmo tempo, é importante que esse processo de formação possibilite ao formador agir não como um aplicador de conhecimentos produzidos por outros, mas como “um sujeito que assume sua prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimento e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e a orienta” (TARDIF, 2010, p. 230).

Nesse aspecto, a formação deverá promover a reflexão sobre a formação de professores, a rotina do trabalho do formador, a realidade vivenciada e as dificuldades enfrentadas no exercício da função do formador, com vistas a promover a construção de saberes e mecanismos, para que estes tenham mais segurança na preparação e na oferta dos cursos de formação para os professores da rede.

4 Este texto é fruto da dissertação de mestrado intitulada: “Política de formação continuada da SEDUC/AM: estratégias para a garantia de acesso dos professores aos cursos de 40 horas”, defendida em setembro de 2017 no PPGP/CAEd/UFJF.

5 Modalidade de ensino praticada pela SEDUC/AM nos 61 municípios do estado via Centro de Mídias, que atende alunos do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º do Ensino Médio regular e também da Educação de Jovens e Adultos (EJA). As aulas são ministradas por professores especializados por meio de teleconferência e o aluno pode interagir com os professores do Centro em tempo real por meio do chat.

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Recebido: Janeiro de 2019; Aceito: Março de 2019; Publicado: Abril de 2019

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