Provocações reflexivas iniciais
De uma reflexão pulsante e caracterizada por movimentos que movem corpo, mente e espírito à construção de saberes, conhecimentos e formação como deleite e transbordamento: assim foi construído o presente texto.
Essa escrita se tece como um ensaio teórico-epistemológico, articulando com algumas reflexões de experiências formativas e profissionais que tive e venho desenvolvendo na docência universitária em diálogo com as escolas junto a professores/as da Educação Básica, e, assim, busco narrar aspectos que colocam em discussão o entrelaçamento da Epistemologia da Complexidade com a Pesquisa narrativa (auto)biográfica.
As reflexões que emergem nesse texto, são oriundas de quatro momentos de minha vida e formação: primeiro pelo fato de ter cursado a disciplina Filosofia das Ciências1 na época em que realizei o mestrado em educação, possibilitando alargar um pouco o campo do pensamento complexo na construção da dissertação; segundo reflete-se pelas pesquisas, estudos e leituras realizadas no campo da Teoria Complexa e da Pesquisa narrativa (auto)biográfica que vem me acompanhando desde o curso de graduação em Pedagogia que realizei; terceiro, pela abordagem de construção de saberes e conhecimentos que foram permitidos tecer minha tese de doutorado em educação2; e quarto, por me munir há cerca de uma década de experiências profissionais como docente do ensino superior, nos cursos de licenciaturas, e sobretudo, na Pedagogia, usando teórica e metodologicamente ambas as abordagens.
Na tentativa de que “seria preciso conceber uma ciência antropossocial religada, que concebesse a humanidade em sua unidade antropológica e em suas diversidades individuais e coletivas” (MORIN, 2010, p. 41), é que esse texto se configura. Por isso, a ousadia em juntar duas correntes teóricas e epistemológicas que foram sendo produzidas e gestadas em um cenário de intensas e profundas transformações sociopolíticas, econômicas e culturais.
A escolha de ambas as abordagens discutidas nesse texto se dá, antes de tudo, por uma escolha política e formativa, como também por acreditar no poder e potencialidade que representam na pesquisa, formação e aprendizagem experiencial do sujeito, principalmente, na constituição da professoralidade e de forma alargada no desenvolvimento profissional docente.
Escolher o (auto)biográfico para refletir neste escrito possibilita pensar na sua inestimável riqueza e contribuições com práticas de vida que tenho empreendido utilizando as narrativas em minha formação e na formação de outros/as professores/as e que vem me acompanhando na produção da pesquisa científica e na construção de novos e diversos conhecimentos. Afinal de contas, como tão bem salientou Ivor Goodson (2019, p. 121), “nosso tempo é frequentemente chamado de uma ‘era da narrativa’: de narrativas políticas, de ‘contação’ narrativa de histórias, de identidade narrativa”.
Assim, corroborando com o pensamento de Passeggi (2021, p. 94) parto do princípio “de que a ação de narrar e de refletir sobre as experiências vividas, ou em devir, permite dar sentidos ao que aconteceu, ao que está acontecendo, ao que pode mudar ou permanecer inalterável, mas também ao que poderia ter acontecido e por quais razões”.
Do mesmo modo, ressalto que tais correntes de pensamento foram se constituindo ao longo do tempo e está em constante ascensão - e é aí que, a meu ver reside a sua originalidade, emergência, expansão e conquista permanente de novos pesquisadores e adeptos - sem prescindir da manifestação do ser humano em sua multidimensionalidade na pesquisa científica, como ser que pensa, sente, faz e age em função dos acontecimentos processados em sua vida, experiência, pesquisa e formação. Principalmente, no que concerne a aspectos como a sensibilidade, as emoções, a lucidez crítica e a tomada de consciência, só para citar alguns, e outras tantas dimensões do vivido que se consolida processualmente aliando ciência, vida, filosofia, cultura, cotidiano, educação, política, natureza e sociedade e em outras tantas vertentes que extrapolam aqui as reflexões.
A proposição deste escrito, portanto, tem como objetivos: compreender as relações e sentidos do pensamento complexo com a pesquisa narrativa no campo educacional, bem como refletir que contribuições a complexidade e as abordagens (auto)biográficas promovem na formação de professores/as.
Algumas provocações iniciais permitem disparar meu pensamento nesse texto, quais sejam: como é possível articular a Teoria Complexa com a Pesquisa narrativa (auto)biográfica? De que forma essas abordagens possibilitam pensar a formação de professores/as em um contexto de incertezas e complexidades da vida, pesquisa, formação, educação e sociedade no cenário atual?
São com essas e outras provocações que o texto se propõe refletir. Ademais, enfatizo que no presente escrito, produzi como teoria, metodologia e narrativamente, em que emergem discussões teóricas, conceituais acerca de ambas as abordagens, bem como relatos de experiências com narrativas que retratam alguns acontecimentos (auto)biográficos por mim vivenciados ao longo das trajetórias formativas, pessoais, acadêmicas, de pesquisa e profissionais.
A proposição teórica e epistemológica do artigo em pauta é discutida à luz do Pensamento Complexo com as contribuições de: Edgar Morin, Maria da Conceição Xavier de Almeida, Izabel Petraglia, Maria Cândida Moraes, Marilda Aparecida Behrens e outros, entrelaçando-se com as reflexões do Movimento de Histórias de vida em formação, sobretudo com Marie-Christine Josso3, em diálogo com os/as pesquisadores/as narrativos: Ivor Goodson, Inês Bragança, Conceição Passeggi e outros.
O texto está organizado em quatro partes, nas quais: esta primeira faz uma reflexão introdutória das ideias que são discutidas, na segunda parte faz um percurso histórico, estabelecendo relações da Epistemologia Complexa com a Pesquisa Narrativa; na terceira reflete como se dá a formação de professores/as munindo-se dessas duas abordagens; e, na quarta e última traz algumas considerações provisórias que me foram possíveis pensar da produção deste escrito, configurando-se como lições e aprendizados. Tais ideias, são trazidas nas linhas que se seguem.
Epistemologia complexa e pesquisa narrativa: história, relações e sentidos
A pretensão dessa parte do texto é trazer apenas alguns marcos teóricos e históricos que considero pertinentes elucidar, os quais situam a Epistemologia da Complexidade, na perspectiva de Edgar Morin, e a Pesquisa narrativa (auto)biográfica, com centralidade para a corrente de Histórias de vida em formação, através do pensamento de Marie-Christine Josso, buscando fazer articulações entre ambas, dimensionando, sobretudo, no campo da ciência, educação e formação docente.
Nesse sentido, alguns questionamentos emergem inicialmente: que relações e imbricamentos podem ser estabelecidos entre o Pensamento Complexo e a Pesquisa narrativa? Como podemos pensar a produção do conhecimento e a formação de professores/as nutrindo-se da complexidade e das abordagens (auto)biográficas?
São com essas provocações reflexivas que busco tecer algumas discussões nessa parte do texto, mostrando a fertilidade dessas abordagens e sua pertinência, bem como a necessária utilização no campo da formação humana, da pesquisa e produção de conhecimentos.
Convém salientar historicamente que “a base da complexidade advém de três teorias que surgiram na década de 1940: teoria da informação, cibernética e teoria dos sistemas, cujos impactos e aplicações, no entanto, só se manifestariam mais tarde, a partir da década de 1960”. (PETRAGLIA, 2013, p. 19)
Há mais de sete décadas o pensamento de Edgar Morin vem se expandindo no mundo, sendo considerado um dos principais expoentes do Pensamento Complexo ou Paradigma da Complexidade. Recentemente, no ano de 2021, o autor completou 100 anos e até o momento, continua em toda a sua efervescência produzindo de forma significativa suas reflexões.
Com ideias que dialogam com uma pluralidade de correntes teóricas e epistemológicas, bem como o entrelaçamento com o cultural, a vida e outras esferas do vivido, do saber e conhecer, Morin, com sua sapiência continua disseminando atualmente reflexões potentes e caras à ciência, se tornando uma referência viva e com grande poder de conquista na comunidade científica.
Com uma formação multidisciplinar (História, Geografia e Direito) e com estudos realizados no campo da Sociologia, Filosofia e Epistemologia, o pensamento do autor continua atual e contribuindo em diferentes abordagens de pesquisa, formação e reflexão. Alguns dos princípios de sua perspectiva buscam, entre outros aspectos, tecer um pensamento que se reflete na seguinte proposição:
[...] O método da complexidade pede para pensarmos nos conceitos, sem nunca dá-los por concluídos, para quebrarmos as esferas fechadas, para restabelecermos as articulações entre o que foi separado, para tentarmos compreender a multidimensionalidade, para pensarmos na singularidade com a localidade, com a temporalidade, para nunca esquecermos as totalidades integradoras (MORIN, 2010a, p. 192).
Se a complexidade se tece em uma epistemologia plural, diversa e de forma inter, pluri e transdisciplinar aliando vida, cultura, ciência e outras dimensões com as várias áreas do conhecimento e da existência, a pesquisa narrativa busca nutrir-se dessa perspectiva para fazer o sujeito pensar a si, do seu lugar e dos caminhos trilhados, protagonizando-se e efetuando uma tomada de consciência pela narração, que vai, consequentemente, transformando seus itinerários que dão curso a outras buscas de si formadoras.
A Epistemologia da Complexidade como um paradigma que vem se expandindo, consideravelmente no mundo no âmbito da pesquisa, formação humana e de outras tantas práticas de vida, experiência e educativas, vem trazendo contundentes contribuições para o campo da pesquisa científica na área de humanas e sociais, dentre elas a educação.
No que concerne à pesquisa narrativa (auto)biográfica que tem seu potencial retorno na produção de conhecimentos e cientificamente respaldados, com o uso metodológico das histórias de vida e escritas de si narrativamente na década de 1980, lançou as bases fundamentais para pensar as conexões com a teoria da complexidade e outras tantas formas de compreensão do vivido, pesquisado e refletido na área científica, cultural, social, econômica e de outras dimensões.
Na tessitura desse pensamento, nessa mesma direção de uma discussão histórica, cabe ressaltar as contribuições de Nóvoa (2000) em um célebre texto seu Os professores e as histórias da sua vida, publicado em um livro de sua organização, em que o autor retrata a emergência dessa corrente de pesquisas no campo da ciência, e, sobretudo, na área da educação.
Segundo ele “a utilização das abordagens (auto)biográficas é fruto da insatisfação das ciências sociais em relação ao tipo de saber produzido e da necessidade de uma renovação nos modos de conhecimento científico” (NÓVOA, 2000, p. 18. Grifos do autor).
Assim, era preciso produzir uma nova forma de pensar os problemas educacionais, sociais, culturais e da produção do conhecimento e da pesquisa científica com outras perspectivas a partir de uma corrente teórica, metodológica e epistemológica que pudesse, de fato, estar em consonância com essas emergências que vinham atravessando o cotidiano dos sujeitos. Daí, o reforço que faz o autor no campo educacional quando menciona que “as Ciências da Educação e da Formação não se alhearam deste movimento e os métodos biográficos, a autoformação e as biografias educativas assumem, desde o final dos anos 70, uma importância crescente no universo educacional” (NÓVOA, 2000, p. 18. Grifos do autor).
Tais reflexões de António Nóvoa foram fundamentais no campo das histórias de vida e (auto)biográficas, tanto em Portugal, como principalmente, no Brasil, América Latina e outras regiões do mundo, pois foi este um dos que contribuiu no desenvolvimento dessa corrente de estudos e pesquisas nos inícios da década de 1990 no cenário brasileiro com a publicação do livro O método (auto)biográfico e a formação, em parceria com Matthias Finger, no qual traz o pensamento de iminentes pesquisadores de várias partes do mundo que discutem diferentes abordagens dessa área do conhecimento (JOSSO, 2010; NÓVOA; FINGER, 2010; BRAGANÇA, 2018).
Com uma melhor precisão, convém elucidar os contributos com o surgimento do movimento de Histórias de vida em formação, nos inícios da década de 1980, tendo como representantes dessa corrente de pensamento Marie-Christine Josso, Pierre Dominicé, Matthias Finger e Gaston Pineau, os quais desenvolveram (e muitos ainda estão bem engajados no desenvolvimento dessa perspectiva atualmente) práticas educativas, de pesquisa e formativas com narrativas escritas e orais no âmbito acadêmico, da saúde e sociais no contexto francófono. Principalmente, na Universidade de Genebra (Suíça) e na Universidade de Montreal (Canadá), e para além destes espaços institucionais, extrapolando fronteiras (JOSSO, 2010).
O pensamento de Edgar Morin, portanto, veio se somar a um conjunto de reflexões e constituição de um campo de pesquisa, estudos e formação no início de 1980 com esses pesquisadores, mostrando ser uma teoria fundamental e necessária para produzir não somente um saber que atendesse as demandas e necessidades do processo de narrar as experiências do vivido dos sujeitos participantes dos cursos e seminários produzidos por estes autores mencionados, mas, sobretudo, trazer possibilidades outras de pesquisa, formação, aprendizagem e construção de conhecimentos no campo educacional e outras áreas do saber.
A complexidade trouxe para o campo da abordagem narrativa (auto)biográfica como base a possibilidade de pensar uma complexidade que pudesse dialogar com a pluralidade e as incertezas, tecendo outros modos de pesquisar, formar, conhecer e aprender, além de refletir à luz de diferentes teorias, mas também, de variadas práticas de vida, de narrar e interpretar a ação dos sujeitos em um mundo em constantes transformações.
Convém salientar que tanto quanto teve Morin, com uma formação híbrida e multidisciplinar Josso também teve uma formação e fez estudos no campo da Filosofia, Antropologia, Sociologia e Educação, o que a fez pensar e produzir uma teoria por demais significativa e potente na formação de adultos com os usos metodológicos das histórias de vidas e narrativas (auto)biográficas, destacando-se no mundo, e tendo uma boa receptividade e acolhimento caloroso de suas ideias no Brasil, influenciando centenas de pesquisadores/as e ampliando, consideravelmente o seu pensamento em várias área do saber.
Em Experiências de vida e formação, Josso (2010), vai retratar de forma enfática como Edgar Morin, pode contribuir veementemente com sua Epistemologia da Complexidade na tessitura do campo (auto)biográfico, acentuando sua riqueza e potencialidade nas práticas de formação, pesquisa e educativas em múltiplos contextos. Principalmente, com a publicação de quatro volumes publicado com o tema geral O método, que representou um divisor de águas na construção de suas bases teóricas e epistemológicas e na consequente consolidação do movimento de Histórias de vida em formação na década de 1980. Segundo pontua a autora:
Os quatro volumes escritos por Edgar Morin que desenvolvem esse novo olhar científico foram publicados na época em que, na nossa equipe de Genebra - Pierre Dominicé, Matthias Finger e eu -, buscávamos um novo horizonte teórico no campo da educação de adultos, que valorizasse uma abordagem da formação centrada no sujeito aprendente, utilizando uma metodologia da pesquisa-formação articulada com as histórias de vida (JOSSO, 2010, p. 29-30).
Mediante o exposto, é possível depreender a relevância das ideias de Edgar Morin em um campo de estudos que estava ainda sendo produzido e que encontrou cenário fértil e profícuo na Epistemologia da Complexidade, capaz de dialogar com a diversidade de outras tantas vertentes teóricas e correntes de pensamento, porque busca conectar-se a multiplicidade e não compartimentalização do saber; valoriza a subjetividade como construção de aprendizagens e conhecimentos no sujeito para além do objetivismo; enxerga a singularidade como promotoras de transformações plausíveis no sujeito para o seu meio circundante e existencial, entre outros pontos.
O entrelaçamento do pensamento complexo com a pesquisa narrativa se dá, então, em um cenário de transformações da sociedade, como também da construção de outros referenciais políticos, teóricos e epistemológicos da pesquisa científica no mundo, em que pudesse atender aos intricados e complexos modos de produção de conhecimentos, como também dos processos de aprendizagem e formação de adultos em contextos de emergência que se intensificou, principalmente, na década de 1980. Afinal de contas, as teorias quantitativas e pautadas por uma dimensão hegemônica e positivista de produção de saberes não estava mais conseguindo responder aos anseios de um tempo que estava a todo o vapor se transformando, os sujeitos se modificando numa constante e intensa velocidade e as profissões e os modos de pensar e fazer estavam numa veloz formação, com outras configurações.
Torna-se relevante trazer como Josso vai refletir e interpretar as ideias de Morin no âmbito de suas práticas de pesquisa narrativa e formação com adultos em diferentes perspectivas e áreas profissionais e do conhecimento. Convém salientar, em suas palavras:
Os trabalhos de Edgar Morin, publicados com o título geral O método trouxeram uma nova luz à complexidade das dinâmicas biopsicossocioculturais com uma espantosa síntese de um conjunto de abordagens contemporâneas cobrindo a quase totalidade do campo científico. Capaz de autonomia inventiva e submetido a uma série de constrangimentos, Antropos encontra espaço, uma intencionalidade à procura de lucidez, uma reflexividade operante, que define assim o direito e os deveres que o acompanham para orientar, individual e coletivamente, suas atividades, suas perspectivas e sua busca de consciência (JOSSO, 2010, p. 29).
Nesse sentido, Josso reconhece a grandeza e ao mesmo tempo riqueza do pensamento de Morin para a corrente de Histórias de vida em formação, que passou a proporcionar um outro olhar renovado sobre as experiências narradas, bem como compreender e interpretar as histórias de vida e narrativas (auto)biográficas dos sujeitos levando em consideração todo o conjunto de elementos e expressões do vivido que emergiam em suas reflexões.
O Pensamento Complexo, portanto, na esteira do que empreendeu Morin permitiu pensar as narrativas na formação, aprendizagem e conhecimentos construídos pelos sujeitos, sem desconsiderar a existência dos mesmos, isto é, sem separar vida pessoal, da acadêmica, científica, formativa, profissional e sociocultural, pois, ambas as dimensões se entrelaçam nas narrativas, compondo uma visão complexa e de inteireza.
Afinal de contas, “o pensamento complexo é um tipo de pensamento que não separa, mas une e busca as relações existentes entre os diversos aspectos da vida. Trata-se de um pensamento que integra os diferentes modos de pensar, opondo-se a qualquer mecanismo disjuntivo” (PETRAGLIA, 2013, p. 28).
Daí, a beleza e o enriquecimento que emergem nas narrativas são muitas vezes possibilitadas pelos processos de interpretação e compreensão do que narra o sujeito, e visibilizadas por quem se apropria das experiências narradas, na condição de fazer outras tantas reflexões, coletivamente, junto com esses outros sujeitos narradores.
O pensamento complexo, representou, e ainda traz o vigor e fertilidade às abordagens narrativas (auto)biográficas por situar uma dimensão reflexiva do sujeito que narra, e que traz nesses registros das experiências do vivido outros tantos de si, no qual emerge a pessoa com todas as formas de expressão de suas emocionalidades, fragilidades, conhecimentos e modos de pensar a si, o outro, a sociedade, as experiências e aprendizagens em diferentes perspectivas e com variadas intensidades.
As práticas narrativas de vida, não podem ser refletidas e interpretadas apenas por um viés cognitivo, acadêmico e científico, e sim, por múltiplos olhares e atravessamentos que deslocam o sujeito e que emergem no narrado. Por isso, faz todo o sentido pensar na complexidade, pois é ela que dá elementos para pensar o sujeito que narra como uma pessoa que sente, pensa, conhece, aprende e se transforma pelo narrar.
Por trás de quem narra ou da narrativa produzida pelo sujeito não há apenas uma história contada, mas uma pessoa, um profissional e a mobilização de corpos, espíritos e estados de ser, estar, pensar e sentir que pulsa no momento de narrar, mas que antecede todo um conjunto de sensibilidades, conhecimentos, emocionalidades e outros estados de espírito, misturando-se com o cognitivo, o social, o político, o cultural e outras vertentes que emergem no sujeito e na sua narrativa (auto)biográfica.
A complexidade aspira à narrativa e essa retroalimenta-se daquela para poder dizer o que muitas vezes não seria possível se não considerasse o narrador como alguém constituído de uma multiplicidade de pensamentos, experiências, trajetórias formativas e construções históricas que vai se consolidando em sua vida e existência ao longo do tempo, e que no narrar ganha curso, materializa-se, produz conhecimento, aprendizagem e formação, mas também, revela descobertas, tensiona conflitos, faz emergir determinadas problemáticas não percebidas antes pelos sujeitos, evoca reflexões e dispara emoções.
Em suma, em vias de considerações provisórias sobre essa parte do texto, antes de adentrar a outra seção, cabe tecer algumas reflexões acerca da atualidade do pensamento de Edgar Morin e Marie-Christine Josso, mostrando marcas significativas, valorosas e pertinentes de suas ideias para o campo da pesquisa, educação e formação humana.
À Edgar Morin, ressalto a sua capacidade extraordinária de pensar em movimento, no próprio contexto dos acontecimentos que se processa o cotidiano. Um exemplo desta perspicácia, reflete-se no livro É hora de mudarmos de via: as lições do coronavírus (MORIN, 2020), o qual apresenta alguns princípios e as 15 lições que a pandemia trouxe. Assim, Morin acaba pensando outras lógicas de vida, existência e relações estabelecidas do ser humano com a natureza, o convívio com os outros, a ciência, o conhecimento e várias perspectivas.
E quanto à Marie-Chistine Josso, possuía uma capacidade de sapiência e sagacidade em desbravar assuntos e temáticas que situavam o próprio sujeito em sintonia com os acontecimentos atuais pelos quais se relacionavam no meio circundante e que os afetavam de alguma forma, seja na sua vida, profissão, formação, aprendizagem, conhecimento e outras questões que emergiam em seus escritos e falas. Um dos últimos textos, bem elucidativos dessa cosmovisão e abrangência multidimensional pode ser percebido em História de vida e formação: suas funcionalidades em pesquisa, formação e práticas sociais (JOSSO, 2020).
Enfim, são duas correntes de pensamento que tem muito a agregar valor e contribuir em várias perspectivas e que se refletem de forma potencialmente significativa na vida, experiências tecidas pelos sujeitos, na pesquisa científica, na educação e na formação de professores/as. Aspecto este último que será mais bem discutido na próxima seção.
A emergência da complexidade com a pesquisa narrativa na formação de professores/as
Como a Epistemologia Complexa e a Pesquisa narrativa (auto)biográfica são abordagens que vem crescendo vertiginosamente na pesquisa científica em diferentes áreas do conhecimento, e, principalmente na educação e como metodologias de ensino, cabe retratar alguns contextos pelas quais os seus usos vem se delineando na literatura sobre a temática, mais especialmente no tocante à formação de professores/as. Razão pela qual essa seção se propõe discutir nas linhas a seguir.
Ao apresentar essas discussões elucidadas anteriormente, penso ser fundamental problematizar o assunto, com a seguinte provocação reflexiva: como pensar a formação de professores/as pautada pela epistemologia da complexidade e o desenvolvimento de uma pedagogia narrativa? E de que forma podemos empreender dispositivos didáticos, políticos e metodológicos nas práticas educativas e de ensino junto com os sujeitos que fazem parte do processo de escolarização?
Situar essas questões, me remete a dois pontos a considerar: primeiro que estou pensando a formação tanto inicial quanto continuada de professores/as que acontecem nos cursos de licenciaturas; segundo que situo essa reflexão a propósito do desenvolvimento profissional docente, dando centralidade para a escola, bem como a consideração de vários níveis, etapas e modalidades de ensino pelos quais atuam ou poderão atuar docentes que realizam um curso superior no âmbito da licenciatura.
Morin, vem tecendo, de forma híbrida e plural as várias temáticas que reflete, tanto em seus escritos, como em falas que profere por onde transita ou é convidado a estar e colaborar. Diante da multidimensionalidade de suas discussões, uma significativa obra merece atenção nesse texto e que considero a que mais representa seu conteúdo e forma de discussão no campo da educação e que se correlaciona à formação de professores/as. Diz respeito aos Sete saberes necessários à educação do futuro (MORIN, 2011).
Nessa obra, o autor traz um conjunto de saberes que considero fundamentais serem abordados e discutidos no processo de formação de professores/as e no que concerne às práticas pedagógicas. Saberes esses como: 1) as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; 2) os princípios do conhecimento pertinente; 3) ensinar a condição humana; 4) ensinar a identidade terrena; 5) enfrentar as incertezas; 6) ensinar a compreensão; e, 7) a ética do gênero humano (MORIN, 2011).
Nesse sentido, é uma obra cara e com lições cruciais para a profissão docente, o alunado, a escola, enfim. Trata-se de uma riqueza e potencialidade que ultrapassa qualquer modelo de formação do professorado, e que podem ser refletidos em toda e qualquer sociedade, para os diferentes níveis, tempos e modalidades de educação, ensino e formação. Uma vez que perpassa várias discussões relevantes que se entrelaçam com natureza, sociedade, convívio humano, ciência, educação, conhecimento, aprendizagem e outras tantras temáticas necessárias e emergentes.
Ousaria dizer que: Os setes saberes necessários à educação do futuro é uma célebre obra do autor que já contribuiu muito e vem contribuindo cada vez mais em pesquisas, estudos e produção de conhecimentos em várias áreas do saber, sobretudo, no campo da educação e da formação docente.
De acordo com frutíferas reflexões que vem sendo produzidas por Francisco Imbernón (2016), no campo da formação de professores/as, em uma de suas obras Qualidade do ensino e formação do professorado: uma mudança necessária, o autor se dedica a discutir alguns pontos dessa perspectiva no âmbito do pensamento complexo.
No segundo capítulo da referida obra, Imbernón (2016) faz uma incursão pelo pensamento de Edgar Morin, fazendo duras críticas a fragmentação curricular e profissional de professores/as, de modo a criar uma segregação no campo da educação, baseada em uma racionalidade técnica e instrumental do saber e fazer docentes, que não possibilita a produção e diálogo com outros tantos saberes e conhecimentos, os quais são fundamentais à uma formação qualitativa e potencial destes sujeitos.
Longe dessa forma de conceber a educação, o ensino e a formação do professorado, Imbernón (2016) em consonância com as ideias de Morin, vai propor que é preciso desfragmentar o currículo escolar e da formação docente, de modo a possibilitar aos sujeitos “o desenvolvimento de novas competências transversais (sejam elas procedimentais, atitudinais ou de outro tipo)” razão pela qual seria preciso uma visão mais dinâmica, maleável e complexa dos saberes e a aprendizagem dos diversos campos de conhecimento. Para isso “as competências precisam de visões globais, metodologias globalizadoras e interdisciplinares e a fragmentação das escolas não permite isso” (IMBERNÓN, 2016, p. 60).
Essa crítica também é feita na obra de Morin na qual o autor vai se debruçar boa parte do seu pensamento, situando o campo da educação e formação. Uma citação que retrata de forma contundente esse pensamento em muitas de suas obras e escritos é que “a fragmentação e a compartimentalização do conhecimento em disciplinas não comunicantes tornam inapta a capacidade de perceber e conceber os problemas fundamentais e globais” (MORIN, 2013b, p. 183).
Daí, a necessária promoção de práticas democráticas e multidimensionais que possam ser celadas entre professores/as, comunidade escolar, instituições de formação de professores/as, pesquisadores/as da área e de outras que se interessam pela educação, e a gestão no âmbito das políticas públicas educacionais, a fim de possibilitar outras configurações curriculares, formativas e de aprendizagem no processo formativo do professorado, inicial e continuada, ou formação permanente como vai defender Imbernón (2010) em diálogo com as escolas, o alunado e outros agentes educacionais.
Trazer as abordagens narrativas (auto)biográficas como uma dimensão potencial para pensar as experiências do vivido em um voltar para si, por meio de uma reflexividade produzida pelo sujeito, é sobremaneira, reconhecer a riqueza dessa perspectiva na transformação, produção de uma historicidade e desdobramentos que se tecem em processos formativos da docência.
Por isso, na pesquisa narrativa (auto)biográfica que também é formativa, e que vem sendo defendida seus princípios no processo de uma pesquisaformação, como propõe Bragança (2018, p. 76) “não buscamos a generalização, mas dirigimos o olhar para as singularidades, para os gestos e saberes mínimos do cotidiano da vida, da prática social, educativa e escolar”. Daí, a necessária e pertinência do exercício de uma reflexão crítica da/na/durante e após a prática docente.
Além do mais, ser professor/a e pensar como se materializa em processo os saberes, fazeres e tomada de consciência nos movimentos que antecede, transcorre e se desenvolve a posteriori às suas práticas educativas e pedagógicas é crucial para empreender mudanças significativas na vida, formação e profissão. Como também, pode sinalizar a possibilidade de guiar outros projetos de futuro, a fim de trazer outros tantos subsídios teóricos, metodológicos e formativos para si, os alunos e os demais sujeitos que fazem parte do processo de escolarização ou que se nutrem deste e dialogam com a escola.
Essa reflexividade narrativa, é “entendida como a capacidade de o sujeito operar com diversas linguagens para se constituir um si mesmo, ao tempo em que dá sentido às suas experiências, às suas aprendizagens e até mesmo reconhecer seus fracassos nessas tentativas” (PASSEGGI, 2021, p. 96).
É bastante provocativa a reflexão que faz Morin (2013) em Meus filósofos que para mim representa um mergulho na abordagem narrativa (auto)biográfica, tirando lições de aprender para si com o outro em um movimento dialético e em permanente transformação. Essa prática do narrar-se, penso que “trata-se da qualidade de sujeito que nos torna capazes de refletir sobre as ideias e objetos, mas de nos refletirmos nós mesmos no espelho de nosso espírito” (MORIN, 2013a, p. 50).
Porém, a prática de uma reflexão mobilizada pelo próprio sujeito sobre si, o seu fazer e o seu próprio pensar como pensa, não tem sido fácil e muito menos praticada. Tal lacuna, se deve no contexto da própria formação humana.
No que se refere mais especificamente ao contexto da formação docente, percebo que muito tem sido inviabilizado esse exercício reflexivo, em decorrência de uma visão ainda muito arraigada nos princípios de uma ciência newtoniana-cartesiana que foi sendo influenciado/a ao longo da sociedade, nos modos de ser, pensar, fazer em movimento, e vem se delineando bem aos moldes de uma visão engessada e estática.
Outro ponto a ser considerado diz respeito a intensificação do trabalho docente, em que cada vez mais o/a professor/a tem sido um tarefeiro ou atrelado a extensas horas de trabalho e desenvolvimento de atividades pedagógicas, avaliação da aprendizagem e planejamento educacional dentro da escola, em sala de aula e na sua própria casa ou outros contextos, além de ter dois ou mais empregos para poder conseguir se manter e sobreviver para ter uma melhor qualidade de vida para si e sua família. Aspectos esses que acabam roubando-lhes a possibilidade de refletir sobre o que vai fazer, o que está fazendo e o que já fez (aliando passado, presente e futuro das práticas educativas e pedagógicas desenvolvidas em constante movimento de retroalimentação entre ambas).
Prova disso, pode ser confirmada com o fato de que “um dos aspectos que mais dificulta a renovação de nossas atividades didáticas é a insuficiência de bases teóricas científicas presentes na formação dos profissionais de educação, associada à dificuldade de repensar sobre o nosso próprio pensar” (MORAES, 2015, p. 162).
Outro aspecto a considerar para promover outras possibilidades de uma formação humana e de professores/as pautada na riqueza das experiências narrativas do vivido com a complexidade, requer a complexificação do pensamento pedagógico, erigindo outras lógicas de pensamento, formação e ação.
Em termos mais precisos, questiono: em que consistiria essa perspectiva da complexificação do pensamento pedagógico na formação permanente do professorado? Justamente, no uso de outra lógica, isto é:
[...] no uso de outra lógica, exige que trabalhemos, simultaneamente, tanto a vertente do ensino como a da aprendizagem, mediante uma ontologia complexa que melhor explique a complexidade da condição humana, inserida numa realidade biopsicofísica de natureza multidimensional, constituída por diferentes níveis de materialidade que coexistem em sua dinâmica operacional” (MORAES, 2015, p. 156).
Inserida dentro dessa outra lógica, penso ainda que seria potencialmente significativa levar em consideração as opções metodológicas que pudessem ser promovidas na formação de professores/as e nas práticas pedagógicas pautadas pelo paradigma emergente, na acepção de Marilda Aparecida Behrens (2005), aliando visão sistêmica, abordagem progressista e ensino com pesquisa. E quais seriam os fundamentos e contributos desse uso na educação escolar? Seriam fundamentais, uma vez que seus princípios se tecem na construção de um ser humano ético, solidário e responsável pela sua qualidade de vida e de seus semelhantes. Ou melhor:
[...] o paradigma emergente busca promover uma prática pedagógica que ultrapasse a visão uniforme e que desencadeie a visão de rede, de teia de interdependência, procurando interconectar vários interferentes que levem o aluno a uma aprendizagem significativa, com autonomia, de maneira contínua, como um processo de aprender a aprender para toda a vida (BEHRENS, 2005, p. 111).
Desse modo, somente com o exercício permanente de uma reflexão narrativa acerca das experiências do vivido é possível tomar consciência do processo em que está imerso o/ professor/a, de modo a transformar-se, e contribuir, significativamente em sua formação, na construção de outros referenciais de aprendizagens e na promoção de outras tantas didáticas, currículos, metodologias e outros processos formativos da vida, experiência e profissão em diversos aspectos.
Tal proposição é o que tem feito muitos pesquisadores/as narrativos que tomam o campo da educação e da formação docente como meios privilegiados para discutir e produzir sua teoria, como os apresentados nesse texto, a exemplo de: Josso, Passeggi, Bragança, Goodson e outros.
Do mesmo modo, penso ser reflexões que vem pondo em relevo e com variadas linguagens plurais e híbridas as discussões no âmbito do pensamento complexo na possibilidade de construção de outras lógicas possíveis de aprendizagem, conhecimento, formação, vida, ciência e outros pontos desenvolvidas por: Morin, Almeida, Moraes, Behrens, Petraglia e etc.
Lições que ficam e passos que poderiam ser dados: constatações e considerações
Feitas as discussões no texto, me ponho agora a tecer algumas reflexões que situam entre o que está dado, mas não estático e que pode mudar, somando-se a encaminhamentos possíveis e soluções viáveis no que concerne às duas abordagens discutidas e apresentadas nesse artigo.
No que tange à Epistemologia da Complexidade no campo da educação e formação de professores/as, principalmente no Brasil, mas que pode dialogar com outros países, chego a seguintes constatações:
Primeiro, há uma supremacia e estandardização do currículo escolar e da formação profissional na e para a docência, a qual se assenta em um modelo fechado, estritamente disciplinar que não se comunicam entre si. Além do mais, muitas práticas pedagógicas estão permeadas por uma visão dicotômica sobre os processos de aprender e ensinar, muitos dos quais os/as docentes acabam se prendendo a saberes e fazeres hegemônicos e quase únicos em sala de aula. Um exemplo disso pode ser dado: com o uso, muitas vezes de forma demasiada do livro didático e do quadro, esquecendo-se de outras tantas didáticas e metodologias possíveis de empreender.
Segundo ponto: o que está por trás desse modelo de educação que temos, reflete-se em aspectos muito mais amplos e dimensões intercontinentais, envolvendo os processos de cooperação que governos realizam com países de primeiro mundo em diálogos com os emergentes ou subdesenvolvidos, que acabam investindo localmente nas áreas que se interessam, e isso acaba, de certo modo, produzindo um contexto sobre o que querem e desejam exercer e influenciar de alguma forma. Situações essas que podem em muito corroborar no processo de desenvolvimento de políticas públicas, e, principalmente, no que pese aos pontos aqui elencados, consubstancia-se nas políticas públicas educacionais, reverberando na formação de professores/as que chega ao chão da escola e da sala de aula.
Mediante o exposto, questiono: quais seriam as possibilidades de empreender políticas públicas educacionais, o desenvolvimento de práticas educativas plurais e diversas e uma formação de professores/as pautadas por saberes e conhecimentos assentados na democracia, solidariedade e aprendizagens que fossem significativos para alunos/as, professores/as e toda a sociedade?
A primeira delas que vislumbro, diz respeito ao fato de que os/as professores/as, não necessariamente precisariam se prender e ficar reféns de práticas instituídas e controladas pelas redes educativas as quais estão atrelados/as. Há muitas e diversas formas de aprender, ensinar, educar e conhecer, e creio que há possibilidades para que isso aconteça.
Alguns exemplos com os usos de dispositivos metodológicos na didática do aprender e ensinar dos/as professores/as em diálogos com os/as alunos/as referem-se a aulas e/ou atividades que sejam: com a realização de aulas-passeio abordando assuntos que se relacionam ao currículo escolar e concatenado com o projeto pedagógico da escola; atividades que explorem o lado artístico-estético e sensível dos/as alunos/as com música, poesia, dança, desenhos, pinturas, etc.; metodologias narrativas (auto)biográficas para que os sujeitos contem e narrem sobre si, o outro e o que veem, percebem, sentem e acontece no cotidiano existencial de como estão se percebendo em suas aprendizagens e refletindo a sua formação; parcerias e diálogos permanentes em encontros, pesquisas e estudos envolvendo escola-universidade reciprocamente; o uso de filmes, debates e estudos de caso que problematizem o cotidiano escolar e outros tantos acontecimentos que façam sentido e sejam relevantes pensar e encontrar soluções viáveis e possíveis, entre outras tantas formas didáticas no ensino, na experiência e na formação docente.
Como foi possível perceber por meio desse estudo, a base teórica, metodológica e epistemológica do Pensamento Complexo já existe há cerca de 80 anos na sociedade, e o campo da Pesquisa narrativa (auto)biográfica, mais propriamente consolidado com as contribuições da corrente de Histórias de vida em formação, já vem há cerca de 40 anos aproximadamente se fazendo presente.
Sendo assim, que lições e aprendizados a Teoria Complexa e a Pesquisa narrativa (auto)biográfica tem promovido na educação, formação humana e sociedade? E para ser mais específico, como essas correntes de estudos poderiam promover contribuições no campo da formação docente, da educação, da construção de (novas) aprendizagens e conhecimentos?
Penso que uma possibilidade viável seria: ouvir mais e dialogar com as narrativas dos/as professores/as da Educação Básica, sobre as questões: o quem tem a dizer? O que estão fazendo com as crianças, jovens e adultos na educação escolar? O que pensam sobre a educação, o ensino, as políticas públicas? Como poderiam contribuir para promoverem formas didáticas e metodológicas possíveis de educar, ensinar e aprender com sentido, prazer e de maneira qualitativa e feliz?
Afinal de contas, penso que os conhecimentos universitários e o currículo da formação do professorado, deveriam ser assentados e preparados não somente por especialistas e aqueles/as considerados/as os experts da educação, e sim, fruto do entrelaçamento destes em diálogos narrativos com os/as professores/as da Educação Básica, pois quem faz e acontece dentro da escola e na sala de aula em matéria de ensino, aprendizagem e construção de conhecimentos são esses/as docentes, muitas vezes sem ter as condições adequadas para realizar o seu trabalho frente à desvalorização profissional, a falta de materiais didáticas que seriam extremamente necessários e o controle do seu trabalho por programas e políticas de currículo - só para citar alguns - que muitas vezes mais engessa o/a professor/a do que promove criatividade no processo de ensino e aprendizagem.
Assim, consoante aos princípios de um pensamento complexo, urge a proposição de que “devemos encorajar e intensificar a revolução e a reforma de pensamento que nos farão superar o paradigma dominante, que, de forma oculta, nos impele, em todos os domínios do conhecimento, da ação e da ética, à disjunção, à simplificação, à redução” (MORIN, 2013, p. 151).
Ouvir e dialogar com docentes da Educação Básica e as próprias crianças, jovens e adultos que estão no processo formativo e inseridos no contexto da escolarização é uma alternativa não somente urgente, como necessária e potente, na qual poderiam ser promovidas de uma forma mais frequente, no que pese a construção de outras possibilidades democráticas e emancipatórias de aprender, ensinar, educar e conhecer. Tendo em vista que “consideramos que há uma gama de conhecimentos de grande importância que lidam com as realidades micropolíticas e contextuais da vida escolar” (GOODSON, 2019, p. 144). A defesa dessa perspectiva se deve pelo fato de que, ainda concordando com o autor “[...] tal conhecimento é crucial, sobretudo, porque esses fatores micropolíticos e contextuais afetam as vidas e as arenas nas quais os conhecimentos pessoais, práticos e pedagógicos são utilizados” (2019, p. 144).
Em suma, precisamos sair mais do prescritivo, repetitivo e estandardizado para uma perspectiva mais plural, diversa, de narrativização das práticas e do cotidiano de forma multidimensional no campo da educação. O que seria e significaria isso? Que poderíamos promover - através da compreensão e consideração de um viés mais complexo sobre a vida, educação, formação, aprendizagem e conhecimentos dos e com os sujeitos, e principalmente, professores/as e alunos/as - processos significativos na educação escolar e na formação, razão pela qual entraria em configuração - penso eu - o desenvolvimento e valorização de suas histórias de vida e narrativas (auto)biográficas na composição ética, solidária e responsável de outras tantas possibilidades formativas, democráticas e emancipatórias em que alguns estão praticando essas dimensões e outros/as perdendo essa potente e brilhante oportunidade.
Que façamos da vida, educação, formação e do narrar as experiências do vivido como um convite a todos/as, bem como incitar provocações reflexivas à construção de outros mundos possíveis na complexidade de ser, pensar, viver, ensinar, aprender e educar de variadas e tantas formas e possibilidades, pela narração, como deleite, aprendizagem e emoção!