INTRODUÇÃO
“Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. [...] Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade” (Paulo Freire)1.
Segundo Massi et al.2, a iniciação científica (IC) possui duas vertentes: o processo de treinamento e estudo sobre a metodologia científica, o qual pode constar em uma unidade curricular; ou a elaboração e execução de um projeto de pesquisa com orientação, em que há a concessão de bolsa de estudo. Vale ainda apontar que existem formações científicas estruturadas nos cursos de graduação em Medicina que associam essas duas vertentes ao integrarem o estudo sobre a metodologia científica e a realização de pesquisa. Além disso, é facultativo aos cursos de Medicina implementar um trabalho de conclusão de curso (TCC), que pode adquirir diferentes formatos e enfoques metodológicos para estimular a execução de um projeto de pesquisa.
Inicialmente, na década de 1950, a IC ocorria informalmente nas universidades. Então, com a Reforma Universitária de 1968, foi criada uma política nacional de pós-graduação a qual impulsionou a formatação da IC com o intuito de formar novas gerações de pesquisadores2),(3.
O objetivo maior de aprender e realizar pesquisa científica é aprimorar o raciocínio crítico e analítico para permitir o avanço e a produção dos conhecimentos, e, principalmente, garantir recursos materiais e imateriais para apoio à sociedade e à indústria ou intervenção nesses setores4; também, com novas competências, almeja-se praticar uma Medicina Baseada em Evidências (MBE)5 por meio das melhores evidências de pesquisa, da experiência clínica e do respeito à autonomia do paciente.
Em termos político-pedagógicos, a formação médica engloba, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de 20146, uma necessidade de comprometer-se com pesquisa (especialmente as de interesse da sociedade), usar criticamente evidências científicas para tomada de decisões diagnósticas e terapêuticas, e identificar necessidades de produção de novos conhecimentos a partir da própria prática. Particularmente, o documento destaca a relevância de divulgar - internacionalmente - as conquistas científicas obtidas no Brasil e também de os projetos pedagógicos de curso estimularem a participação em programas de IC.
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes)7 preocupa-se em verificar a participação de discentes em projetos de pesquisa, bem como o oferecimento de IC com orientação docente. Concomitantemente, os parâmetros internacionais de qualidade dos cursos de Medicina preveem, segundo o Sistema de Acreditação de Escolas Médicas do Conselho Federal de Medicina (Saeme-CFM)8, que o curso de Medicina ofereça a todos os estudantes “a vivência do método científico por meio de atividades de iniciação científica, pesquisa de campo, revisão sistemática ou trabalho de conclusão de curso, estando estas atividades regulamentadas quanto à sua carga horária, orientação e socialização de resultados”.
Diante das diferentes modalidades de pesquisa presentes nas instituições brasileiras e da importância nacional e internacional desse processo para a formação médica, o escopo desta pesquisa é delimitar um panorama acerca dos programas de pesquisa para graduandos de Medicina no Brasil. Especificamente, busca-se determinar os requisitos mínimos que caracterizam uma IC, as potencialidades do processo para discentes e orientadores, e os desafios diante da realidade brasileira.
MÉTODO
Desenho do estudo e aspectos éticos
Trata-se de um estudo de revisão sistemática focado na realidade brasileira que se pautou nas recomendações dos critérios PRISMA9. A busca pelos estudos foi realizada por dois pesquisadores independentes no período de maio a junho de 2021. Como o estudo se baseou exclusivamente em fontes secundárias e públicas de dados, não houve submissão da pesquisa ao Comitê de Ética.
Estratégias de busca
Adotou-se como estratégia de busca - como é possível observar no Quadro 1 - a combinação de termos presentes nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS/MeSH)10 como “Estudantes de Medicina”, “Educação de Graduação em Medicina”, “Planos e Programas de Pesquisas em Saúde”, “Pesquisa” e “Brasil”, sendo considerados seus equivalentes em inglês. A combinação dos termos foi realizada a partir dos operadores booleanos “AND” e “OR”. As buscas foram realizadas nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), PubMed e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Para buscar por trabalhos que constituem a literatura cinzenta11, utilizaram-se as plataformas Google Acadêmico e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) com os termos “Iniciação científica” e “Medicina”, bem como se fez a verificação das referências bibliográficas dos estudos incluídos que tiveram seus resumos analisados (essa busca não abrangeu de maneira exaustiva todos os resultados encontrados).
Estratégia PICOT | Descritores segundo DeCS/MeSH | |
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Português | Inglês | |
População (Estudantes de Medicina) | (Estudantes de Medicina) OR (Educação de Graduação em Medicina) | (Students, Medical) OR (Education, Medical, Undergraduate) |
Intervenção (Pesquisa) | (Planos e Programas de Pesquisa em Saúde) OR (Pesquisa) | (Research) OR (Health Research Plans and Programs) |
Contexto (Escolas médicas brasileiras) | (Brasil) | (Brazil) |
Base de Busca | Formatação de Busca | |
SciELO | (Planos e Programas de Pesquisa em Saúde) OR (Pesquisa) AND (Estudantes de Medicina) OR (Educação de Graduação em Medicina) AND (Brasil) | |
PubMed | ((Research) OR (Health Research Plans and Programs)) AND ((Students, Medical) OR (Education, Medical, Undergraduate)) AND (Brazil) | |
BVS | (Planos e Programas de Pesquisa em Saúde) OR (Pesquisa) AND (Estudantes de Medicina) OR (Educação de Graduação em Medicina) AND (Brasil) | |
Google acadêmico | (Planos e Programas de Pesquisa em Saúde) OU (Pesquisa) E (Estudantes de Medicina) OU (Educação de Graduação em Medicina) E (Brasil) | |
(Iniciação científica) E (Medicina) | ||
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Processo de inclusão e exclusão
O processo foi realizado por dois pesquisadores independentes que reuniram os resultados de maneira não excludente, ou seja, bastava a inclusão de um estudo por um dos componentes para que ele fosse analisado na etapa seguinte. Adotaram-se os seguintes critérios básicos de inclusão: 1. possuir dados sobre cursos ou estudantes de Medicina, 2. ter sido desenvolvido em relação a instituições brasileiras e 3. estar disponível na íntegra. Não houve restrições de ano de publicação nem de idioma.
As etapas de eliminação dos estudos foram as seguintes: 1. títulos não condizentes com a questão proposta e duplicações, 2. resumos que não tratavam do escopo da revisão, 3. textos completos que não tratavam da temática em estudo, não possuíam dados referentes a estudantes/cursos de Medicina (inclusive estudos agregados que representavam estudantes de Medicina e de outros cursos sem distinção entre eles), foram conduzidos em outros países sem dados referentes ao Brasil e/ou que possuíam formato de relato, resumo, editorial ou ponto de vista.
Análise qualitativa
Após seleção dos estudos incluídos na íntegra, realizaram-se fichamentos de leitura crítica de forma independente por cada pesquisador para organizar os objetivos, os desenhos de estudo e os principais resultados, e avaliar os possíveis vieses de seleção (amostra do estudo não é representativa da população), de aferição (baixa validade do instrumento de coleta ou imprecisão na definição da atividade avaliada) e de confundimento (diferença não aleatória da exposição em relação aos grupos comparados). E, então, em conjunto foi realizada a organização da síntese dos resultados em categorias temáticas para análise de dados de natureza semelhante, a saber: 1. políticas institucionais, 2. engajamento e interesse de discente, 3. desafios à prática de pesquisa, 4. orientadores, 5. efeitos e produtos da IC, e 6. formação científica.
RESULTADOS
Os resultados das buscas forneceram um total de 1.500 estudos conforme a seguinte distribuição: SciELO (n = 71); PubMed (n = 847); BVS (n = 537); Google Acadêmico, BDTD e referências dos estudos (n = 45).
Panorama dos estudos incluídos
Após as etapas de seleção, incluíram-se 12 estudos na análise final - em ordem cronológica de publicação: Fagundes-Pereyra et al. (2000)12, Cardoso et al. (2004)13, Cardoso et al. (2007)14, Crasto et al. (2007)15, Oliveira et al. (2008)16, Reis Filho et al. (2010)17, Oliveira et al. (2011)18, Oliveira et al. (2014)19, Moraes et al. (2016)20, Soares et al. (2017)21, Calasans (2018)22 e Figueiredo et al. (2018)23.
Desses estudos, 11 são artigos publicados em periódicos e um é uma dissertação de mestrado. Os desenhos de estudo foram observacionais analíticos transversais (50%) ou descritivos (50%), e, em sua maioria, a coleta de dados ocorreu a partir de questionários autoaplicáveis. Além disso, o primeiro autor, o ano, o título, o(s) objetivo(s) do estudo, o desenho do estudo e o local de publicação estão identificados no Quadro 2, enquanto a descrição dos principais resultados está no Quadro 3.
Estudos selecionados | Título | Objetivo(s) | Desenho do estudo | Local de publicação |
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"Fagundes-Pereyra et al. (2000)" | Interesse de Estudantes de Medicina por Pesquisa Científica | Avaliar o interesse dos estudantes por pesquisa científica e a compreensão de sua relevância para a formação médica, além de entender os problemas para a sua realização. | Estudo observacional analítico transversal com questionário autoaplicável e amostra de 60 participantes, sendo 10 de cada ano do curso de medicina. Realizado na Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais de setembro a novembro de 1997. | Revista Brasileira de Educação Médica |
"Cardoso et al. (2004)" | Visão geral de um Programa de Iniciação Científica em medicina: experiência do Curso de Medicina da Universidade Federal Fluminense | Avaliar o Programa de IC do Curso de Medicina. | Estudo observacional descritivo com questionário autoaplicável e amostra de 809 alunos e 138 professores. Realizado na Universidade Federal Fluminense de 1996 a 2002. | Pulmão RJ |
"Cardoso et al. (2007)" | Influência de uma disciplina de Iniciação Científica na graduação sobre o perfil profissional de médicos | Avaliar o impacto da implantação da IC como disciplina da graduação sobre a situação profissional dos médicos formados. | Estudo observacional analítico transversal com questionário autoaplicável e amostra de 52 participantes, sendo 26 alunos que participaram da disciplina e 26 que não participaram. Realizado na Universidade Federal Fluminense de 1995 a 2003. | Pulmão RJ |
"Crasto et al. (2007)" | O ensino de iniciação científica no curso de graduação em medicina | Avaliar os benefícios da disciplina de IC para o aluno de medicina. | Estudo observacional analítico transversal com questionário autoaplicável e amostra de 131 participantes, sendo 53 (40%) do 2° semestre, 43 (33%) do 7° semestre e 35 (27%) dos 11° e 12° semestres. Realizado na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro em junho de 2004. | Pulmão RJ |
"Oliveira et al. (2008)" | Iniciação científica na graduação: o que diz o estudante de medicina? | Verificar a existência de IC nesses cursos, a participação ou não nessas atividades e os possíveis motivos para a não participação ou sua inexistência. | Estudo observacional descritivo com questionário autoaplicável, entrevista semiestruturada e amostra de 413 participantes, sendo todos alunos do 6° ano do curso de medicina. Realizado pela Fundação Oswaldo Cruz em seis escolas médicas de quatro estados do Brasil (uma no AL, GO e RS; três no RJ) de 2005 a 2007. | Revista Brasileira de Educação Médica |
"Filho et al. (2010)" | Conhecimento científico na graduação do Brasil: comparação entre estudantes de Medicina e Direito | Avaliar o impacto da experiência na pesquisa obtida durante a graduação comparando medicina e direito. | Estudo observacional analítico transversal com questionário autoaplicável e amostra de 110 participantes, sendo 58 do primeiro (M1) e 52 do quarto (M4) ano do curso de medicina. Realizado na Universidade Federal da Bahia não sendo especificado o período do estudo. | Einstein |
"Oliveira et al. (2011)" | Student views of research training programmes in medical schools | Avaliar se há programas de IC para alunos de graduação de medicina no Brasil; verificar a participação dos alunos e os obstáculos a essa participação, além das possíveis causas da falta de IC nessas faculdades. | Estudo observacional descritivo com entrevista e amostra de 1004 estudantes. Realizado pela Fundação Oswaldo Cruz em treze escolas médicas de seis estados do Brasil (sete do RJ, três do PR/RS, uma do AL, GO e TO) de 2006 a 2007. Para avaliar as barreiras, os participantes classificaram cinco opções de 1 a 5, em ordem crescente de importância, com posterior cálculo da média ponderada (MP). | Medical education |
"Oliveira et al. (2014)" | Undergraduate research in medical education: a descriptive study of students’ views | Entender o ponto de vista de estudantes de medicina sobre a realização de pesquisas científicas durante a graduação. | Estudo observacional descritivo com questionário com amostra de 415 alunos. Realizado na Universidade Estadual Paulista de janeiro a dezembro de 2009. | BMC Medical Education |
"Moraes et al. (2016)" | Interest in research among medical students: Challenges for the undergraduate education | Avaliar o interesse em pesquisa dos acadêmicos de medicina. | Estudo observacional descritivo com questionário autoaplicável com amostra de 278 participantes. Realizado na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre de maio a setembro de 2011. | Revista da Associação Médica Brasileira |
"Soares et al. (2017)" | Perfil científico de estudantes de Medicina em uma universidade pública | Descrever as características das atividades científicas entre os estudantes de medicina . | Estudo observacional analítico transversal realizado com questionário semiestruturado com amostra de 180 participantes, sendo 30 de cada ano (1° ao 6° ano). Realizado na Universidade Estadual do Pará de março a junho de 2015. | Scientia Medica |
"Calasans (2018)" | "Associação do programa de iniciação científica com escolha do campo de atuação médica" | Analisar a influência da IC nas escolhas do estudante ao final da graduação; descrever a percepção do estudante sobre tal influência. | Estudo observacional descritivo com questionário semiestruturado com amostra de 283 participantes. Realizado na Universidade Federal da Bahia e na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública de junho de 2016 a fevereiro de 2017. | Repositório Institucional da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública |
"Figueiredo et al. (2018)" | Pesquisa científica: conhecimento, atitudes e barreiras entre estudantes de medicina brasileiros | Identificar níveis de conhecimento e atitudes científicas de estudantes de medicina, e as principais barreiras para a prática científica. | Estudo observacional analítico transversal com questionário com amostra de 90 participantes. Realizado na Universidade Federal de Sergipe não sendo especificado o período do estudo. | Arquivos de Ciências da Saúde |
Legenda | IC: Iniciação Científica | UR: pesquisa na graduação |
Estudos selecionados | Resultados |
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"Fagundes-Pereyra et al. (2000)" | 54 (90%) têm interesse por pesquisa científica, consideram-na importante para a formação e gostariam de realizar trabalhos científicos; 19 (32%) participaram de algum tipo de trabalho; 4 (7%) possuíam alguma publicação. Em relação ao conjunto de respostas sobre os principais problemas para realizar pesquisa foram salientados (os participantes puderam selecionar mais de uma opção): falta de orientação 30 (24,4%); falta de estímulo institucional 28 (22,8%); falta de financiamento 12 (10,6%), falta de tempo 15 (12,2%) e a falta de estrutura física adequada 18 (14,6%). As áreas de preferência para realização foram: 26 (43,3%) em Clínica Médica, 9 (15%) em Cirurgia, 7 (11,6%) em Fisiologia, 5 (8,3%) em Medicina Social e 13 (21,6%) não tinham preferência por uma área específica. |
"Cardoso et al. (2007)" | Os departamentos da faculdade com maior participação docente foram os de ciência básica e medicina clínica, enquanto os de menor foram os epidemiológicos, cirúrgicos e complementares. Dos docentes, 68 (50%) eram doutores e 44 (32%) eram mestres, sendo que a titulação dos docentes não parece ser um impeditivo para a pesquisa. |
"Crasto et al. (2007)" | O grupo que não cursou a disciplina de IC apresentava uma renda familiar mensal superior à dos que cursaram IC (p=0,02) e apresentava maior aprovação em concursos públicos (p=0,0098). Os grupos foram semelhantes em apresentação ou publicação de trabalhos científicos, provavelmente por haver um trabalho de conclusão de curso (TCC) obrigatório na UFF. |
"Crasto et al. (2007)" | Os estudantes do 2° semestre tiveram um número de acertos significativamente maior que os do internato nas duas questões referentes à busca de artigos na Internet: conhecimento sobre uso de operadores booleanos (p=0,0006) e sites confiáveis (p=0,00112). E, também, nas duas questões sobre ética na pesquisa: termo de consentimento livre e esclarecido (p=0,0087) e sobre os órgãos controladores das pesquisas (p=0,0196). Os estudantes do 7° semestre tiveram um número de acertos significativamente menor que os do internato quanto à quatro questões: duas sobre itens da elaboração do protocolo de pesquisa (p=0,0346; p=0,0011) e duas sobre ética (p=0,0253 e p=0,001). Os estudantes do 2° semestre diferem significativamente daqueles do 7° semestre por apresentarem maior número de acertos quanto a três questões: as duas de busca de artigos na internet (p=0,0006, p=0,0026) e uma sobre teste diagnóstico (p=0,0087). |
"Oliveira et al. (2008)" | Das 6 faculdades, 2 tinham programas de IC estruturados, com as faculdades públicas tendo maior participação dos alunos. 93% têm interesse em pesquisa, 84% defendem a obrigatoriedade da IC na graduação, 37% participaram de forma optativa e 19% de forma obrigatória, 12% participaram em atividades fora da instituição e 28% não participaram. A falta de estímulo institucional foi a principal causa para não fazer IC (38,4%). |
"Filho et al. (2010)" | A participação nos programas de IC aumentou ao longo da graduação (30,8% de M4 e 6,9% de M1; p < 0,005). Houve melhora sobre o conhecimento da estrutura básica de um trabalho científico ao longo da graduação (46,2% de M4 e 22,4% de M1; p = 0,01). A confiança para interpretar artigos científicos aumentou ao longo da graduação (78,8% de M4 e 17,2% de M1 responderam "sim"; p < 0,0001). A confiança para escrever um artigo científico aumentou ao longo da graduação (84,6% de M4 e 46,6% de M1 responderam “sim, com ajuda”; p < 0,0001). |
"Oliveira et al. (2011)" | 5 das 13 escolas investigadas apresentavam programas estruturados de formação científica. 7% não expressaram interesse em pesquisa, 60% estavam envolvidos em treinamento para pesquisa, 326 (33,3%) consideraram a falta de incentivo institucional como a barreira mais significativa (MP = 3,51). Outras barreiras significativas incluíram infraestrutura deficiente (MP = 3,25), tempo insuficiente para os professores orientarem os alunos de graduação (MP = 3,12), disponibilidade de pessoal com habilidades apropriadas (MP = 2,64) e interesse dos alunos (MP = 2,51). 47% dos alunos participaram de programas de treinamento científico em seus campi e 13% dos alunos foram obrigados a realizar tais atividades fora do campus. Nas escolas privadas de medicina, 40% dos alunos de graduação participavam de programas de treinamento em pesquisa (18% como disciplina opcional e 22% como obrigatória) e 45% não participavam de nenhuma atividade científica. Nas escolas públicas de medicina, 49% dos alunos eram envolvidos com pesquisa (35% como disciplina optativa e 14% como obrigatória) e 34% não participavam de nenhuma atividade científica. |
"Oliveira et al. (2014)" | 196 (47,2 %) estavam envolvidos em atividades de pesquisa e 219 (52,8 %) não realizavam pesquisa. Dentre os estudantes que realizaram UR, o primeiro projeto foi durante o segundo ano do curso para 79 (40,3 %), seguido pelo terceiro ano 71 (36,2%), quarto ano 26 (13,3 %), primeiro ano 14 (7,1%), 4 (2,0 %) no quinto ano e 2 (0,6 %) no sexto ano. 88,7% recomendariam tais atividades, considerando que a UR produz efeitos mais positivos a partir do segundo ou terceiro ano. As motivações para participar da UR foram: enriquecimento curricular (32,1%), necessidade de bolsa (19,9%) ou aumentar conhecimento em determinada área (17,3%). Os obstáculos para realizar pesquisa foram: disponibilidade de tempo (50,2%), problemas de colaboração do supervisor (14,2%) e falta de financiamento para pesquisa (0,9%). As motivações para escolha do orientador foram: disponibilidade para desenvolver o projeto (32,1%), motivação do professor (16,8%), didática nas aulas (11,7%) e combinação desses fatores (5,1%). Sobre o envolvimento do supervisor na organização de reuniões do grupo para discutir projetos e metodologias de pesquisa e promover a integração da equipe de pesquisa, 49,0% relataram que os encontros foram organizados (41,9% consideraram úteis e necessários para o início das atividades e 7,1% afirmaram que não eram muito objetivos) e, dos que não participaram, 84,3% considerou a proposta interessante. 63,8% perceberam contribuições positivas e 33,2% não consideram haver alguma contribuição específica. 91,8% tiveram aumento do interesse pelo assunto investigado, 33,2% reconhecendo sua importância e 59,2% relatando uma melhor compreensão do assunto. 65,3% tinham como expectativa a publicação / apresentação em congressos, 10,2% almejavam aprendizado da metodologia científica e 10,2% compreensão do assunto. 28,0% afirmaram ter interesse na carreira universitária. Dos projetos concluídos, 67,9% foram apresentados eventos científicos, 42,3% tinham boa chance de publicação em periódico indexado, 25,6% tinham probabilidade de publicação improvável e 16,7% alcançaram a apresentação em congresso mais publicação. Dentre os estudantes não envolvidos na UR, 199 (91,1%) afirmaram ser favoráveis à sua inclusão no currículo para facilitar o desenvolvimento dessa atividade, 164 (74,9%) indicaram que deveria ser eletiva e 7,2% alegaram que uma disciplina específica não facilitaria a UR, mas sim que a pesquisa deveria ser espontânea e não obrigatória. As dificuldades na implementação de um projeto de UR foram a disponibilidade de tempo (67,7%), encontrar um professor disposto a orientar e desenvolver a pesquisa (21,2%) e, também, a falta de informação e divulgação para 180 (82,2%) da UR dentro da instituição, principalmente nos dois primeiros anos. |
"Moraes et al. (2016)" | 227 (81,7%) fizeram ou planejam fazer pesquisa durante a graduação, sendo que o interesse em pesquisa foi homogêneo entre os anos do curso. 169 (60,8%) planejam continuar trabalhando com pesquisa após a graduação. 163 (58,6%) pretende ter uma carreira acadêmica. 13 (4,7%) acreditam que pesquisa é o fator mais importante da formação médica. 29 (10,4%) relataram ter pesquisas publicadas em periódicos. |
"Soares et al. (2017)" | 96 (53,3%) participaram de atividades científicas, sendo 23 (12,7%) do ciclo básico, 33 (18,3%) do clínico e 40 (22,2%) do internato. 48 (26,7%) realizaram pesquisas em bases de dados, 48 (26,7%) pesquisas clínicas com pacientes, 24 (13,3%) pesquisa experimental e 15 (8,3%) pesquisas com amostras biológicas, sendo que as pesquisas em bases de dados e clínicas foram mais frequentes no internato e as com amostras biológicas no ciclo clínico. Cerca de 40% dos estudantes apresentaram pôsteres em eventos científicos, enquanto por volta de 15% deles apresentaram de forma oral e 15% publicaram seus resultados em periódicos científicos. |
"Calasans (2018)" | Os estudantes que realizaram IC durante o curso têm uma frequência 7,5 vezes maior de interesse em inserção nas atividades de Mestrado e Doutorado em relação aos que não fizeram IC (p=0,039). |
"Figueiredo et al. (2018)" | As barreiras consideradas mais importantes foram: falta de estrutura (73,33%), de tempo (70%), de orientação (67,78%), o foco nas atividades curriculares (54,44%) e a falta de familiaridade com estatística (50%). |
Legenda | IC: Iniciação Científica | UR: pesquisa na graduação |
Em termos de localização regional no país, sete estudos (58,3%) foram desenvolvidos em instituições de ensino superior (IES) da Região Sudeste. Desses trabalhos, dois referem-se a estudos multicêntricos realizados em mais de uma região e organizados por instituições da Região Sudeste. Dentre os demais cinco estudos, um foi estruturado na Região Norte, um na Região Sul e três na Região Nordeste. Percebe-se, portanto, que a publicação sobre o envolvimento de estudantes de Medicina em atividades de pesquisa é mais comum nos centros de ensino da Região Sudeste. Quanto à natureza jurídica de todas as 30 IES participantes dos estudos, 22 eram públicas e oito privadas.
DISCUSSÃO
Políticas institucionais
As escolas investigadas, em sua maioria, não tinham programas de IC estruturados, e, quando comparadas às escolas privadas, as públicas tinham maior participação, e cerca de 12% dos estudantes entrevistados participavam de atividades de pesquisa conduzidas fora do campus, enquanto 47% participavam de programas de treinamento científico em seu campus16),(18.
Quanto à modalidade de participação, nas escolas privadas de medicina, 55% dos discentes de graduação participavam de programas de treinamento em pesquisa (18% como disciplina optativa, 22% como obrigatória e 15% como atividade extracurricular). Nas escolas públicas de Medicina, 66% dos estudantes eram envolvidos com pesquisa (35% como disciplina optativa, 14% como obrigatória e 17% como atividade extracurricular)18. Para a maioria dos discentes, a pesquisa se dava por iniciativa própria dos acadêmicos e havia poucas oportunidades18. Em outro estudo, 37% participaram de forma optativa e 19% de forma obrigatória16.
Os dois principais modelos pedagógicos estudados, numa revisão internacional25, abrangiam currículos voltados ao ensino de habilidades básicas de pesquisa, como formulação de questões e desenvolvimento do desenho de estudos, e aqueles que visavam prover oportunidades de executar um projeto de pesquisa sob supervisão de um orientador, e a maioria (51,4%) dos currículos realizava ambas.
Na maioria das instituições estudadas por uma revisão de Stone et al.26, a IC foi uma atividade extracurricular, havendo pouco ensino voltado para a investigação científica, de forma que foi comum o relato de estudantes com baixa confiança para compreender a literatura médica e análises estatísticas. E, numa revisão de Lee et al.25, a maioria das instituições também trazia a pesquisa na graduação de forma optativa e voluntária.
Os participantes também indicaram sua preferência com relação à obrigatoriedade da IC na formação médica, contudo, houve contraditoriedade entre os estudos, já que, em um estudo, a maioria (84%) dos entrevistados apontou ser favorável à obrigatoriedade da IC, enquanto 74,9% em outro estudo indicaram que a inclusão deveria ser eletiva16),(18. Conforme Stone et al.26, não houve uma opinião consensual ampla por parte dos estudantes para sustentar o treinamento em pesquisa como parte obrigatória do currículo.
Dentre aqueles não envolvidos em programas de pesquisa, 199 (91,1%) afirmaram ser favoráveis à sua inclusão no currículo para facilitar o desenvolvimento dessa atividade, e 7,2% alegaram que uma disciplina específica não facilitaria a IC, mas sim que a pesquisa deveria ser espontânea19.
Num estudo internacional, em 19 currículos o caráter da pesquisa era eletivo e voluntário; em 16, era obrigatório, e 34% deles ocorriam ao longo de um ano acadêmico, 34% durante o período de férias, 17% durante mais de um ano e 14% em oficinas com duração menor do que uma semana. A maioria dos currículos (80%) possuía um programa de orientação incorporado ao currículo para integrar os estudantes a atividades de pesquisa25.
Nos estudos analisados, não há evidências de maior benefício com relação ao fato de as atividades de IC serem curricularizadas ou não, obrigatórias ou eletivas, entretanto é possível apontar que os critérios - tanto mínimos quanto de excelência - para a formação médica incluem o domínio de fazer pesquisa e, sobretudo, compreendê-la criticamente.
No entanto, diferentemente do que encontramos, Lee et al.25 apontam que, dos estudos com obrigatoriedade, os discentes se distinguiram ao apresentarem maior conhecimento sobre pesquisa e envolverem-se com publicações internacionais; no caso de oferecimento de tópicos de interesse dos alunos de forma eletiva, estes apresentaram maior probabilidade de publicação em meios com revisão por pares25.
Essa diferença pode indicar que não há uma associação direta entre a obrigatoriedade e os benefícios, sendo possivelmente uma relação dependente da forma como cada instituição aborda o tema. Contudo, sabe-se que, enquanto o estudante é envolvido em pesquisa científica - desde o planejamento metodológico e a revisão bibliográfica até a publicação e divulgação dos resultados -, estimulam-se o anseio por conhecimento e o aperfeiçoamento de capacidades após a graduação22.
Engajamento e interesse de discente
Na maioria dos estudos, cerca de 90% apontaram interesse por pesquisa científica ou em realizar trabalhos científicos12),(16),(18, e, em um estudo, 13 (4,7%) acreditam que a pesquisa é o fator mais importante da formação médica20. A participação dos discentes atingiu cerca de 50% em grande parte dos estudos18),(19),(21. Numa revisão internacional, os estudantes de Medicina expressaram elevado interesse em pesquisa científica particularmente quando inseridos em uma atividade de pesquisa26.
Embora o interesse em pesquisa científica tenha sido homogêneo entre os anos do curso para Moraes et al.20, isso não se aplicou à participação real na maioria dos estudos, já que a participação nos programas de IC aumentou ao longo da graduação17),(21, sendo 23 (12,7%) do ciclo básico, 33 (18,3%) no clínico e 40 (22,2%) no internato21.
Ao fim da graduação, analisando acadêmicos do sexto ano de seis escolas médicas, 72% participaram pelo menos uma vez durante a graduação16. O primeiro projeto para os estudantes, em outro estudo, ocorreu durante o ciclo clínico do curso para 97 (49,5%), seguido pelo ciclo básico para 93 (47,4 %) e pelo internato para seis (3,1 %), e 88,7% recomendariam tais atividades principalmente a partir do segundo ou terceiro ano19.
As áreas de preferência para realização ou com maior participação discente ou do orientador variaram de acordo com os estudos. Os departamentos da faculdade com maior participação do orientador foram os de ciência básica e o de medicina clínica, enquanto os de menor foram os epidemiológicos, cirúrgicos e complementares13. Para os discentes, as áreas de preferência para realização foram: 26 (43,3%) por clínica médica, nove (15%) por cirurgia, sete (11,6%) por fisiologia, cinco (8,3%) por medicina social e 13 (21,6%) não tinham preferência por uma área específica12. Contudo, não fica explícito se a área de preferência para realização é tão somente pelo interesse na área ou também pela disponibilidade ou proximidade do orientador.
Quanto à coleta de dados, 48 (26,7%) realizaram pesquisas em bases de dados; 48 (26,7%), pesquisas clínicas com pacientes; 24 (13,3%), pesquisa experimental; e 15 (8,3%), pesquisas com amostras biológicas; as pesquisas em bases de dados e clínicas foram mais frequentes no internato; e as com amostras biológicas, no ciclo clínico21.
O interesse dos estudantes em participar de um projeto de pesquisa durante a graduação foi estimulado por: enriquecimento curricular (32,1%), necessidade de bolsa (19,9%) e aumento do conhecimento em determinada área (17,3%)19.
Em uma análise internacional, a motivação dos estudantes de Medicina para realizar pesquisa foi associada à utilidade e à importância atribuídas, por exemplo, à competitividade pela residência médica, ao aprimoramento do currículo e à possibilidade de ingresso em programas de residência estrangeiros26. Já para Naing et al.27, a motivação estava relacionada com o ganho de habilidades de pesquisa e de conhecimentos em áreas específicas. Tais achados se assemelham em parte com os obtidos nesta revisão pelo enriquecimento curricular, também alcançado pela publicação de trabalhos de pesquisa, e aumento de conhecimento em uma área.
Desafios à prática de pesquisa
Os discentes relataram os principais problemas ou impeditivos para realizar atividades de pesquisa durante a graduação: falta de estímulo institucional - para alguns estudos, foi a principal dificuldade apontada, com variação de 22,8%12 a 38,4%16) e média ponderada (MP) de 3,51 em uma escala crescente de importância de 1 a 518 de acordo com o estudo selecionado; falta de financiamento (10,6%)12; deficiência de infraestrutura adequada - variação de 14,6%12 a 73,33%23 e MP de 3,2518; falta de tempo dos discentes - variando de 12,2%12 a 70%23 - e dos orientadores, com MP de 3,1218.
Para Figueiredo et al.23, outros pontos citados foram a falta de orientação (67,78%), o foco nas atividades curriculares (54,44%) e a falta de familiaridade com estatística (50%); já para Oliveira et al.18, os estudantes também relataram a indisponibilidade de pessoal com habilidades apropriadas (MP = 2,64) e falta de interesse dos acadêmicos (MP = 2,51).
Uma análise interessante realizada por Oliveira et al.19 comparou os impeditivos relatados pelos alunos envolvidos em atividades de IC e por aqueles que não participaram. Entre os primeiros, os obstáculos para realizar pesquisa foram: disponibilidade de tempo (50,2%), problemas de colaboração do supervisor (14,2%) e falta de financiamento para pesquisa (0,9%). Quanto aos segundos, as dificuldades na implementação de um projeto de IC foram: disponibilidade de tempo (67,7%), docente disposto a orientar e desenvolver a pesquisa (21,2%), e a falta de informação e divulgação (82,2%) da IC dentro da instituição, principalmente nos dois primeiros anos19.
Os desafios encontrados nacionalmente, como falta de infraestrutura adequada, de tempo dos discentes e orientadores18, e de orientação adequada, também são muito citados em estudos internacionais25)-(27; contudo, fatores como falta de financiamento e de divulgação e estímulo pela instituição não foram mencionados.
Mais especificamente, o principal desafio indicado pelos estudos que identificaram as problemáticas de programas baseados em atividades exclusivamente didáticas (como seminários, oficinas, cursos, discussões em pequenos grupos) foi o pouco intervalo de tempo dedicado a prover conteúdos teóricos sobre pesquisa. Para os programas com realização de pesquisa, a principal dificuldade foi a falta de tempo para completar os projetos de pesquisa, e também houve contratempos para manter o compromisso dos orientadores e conciliar as atividades de pesquisa com o restante da graduação25.
Orientadores
Com relação à titulação docente, para Cardoso et al.13, 68 (50%) eram doutores e 44 (32%) eram mestres, e essa diferença não parece ser um fator impeditivo para a pesquisa. Segundo Oliveira et al.19, para determinada escolha de um orientador, as motivações relatadas foram: disponibilidade para desenvolver o projeto (32,1%), motivação do orientador (16,8%), didática nas aulas (11,7%) e uma combinação desses fatores (5,1%). Um papel importante do orientador, como apontado por Lee et al.25, além de supervisionar o projeto, é aconselhar e motivar os discentes ao mostrar o valor de pesquisar.
Os estudos internacionais mostraram a coexistência de orientadores das áreas básicas e clínicas, bem como orientadores não pertencentes aos cursos, e um estudo recrutou estudantes com experiência em pesquisa para participar como orientador25. Nesse sentido, promover a prática de orientação por pares entre estudantes com experiência prévia maior em pesquisa científica pode ser interessante para a continuidade do aprendizado e o aumento do número de orientadores disponíveis25.
Sobre o envolvimento do supervisor na organização de reuniões do grupo para discutir projetos e metodologias de pesquisa e promover a integração da equipe de pesquisa, 49,0% relataram que os encontros foram organizados (41,9% consideraram úteis e necessários para o início das atividades e 7,1% afirmaram que não eram muito objetivos)19. Quanto aos que não participaram, 84,3% consideraram a proposta interessante. Vale ainda apontar que 63,8% perceberam contribuições positivas, mas 33,2% não consideraram haver alguma contribuição específica19.
Efeitos e produtos da IC
Inicialmente, os estudantes destacaram suas expectativas: Oliveira et al.19 constataram que 65,3% esperavam, com a IC, obter uma publicação ou apresentação em congressos; 10,2%, aprender metodologia científica; e 10,2%, compreender um assunto em questão. A seguir podemos avaliar se tais expectativas se concretizaram.
A publicação dos resultados foi variável entre os estudos, mas frequentemente baixa. Dentre aqueles que participaram, apenas quatro (7%) possuíam alguma publicação segundo Fagundes-Pereyra et al.12; para Moraes et al.20, no entanto, 29 (10,4%) relataram ter pesquisas publicadas em periódicos, enquanto tal valor foi próximo de 15% no estudo de Soares et al.21. Dentre aqueles em processo de publicação, 42,3% tinham boa chance de publicação em periódico indexado e 25,6% tinham probabilidade de publicação improvável19.
Quanto aos projetos concluídos, 67,9% foram expostos em eventos científicos, e 16,7%, além de apresentados em congressos, foram publicados19. Sobre a forma de exposição, cerca de 40% dos estudantes apresentaram os projetos, no formato de pôster, em eventos científicos, enquanto quase 15% o fizeram de forma oral21.
Ao compararem os discentes de acordo com a participação em IC, Cardoso et al.14 constataram que os grupos (um formado pelos que cursaram a disciplina de IC e outro pelos que não cursaram) foram semelhantes em apresentação ou publicação de trabalhos científicos, provavelmente por haver, na Universidade Federal Fluminense (UFF), um TCC obrigatório e eventos com exposição de projetos de pesquisa em grupo, o que pode indicar que os resultados são semelhantes em diferentes modalidades de pesquisa na graduação.
Outros produtos da participação na IC foram indicados pelos estudantes: 91,8% tiveram aumento do interesse pelo assunto investigado, 33,2% reconheceram a importância do tema, e, como esperado anteriormente por alguns alunos19, houve melhor compreensão da área estudada para 59,2%19.
Uma metanálise, apesar da grande heterogeneidade entre os estudos, concluiu que - dos estudantes envolvidos com pesquisa - cerca de 70,25% obtiveram uma experiência positiva, 64% obtiveram aprendizados sobre pesquisa na medicina, 52,5% relataram perceber mudanças em seu comportamento na prática e 67,6% chegaram à publicação do estudo27.
Com relação a condições socioeconômicas e profissionais após a formação, o grupo que não cursou a disciplina de IC apresentava uma renda familiar mensal superior à dos que cursaram IC (p = 0,02) e maior aprovação em concursos públicos (p = 0,0098)14.
Formação científica
Os estudos selecionados indicaram questões relacionadas ao aprendizado dos estudantes sobre pesquisa científica. Para Crasto et al.15, os estudantes do segundo semestre tiveram a maior quantidade de acertos quando comparados com os do sétimo semestre e do internato com relação ao conhecimento sobre busca de artigos na internet (para ambos, p < 0,01); somente em comparação com o sétimo semestre, houve maior acerto sobre o domínio de teste diagnóstico (p < 0,01); e somente em comparação com os internos, maior acerto sobre ética na pesquisa (p < 0,05). Por sua vez, os estudantes do internato acertaram mais que os do sétimo semestre quanto a questões sobre elaboração do protocolo de pesquisa e sobre ética (p < 0,05)15.
Em uma abordagem somente com alunos do primeiro (M1) e do quarto (M4) ano, Reis Filho et al.17 indicaram que houve melhora sobre o conhecimento da estrutura básica de um trabalho científico ao longo da graduação. A melhora é apresentada com 46,2% de acerto em M4 contra 22,4% em M1 (p = 0,01). A confiança para interpretar artigos científicos aumentou ao longo da graduação e foi de 78,8% para M4 e 17,2% para M1, que responderam “sim” em relação ao quesito (p < 0,0001). Já a confiança para escrever um artigo científico aumentou ao longo da graduação, sendo 84,6% para M4 e 46,6% para M1, que responderam “sim, com ajuda” (p < 0,0001)17.
No estudo de Lee et al.25, em termos de nível 1 de Kirkpatrick28 (reação), tanto no currículo voltado para o ensino de habilidades em pesquisa por meio de atividades didáticas quanto no de aplicação prática da pesquisa, os estudantes demonstraram que foram capazes de melhorar suas habilidades e seus conhecimentos em pesquisa. O mesmo ocorreu no nível 2 (aprendizado) a partir da avaliação por pré e pós-testes, visto que os estudantes demonstraram ganho em habilidades de pesquisa e em conhecimento médico25.
Enquanto o currículo apenas de atividades didáticas não atingiu os níveis 3 (comportamento) e 4 (resultado) em sua maioria, os currículos de aplicação indicaram que haveria resultados no nível 3 desde que os estudantes fossem solicitados a desenvolver um projeto de pesquisa com orientação - tanto por pares quanto por pesquisadores mais experientes. Os programas que duraram ao menos um ano acadêmico atingiram melhores resultados em desenvolvimento de habilidades de pesquisa, motivação para realizar pesquisa no futuro e, também, para publicar o estudo ou apresentar o resumo em eventos científicos25.
Entretanto, mesmo reconhecendo a importância da pesquisa, houve baixa manifestação de interesse pela carreira de médico-pesquisador, bem como pouca indicação de interesse pela pesquisa como forma de propiciar uma prática médica baseada em evidências26, o que pode ser explicado pela preferência dos estudantes pela atuação assistencial da profissão e pelo estilo de vida que essa modalidade proporciona em comparação à atuação em pesquisa. Também se relataram a necessidade de pagar o financiamento estudantil, o não interesse em realizar treinamentos extensos e a falta de boa orientação26.
Em termos de atuação profissional futura, Stone et al. (26 identificaram que as instituições que promovem a realização de um projeto de pesquisa com orientação de qualidade e maior duração de tempo geram estudantes mais engajados para continuar fazendo pesquisa futuramente; outras sugestões foram citadas, como: desenvolvimento de um programa nacional, promoção à imersão em pesquisa, oferecimento de cursos de pesquisa e eventos com apresentação de palestrantes. Já para Naing et al. (27, o envolvimento com pesquisa refletiu em metade (49,5%) dos estudantes de Medicina que tinham opiniões mais favoráveis em relação à carreira de pesquisa.
Em âmbito nacional, Moraes et al.20 verificaram que 169 (60,8%) planejam continuar trabalhando com pesquisa após a graduação. O interesse por carreira acadêmica foi presente em 28,0%19 a 58,6%20 dos discentes; ainda, Calasans22 indicou que os estudantes que fizeram IC tiveram maior interesse em inserção nas atividades de mestrado e doutorado, e a pós-graduação voltada à docência, segundo a demografia médica brasileira de 201824, é de interesse de apenas 0,9% dos egressos em geral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As principais limitações desta revisão foram: a restrição à realidade brasileira, a exploração de apenas cinco bases de busca, a análise dos estudos diante de uma grande diversidade de métodos e instrumentos de coleta de dados que dificultam a comparação de informações, e a participação de exclusivamente dois pesquisadores de uma mesma instituição.
Em síntese, pode-se definir a IC como um programa com atividades que envolvem a aplicação do método científico com o intuito de introduzir um estudante à prática do pesquisador tanto por meio de um trabalho conjunto entre orientador(es) e discente(s) orientando(s), numa área temática específica com grau adequado de complexidade, quanto por um desenvolvimento de competências para uso de determinados métodos de pesquisa.
Dessa forma, não necessariamente a IC deve produzir conhecimentos científicos per si, sendo mais significativa a adequada condução do processo ético, técnico e científico de um projeto de pesquisa. É válido ressaltar a importância da experiência de comunicação e divulgação do trabalho por meio de eventos, revistas, jornais ou outros meios para promover a cultura da colaboração científica.
As principais potencialidades da IC para os discentes são maior familiarização com determinado assunto, publicações e/ou apresentações dos trabalhos, desmistificação da pós-graduação e carreira em pesquisa e/ou acadêmica, desenvolvimento de competências para planejar, executar, analisar, criticar, divulgar e conduzir de forma ética projetos de pesquisa, e desenvolver networking.
Os desafios presentes na realidade brasileira são representados, principalmente, por falta de estímulo institucional (como informação e divulgação), infraestrutura, financiamento e tempo de orientadores e discentes, bem como dificuldades na relação entre orientador e orientando e capacitação técnica em pesquisa ou em bioestatística.
Apesar do grande número de escolas médicas e eventos com exposição de produção científica, os dados do estudo nos mostram um baixo interesse investigativo acerca dos processos e programas de formação em pesquisa durante a graduação.
Então, considerando a importância da competência para a pesquisa em diversos contextos, torna-se altamente pertinente que associações e escolas médicas invistam em estudos sobre dimensões do processo de formação em pesquisa para médicos generalistas e médicos-pesquisadores desde a graduação, como a descrição do perfil e desenvolvimento do orientador de IC, e a delimitação da estrutura de IC e das competências a serem desenvolvidas pelos programas para que possam atingir um padrão de excelência.