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Práxis Educativa

Print version ISSN 1809-4031On-line version ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.18  Ponta Grossa  2023  Epub Mar 15, 2024

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.18.21406.085 

Artigos

Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil e introdução à leitura de mapas na sala de aula comum

Educational Program for Introduction to Tactile Cartographic Language and introduction to map reading in the regular classroom

Programa Educativo de Introducción al Lenguaje Cartográfico Táctil e introducción a la lectura de mapas en el aula regular

Fabiana Cristina Giehl Birão* 
http://orcid.org/0000-0001-5915-3368

Fátima Elisabeth Denari** 
http://orcid.org/0000-0001-9248-6359

*Docente de Atendimento Educacional Especializado (AEE) na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Doutorado em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: <fabiana.birao@unioeste.br>.

**Docente sênior junto ao Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial (PPGEEs) da UFSCar. Mestrado em Educação Especial pelo PPGEEs da UFSCar. Doutorado em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar. Pós-doutorado em Sexualidade e Deficiência pela Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Araraquara. E-mail: <fadenari@terra.com.br>.


Resumo

Este artigo, baseado em tese de doutoramento, tem como objetivo geral analisar os efeitos do Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil1, quando aplicado no contexto da sala de aula comum, com alunos com cegueira. Para tanto, realizou-se uma pesquisa qualitativa, exploratória de natureza descritiva, caracterizada por uma intervenção. Foram utilizados os seguintes instrumentos de coleta de dados: questionário aberto, sondagem, entrevista, diário de campo e o programa de intervenção. Os dados foram submetidos à análise descritiva. O desenvolvimento deste estudo mostrou que o programa mencionado pode e deve ser desenvolvido pelos professores com todos os alunos na sala de aula comum.

Palavras-chave: Educação Especial; Cegueira; Cartografia Tátil

Abstract

This article, based on a doctoral dissertation, has as general objective to analyze the effects of the Educational Program for Introduction to Tactile Cartographic Language, when applied in the context of a regular classroom, with blind students. To this end, a qualitative, exploratory research of a descriptive nature was carried out, characterized by an intervention. The following data collection instruments were used: open questionnaire, survey, interview, field diary and the intervention program. The data were subjected to the descriptive analysis. The development of this study showed that the mentioned program can and should be developed by teachers with all students in the regular classroom.

Keywords: Special Education; Blindness; Tactile cartography

Resumen

Este artículo, basado en tesis de doctorado, tiene como objetivo general analizar los efectos del Programa Educativo de Introducción al Lenguaje Cartográfico Táctil, cuando se aplica en el contexto del aula común, con alumnos con discapacidad visual. Para ello, se realizó una investigación cualitativa, exploratoria de carácter descriptivo caracterizada por una intervención. Fueron utilizados los siguientes instrumentos de recolección de datos: cuestionario abierto, encuesta, entrevista, agenda de campo y programa de intervención. Los datos fueron sometidos a análisis descriptivo. El desarrollo de este estudio demostró que el programa mencionado puede y debe ser desarrollado por los profesores con todos los alumnos en el aula común.

Palabras clave: Educación Especial; Ceguera; Cartografía táctil

Introdução

O assunto inclusão escolar de alunos com deficiência causa ainda um sentimento de estranheza e confusão para professores, diretores e demais profissionais da escola. Esse sentimento pode ser resultado da maneira como a inclusão foi colocada para a escola, pois existe apenas um direcionamento para as atividades e as mudanças que a escola deve seguir. Não existe uma receita pronta de como agir diante de cada aluno, até mesmo porque cada um vem de um contexto diferenciado e com uma necessidade distinta.

Esse sentimento de estranheza, confusão e, algumas vezes, medo por parte de professores, diretores e demais profissionais da escola, pode também ser resultado de uma falha pela qual não necessariamente sejam responsáveis. Acredita-se que obstáculos mais difíceis de serem removidos são aqueles referentes à estrutura do sistema de ensino: centralização das decisões, pouca participação da comunidade escolar, turmas muito numerosas, aulas em um só turno, fragmentação das disciplinas e sobrecarga do trabalho docente (Neves, 2013).

Assim, precisa-se ter em mente que, embora o professor ainda seja visto como o principal responsável pela inclusão escolar, não é só dele a responsabilidade dos problemas que resultam da má aplicação das políticas públicas educacionais. Contudo, mesmo diante desses problemas relatados, novas formas de pensar e de fazer a escola estão sendo propostas, quebrando as visões sistêmicas, competitivas que segregam e que excluem aqueles que, por motivos diversos, não acompanham o ritmo ou o padrão de notas que as instituições estabelecem como ideais (Alves, 2017). Sabendo da dificuldade que os professores enfrentam na sala de aula, cabe ressaltar que a inclusão de alunos com deficiência não altera em nada o conteúdo que será passado, o professor precisa saber adequá-lo a uma metodologia que torne sua aula acessível a todos.

O aluno com deficiência visual, entendida como “[...] a perda ou redução da capacidade visual em ambos os olhos em caráter definitivo, que não pode ser melhorada ou corrigida com o uso de lentes, tratamento clínico ou cirúrgico” (Paraná, 2016, p. 16), por exemplo, tem diminuída ou mesmo comprometida a capacidade de decodificar informações que estão sintetizadas em imagens, necessitando, assim, de uma adaptação dessa informação para a sua compreensão parcial ou total (Sena; Carmo, 2018). Essa adaptação pode ser a audiodescrição da imagem ou mesmo uma reprodução dela em alto relevo, para que o aluno consiga tateá-la e compreendê-la. Ribeiro e Sena (2020, p. 19) acrescentam que

[...] para os estudantes com deficiência visual, a disponibilidade de materiais didáticos táteis é indispensável e de grande importância. As representações gráficas táteis oferecem a esses estudantes a oportunidade de se tornarem ativos durante todo o processo de aprendizagem, podendo, assim, ter uma melhor noção de percepção espacial na vida prática, facilitando sua orientação e mobilidade.

Na Geografia, mapas e imagens são muito utilizados, mas nem sempre os professores estão preparados ou sabem como agir diante de um aluno com cegueira, por exemplo. Cabe lembrar, porém, que esses professores podem buscar o apoio dos docentes do Atendimento Educacional Especializado (AEE), para, dessa forma, possibilitar que esses alunos tenham acesso ao conteúdo da disciplina. Os professores do AEE têm experiências específicas e podem dar suporte ao professor, à escola e aos familiares.

Entretanto, é importante que os docentes das salas de aula comum participem de formações, principalmente as voltadas à Educação Especial, pois é fundamental que o professor tenha um conhecimento prévio sobre a deficiência e como o aluno aprende, antes de iniciar as atividades com esse estudante. “Entender como o estudante aprende, qual a sua linguagem e quais são os materiais que lhe auxiliam no ensino de Geografia, por exemplo, são conhecimentos essenciais que facilitam o trabalho do professor” (Chaves; Nogueira, 2011, p. 10).

Em momentos de explicação, a audiodescrição de uma imagem ou mapa, ou mesmo um mapa tátil, é, muitas vezes, suficiente para que o aluno consiga acompanhar e entender a explicação. Alguns alunos vão precisar de uma explicação a mais para compreender o conteúdo, ou então a adaptação de um material para a forma tátil (mas qual aluno nunca precisou de mais de uma explicação?). Para saber como agir, faz-se necessário conhecer o aluno e entender qual a maneira correta de ensiná-lo, ou melhor, como o aluno aprende. Em alguns momentos, o próprio aluno pode auxiliar o docente a entender a melhor maneira de ajudá-lo.

Alves (2017) salienta que, por um lado, se um aluno consegue compreender e formar noções baseadas na explicação oral - aula expositiva dialogada -, na leitura do livro didático e exemplos do cotidiano, isso não implica dizer que outros também executem o mesmo processo da mesma forma. Contudo, alguns ainda vão precisar de um material de apoio para a compreensão. Por outro lado, pode acontecer de o professor iniciar seus trabalhos em uma escola com alunos com deficiência visual e os profissionais da escola já estarem fazendo adaptações de materiais para esse aluno. É interessante para o professor verificar o que o aluno já sabe, a que tipo de materiais o aluno tem acesso e quais texturas geralmente são usadas na construção dos materiais. Conhecer o que vem sendo utilizado com o aluno pode ajudar o professor no momento de pensar propostas e atividades para a turma.

Caso o aluno não tenha sido preparado para leitura e interpretação de mapas táteis, cabe ao professor iniciar um processo de introdução à leitura e à interpretação de imagens e mapas. Esse processo pode ser feito inserindo atividades, jogos e brincadeiras às explicações que, de alguma maneira, necessitam de imagens ou mapas para serem compreendidos. O que não pode acontecer é professores e alunos com deficiência visual deixarem de assumir seu papel de atores do processo de inclusão, na medida em que atribuem a culpa pela não efetivação da inclusão escolar ao outro; eles se utilizam, assim, das dificuldades externas a eles para justificarem as dificuldades na prática da educação inclusiva nas escolas públicas (Barros; Silva; Costa, 2015).

Enquanto os docentes não modificarem e redimensionarem sua prática profissional para ações mais igualitárias, isto é, não se posicionarem efetivamente como responsáveis pelo ato de educar também alunos com necessidades educacionais especiais, o professor terá diante de si um obstáculo e não um estímulo para aproveitar todas as oportunidades de formação permanente [...] (Gomes; Barbosa, 2006, p. 97).

Assim, em se tratando da Geografia, volta-se o foco para os alunos com deficiência visual, mais especificamente aos alunos com cegueira, pois a Geografia traz consigo o

[...] conhecimento e a compreensão dos espaços nos contextos locais, regionais, nacionais, internacionais e mundiais e, em particular: [...];

- compreensão dos traços característicos que dão a um lugar a sua identidade;

- compreensão das semelhanças e diferenças entre os lugares;

[...];

- compreensão dos domínios que caracterizam o meio físico [...];

- compreensão da utilização e do mau uso dos recursos naturais (Castellar, 2005, p. 211).

Além disso, para Perez (2001), a aprendizagem da Geografia possibilita a reflexão crítica sobre o espaço: uma reflexão que incorpora as diferentes leituras de um mesmo objeto, que, fundamentada no confronto de ideias, interesses, valores socioculturais, estéticos, econômicos, evidencia as diferentes interpretações e as diferentes intencionalidades que marcam a história da construção do espaço; “[...] uma reflexão que possibilite a elaboração de questionamentos sobre o espaço, a vida, o mundo” (Perez, 2001, p. 116).

Compreender o espaço, entender semelhanças e diferenças entre lugares, desenvolver uma visão crítica do espaço, entender objetos, confrontar ideias é fundamental para todo cidadão. Para os alunos com deficiência visual, pela falta da visão, isso se torna uma tarefa um pouco mais difícil para o professor. Ainda mais que, durante as aulas de Geografia, se trabalha com uma pluralidade de espaços e lugares com recortes muito variados que podem estar próximos ou distantes dos estudantes. “Daí provém a importância da utilização de recursos técnicos e didáticos que permitam a aproximação com o espaço ou lugar que está sendo estudado” (Sena; Carmo, 2018, p. 110).

Como para o aluno com deficiência visual o entendimento do espaço que o cerca é fundamental para seu deslocamento e planejamento de ações e críticas, foi necessário desenvolver uma área específica de estudo que transformasse as imagens e os mapas em algo acessível a esses alunos. Eis que foi criada a Cartografia Tátil. Esta constitui-se em “[...] um ramo específico da cartografia, que se ocupa da confecção de mapas e outros produtos cartográficos que possam ser lidos por pessoas cegas ou com baixa visão” (Loch, 2008 p. 39). Sena e Carmo (2022, p. 133) definem Cartografia Tátil como

[...] uma área específica da Cartografia que se dedica à produção de representações cartográficas adaptadas às necessidades específicas de pessoas com deficiência visual, mas especificamente se os mapas apresentarem letras impressas (em tinta ou em braile) e cores diversas, podem ser utilizadas por todos, possibilitando uma aprendizagem multissensorial e inclusiva.

Para tanto, “[...] incorpora métodos e técnicas da tecnologia Assistiva e de acessibilidade, que contribuem para a inclusão social e escolar de indivíduos com deficiência visual” (Freitas; Ventorini, 2011, p. 3). Cabe destacar que a Cartografia Tátil difere da Cartografia convencional em alguns aspectos. Em alguns casos, é necessário recorrer a distorções, exageros, generalizações e até omissões de informações, tudo para facilitar ao aluno com cegueira uma melhor percepção do material do qual está fazendo a leitura (Carmo 2009; Vasconcellos 1993).

Dessa forma, na Cartografia Tátil, “[...] os mapas táteis são confeccionados para atender principalmente a duas necessidades: a educação e a orientação/mobilidade de pessoas com deficiência visual severa ou com cegueira” (Nogueira, 2009, p. 8). A partir da criação da Cartografia Tátil, na Geografia, o ensino da cartografia é auxiliado pela existência de materiais táteis e conteúdo em Braile para as pessoas com cegueira, transmissões em áudio com descrição mais detalhada do objeto e, ainda, recursos tecnológicos, como as geotecnologias, Tecnologia Assistiva, dentre outros. Todos esses recursos podem estar presentes nas metodologias empregadas por cada educador (Alves, 2017).

A iniciativa tomada por pesquisadores da área da Cartografia Tátil vem resultando, também, em várias alternativas de materiais que podem ser reproduzidos pelos professores de Geografia para serem utilizados nas salas de aula comuns. Dentre esses materiais, encontram-se os mapas e os gráficos táteis e maquetes sonoras táteis.

Esses materiais são produzidos priorizando os alunos com deficiência visual, porém podem ser utilizados por todos os alunos da sala de aula. A utilização de materiais táteis durante as aulas, além de possibilitar que alunos com deficiência visual acompanhem o que está sendo ensinado, torna a aula mais atraente também para os demais alunos, uma vez que o livro didático deixa de ser o único material de apoio presente na sala. De acordo com o Parecer no 17, de 3 de julho de 2001, do Conselho Nacional da Educação (CNE):

Cabe a todos, principalmente aos setores de pesquisa, às Universidades, o desenvolvimento de estudos na busca dos melhores recursos para auxiliar/ampliar a capacidade das pessoas com necessidades educacionais especiais de se comunicar, de se locomover e de participar de maneira cada vez mais autônoma do meio educacional, da vida produtiva e da vida social, exercendo assim, de maneira plena, a sua cidadania. Estudos e pesquisas sobre inovações na prática pedagógica e desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias ao processo educativo, por exemplo, são de grande relevância para o avanço das práticas inclusivas, assim como atividades de extensão junto às comunidades escolares (Brasil, 2001, p. 14).

Pensando sobre essa afirmação, com o intuito de contribuir com a comunidade acadêmica e com o aperfeiçoamento dos professores de Geografia que atuam com alunos com deficiência visual, é que a proposta de pesquisa deste artigo foi elaborada.

A cartografia tem um papel importante no processo de entendimento de uma representação gráfica; dessa forma, precisa fornecer materiais adequados para o aluno com deficiência visual. “Os mapas são até mais necessários para esse grupo de usuários do que para aqueles que conseguem enxergar” (Almeida, 2010, p. 120). Assim, materiais cartográficos deveriam estar disponíveis na forma tátil, incluindo mapas táteis temáticos e de referência, em diferentes escalas, pelos mais diversos espaços do cotidiano.

O que seria, então, a linguagem cartográfica tátil? Pode-se dizer que a linguagem de um mapa é a generalização e a codificação das informações transmitidas pelos mapas, ou seja, os símbolos e as convenções utilizadas para dar significado ao que está sendo representado. Assim, a Cartografia Tátil pode ser um recurso interessante e facilitador da aprendizagem de crianças com cegueira incluídas no ensino comum. Todavia, como ensinar Cartografia Tátil para alunos cegos incluídos no ensino comum? Quais os resultados de um programa de treinamento para professores nessa modalidade com alunos com cegueira e videntes?

Assim, neste artigo, descreve-se o desenvolvimento de um programa educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil, aplicado no contexto de uma sala de aula comum com alunos com cegueira. Afinal, não basta que os materiais estejam disponíveis na escola se professor e alunos não foram ensinados a fazer uso deles.

Diante dos questionamentos propostos neste texto, o Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil vem com a finalidade de mostrar aos professores de Geografia que é possível trabalhar com mapas táteis no contexto da sala de aula comum, desde que a leitura e a interpretação dele seja realizada de maneira correta. Nesse contexto, a proposta deste estudo tem como objetivo analisar os efeitos do Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil quando aplicado no contexto da sala de aula comum, com alunos com cegueira incluídos.

Diante desse desafio, hipotetiza-se que o programa supracitado traz contribuições significativas, tanto para os alunos com cegueira como para alunos sem restrições visuais. Além disso, acredita-se que ao se trabalhar com essa proposta a aula fica mais interessante para todos os alunos, promovendo, assim, uma aula para todos, em que os alunos com deficiência visual podem contribuir para o aprendizado dos alunos sem restrições visuais e vice-versa. A descrição dessa experiência pode contribuir para o aprendizado de professores de muitas áreas, mas, principalmente, professores de Geografia, uma vez que a área ainda carece de pesquisas a respeito da linguagem cartográfica tátil.

Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil

O Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil, a princípio, foi desenvolvido por Regina Vasconcellos, em 1993. Resultado de sua tese de Doutorado, foi um dos primeiros estudos brasileiros pautados na Cartografia Tátil. Nesse programa, Vasconcellos propôs a introdução aos conceitos geográficos básicos e treinamento para uso de mapas por pessoas com deficiência visual (Giehl, 2015).

O referido estudo de Vasconcellos (1993) é considerado um marco no que diz respeito à Cartografia Tátil no Brasil. Inicialmente, consistiu na análise, na preparação e no teste de representações gráficas construídas com diversas técnicas e materiais direcionados ao ensino da cartografia para alunos com cegueira.

No ano de 2015, realizou-se uma releitura do programa proposto por Vasconcellos (1993), na dissertação intitulada Contribuições de um programa educacional de introdução à linguagem cartográfica tátil para alunos com cegueira (Giehl, 2015). Na ocasião, o programa de Vasconcelos foi adaptado e aplicado em uma sala de AEE com três alunos com cegueira. Os resultados obtidos foram positivos, pois as atividades tiveram boa aceitação e entendimento por parte dos alunos.

O Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil consistiu em um conjunto de atividades e jogos que teve por objetivo, em seu término, fazer com que o aluno conseguisse ler um mapa. Assim, a partir da execução de todas as etapas do programa, o intuito era que o aluno compreendesse as questões fundamentais para a leitura e o entendimento do que o mapa representa. Almeida e Passini (2010 p. 30) apontam que “[...] ler mapas é um processo que começa com a decodificação, envolvendo algumas etapas metodológicas as quais devem ser respeitadas para que a leitura seja eficaz”.

O programa foi dividido em duas etapas. A primeira etapa do Programa correspondeu a um jogo da memória com várias texturas; já a segunda etapa consistiu em atividades e jogos referentes aos principais elementos do mapa, (escala, legenda, orientação, título, ponto de vista).

A primeira etapa foi composta por seis fases, sendo elas:

  1. Conjunto de pontos.

  2. Conjunto de linhas.

  3. Conjunto de áreas.

  4. Conjunto de formas e tamanhos.

  5. Conjunto de textura.

  6. Conjunto síntese.

Cada fase teve um objetivo distinto. O conjunto de pontos objetivou mostrar aos alunos as variações pontuais que podem ser utilizadas nas representações dos mapas. O conjunto de linhas teve por finalidade mostrar aos alunos as variações lineares que podem ser utilizadas nas representações gráficas. O conjunto de áreas mostrou aos alunos as variações de textura em áreas que podem ser utilizadas nas representações gráficas (Giehl, 2015).

O conjunto de formas e tamanhos possibilitou o treino para a percepção de formas geométricas, formas irregulares (partindo das mais simples para as mais complexas) e formas de tamanhos diferentes (importantes para o entendimento da noção de escala). O conjunto de textura treinou a percepção das texturas com os alunos participantes. Na última fase, trabalharam-se os conceitos de linhas, pontos e áreas e suas variações em conjunto; desse modo, foram misturadas as variáveis e ressaltadas algumas diferenças entre cada objeto (Giehl, 2015).

A segunda etapa também foi composta por seis fases, a saber:

  1. Proporção e escala.

  2. Ponto de vista.

  3. Localização e orientação: batalha geográfica.

  4. Localização e orientação: rosa dos ventos com caça ao tesouro.

  5. Maquete.

  6. Síntese dos conceitos e uso da legenda: Exercício da cidade.

A primeira fase da segunda etapa, correspondente à proporção e escala, teve como objetivo realizar um primeiro contato entre o aluno e os conceitos de proporção e escala a partir de um exercício prático que parte da realidade (um carro e uma pessoa) até chegar à abstração (Giehl, 2015).

A segunda fase, referente à Ponto de vista, teve por finalidade possibilitar o contato com as visões horizontal e vertical necessárias para o entendimento das ilustrações e dos mapas. Uma questão importante para entender um mapa ou uma representação é compreender que o espaço é representado sempre visto de cima (Giehl, 2015).

A terceira e quarta fases tiveram como temática Localização e orientação e objetivaram introduzir as noções de localização a partir de um jogo de coordenadas (linhas verticais e horizontais com letras e números), utilizando as regras do jogo da batalha naval e introduzir os conceitos de orientação e localização, utilizando a rosa dos ventos (Giehl, 2015).

Já na quinta fase, com a construção da maquete, objetivou-se defrontar o aluno com a variedade de tipos, o tamanho, a proporcionalidade dos objetos, de uns em relação a outros, bem como a localização dos objetos em relação a pontos de referência (Giehl, 2015).

Na sexta e última fase do Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil, além de realizar uma revisão dos conceitos de tudo que foi visto no decorrer do programa, foi introduzida a questão da legenda em mapas. Essa fase consiste em facilitar o aprendizado dos conceitos de orientação, utilizando vários pontos de referência juntamente com a rosa dos ventos e introduzir e explicar o uso da legenda do mapa (Giehl, 2015).

Para a confecção dos objetos utilizados no decorrer das atividades do programa, foram utilizados materiais e equipamentos, já conhecidos pelos alunos e que, geralmente, estão disponíveis em escolas públicas; e se não estão disponíveis, eles são de baixo custo e de fácil aquisição. São exemplos desses materiais: o acetato vinilo de etileno (EVA), que pode ser encontrado facilmente e, além disso, traz várias texturas; o papel micro ondulado; papelão; papel Kraft; papel camurça, entre outros (Giehl, 2015). Aqui vale lembrar “[...] que mapas artesanais, feitos com materiais simples, também conseguem atingir resultados excelentes” (Almeida, 2011, p. 24).

A utilização de materiais adaptados ao tato, “[...] além de oportunizar acesso ao conhecimento, o uso de tais recursos pode ser considerado um meio, uma forma de possibilitar o desenvolvimento de habilidades e funções cognitivas que devem se refletir no desempenho escolar dos estudantes” (Custódio, 2012, p. 137). Quando se oferece acesso à informação e ao conhecimento, oportuniza-se, também, o desenvolvimento do aprendizado de quem está em sua busca. Aos alunos com cegueira, proporcionar o acesso a informações a partir de materiais táteis significa dar sentido ao processo de aprendizado que tanto se almeja no ambiente escolar. Nesse sentido, o programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil traz consigo uma metodologia de ensino do mapa, que aparece tanto em ambiente escolar como em espaços públicos.

Método

O presente estudo foi desenvolvido em um enfoque qualitativo, delineado por pesquisa descritiva e exploratória. As pesquisas desenvolvidas com enfoque qualitativo partem do pressuposto de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, que não pode ser traduzida em números. Para Sampieri, Collado e Lucio (2006, p. 5), “[...] com frequência este enfoque está baseado em método de coleta de dados sem medição numérica, como as descrições e as observações”. Para os autores, “[...] a pesquisa qualitativa dá profundidade aos dados, riqueza interpretativa, contextualização do ambiente, dos detalhes de experiências únicas. Também oferece, um ponto de vista ‘recente, natural e holístico’ dos fenômenos, assim como flexibilidade” (Sampieri; Collado; Lucio, 2006, p. 15).

Já a opção por um estudo descritivo se deu pelo fato de que “[...] o estudo descritivo pretende descrever ‘com exatidão’ os fatos e fenômenos de determinada realidade” (Triviños, 1987, p. 110). Para o autor, “[...] os estudos descritivos exigem do investigador, para que a pesquisa tenha certo grau de validade científica, uma precisa delimitação de técnicas, métodos, modelos e teorias que orientarão a coleta e interpretação dos dados” (Triviños, 1987, p. 112).

A pesquisa exploratória aparece como alternativa de pesquisa quando as informações pretendidas precisavam ser visualizadas como um todo. Para Gil (2008, p. 27), as pesquisas “[...] exploratórias são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato”. Assim, a pesquisa qualitativa associada à pesquisa descritiva e exploratória apresentou-se como uma opção viável para atingir os objetivos deste estudo.

Aspectos éticos

O desenvolvimento desta pesquisa teve início após a aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Plataforma Brasil, tendo como número de Certificado de Apresentação para Apreciação Ética - CAAE, 54507116.4.0000.5504 e Parecer de aprovação n° 1.543.820. O respeito aos participantes desta pesquisa foi materializado no processo de obtenção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Seleção e caracterização dos participantes

Para participar da presente pesquisa, foram selecionados o professor regente e o professor de apoio que atendessem aos seguintes critérios: atuar na sala de aula comum que tivesse a presença de alunos com cegueira; disponibilizar-se a participar da pesquisa e comprometer-se com o desenvolvimento dela. Quanto aos alunos, foram selecionados alunos com cegueira que atendessem aos seguintes critérios: estar regularmente matriculado na escola comum, frequentar as aulas na sala de aula comum; serem autorizados pelos pais para participar da pesquisa; aceitarem participar do projeto de pesquisa.

Também participaram da pesquisa os alunos sem restrições visuais que compunham a sala de aula em que os alunos com cegueira selecionados estudavam. Esses alunos contabilizaram um total de 23. Faziam parte desses 23 alunos, um aluno com Síndrome de Asperger e um aluno com deficiência intelectual. Assim, foram participantes desta pesquisa: uma professora da rede comum de ensino, uma professora de apoio, 25 alunos (dois alunos com cegueira, um com Síndrome de Asperger, um com deficiência intelectual e 21 alunos sem deficiência ou síndrome). Os participantes da pesquisa, quando citados no presente estudo, serão identificados com nomes fictícios.

Caracterização dos professores participantes

O Quadro 1 apresenta as informações sobre as professoras participantes da pesquisa.

Quadro 1 Caracterização das professoras participantes 

Professoras
Nome (fictício): Regina Professora Regina
Sexo Feminino
Graduação Magistério, cursando História
Especialização Não possui
Outros cursos História de Roma, Tela Histórica, Ciclo de Debates
Tempo de magistério Três anos
Tempo de magistério com alunos com deficiência visual 6 meses
Idade 23 anos
Nome (fictício): Adrieli Professora Adrieli
Sexo Feminino
Graduação Letras
Especialização Duas na área da Educação Especial, uma em Psicopedagogia, uma em Arte, Educação e Terapia.
Outros cursos ***
Tempo de magistério 14 anos
Tempo de magistério com alunos com deficiência visual 3 anos
Idade 56 anos

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Caracterização dos alunos participantes

A sala escolhida para a aplicação do Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil foi a da 4°série do Ensino Fundamental I de uma escola municipal. A sala na qual a pesquisa foi realizada contava com 25 alunos, 19 meninos e seis meninas. Desses 25 alunos, dois deles apresentavam deficiência visual - cegueira - (um menino e uma menina), um deles Síndrome de Asperger (menino) e outro aluno com deficiência intelectual (menino), como pode ser visualizado no Quadro 2.

Quadro 2 Caracterização dos alunos participantes 

Participantes Quantidade Idade Com deficiência Com cegueira Com Síndrome de Asperger Com deficiência intelectual
Meninos 19 9-10 3 1 (9 anos) - João 1 1
Meninas 6 9-10 1 1 (10 anos) Maria 0 0

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Recursos e materiais

Foram utilizados: papel cartão, papel micro ondulado, sulfite, objetos em miniaturas, computador, impressora, filmadora, EVA com diversas texturas, isopor, quadro verde infantil, botões, miçangas, vários tipos de cordões, papel camurça, tesoura, cola, pistola de cola quente, bastão de cola quente, perfurador de papel, papel Kraft, fita adesiva, tecidos, bonecos e carros de brinquedo.

No Brasil a técnica de colagem ainda é bastante utilizada, pela facilidade de acesso aos materiais empregados e pela diversidade de texturas que são possíveis. Apesar do desenvolvimento na área de produção de mapas táteis, a disponibilidade desses materiais nas escolas ainda é pequena (Sena; Carmo, 2022, p. 132).

Instrumentos

Nesta seção, trata-se dos instrumentos utilizados na pesquisa, a saber: questionário aberto; sondagem; o Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil; diário de campo. Por fim, aborda-se como se deu o procedimento de coleta de dados.

Questionário aberto

O questionário versou sobre temas referentes ao preparo da professora e da escola diante da inclusão dos alunos com cegueira na sala de aula comum, bem como sobre atividades que a professora realizou com os alunos participantes na sala de aula comum que podem estar associadas à cartografia tátil. A aplicação do questionário teve como objetivo verificar o conhecimento da professora Regina (regente) em relação à cartografia tátil, bem como identificar a existência de possíveis propostas de educação cartográfica desenvolvidas por ela com os alunos participantes na sala de aula comum.

Sondagem

A sondagem foi realizada pela pesquisadora, uma vez que ela possui os conhecimentos necessários para identificar os acertos das perguntas feitas. Assim, a sondagem realizada com os alunos participantes versou sobre temas que permitiram verificar se os alunos já haviam tido contato com mapas e de mapas táteis quando aplicado com os alunos com cegueira e qual seria o conhecimento desses alunos sobre mapas. As respostas foram consideradas satisfatórias quando os alunos souberam responder corretamente aos questionamentos em relação aos conceitos investigados (escala, rosa dos ventos, mapas, legenda).

Optou-se pela realização de uma sondagem, pois, segundo Libâneo (1994, p. 196), a sondagem ou uma prévia avaliação dos alunos “[...] é uma apreciação qualitativa sobre dados relevantes do processo de ensino e aprendizagem que auxilia o professor a tomar decisões sobre o seu trabalho”. A sondagem foi um componente do processo de ensino que visou, por meio da verificação e qualificação dos resultados obtidos, “[...] determinar a correspondência deste com o objetivo proposto e, daí, orientar a tomada de decisões em relação às atividades didáticas seguintes” (Libâneo, 1994, p. 196).

Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil

O Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil foi aplicado aos alunos com cegueira em uma sala de AEE, pela pesquisadora em pesquisa de Mestrado intitulada Contribuições de um programa educacional de introdução à linguagem cartográfica tátil para alunos com cegueira (Giehl, 2015), porém, agora, o programa mencionado foi realizado com uma população distinta. Optou-se por realizar o programa com alunos com cegueira e com alunos sem restrições visuais, em uma sala de aula comum, a fim de verificar a eficácia do Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil em um ambiente de inclusão, com todos os alunos.

O Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil consiste em um conjunto articulado de jogos e atividades desenvolvidas e organizadas para que, ao término do seu desenvolvimento, os alunos possam conhecer e saber identificar os principais elementos de um mapa, para poder, assim, fazer a leitura dele. Ao término da aplicação do Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil, realizou-se uma avaliação referente aos temas trabalhados.

Diário de campo

O diário de campo consistiu em uma forma de registro de observações, comentários e reflexões para uso individual do profissional e do pesquisador (Lüdke; André, 1986). Assim, todo o processo desenvolvido foi registrado em diário de campo, pois, quando utilizado em um processo constante (no caso sempre ao término de cada sessão), ele pode contribuir para evidenciar as categorias emergentes da pesquisa ou trabalho profissional, permitindo a realização de análises mais aprofundadas.

Procedimento de coleta de dados

Aplicou-se, previamente, um questionário aberto com a professora participante da pesquisa. O questionário foi respondido de acordo com a disponibilidade de horários da professora. O questionário versou sobre a experiência com alunos com deficiência, sobre a importância do professor de apoio em sala - se acredita estar preparada para atuar com alunos com deficiência ou se acredita que os professores deveriam receber formação direcionada ao ensino de alunos com deficiência antes de se depararem com eles em sala de aula. Ainda se questionou sobre disciplinas voltadas à Educação Especial durante a formação. Houve, ainda, perguntas referentes ao conhecimento da professora sobre a cartografia tátil.

A etapa seguinte consistiu na elaboração de uma sondagem com perguntas que versavam sobre o conhecimento dos alunos em relação a mapas, se eles já haviam visto ou manuseado um mapa e se eles conheciam os principais elementos que compõem um mapa (legenda, escala, orientação, título, entre outros). Para os alunos com cegueira, a sondagem foi oral. Após a realização da sondagem com os alunos, com base no que eles declararam conhecer ou não sobre o assunto, efetuou-se a confecção dos materiais utilizados nas atividades desenvolvidas no decorrer da aplicação do Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil.

A construção dos materiais utilizados durante as aulas de Geografia em que o programa foi aplicado foi feita pela pesquisadora de acordo com a demanda de alunos. Durante a aplicação do programa, a pesquisadora contou com a ajuda da professora Adrieli, uma vez que a sala contava, além dos alunos com cegueira, com um aluno com Síndrome de Asperger e outro com deficiência intelectual.

A etapa seguinte consistiu na aplicação do Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil. O programa foi desenvolvido na presença da professora Regina e da professora Adrieli, com duração de aproximadamente duas horas semanais, durante um período de 15 semanas (30 horas).

O Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil foi dividido em duas etapas, a saber: 1a - Jogo da memória; 2a - Introdução ao uso do mapa: atividades com conceitos básicos, como pode ser visualizado no Quadro 3.

Quadro 3 Etapas e fases do Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica tátil 

Etapas Fases Atividades
1a Etapa 1a Fase Jogo da memória: conjunto de pontos.
2a Fase Jogo da memória: conjunto de linhas.
3a Fase Jogo da memória: conjunto de áreas.
4a Fase Jogo da memória: conjunto de formas e tamanhos.
5a Fase Jogo da memória: conjunto de texturas.
6a Fase Jogo da memória: conjunto síntese.
2a Etapa 1a Fase Proporção e escala.
2a Fase Ponto de vista.
3a Fase Localização e orientação: batalha geográfica.
4a Fase Localização e orientação: rosa dos ventos com caça ao tesouro.
5a Fase Maquete.
6a Fase Síntese dos conceitos: exercício da cidade.

Fonte: Extraído de Giehl (2015).

Resultados

Antes de discutir os resultados, apresenta-se, a seguir, como se deram os nove encontros realizados.

1° Encontro: Apresentação do projeto de pesquisa e entrega do TCLE

O projeto foi explicado de maneira simples aos alunos, para que eles pudessem entender o que iria acontecer, para que pudessem indagar a pesquisadora em caso de dúvida e interagir com ela. Algumas dúvidas surgiram, as quais estavam relacionadas ao horário de realização das atividades e se essas atividades valeriam nota para a disciplina de Geografia.

Ao término da explicação, foi entregue aos alunos o TCLE, que deveria ser entregue pelos alunos a seus pais ou responsáveis, a fim de que fossem autorizados a participar da pesquisa. Ficou acordado com os alunos que o projeto seria realizado às sextas-feiras, nos horários destinados às aulas de Geografia. Com relação aos termos, a professora regente ficou responsável por recebê-los e entregar à pesquisadora. Da data de apresentação do projeto e devolução dos termos até o início do projeto, passaram-se duas semanas, tempo decorrido para a confecção dos materiais utilizados durante o desenvolvimento da pesquisa.

2° Encontro: Realização da sondagem

A primeira etapa da pesquisa consistiu na realização de uma sondagem sobre o conhecimento de Cartografia com os alunos participantes. A sondagem foi aplicada pela pesquisadora e professoras (Regina e Adrieli) no horário destinado à aula de Geografia. A pesquisadora entregou a todos os alunos algumas perguntas, as quais individualmente tiveram de ser respondidas. A pesquisadora leu as perguntas em voz alta para que todos pudessem acompanhar e sanar possíveis dúvidas. Os alunos com cegueira, Síndrome de Asperger e deficiência intelectual foram acompanhados pela professora Adrieli e a professora Regina.

A sondagem foi baseada em perguntas sobre temas que permitissem à pesquisadora verificar o entendimento dos alunos a respeito da leitura de mapas e de seus principais elementos (escala, legenda, orientação, rosa dos ventos, título). As perguntas da primeira sondagem podem ser visualizadas no Quadro 4.

Quadro 4 Perguntas que compuseram a sondagem 

1. Você já ouviu alguém falar de mapas?
2. Você já viu um mapa, já pegou um mapa nas mãos?
3. (Caso a resposta anterior seja sim) O que é um mapa, um mapa serve para quê?
4. (Caso a resposta anterior seja não) O que você acha que é um mapa? Você acha que um mapa serve para quê?
5. Na escola, lá na sala de aula com seus coleguinhas, você já aprendeu sobre a Rosa dos ventos?
- (Caso a resposta anterior seja sim) O que é a Rosa dos ventos, para que ela serve?
- (Caso a resposta anterior seja não) O que você acha que é uma Rosa dos ventos?
6. E sobre legenda você já ouviu falar? Você sabe o que é uma legenda?
- (Caso a resposta anterior seja não) O que você acha que é uma legenda? E para que serve?
7. Você já ouviu falar em escala cartográfica? O que é escala cartográfica?
- (Caso a resposta anterior seja não) O que você acha que é uma escala cartográfica?
- Eu vou te dar um mapa, eu quero que você “olhe ele”, conheça ele inteirinho e depois o coloque na mesa que está a sua frente do jeito certo, da maneira que ele tem que estar para você poder entendê-lo.
- Assinale no mapa a escala.
- Desenhe no mapa a rosa dos ventos.

Fonte: Adaptado de Giehl (2015).

Com as avaliações respondidas em mãos, observou-se que os alunos até já tinham ouvido falar em mapas, e alguns já tinham tido contato com um mapa, mas, em relação aos principais elementos que compõem o mapa, eles não tinham conhecimento do que cada um significava.

Em relação às perguntas: “Você já viu um mapa, já pegou um mapa nas mãos?”, “Você já ouviu alguém falar de mapas?” e “O que é um mapa, um mapa serve para quê?”, as respostas foram as seguintes:

- Eu já ouvi falar em mapas, mas nunca peguei na mão. É um papel onde a gente vê aonde a gente quer ir (João).

- Sim. Serve para ir num lugar as pessoas não sabe onde quer (Aluno 1).

- Não peguei, serve para indicar lugares, um mapa tem vários países (Aluno 2).

- Sim, com meu vô. Serve para saber os estados e países (Aluno 3).

- Sim. Serve para saber os lugares (Aluno 4).

- Sim. Serve para indicar a gente quando a gente está perdido (Aluno 5).

Observa-se, diante das respostas, que os alunos conhecem um mapa e que, em alguns momentos de suas vidas, já se depararam com situações que envolvessem um mapa.

Já em relação às demais perguntas, as respostas, em sua grande maioria, foram, “não sei” e “não aprendi”. Alguns alunos até se arriscaram em responder às perguntas, mas surgiram respostas como:

- Eu acho que a rosa dos Ventos é uma cidade (João).

- Eu acho que a rosa dos ventos é uma flor (Aluno 1).

- Eu acho que a rosa dos ventos é alguma coisa para indicar o vento (Aluno 2).

- Eu acho que a rosa dos ventos é como contar alguma história (Aluno 3).

- Eu acho que a rosa dos ventos é um cata-vento (Aluno 4).

- Sim, legenda é as palavras que estão nos filmes, textos e vídeos (Aluno 5).

- Sim, a legenda é para falar com outras pessoas (Aluno 6).

- Sim, eu ouvi falar em legenda, é tipo um calendário (Aluno 7).

Nenhum aluno respondeu às perguntas relacionadas à escala cartográfica, todos disseram que não sabiam o que é uma escala.

Diante das respostas dos alunos na sondagem, observou-se que os conteúdos relacionados ao Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil ainda não haviam sido trabalhados com os alunos participantes da pesquisa. Nesse caso, todas as etapas do programa foram realizadas com a turma escolhida para participar do programa. Na sequência, são descritas as etapas do programa.

3° Encontro: Jogo da memória

No terceiro encontro, foram realizadas as atividades correspondentes à primeira etapa do Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica tátil: Jogo da memória. Para os alunos com cegueira, o jogo foi adaptado de forma que pudesse ser percebido pelo tato; e, para os demais, o jogo foi composto por variáveis gráficas impressas. As variáveis gráficas trabalhadas no jogo da memória serviram como introdução e treinamento dos alunos, uma vez que elas foram utilizadas na atividade posterior referente à legenda. Para Almeida (2010, p. 138), “[...] a legenda do mapa (processo de simbolização) e o uso de um sistema de coordenadas, devem ser conceitos entendidos antes do último estágio que seria o da decodificação e leitura dos mapas”.

No momento da construção das peças que faziam parte do jogo tátil, levaram-se em consideração as orientações de Soler (1999) em relação às sensações positivas, e se tomaram os cuidados relatados por Oliveira (2002) no momento de seleção das texturas. Inicialmente, explicou-se aos alunos o funcionamento do jogo. Para os alunos com cegueira, foram distribuídos os cartões componentes do jogo sobre a mesa e, um a um, os cartões foram apresentados aos alunos. Em seguida, apresentou-se o flanelógrafo/tabuleiro aos alunos e foram efetuadas explicações sobre como esse objeto poderia ser manipulado e a sua caracterização.

Os alunos não tiveram dificuldade em realizar a proposta. Como havia vários conjuntos de peças (forma, símbolo, textura), os alunos sem restrições visuais pediam para jogar com os alunos com cegueira. Entendendo a importância de as atividades serem realizadas com a interação entre todos, a professora Regina buscou vendas que a escola possuía, para que os alunos pudessem jogar com os alunos com cegueira (Figuras 1 e 2).

Fonte: Acervo da pesquisadora.

Figura 1 Aluna Maria jogando com aluno sem restrição visual 

Fonte: Acervo da pesquisadora.

Figura 2 Alunos sem restrição visual jogando com peças táteis 

Durante a realização da atividade, percebeu-se que a utilização das peças táteis tornou a aula mais animada e mais atrativa, despertando nos alunos o interesse pela proposta. No decorrer da aula, os alunos puderam trocar os conjuntos de peças e também trocar de pares. Nessa troca de pares, houve uma disputa para jogar com os alunos com cegueira.

Diante dessa atividade, professora e pesquisadora, constataram que o material adaptado, não precisa, necessariamente, ser só para os alunos com cegueira, mas, sim, para todos os alunos. No momento da realização dessa atividade, ninguém poderia dizer que naquela sala de aula havia alunos com cegueira, pois a turma era uma só, a atividade era a mesma e todos estavam usando os mesmos materiais. A prova que precisava para mostrar para pesquisadora e professora que a participação de todos é possível e que não é preciso muito para que isso aconteça.

A professora poderia ter mostrado para os alunos as diferentes variáveis cartográficas, exemplificando com algumas variáveis adaptadas aos alunos com cegueira. A duração da explicação seria menor, podendo, assim, introduzir outros conceitos. Contudo, a aula novamente seria dividida: para os alunos com cegueira, utilização de materiais adaptados; para os alunos sem restrições visuais, variáveis gráficas impressas.

4° Encontro: Ponto de vista

A próxima etapa da pesquisa teve como objetivo fazer com que os alunos compreendessem que os objetos podem ser representados a partir de mais de um ponto de vista (Figura 3). Essa etapa é fundamental para que os alunos entendam que um mapa traz a representação de algo visto de cima.

Fonte: Acervo da pesquisadora.

Figura 3 Alunos com cegueira conhecendo objetos - Ponto de vista 

Para que os alunos compreendessem melhor, nessa etapa da pesquisa, alguns objetos de uso comum de todos foram representados de forma tátil em dois pontos de vista. Um como se o objeto fosse visto de frente e outro visto de cima. Para exemplificar, foram escolhidos os seguintes objetos: colher, garfo, faca, árvore, caminhão, casa, guarda-chuva, fogão, copo, caneca, xícara com pires, escova de dente e cama. Coisas que fazem parte do cotidiano dos alunos.

5°Encontro: Proporção e escala

Nesse encontro, os alunos foram desafiados a compreender como um objeto pode ser representado em tamanhos distintos sem perder a proporção do real. Para tanto, foram apresentados os conceitos de proporção e escala. Em conversa com os alunos, eles afirmaram não saber o que significava esses dois conceitos.

Antes de iniciar a atividade prática, foi explicado a eles, oralmente, o que seria a escala e sua utilidade em um mapa. Na sequência, os alunos foram conduzidos ao estacionamento da escola para tirar a medida de um carro (Figura 4).

Fonte: Acervo da pesquisadora.

Figura 4 Turma medindo um carro com um barbante 

Para medir o carro, utilizou-se um barbante. A escolha pelo uso do barbante deu-se em função de ter-se de escolher um objeto contínuo, para medir e, somente depois, o estabelecimento de uma unidade padrão - o metro (Almeida; Passini, 2010). Para as autoras, o trabalho de reconhecer, medir e comparar objetos “[...] é básico para a compreensão da noção de escala que permitirá o estabelecimento de relações de distância entre localidades através do mapa, utilizando-se reduções proporcionais” (Almeida; Passini, 2010, p. 45). Desenvolver esse trabalho com os alunos com cegueira torna-se ainda mais relevante, uma vez que eles precisam da vivência do palpável das partes para entender o todo.

Os dois alunos com cegueira foram convidados a executar a atividade, com o auxílio da professora Regina e da pesquisadora. Os demais alunos acompanharam a atividade, e alguns deles foram convidados a conferir se a metragem era aquela mesma. Na sequência, voltando para a sala de aula, o barbante foi esticado e colocado em cima do suporte do apagador na parte inferior do quadro negro, frisando que aquele era o comprimento do carro.

Utilizando carrinhos de brinquedo de vários tamanhos, os alunos foram convidados a irem até o quadro para colocar o carrinho sobre o barbante e verificar quantas vezes o carrinho caberia sobre o barbante. Nessa atividade, todos os alunos puderam fazer a contagem, e, no momento que os alunos com cegueira foram até o quadro, os colegas os ajudaram na contagem. Esse exercício também foi realizado utilizando o corpo dos próprios alunos, comparados com bonecos. “Ao mapear o próprio corpo, o aluno toma consciência de sua estatura, da posição de seus membros, dos lados de seu corpo” (Almeida; Passini, 2010, p. 47). Essa atividade proporcionou momentos valiosos para todos os alunos, pois, a partir dessa vivência, os alunos formam o autoconhecimento e o conhecimento dos elementos que o formam, podendo pensar que as partes formam um todo, como em qualquer representação.

6° Encontro: Orientação, localização e rosa dos ventos

No sexto encontro, foram apresentados aos alunos os conceitos de orientação, localização e rosa dos ventos. Para os alunos com cegueira, a necessidade da presença e do conhecimento da “[...] rosa dos ventos torna-se indispensável devido à dificuldade proveniente do processo de alfabetização cartográfica, e da compreensão dos termos técnicos ligados à noção espacial” (Silva; Silva, 2013, p. 504).

Na pessoa com deficiência visual, a aprendizagem ocorre de dentro para fora, por meio de construções internas, resultantes de situações vividas em seu meio. Se o professor em sala de aula não proporcionar vivências, práticas e brincadeiras, dificilmente o aluno irá formar esse conhecimento. Sempre que possível, os professores devem desenvolver atividades pedagógicas, com o intuito de fazer com que os alunos se sintam motivados a participar da aula, podendo trazer questões referentes ao cotidiano dos alunos e, também, atividades práticas.

Para começar a atividade proposta nessa fase, os alunos foram questionados a respeito de conceitos relacionados à orientação cartográfica (orientação, localização e rosa dos ventos). Percebendo que os alunos não sabiam do que se tratava, a pesquisadora contou-lhes uma breve história sobre a necessidade de orientação desde os primórdios. Apresentou-se, na sequência, a rosa dos ventos feita com texturas e escrita em Braile. Em seguida, um dos alunos com cegueira foi convidado a ir até a frente da sala com a pesquisadora para demonstrar aos demais como se orientar pelo Sol com a rosa dos ventos.

Para melhor compreensão, os alunos foram levados ao pátio da escola para testar com o calor dos raios de Sol. Como era uma manhã fria, não demorou muito para que os alunos com cegueira identificassem o lado mais quente de seus corpos. Como havia várias rosas dos ventos (Figura 5), todos puderam se posicionar e encontrar os pontos cardeais.

Fonte: Acervo da pesquisadora.

Figura 5 Rosa dos ventos utilizada durante a atividade 

Voltando à sala de aula, explicou-se aos alunos a utilidade da rosa dos ventos em um mapa, demonstrando com mapas táteis as localizações. Quando explicado os pontos cardeais e colaterais, os alunos com cegueira não tiveram dificuldade em compreender suas orientações. É importante para os alunos com cegueira ter um ponto de referência, pois, a partir desse ponto, os demais podem ser localizados.

7° Encontro: Batalha geográfica

No sétimo dia de pesquisa, foi realizada a fixação dos pontos cardeais que haviam sido trabalhados na aula anterior. A atividade do dia consistiu em um jogo denominado de batalha geográfica, muito parecido com o jogo de batalha naval, jogo comum entre as crianças. O que difere do jogo original são os objetos distribuídos no campo de batalha. Assim, foram construídos tabuleiros táteis para os alunos com cegueira e tabuleiros impressos para os alunos sem restrições visuais, como pode ser visualizado nas imagens da Figura 6.

Fonte: Acervo da pesquisadora.

Figura 6 Tabuleiros do jogo Batalha geográfica 

Inicialmente, explicou-se aos alunos como o jogo funcionaria, apresentando-lhes os tabuleiros. O tabuleiro trazia outro conceito que eles haviam dito não saber o que significava, que é o conceito de legenda. Assim, com o tabuleiro em mãos, foi mais fácil para os alunos compreenderem o significado de legenda.

Após verificarem quais seriam os objetos do jogo, os alunos distribuíram seus objetos sobre o tabuleiro. É importante frisar que os objetos de ambos os tabuleiros foram os mesmos, para que todos falassem sobre os mesmos assuntos no momento do jogo. A ordem foi para que utilizassem as coordenadas presentes nos tabuleiros associadas à orientação da rosa dos ventos - por exemplo: 2 A Norte.

Essa atividade foi proposta porque trabalha a questão da orientação e localização espacial. “A percepção do espaço e as relações espaciais são partes integrantes da vida do homem e dependem basicamente do sentido da visão” (Almeida, 2010, p. 117). Por esse motivo, a criação de materiais adaptados ao tato é fundamental para os alunos com cegueira, uma vez que não dispõe do sentido da visão.

No decorrer do jogo, os alunos com cegueira jogaram com alunos sem restrições visuais e vice-versa. Os alunos levaram o jogo para casa para poderem brincar mais. Observou-se novamente que o jogo pode ser realizado com todos os alunos.

8° Encontro: Exercício da cidade

Tendo em mente que os “[...] mapas são recursos fundamentais no processo de aquisição de conceitos geográficos e de conhecimentos relacionados com o ambiente” (Almeida, 2010, p. 137), no oitavo encontro realizou-se a sistematização de todos os elementos anteriormente estudados: Título, escala, rosa dos ventos (orientação) e legenda. Esses elementos, quando entendidos e identificados corretamente, possibilitam a leitura de um mapa e o que ele representa.

Para Almeida e Passini (2010), ler mapas começa com a decodificação, que envolve etapas metodológicas que devem ser respeitadas para uma leitura eficaz. A partir dessa leitura e interpretação do mapa, é possível compreender espaços, formar conceitos, localizações e, até mesmo, fazer uma reflexão crítica do que está sendo representado. Almeida (2010) lembra, ainda, que, para as pessoas com deficiência visual, os mapas têm o poder de criar imagens mentais dos lugares e fornecer uma noção do espaço que depende da visão. Para eles, o mapa e uma bussola podem auxiliar na sua mobilidade, significando autonomia para se orientar nos percursos da vida cotidiana, em roteiros e até viagens. Esse exercício também serviu de avaliação, pois pesquisadora e professora puderam verificar se os alunos compreenderam realmente o significado e a posição de cada elemento no mapa.

Para os alunos, foi entregue uma folha com a legenda (objeto e significado), outra folha demarcada com as extremidades do mapa, para que dentro dessa demarcação fosse construído o mapa, e peças para serem coladas no mapa de acordo com as orientações dadas pela pesquisadora (Figuras 7 e 8). Em seguida, a pesquisadora deu as orientações para a construção do mapa. Assim, todos pegaram o título do mapa e o colaram no local que acreditavam que fosse o lugar do título; colaram a praça no centro do mapa; colaram a igreja ao norte da praça, e assim por diante.

Fonte: Acervo da pesquisadora.

Figura 7 Alunos com cegueira realizando o Exercício da cidade 

Fonte: Acervo da pesquisadora.

Figura 8 Foto a turma toda realizando o Exercício da cidade 

Almeida e Passini (2010) dizem que uma leitura de mapa começa com a observação do título. Temos de saber qual o espaço representado, seus limites e suas informações. Depois, é preciso observar a legenda, relacionando os significantes e o significado dos signos relacionados na legenda. Em qualquer mapa, as regras de interpretação são as mesmas, assim como nos mapas táteis. Saber posicionar o mapa, reconhecer o título e conhecer a legenda são os primeiros passos.

9° Encontro: avaliação

O nono e último encontro visou revisar todos os conceitos. Para tanto, foi realizada uma avaliação dos itens trabalhados nos encontros anteriores. As perguntas que compunham a avaliação foram as mesmas realizadas na sondagem feita no início da aplicação do programa, porém as respostas foram totalmente diferentes das obtidas na primeira avaliação.

Desta vez os alunos souberam responder a todas as perguntas, em alguns momentos exemplificando para demonstrar que realmente aprenderam. Ao observar a reação dos alunos, percebeu-se que, naquele momento, não havia distinção entre alunos com deficiência e alunos sem deficiência. Diante de suas provas, a primeira e a segunda perguntas pareciam, então, tão óbvias, que alguns alunos perguntaram se precisava responder. Perguntas que antes pareciam não ter significado se tornaram fáceis demais.

Discussão dos resultados

Diante dos resultados obtidos com a aplicação do Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil, foi possível visualizar que, em uma sala de aula na qual alunos e professores se sentem motivados a aprender juntos e respeitando suas individualidades, parece que realmente pode vir a ser um progresso na história da educação brasileira (Silva; Aranha, 2005).

A ideia de levar para a sala de aula uma proposta de ensino que aliou teoria com a prática (como o concreto, palpável) foi uma ideia que instigou os alunos a quererem participar da aula, o que, de certa maneira, estimula os próprios professores a quererem mais de seus alunos. Para tanto, a brincadeira e o jogo foram fundamentais para a união e a interação entre todos os alunos. Além disso, os materiais utilizados no desenvolvimento das propostas são de fácil acesso, o que possibilita que as atividades possam ser replicadas com outras turmas. Quando se observou que propostas diferenciadas, elaboradas pensando no todo da sala de aula podem mudar o comportamento de uma turma inteira, lembra-se de Gomes e Barbosa (2006) quando abordam a importância da elaboração de práticas mais igualitárias.

Outra questão que merece ser destacada é que, durante o desenvolvimento das atividades do programa, houve a aceitação dos alunos com deficiência como parte do grupo. Isso fica evidente quando a professora participante da pesquisa comenta que até os alunos com um pouco mais de dificuldade para acompanhar puderam interagir com mais segurança, pois o aluno com deficiência intelectual, que sempre procurou ficar calado durante as aulas, conseguiu se expressar. Assim, o aluno pôde tirar suas dúvidas, interagiu com os demais, realizou as atividades solicitadas como se não existisse distinção entre suas perguntas e as dos colegas. Sempre que as dúvidas eram lançadas todos paravam para ouvir, pois, naquele momento, a dúvida poderia ser a de qualquer colega.

Considerações finais

A presente pesquisa teve como objetivo analisar os efeitos do Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil e a introdução à leitura de mapas, aplicado no contexto da sala de aula comum. O projeto foi realizado em parceria com a professora Regina (regente) e com a professora Adrieli (professora de apoio), ambas de uma escola municipal de um município de pequeno porte, localizado na região oeste do estado do Paraná.

Com a liberação dos horários reservados para as aulas de Geografia para a realização da pesquisa, foi possível desenvolver a proposta sem dificuldade. A descrição do processo de desenvolvimento do programa com a turma indicou que esse programa contribuiu de maneira significativa para o aprimoramento da capacidade dos alunos de fazerem a leitura de mapas, uma vez que os incitou à compreensão das noções de proporção, escala, orientação e localização geográfica, bem como provocou o contato com as visões horizontal e vertical e a aprendizagem da leitura de legendas e da rosa dos ventos. Além disso, antes de participarem do Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica tátil, os alunos participantes não sabiam claramente o que eram mapas e quais as funções deles, mas, após a participação no Programa Educacional, conseguiram ler, interpretar e construir mapas com uma estrutura simples.

Infere-se, portanto, que o programa desenvolvido pode ser um recurso eficaz para a leitura e a interpretação de mapas para ser trabalhado no contexto da sala de aula comum, pois, além de ter havido a participação e interesse de todos, houve também a interação e, por que não dizer, a inclusão de todos. Cabe lembrar que a escola contava com mapas táteis, porém a professora não sabia como fazer uso deles, e apresentar um mapa ao aluno não significa que o aluno saiba fazer uso dele. Assim, não basta que a escola tenha mapas adaptados, é necessário preparar os professores para saberem usá-los corretamente.

Espera-se que a proposta de trabalho desenvolvida nesta pesquisa possa ser reproduzida e aperfeiçoada, não só por pesquisadores da área da Cartografia e Geografia, mas também por professores de Educação Especial, para que possam realizar trabalhos de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil e leitura de mapas no cotidiano escolar. Ressalva-se que essa construção de conhecimento a partir do desenvolvimento do Programa Educacional de Introdução à Linguagem Cartográfica Tátil foi lenta e trabalhosa, mas ninguém disse que seria uma tarefa fácil. Trabalhar com um grupo tão diverso significou enfrentar barreiras e desafios; apesar disso, o resultado foi recompensador. Trabalhar com a diversidade não é fácil e talvez nunca será. Por isso, salienta-se a importância da presença de um professor de apoio em sala, pois sem ele é impossível atender a todos.

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1Fomento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Brasil.

Recebido: 05 de Dezembro de 2022; Revisado: 11 de Maio de 2023; Aceito: 15 de Maio de 2023; Publicado: 23 de Novembro de 2023

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