1 Introdução
Nos últimos 20 anos de investigação na área da Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental (DID), vulgo deficiência intelectual, reconhecem-se inúmeros desenvolvimentos científicos e sociais com impacto nas práticas profissionais, ao abrigo do enquadramento de qualidade de vida, com foco nos direitos, na autonomia e na participação social (Moniz, 2007). Este interesse está associado à crescente reforma educativa e reabilitativa que Portugal também tem preconizado do ponto de vista legislativo, mas ainda com poucas evidências sobre a sua implementação na prática (Santos, 2020). No alinhamento entre o modelo de qualidade de vida e a convenção dos direitos das pessoas com deficiência (Verdugo et al., 2012) e no âmbito da educação inclusiva em Portugal, por meio do Decreto-Lei n.º 54/2018, sobressai o constructo da autodeterminação envolvendo o papel ativo dos alunos com e sem DID, no planeamento educativo e na consideração das suas escolhas para a tomada de decisão fundamentada sobre o seu percurso académico (Santos, Moreira, et al., no prelo). Situação idêntica acontece com as pessoas adultas com DID, dada a institucionalização ser ainda considerada como a melhor resposta social para as necessidades desse subgrupo.
De acordo com a mais recente teoria do agente causal, segundo Shogren et al. (2015a), a autodeterminação é uma “dispositional characteristic manifested as acting as the causal agent in one’s life” (p. 238), exigindo que a pessoa aja de forma volitiva e intencional (Wehmeyer et al., 2017), e que escolha os objetivos que pretende atingir (Nota et al., 2011), visando a relação de (maior) qualidade com envolvimento. Nesta teoria (Shogren et al., 2015a), enfatizam-se três dimensões (ação volitiva, ação de agente causal e crenças de controlo de ação) que enquadram os quatro domínios da teoria funcional que a precedeu (autonomia, autorregulação, empoderamento psicológico e autorrealização) (Wehmeyer, 2005). Estes quatro domínios parecem alinhados com a política portuguesa que reforça, agora, a oportunidade de as pessoas com DID terem uma voz ativa na sua própria vida, decidindo sobre o seu plano de vida, em detrimento da exclusividade dessa responsabilidade por terceiros (cuidadores informais e formais). O foco é o empoderamento das pessoas com DID que devem ser capacitadas para regular os seus comportamentos e para tomar decisões e fazer escolhas visando a autorrealização. Essa capacitação deve ser concretizada em uma diversidade de contextos: educativo, institucional ou na comunidade. Apesar dos avanços internacionais ao nível da autodeterminação, os poucos estudos no nosso país (e.g. Nunes & Santos, 2019) ainda se baseiam no modelo funcional (Wehmeyer, 2005).
A autodeterminação, apesar de ser contemplada na legislação e no perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória (Despacho n.º 6478/2017) e de ser considerada como um resultado relevante para todos os estudantes, parece ainda não ser reconhecida como competência transversal ao longo do processo de aprendizagem. E dado o seu desenvolvimento ao longo do plano de vida (Shogren et al., 2015a), esta preocupação não se deve restringir apenas a professores e a outros profissionais prestadores de cuidados, envolvendo também as próprias pessoas com DID que exigem o direito de decidir e de se tornarem agentes causais nas suas próprias vidas (Wehmeyer & Abery, 2013), quer seja o nível dos programas educativos individuais, quer seja dos planos de vida institucionais.
Em Portugal, o domínio da autodeterminação é considerado como o mais importante para as pessoas com DID e um dos preditores mais robustos de qualidade de vida, com todos os seus indicadores preditores de um ou mais direitos humanos e/ou legais (Simões, 2016). O constructo parece promissor na concetualização do funcionamento independente e da autonomia das pessoas com DID. No entanto, constata-se menores índices de autodeterminação por parte deste subgrupo quando comparados com os pares típicos (Simões & Santos, 2016) que também demonstram a sua menor satisfação com esse domínio (Simões, 2016). O impacto da autodeterminação repercute-se na decisão e na escolha a variados níveis (Simões, 2016; Wehmeyer, 1997), desde as mais simples (e.g. o que vestir) até as mais complexas (e.g. escolha de uma atividade profissional), estando dependente das oportunidades e do contexto. Apesar do avanço teórico ao nível político e da investigação, as atitudes dos agentes educativos parecem ainda erguer-se como uma barreira à capacitação dos alunos com DID (Barbosa et al., 2017), perpetuando o mito da sua eterna infantilização, foco nas limitações e nas práticas orientadas para a idade mental, o que condiciona menor produtividade (Santos, 2020).
Melhores perfis de autodeterminação parecem corresponder a melhores resultados de transição para a vida adulta e ativa ao nível de funcionamento independente, de integração e de participação social, de empregabilidade e de independência financeira (Neely-Barnes et al., 2008; Nota et al., 2007; Shogren & Broussard, 2011; Shogren et al., 2015b) e de uma vida com mais qualidade (Miller & Chan, 2008; Simões, 2016). O desenvolvimento orientado para a prática, em qualquer campo científico, requer uma atenção particular para as qualidades métricas de instrumentos e de métodos de recolha de dados para além-fronteiras, envolvendo domínios e populações-alvo, de forma a selecionar o instrumento apropriado para os propósitos de avaliação, e para melhorar o rigor e a eficácia do processo de recolha de dados e da validação cross-cultural. Vários instrumentos têm vindo a ser inseridos nos respetivos enquadramentos teóricos (Verdugo et al., 2015). A concetualização da autodeterminação depende do tempo, do contexto cultural e da forma como cada sociedade compreende e perspetiva a “deficiência” e o funcionamento/comportamento humano (Shogren et al., 2015a).
A escassez de evidências científicas em Portugal sobre o perfil de autodeterminação, devido a valores socioculturais específicos que tendem a associar a responsabilidade e a tomada de decisões a pessoas adultas e com desenvolvimento típico, em detrimento das próprias pessoas com DID, e a publicação dos mais recentes normativos (Decreto-Lei n.º 54/2018; Despacho n.º 6478/2017) focados em perfis mais funcionais e autodeterminados, exigem novas abordagens ao nível das metodologias de avaliação e da análise das qualidades métricas (Santos, 2019). Em termos internacionais, a promoção da autodeterminação de estudantes com DID é considerada como uma boa prática educativa (Shogren et al., 2015b). Acresce-se, ainda, a necessidade de alargar este estudo para crianças e adultos e não apenas focar nos adolescentes (Wehmeyer et al., 2012). Por um lado, até o momento, não existe nenhum instrumento de avaliação de autodeterminação adaptado e validado a nível nacional. Por outro lado, a mera tradução dos instrumentos, tradicionalmente de língua inglesa e da cultura norte-americana, não é suficiente ou válida (Santos et al., 2014). Neste sentido, deve ser considerado um conjunto de procedimentos necessários e rigorosos para a tradução e a adaptação de um instrumento de avaliação dessa natureza (International Test Commission, 2017).
Dessa forma, o objetivo deste artigo passa pela tradução, adaptação para a língua portuguesa (em Portugal) da Arc’s Self-Determination Scale para adolescentes e adultos com DID (ligeira e moderada) e pela análise preliminar das suas qualidades psicométricas, para serem utilizadas em contexto educativo e institucional. O formato de autorrelato pode atuar como um indicador da autodeterminação, possibilitando às pessoas com DID ter uma voz ativa na sua própria vida e ajudando a selecionar medidas e apoios para a promoção dessa habilidade que se espera com impacto na funcionalidade, na participação social e na qualidade de vida. Com este estudo, pretende-se contribuir para a obtenção de dados empíricos para o campo científico e profissional, para estudos cross-sectional bem como para o desenvolvimento de instrumentos válidos e de protocolos rigorosos que permitam a identificação de pistas para intervenções mais ajustadas ao perfil individual.
2 Método
A seguir, apresentam-se os participantes, os instrumentos e os procedimentos escolhidos para esta pesquisa.
2.1. Participantes
A versão portuguesa foi aplicada a 500 adolescentes e adultos, entre 16 e 70 anos de idade (24.03±9.15), sendo 256 do género feminino e 244 do género masculino, a frequentar escolas regulares e/ou instituições em Portugal continental, com (n=250) e sem (n=250) diagnóstico médico prévio de DID, com capacidade de compreensão de conceitos abstratos e com autonomia ao nível da linguagem expressiva e recetiva, para efeitos do preenchimento da escala.
As idades dos participantes com DID variaram entre 16 e 67 anos (26.09±9.86), 115 eram do género feminino e 135 do género masculino, a frequentar escolas especiais ou instituições. A maioria tinha DID não especificada (n=216) e estava desempregada (n=246). Como habilitações académicas, 114 participantes com DID tinham o 1º ciclo (4 anos escolares) e 136 tinham o 3º ciclo (até o 9º ano) da escolaridade obrigatória.
No grupo sem DID, as idades variaram entre 16 e 70 anos de idade (21.96±7.89), com 141 do género feminino e 109 do género masculino. A maioria tinha o ensino secundário (12º ano), 45 estavam empregados com a maioria ainda a estudar. Os critérios de inclusão consideravam: 1) idade superior a 16 anos; 2) diagnóstico formal e presente no processo académico/institucional de DID (para os participantes com DID); e 3) capacidade de compreensão da linguagem falada ou escrita de forma a poder preencher a medida de autorrelato.
O recrutamento dos participantes foi feito com base nos protocolos existentes entre a universidade e as escolas/instituições. Os profissionais das organizações selecionaram os participantes que correspondiam aos critérios de exclusão e procederam ao envio e à recolha dos consentimentos informados assinados pelos encarregados de educação/tutores e participantes.
2.2. Instrumentos
A EADp (no original, Arc’s Self-Determination Scale), de Wehmeyer e Kelchner (1995), avalia a autodeterminação em adolescentes com DID, com dificuldades de aprendizagem e perturbações emocionais, por meio do autorrelato sobre os próprios pontos fortes e as áreas a melhorar, não servindo para efeitos prescritivos ou de diagnóstico. A escala deve ser utilizada para escolhas ao nível dos programas educativos, de intervenção ou de plano de vida, sendo constituída por quatro secções (Wehmeyer & Kelchner, 1995):
Autonomia composta por 32 itens subdivididos em: 1A - Independência: rotina de cuidados pessoais e funções orientadas pela família; 1B - Independência: interação com o meio; 1C - Agir em função de preferências, crenças, interesses e capacidades: atividades recreativas e de lazer; 1D - Agir em função de preferências, crenças, interesses e capacidades: envolvimento e interação na comunidade; 1E - Agir em função de preferências, crenças, interesses e capacidades: orientação vocacional; e 1F - Agir em função de preferências, crenças, interesses e capacidades: expressão pessoal. Essa secção apresenta quatro alternativas de resposta que são pontuadas com valores entre 0 e 3: 0 - nunca; 1 - às vezes; 2 - muitas vezes; e 3 - sempre.
Autorregulação com nove itens (33 a 41) constituída por duas subsecções: Resolução de Problemas e Estabelecimento de Objetivos (com a identificação de objetivos e das diferentes etapas para atingi-los), variando a sua pontuação entre 0 e 2. A pontuação 0 deverá ser atribuída quando o indivíduo não responde à questão ou quando a sua resposta não vai ao encontro da história previamente apresentada. Por sua vez, dever-se-á atribuir a pontuação 1 quando a resposta do indivíduo expressa uma solução viável, permitindo criar uma ponte entre o seu início e fim. Dever-se-á atribuir a pontuação 2 sempre que a resposta do indivíduo permitir alcançar o fim indicado. Nesse âmbito, importa frisar que Wehmeyer e Kelchner (1995) postulam que uma pontuação de 2 não representa, necessariamente, uma pontuação ideal, devendo-se, assim, ter em conta as demais variáveis que poderão condicionar esse processo de avaliação. A pontuação da segunda subsecção varia entre 0 e 3: 0 - ainda não pensou sobre o objetivo; 1 - identificou o objetivo; 2 - identificou uma ou mais etapas para o atingir; 3 - referiu três ou quatro etapas.
Empoderamento Psicológico com os itens de 42 a 57, e duas opções de resposta: as que refletem competências de empoderamento psicológico (crença nas suas capacidades, perceção de controlo e expetativas de sucesso) são pontuadas com 1; as que não refletem são pontuadas com 0.
Autorrealização com 15 itens (58 a 72) respondidos com discordo (0 pontos) e concordo (1 ponto).
O processo de pontuação da EADp compreende a determinação da pontuação bruta de todas as suas subsecções e secções, sendo o seu cálculo final o resultado do somatório de todas as suas secções. Após obter-se a pontuação final, é necessário recorrer a tabelas de conversão, de modo a realizar-se uma correta interpretação dos resultados obtidos (Wehmeyer & Kelchner, 1995).
2.3 Procedimentos
Após a autorização de Wehmeyer e Kelchner (1995), iniciou-se o processo de tradução e de adaptação da escala à população portuguesa. Importa realçar que os participantes foram, em todas as fases do estudo, informados acerca das metodologias e dos objetivos, garantindo o anonimato das respostas e utilizando uma linguagem de fácil compreensão. Todos os participantes assinaram o formulário de consentimento informado. Foi sublinhado que não existiam respostas certas ou erradas. Este trabalho não envolvia riscos para a saúde dos participantes, contribuindo para a obtenção de um instrumento válido de autodeterminação para pessoas com DID. Os procedimentos éticos foram salvaguardados, de acordo com a Declaração de Helsínquia, com parecer positivo da Comissão de Ética para a Investigação da Faculdade de Motricidade Humana.
Após obtida a autorização e a recolha dos consentimentos informados assinados, a escala foi aplicada em uma hora a combinar com os intervenientes de forma a não interferir com as atividades desempenhadas. A escala foi preferencialmente autoadministrada, i.e., todos os indivíduos responderam autonomamente, encontrando-se o investigador principal na sala, com o intuito de clarificar dúvidas e prestar esclarecimentos necessários. Nos casos em que se verificaram dificuldades na compreensão da leitura e/ou da escrita, foi o próprio investigador a fazer a entrevista (n=150) e ou a prestar apoio (n=95) em uma sala, garantindo a privacidade das respostas individuais. As questões foram iguais para todos os participantes (com e sem DID) e a aplicação demorou, em média, 45 minutos.
A análise dos dados foi feita recorrendo ao software SPSS versão 21, optando-se pelos procedimentos inerentes a uma investigação desta natureza.
3 Resultados
Os estudos psicométricos devem assentar os seus princípios na fiabilidade6 e na validade7 dos instrumentos. A validade deve ser sujeita a três vertentes: conteúdo, critério e constructo. A validade de conteúdo é a avaliação sistemática dos conteúdos da escala para se determinar se são representativos dos comportamentos a observar, a qual exige duas abordagens: a descritiva e a empírica (Wynd et al., 2003). A abordagem descritiva envolveu a revisão da literatura sobre os domínios e seus conteúdos, e a abordagem empírica diz respeito à análise quantitativa do conteúdo dos itens. No âmbito da tradução e da adaptação, teve-se um cuidado especial com o nível linguístico e com a adaptação (envolvendo a apreciação das equivalências linguísticas e concetuais) à cultura portuguesa (diferente do original).
A análise empírica da validade de conteúdo foi efetuada individualmente e de modo independente entre os 11 peritos selecionados, com base na sua formação académica (todos com doutoramento na área de Dificuldade Intelectual, Educação Especial e Metodologias de Investigação) e experiência prática com pessoas com DID. Cada perito classificou cada item quanto à relevância, clareza, simplicidade e ambiguidade (Yaghmaie, 2003) por meio de uma escala tipo Likert, variando de 1= muito irrelevante até 4= muito relevante (Wynd et al., 2003; Yaghmaie, 2003). Em seguida, as respostas 1 e 2 (irrelevante e pouco relevante) foram consideradas como não havendo validade de conteúdo, e as respostas 3 e 4 (relevante e muito relevante) referiam-se à validade de conteúdo (Polit & Beck, 2006; Wynd et al., 2003; Yaghmaie, 2003). A possibilidade de observações para a melhoria da escala foi garantida.
A técnica de grupos focais foi adotada para clarificar a linguagem, os termos utilizados e/ou as dúvidas que possam ter ficado. Para a análise da relevância do conteúdo (Tabela 1), foram calculados os índices de validade de conteúdo (IVC) de cada item (IVC-I) cujos valores devem ser ≥.78, acordo universal (AU/IVC-E) com valores iguais ou superiores a .80, e médio (M/IVC-E), que deve ser superior a .90 (Polit & Beck, 2006; Wynd et al., 2003) se a avaliação tiver sido feita por seis ou mais peritos (Polit & Beck, 2006). Todos os itens com valores inferiores a .75 foram retirados (Yaghmaie, 2003). Todas as questões foram consideradas relevantes ou muito relevantes, apesar da necessidade de aperfeiçoar e explicitar alguns itens (n=16) para os tornar mais claros e menos ambíguos.
Relevância | Clareza | Simplicidade | Ambiguidade | |
---|---|---|---|---|
Item 1 | 1 | .45 | ||
Item 2 | 1 | .45 | .45 | |
Item 3 | 1 | .64 | .09 | |
Item 4 | 1 | .36 | .45 | .18 |
Item 5 | 1 | .09 | ||
Item 6 | 1 | .45 | ||
Item 7 | 1 | .55 | ||
Item 8 | 1 | .64 | ||
Item 10 | 1 | .55 | ||
Item 22 | 1 | .55 | ||
Item 23 | 1 | .27 | ||
Item 27 | 1 | .18 | ||
Item 33 | 1 | .45 | .55 | .27 |
Item 34 | 1 | .36 | ||
Item 36 | 1 | .27 | .00 | .09 |
Item 42 | 1 | .64 | ||
Item 47 | 1 | .36 | ||
Item 49 | 1 | .09 | ||
Item 54 | 1 | .73 | ||
Item 55 | 1 | .45 | .36 | .27 |
Item 63 | 1 | .64 | ||
AU/IVC-E | 1 | .82 | .81 | .69 |
M/IVC-E | 1 | .92 | .92 | .85 |
A proporção de acordo (PA) entre os peritos (Tabela 2) indica um bom acordo entre eles, com o valor mais baixo de .79 referido pelo P3 no critério Ambiguidade.
Relevância | Clareza | Simplicidade | Ambiguidade | |
---|---|---|---|---|
P1 | 1 | .92 | .96 | .85 |
P2 | 1 | 1 | .97 | .88 |
P3 | 1 | .94 | .93 | .79 |
P4 | 1 | .92 | .90 | .82 |
Relevância | Clareza | Simplicidade | Ambiguidade | |
P5 | 1 | .96 | .94 | .83 |
P6 | 1 | .94 | .93 | .89 |
P7 | 1 | .92 | .92 | .86 |
P8 | 1 | .93 | .93 | .88 |
P9 | 1 | .89 | .88 | .89 |
P10 | 1 | .85 | .88 | .85 |
P11 | 1 | .90 | .90 | .88 |
O Kappa de Cohen foi calculado para quantificar o acordo entre dois peritos, envolvendo a diferença entre a percentagem do acordo observado e a percentagem do acordo esperado pelo acaso (Viera & Garrett, 2005): k<.40 indicam um acordo fraco, .41>k<.60 um acordo moderado, .61>k<.75 um bom acordo, e acima de .75 é excelente (Wynd et al., 2003). Os índices de acordo entre observadores (Tabela 3) apontam para acordos moderados e bons, salientando-se apenas os valores mais baixos: P2-P9 (k=.30) e P2-P10 (k=.34) como estando associados ao mesmo perito (P2).
P 1 | P 2 | P3 | P4 | P5 | P6 | P7 | P8 | P 9 | P10 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
P2 | .42 | |||||||||
P3 | .51 | .49 | ||||||||
P4 | .53 | .46 | .47 | |||||||
P5 | .59 | .58 | .57 | .54 | ||||||
P6 | .51 | .55 | .45 | .62 | .53 | |||||
P7 | .49 | .46 | .57 | .55 | .50 | .59 | ||||
P8 | .53 | .44 | .52 | .59 | .55 | .76 | .66 | |||
P9 | .54 | .30 | .44 | .55 | .51 | .54 | .61 | .61 | ||
P10 | .59 | .34 | .54 | .59 | .48 | .50 | .65 | .52 | .64 | |
P11 | .62 | .44 | .61 | .58 | .54 | .52 | .54 | .64 | .64 | .59 |
A fiabilidade foi analisada pela consistência interna com valores a variar entre .64 e .92 e com um total de .89, revelando ter excelente consistência (Pestana & Gageiro, 2005), apesar da necessidade de uma atenção especial ao nível das secções 1B, 2B e 4; e pela estabilidade temporal (pela técnica do teste-reteste) a uma amostra de 79 participantes com DID (Tabela 4), por meio do Alpha de Cronbach (α) e do coeficiente de correlação de Pearson, respetivamente, para todas as “secções”. É possível verificar valores elevados ao nível das correlações do teste-reteste (.84>r<.97). No âmbito da estatística descritiva, procedeu-se o cálculo dos valores da média e do desvio-padrão. A comparação sobre a autodeterminação dos adolescentes e adultos com e sem DID foi concretizado por meio do teste paramétrico t-student (Tabela 4), e verificaram-se diferenças significativas entre todas as secções da EADp (p<.01) para os dois grupos, tal como seria expectável.
Secções | r (n=79) | Α (n=79) | Participantes com DID | Participantes sem DID | p (t-student) |
---|---|---|---|---|---|
1 Autonomia | |||||
1A. | .93 | .77 | 10.25 ± 4.15 | 14.21 ± 2.60 | <.01 |
1B. | .90 | .66 | 6.90 ± 2.78 | 9.54 ± 2.04 | <.01 |
1C. | .86 | .72 | 11.02 ± 3.50 | 14.16 ± 2.48 | <.01 |
1D. | .92 | .70 | 6.12 ± 3.26 | 8.94 ± 2.56 | <.01 |
1E. | .97 | .72 | 7.56 ± 4.14 | 11.63 ± 3.03 | <.01 |
1F. Expressão pessoal | .93 | .82 | 8.91 ± 4.13 | 13.63 ± 1.65 | <.01 |
2 Autorregulação | |||||
2A. | .91 | .92 | 5.07 ± 3.06 | 10.62 ± 2.42 | <.01 |
2B. | .84 | .64 | 2.96 ± 2.35 | 5.76 ± 2.59 | <.01 |
3 Empoderamento Psicológico | .96 | .80 | 11.83 ± 3.02 | 15.18 ± 1.32 | <0.1 |
4 Autorrealização | .93 | .59 | 10.97 ± 1.95 | 12.35 ± 2.12 | <.01 |
Legenda: 1A= Independência: rotina de cuidados pessoais e vida familiar; 1B= Independência: interação com o meio; 1C= Atividades recreativas/lazer; 1D= Envolvimento/interação comunitária; 1E= Transição para a vida ativa; 1F= Expressão pessoal; 2A= Resolução de problemas; 2B= Estabelecimento de objetivos e desempenho nas tarefas; 3= Empoderamento psicológico; 4= Autorrealização.
No que concerne à validade de constructo8 (Tabela 5), estudaram-se as intercorrelações entre as várias secções da escala, uma vez que devem estar relacionadas entre si, conferindo-lhes independência (Pestana & Gageiro, 2005), e procedeu-se à análise fatorial exploratória (AFE). Para tal, foi utilizado o método de estimação do maximum likehood, com rotação varimax, e para a avaliação da adequação foram escolhidos os índices de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o teste de esfericidade de Bartlett (Pestana & Gageiro, 2005). A estrutura em análise incluiu todos os itens da escala e foram encontrados dois fatores que explicavam cerca de 29,80% da variância total. Os critérios para a manutenção dos itens foram os estabelecidos na literatura: eigenvalues superiores a 1, scree plot, e valores dos componentes superiores a .40 (Pestana & Gageiro, 2005).
Secções | 1A | 1B | 1C | 1D | 1E | 1F | 2A | 2B | 3 | 4 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1A | -- | |||||||||
1B | .42** | -- | ||||||||
1C | .38** | .46** | -- | |||||||
1D | .27* | .40** | .71** | -- | ||||||
1E | .44** | .51** | .54** | .47** | -- | |||||
1F | .29** | .49** | .38** | .47** | .43** | -- | ||||
2A | .31** | .26* | .26* | -.03 | .23* | .02 | -- | |||
2B | .25* | .41** | .22 | .21 | .49** | .47** | .17 | -- | ||
3 | .32** | .45** | .48** | .22 | .53** | .22 | .35** | .19 | -- | |
4 | .14 | .29** | .27* | .17 | .09 | .10 | -.01 | -.08 | .25* | -- |
Legenda: 1A= Independência: rotina de cuidados pessoais e vida familiar; 1B= Independência: interação com o meio; 1C= Atividades recreativas/lazer; 1D= Envolvimento/interação comunitária; 1E= Transição para a vida ativa; 1F= Expressão pessoal; 2A= Resolução de problemas; 2B= Estabelecimento de objetivos e desempenho nas tarefas; 3= Empoderamento psicológico; 4= Autorrealização;
*p<.05;
**p<.01
Todos os itens com baixas comunalidades e os fatores com menos de três itens foram eliminados. Desse modo, mantiveram-se os 72 itens, não se tendo retirado nenhum. Apesar de os resultados parecerem não corroborar a estrutura original de quatro fatores (Wehmeyer, 1999), recomenda-se a análise fatorial confirmatória (AFC) para uma análise mais profunda.
4 Discussão
O presente estudo tem como objetivo a análise das propriedades psicométricas da versão portuguesa de um instrumento de avaliação das competências de autodeterminação de adolescentes e adultos portugueses (com e sem DID) em contexto escolar e institucionalizado, correspondendo à necessidade de se desenvolverem este tipo de ferramentas de avaliação dentro do contexto português, e assim poder entrar em sintonia com os avanços consideráveis alcançados neste domínio em outros países (Hoffman et al., 2004; Wehmeyer & Kelchner, 1995; Wolman et al., 1994).
A validade de conteúdo foi realizada com base no acordo de 11 peritos, que permitiu o estabelecimento de uma versão final da EADp com evidência empírica sobre a correspondência dos seus itens e respetivas secções. Os peritos consideraram oito itens cuja linguagem necessitava ser esclarecida, que sete itens deveriam ser simplificados e 16 itens poderiam ter interpretações ambíguas. Com base nos IVC, foram realizadas revisões de tradução de 21 itens da EADp para uma melhor compreensão do que estava a ser solicitado em cada item, assim como do significado contextual, evitando a utilização de termos vagos que comprometessem a compreensão dos itens. As outras questões apresentaram pontuações acima de .78 em todos os parâmetros de análise, enfatizando que todos os peritos assumiram a relevância das 72 questões da EADp. O AU/IVC-E e a M/IVC-E confirmam a validade de conteúdo da EADp (Polit & Beck, 2006). Apenas foi encontrado um item com valor abaixo do recomendado na ambiguidade. Todas as sugestões e observações melhoraram a compreensão da escala.
Em relação ao Kappa de Cohen, as pontuações consideradas como “pobre acordo” estão associadas com o Perito 2 que, de uma forma paradoxal, apresentou uma proporção de concordância total com todos os itens na relevância e na clareza, e quase total na simplicidade e na ambiguidade. O Kappa é sensível a vários tipos de desacordo, pelo que podem decorrer baixas pontuações, mesmo quando existem altas percentagens de acordo entre peritos (Viera & Garrett, 2005). Se o Perito 2 for removido desta análise, os valores desse índice provavelmente melhorariam. No entanto, como esse perito tem doutoramento na especialidade de Educação Especial e Reabilitação e experiência considerável nas áreas inerentes ao processo de validação de escalas para as populações com DID, considerou-se importante mantê-lo e levar em conta todas as suas observações no redesenhar dos itens finais da EADp. A versão original não apresenta dados sobre a validade de conteúdo.
A fiabilidade da versão portuguesa foi confirmada com valores bons e excelentes ao nível da consistência interna, corroborando outros estudos (Gomez-Vela et al., 2012). No caso desta pesquisa, há que se dar particular atenção às secções que obtiveram um alpha inferiores de .59 (Autorrealização) e .64 (Autorregulação) que, contudo, parecem ir ao encontro dos valores originais (Wehmeyer & Kelchner, 1995). A estabilidade temporal indica a elevada fiabilidade da escala, situando-se muito próximo dos valores originais (Wehemeyer & Kelchner, 1995).
Na análise das correlações entre as várias secções, constata-se uma correlação fraca entre o Empoderamento Psicológico e a Autorrealização, e uma correlação moderada entre a Autorregulação (subsecção 2A) e o Empoderamento Psicológico. A secção Autonomia e respetivas subsecções tendem, na sua generalidade, a ter correlações moderadas com todas as outras secções. A literatura parece não suportar estes resultados com Shogren et al. (2006) e Shogren et al. (2008) a apontarem correlações fracas com todas as outras secções. No entanto, todas apoiam a perspetiva teórica da sua inclusão no constructo da autodeterminação. Os resultados mais baixos na última secção podem dever-se ao facto de as competências avaliadas implicarem a utilização de processos cognitivos mais complexos, como o conhecimento que o indivíduo tem de si próprio, das suas capacidades e das suas limitações. Os resultados da AFE identificaram dois fatores, corroborando Wehmeyer et al. (2006), mas não a estrutura original de quatro fatores (Gomez-Vela et al., 2012; Vicente et al., 2015; Wehmeyer & Kelchner, 1995). Destaca-se, contudo, a multidimensionalidade do constructo, apesar da necessidade de se aprofundar este estudo com a AFC.
De um modo geral, observou-se uma suficiente variabilidade entre os grupos em todas as secções da EADp. Analisando os valores médios, confirmou-se a diferenciação dos dois grupos (com e sem DID) nas quatro competências de autodeterminação e, portanto, a EADp parece ser capaz de diferenciar pessoas com e sem DID. Os participantes com DID obtiveram pontuações inferiores, tal como esperado (e.g. Eisenhower et al., 2007; Mithaug et al., 2003; Nunes & Santos, 2019; Shogren et al., 2006; Verdugo et al., 2015; Wehmeyer & Kelchner, 1995). Este perfil menos autodeterminado das pessoas com DID pode resultar das limitações cognitivas apresentadas, o que direciona a intervenção feita no sentido da estimulação da funcionalidade nas atividades de vida diária, em detrimento da promoção de competências de autodeterminação, e, portanto, com menores oportunidades, relembrando questões como a inabilitação ou a interdição (judicial) que poderão influenciar, limitando o desenvolvimento dessas competências (Santos, Marques, et al., no prelo). Entretanto, os participantes com DID deste estudo estavam todos institucionalizados, não compartilhavam um número considerável de experiências de vivência comunitária e não tinham as mesmas oportunidades para desenvolverem algumas competências autodeterminadas, estando, por isso, também, em um grau considerável de superproteção (Santos et al., 2014; Santos, 2020).
As diferenças registadas entre os indivíduos do género masculino e feminino poderão estar relacionadas com a forma como cada um vê, interpreta e considera como relevantes as quatro características do comportamento autodeterminado. Os indivíduos do género feminino com DID apresentaram valores médios de autodeterminação superiores aos dos seus pares masculinos, o que corrobora outros estudos (Nota et al., 2007; Shogren et al., 2007; Verdugo et al., 2015). No entanto, há a necessidade de estudos mais específicos a esse nível, dado a sua escassez e pelo facto de, por vezes, serem inconclusivos: Soresi et al. (2004) encontraram valores médios superiores nos participantes do género masculino, e Nunes e Santos (2019) não encontraram diferenças significativas na variável género, apesar de obterem valores médios ligeiramente superiores nas participantes do género feminino ao nível das atividades que implicam rotina de cuidados pessoais e vida familiar, e no género masculino ao nível da orientação vocacional/transição para a vida ativa.
Ao nível da comparação dos resultados pelas idades, constataram-se ligeiras diferenças nos escalões mais jovens (entre 16 e 25 anos), observando-se, a partir dessa idade, a inexistência de diferenças. Estes resultados vão ao encontro de Nunes e Santos (2019) e Verdugo et al. (2015) mas diferem dos de Wehmeyer et al. (2006) que não encontraram diferenças significativas com a idade. Os estudos, neste âmbito, são ainda escassos e pouco conclusivos, havendo a necessidade de mais investigação na área. Nunes e Santos (2019) apontam a melhoria progressiva das habilidades de autodeterminação com estabilização perto dos 40 anos. Nota et al. (2007) concluíram que as experiências e as oportunidades de decisão eram mais determinantes do que a idade, realçando a necessidade de mais estudos nesse campo.
Por fim, foi percetível a constatação de que as pessoas com DID apresentam menor nível de escolarização do que os seus pares sem DID, com repercussões menos positivas ao nível do desenvolvimento das competências de autodeterminação, o que se reflete no contexto da situação profissional, na qual a larga maioria dos participantes com DID se encontrava em situação de “sem emprego”, e os que se encontravam em situação de “emprego” exerciam a sua atividade profissional em contextos laborais mais protegidos e facilitadores, o que reforça vários estudos (Foley et al., 2012; Holwerda et al., 2013; Vicente et al., 2015). A literatura sugere que estes resultados podem dever-se ao facto da população jovem adulta com DID não vivenciar uma grande panóplia de experiências em que lhe sejam proporcionadas oportunidades de expressar preferências, fazer escolhas e tomar decisões de modo consciente (Wehmeyer & Metzler, 1995). A esta questão deve ser dada uma atenção particular em contexto educativo, especialmente depois da mudança de paradigma (Santos, Moreira, et al., no prelo).
Tal como em qualquer estudo desta natureza, identificam-se como limitações o número reduzido da amostra de conveniência cuja localização geográfica se circunscreveu à zona da Grande Lisboa, e que ainda não permite generalizações, exigindo mais investigação na área. Contudo, será importante analisar os resultados nos outros níveis da DID. A análise da validade de critério9 por meio de estudos correlacionais com outras medidas similares e/ou adjacentes, bem como a AFC para avaliar e confirmar a adequabilidade do modelo proposto e a decisão sobre os itens e as dimensões da versão portuguesa, são algumas das recomendações para a investigação. A identificação e a análise das barreiras e dos facilitadores sociais para a reorganização e a inovação das intervenções psicomotoras, a especificidade do impacto de fatores pessoais, a influência dos contextos (casa, comunidade, escola, trabalho, entre outros), a eficácia das intervenções e a maneira pela qual essas variáveis afetam a autodeterminação de indivíduos com DID, assim como a avaliação da perceção dos familiares/prestadores de cuidados, também deverá ser alvo de análises posteriores (Wehmeyer & Abery, 2013). Nesse sentido, e dada a existência de um instrumento com boas qualidades métricas, torna-se urgente a elaboração, a implementação e a avaliação de programas de autodeterminação para pessoas com DID e outras perturbações, em diferentes contextos, incluindo todos os escalões etários e os diferentes níveis de severidade.
5 Conclusões
É inegável que a promoção das competências de autodeterminação deverá constituir o âmago das práticas inclusivas, com o objetivo de garantir que os indivíduos com DID aprendam e desenvolvam competências que lhes permitam adaptar-se de forma congruente e eficaz ao processo de transição para a vida ativa. Para integrar a autodeterminação no processo educativo e na formação ao longo da vida, é necessário dispor-se de ferramentas de avaliação que forneçam informação útil sobre o aluno e os seus contextos de interação comunitária (Santos, Moreira, no prelo; Vicente et al., 2015). Os resultados deste estudo parecem indiciar que a EADp é válida e fiável para a avaliação das habilidades de autodeterminação a nível nacional, apesar de haver alguma cautela na interpretação dos dados, os quais devem ser analisados à luz das características pessoais e contextuais de cada pessoa. A EADp está enquadrada e ajustada aos princípios da conceptualização dos modelos mais atuais de autodeterminação (Shogren et al., 2015a). Este estudo contribui, assim, para o desenvolvimento de instrumentos de avaliação para pessoas com DID, contextualizando-se nos movimentos para a proteção dos direitos dessas pessoas (Santos, 2020) e visando metodologias de recolha de informações válidas e fiáveis (Santos, Moreira, et al., no prelo).
A participação da pessoa com DID é, hoje, um dos princípios que regem a política nacional, pretendendo-se, agora, a sua implementação na prática. A pessoa com DID tem o direito de assumir um papel ativo e decisor em toda a sua vida, enquanto agente causal. Esta constatação conduz à necessidade de reformular outras vertentes do nosso sistema (judicial), que ainda permite, e com alguma facilidade, processos de interdição e inabilitação (Santos, Marques, et al., no prelo), restringindo, desde cedo, a liberdade para a decisão. A incorporação, nos contextos escolares e terapêuticos, da avaliação e da promoção das competências de autodeterminação dos indivíduos com e sem DID é um esforço para fomentar mudanças perante uma sociedade que precisa garantir o direito à autodeterminação de todas as pessoas, independentemente do seu diagnóstico, promovendo a consecução de resultados académicos positivos, bem como aumentando a qualidade de vida e favorecendo a formação de indivíduos autossuficientes capazes de se adaptarem aos vários contextos de interação comunitária, visando uma transição de sucesso para a vida adulta.
O ineditismo deste artigo relaciona-se, inicialmente, com o contributo à investigação e à prática profissional, dada a escassez de instrumentos de língua portuguesa na área da autodeterminação e para pessoas com DID, com a análise das qualidades métricas necessárias ao processo de adaptação para outra língua e outra cultura de um instrumento dessa natureza. Para este efeito, houve uma atenção particular aos procedimentos rigorosos inerentes à tradução e à adaptação sociocultural, bem como à análise da sua validade e fiabilidade, em detrimento da, ainda, tradição na utilização de versões meramente traduzidas de testes oriundos de países e valores distintos.
A reflexão sobre a abordagem mista (qualitativa e quantitativa), como fundamento para a seleção dos indicadores com base no enquadramento do modelo concetual válido e pela participação de peritos nos grupos focais, bem como o cálculo de um conjunto de índices quantitativas permitirão a utilização deste instrumento para a obtenção de dados válidos e fiáveis. Poderão, ainda, ser uma mais-valia para cross sectional studies. Essa análise psicométrica é fundamental ao nível das decisões educativas preconizadas nos mais recentes normativos e que redirecionam o foco para a Educação Inclusiva, com o sucesso de todos os alunos e com a aquisição de um perfil final de competências para a cidadania, em que as habilidades de autodeterminação desempenham um papel fundamental, dando a voz e o papel ativo aos próprios alunos com DID.
Acresce, ainda, o alinhamento com os direitos ratificados na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Assim sendo, a validação de um instrumento de avaliação permite: 1) estabelecer um perfil de autodeterminação inicial, identificando as áreas fortes e a desenvolver-se; 2) contribuir para o design de programas ajustados e/ou adequação dos programas curriculares atuais; e 3) permitir a monitorização do progresso do aluno e a avaliação do impacto desses programas no percurso educativo dos alunos com DID.