1. Introdução
O presente artigo tem por objetivo discutir as relações de trabalho docente praticadas no Programa Acelera Brasil (PAB), desenvolvido pelos Instituto Ayrton Senna (IAS) e implementado no Estado de Goiás por meio do Convênio de Cooperação firmado entre as partes no período compreendido entre 2012 e 2014.
A hipótese que orienta a análise pauta-se na presença da racionalidade mercado-empresarial no espaço público para o estabelecimento de políticas educacionais que se distanciam da funcionalidade pública e amplificam a flexibilidade nas formas de contratação de professores.
O texto aqui apresentado insere-se no contexto da pesquisa denominada Mapeamento das estratégias de privatização da educação básica no Brasil: atores, programas e consequências para a educação pública3, desenvolvida no âmbito do Grupo de Estudo e Pesquisa em Política Educacional (GREPPE4) que mapeou programas e atores privados incidentes nas redes públicas de educação dos 26 estados e o Distrito Federal no período compreendido entre 2005 e 2018, considerando as dimensões da privatização: oferta, currículo e gestão (ADRIÃO, 2018). Neste contexto, apresentamos um recorte sobre as relações de trabalho docente decorrentes do Convênio5 firmado no estado de Goiás com o IAS considerando como períodos de análise os anos de vigência do convênio, 2012-2014, bem como o ano de 2011 e 2018 para parâmetro de comparação estatística sobre as relações de trabalho praticadas no estado.
O delineamento metodológico utiliza a pesquisa documental e bibliográfica, por meio da análise do Convênio e outros textos e documentos elaborados pelo IAS que descrevem sua concepção de formação, atuação e incidência na forma de contratação de docentes e dados do Censo Escolar indicativos das relações de trabalho dos professores.
Busca-se identificar na atuação do IAS em Goiás a incidência de precariedade do trabalho docente, compreendida a partir de Venco (2016) com base em Danièle Linhart, que caracteriza a precariedade objetiva relacionada às formas de contratação e seguridade social, por exemplo e, a subjetiva entendida como a falta de controle sobre o próprio trabalho, pressão por adaptação ao sistema, responsabilização sobre resultados e desmantelamento do coletivo, considerada pelas autoras fontes de sofrimento no trabalho.
O texto está organizado em três partes com vistas a destacar características do Instituto Ayrton Senna e do Programa Acelera Brasil; analisar o estabelecido no Convênio de Cooperação entre o IAS e o estado de Goiás com relação ao trabalho do professor; verificar as relações de trabalho docente praticadas em Goiás sobretudo nas escolas que aderiram ao PAB, seguida das considerações finais.
2. O Instituto Ayrton Senna: interesses que o conformam
O IAS foi fundado em 1994 no bojo da implementação de políticas neoliberais no Brasil, caracterizada pela participação mínima do Estado na economia nacional e no mercado de trabalho, racionalização dos gastos com a educação e ao ajuste da função, objetivos e conteúdos escolares para atender às exigências do setor produtivo (MORAES, 2001).
Tais políticas coadunam com os princípios da Nova Gestão Pública (NGP), ampliada em 1995, e que segundo Paula (2005), visam a gestão eficiente, por meio de ações que passam pela descentralização, terceirização e aplicação do modelo de gestão empresarial no setor público. Fundado após a morte do piloto brasileiro que deu nome ao instituto, o IAS assume compromissos de retenção da pobreza com a atuação nas áreas da Saúde, Educação e Religião, e sobrevive a partir de doações da Ayrton Senna Ltda, “da qual é acionista e cuja principal atuação refere-se à gestão da marca Senna” (Ibidem, p. 3). Em 1995 o IAS instaura o Programa Acelera Brasil (PAB) no estado do Maranhão, que se expande para outros estados brasileiros (LALLI, 2000; MATIAS, 2019).
Matias (2019) ressalta o uso da imagem de Ayrton Senna numa estratégia de marketing ao associar o sucesso da participação de programas desenvolvidos pelo IAS às vitórias do piloto no automobilismo, conferindo credibilidade do IAS junto à população.
O discurso do IAS é o de instituição salvadora, capaz de corrigir déficits da educação pública a partir da visão gerencial, contudo apoiada no dinheiro público. Destaca-se que para sua implantação o PAB contou com apoio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC) e da Petrobrás e, posteriormente, em 1999 o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) assume o financiamento do programa (MATIAS, 2019).
O Instituto descreve-se como uma Organização Não-Governamental (ONG) do terceiro setor que busca apoiar o Ministério da Educação (MEC) e Secretarias de Educação municipais e estaduais em ações educativas. Compreende-se o terceiro setor com base em Montaño (2002) a partir de Reformas do Estado realizadas na década de 1990 como reposta à crise estrutural do capitalismo. Conforme o autor o primeiro setor é o Estado, o segundo o setor privado e o terceiro a sociedade civil. Assim sendo, este último passa a se organizar por meio das denominadas empresas públicas não-estatal, que atuam em parceria com o Estado.
A principal alteração com relação ao papel do Estado é que este deixa de ser o responsável por garantir os direitos sociais, dentre eles a educação, e passa a atuar na regulação e avaliação de tais políticas. O terceiro setor, composto por instituições, fundações, ONGs, creches comunitárias se deslocam então a idealizadores e executores das políticas públicas. Penoni et. al. (2009), a partir de Montaño (2002), analisam que essa mudança no papel do Estado altera o conceito e práticas da sociedade civil organizada que passa a atuar não mais por meio de conselhos, que detinham força de fiscalização e cobrança do poder público, mas como voluntários e filantropos, disciplinando assim, a comunidade numa falsa perspectiva de gestão democrática. Consequentemente, verificase a transmissão das responsabilidades e poder do Estado sob as políticas sociais para o terceiro setor, o qual o IAS integra.
O Programa Acelera Brasil foi estabelecido pelo IAS com o objetivo de reduzir a distorção idade/série, problema que segundo seus idealizadores, atrasa o desenvolvimento econômico do País.
O PAB volta-se aos estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, com vistas a corrigir o fluxo escolar daqueles com defasagem de 2 anos ou mais e, assim, contribuir para a permanência dos estudantes na escola ao reduzir as taxas de evasão e retenção. As denominadas classes de aceleração estão preconizadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996) em seu artigo 24, que promulga a aceleração de estudos para estudantes com atraso escolar.
O programa pauta-se na pedagogia das competências, ao buscar desenvolver habilidades e competências requeridas pelo mercado a partir dos “Quatro Pilares da Educação” de Jacques Delors (UNESCO, 199) que promulga o “aprender a aprender” como habilidade principal para o sucesso escolar de jovens e crianças. Nesse ideário, o aluno é o centro da aprendizagem e responsável por seu desenvolvimento (MATIAS, 2019).
Compreende-se que o modelo de competências utilizado pelas empresas exige sujeitos cada vez mais aptos para lidar com as mudanças no mundo do trabalho, enfrentar imprevistos, ser polivalentes e flexíveis para atuarem em diversos setores da empresa, atualizando constantemente suas competências para serem considerados “empregáveis”. Tal lógica é incorporada pela escola, a partir da determinação do setor produtivo que delimita as competências necessárias e a qualificação profissional demandada pelas empresas (DELUIZ, 2001).
Destaca-se que embora o IAS desenvolva programas e ações educacionais, entre os quadros dirigentes da instituição não há a presença de pedagogos e estudiosos da educação pública, mas sim empresários e filantropos6 que elaboram projetos pedagógicos, de pesquisa em educação e de gestão e avaliação educacional, ofertados aos agentes públicos como solução para os problemas educacionais brasileiros.
Para Matias (2019) entre os intelectuais orgânicos do IAS nenhum tem formação em educação, mas se apresentam e são legitimados como autoridades no assunto. Atrelam a educação ao desenvolvimento econômico do país, já que, para eles, o Estado não é capaz de ofertar a educação de qualidade exigida para o futuro e para o século XXI. Partem da lógica da Nova Gestão pública, de que somente a eficiência do setor privado pode melhorar a educação no País. Dessa forma, o IAS atua por meio de parcerias com instituições privadas, públicas e da sociedade civil para aplicar seus programas.
3. Do convênio: responsabilidades impostas de forma desequilibrada
Na esteira das intencionalidades apresentadas pelas representações das entidades privadas para a educação e seus intelectuais orgânicos, especialmente no que tange à implementação de programas focalizados, cumpre destacar e caracterizar o convênio estabelecido em 2012, com temporalidade até o ano de 2014, entre o IAS e a Secretaria de Estado da Educação de Goiás (SEDUC-GO) com vistas a uma sequência de ações do Programa Acelera Brasil. Inicialmente observa-se que se trata de um convênio que declara, explicitamente, o objeto de “Cooperação Técnico Pedagógico” e a meta proposta a ser viabilizada integralmente entre os convenentes na soma de recursos investidos de acordo com a capacidade financeira de cada um a partir de responsabilidades compartilhadas.
Disso, é importante elencar as principais obrigações entre as partes, tendo em vista que “As recomendações presentes nos documentos de política educacional [...] exigem que sejam traduzidas, interpretadas, adaptadas de acordo com as vicissitudes e os jogos políticos que configuram o campo da educação”. (SHIROMA, et. al., 2005), sou seja, o acordo de reponsabilidade firmados no convênio entre as partes explicita o que Shiroma et. al (2005) classificou como hegemonia discursiva, pois os itens determinados se tornam legitimados com as ações que eles exigem.
Portanto, na Tabela 1, cabe sinalizar um paralelo das reponsabilidades previstas tanto para a SEDUC-GO quanto para o IAS, onde é possível ver uma diferença de intensidade entre ambos com uma dimensão maior para a secretaria no cumprimento da lista se relacionada à estrutura real dos sistemas estaduais de ensino no que se refere à valorização dos profissionais de educação, infraestrutura e estrutura curricular.
CABE À SEDUC (24 itens) Destacáveis |
CABE AO IAS (07 itens) Destacáveis |
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Adotar fluxo de correção; Dedicação exclusiva do docente envolvido; Equipes de profissionais e escolas; Resultados e alcance de metas; Plano de Atendimento; Fornecer infraestrutura; Estratégias de implementação; Sistemática de acompanhamento; Implementar a Filosofia do IAS; Responsabilizar-se pelo pagamento dos encargos e ônus na execução das ações; 25 alunos por turma; 1 Supervisor p/ 8 ou 4 turmas (200 ou 100 alunos); Mobilizar e incentivar as escolas; Recursos próprios ou captação a terceiros. |
Apoio Técnico; Acesso a materiais produzidos / existentes Realizar atividades / ações; Acompanhar/elaboração de relatórios Acompanhar indicadores de sucesso; Disponibilizar as informações solicitadas; Capacitações presenciais; Gerenciamento de ações; e Inserir informações no SIASI. – – – – – – |
Fonte: Convênio nº 030/12 SEDUC – GO / IAS, 2012 – 2014, elaboração própria, 2022.
Destes itens cabe acentuar que para o IAS estão dispostas responsabilidades que se caracterizam como chave de interesses pela qual se inserem àquelas indicadas à SEDUC/GO. O apoio técnico declarado como atribuição do IAS se estende por itens que se sobrepõem aos que cumprem serem feitos pela secretaria, não gerando mais que uma confluência aos interesses do Instituto.
Acesso a materiais produzidos, o acompanhamento e elaboração de relatórios técnicos, o fornecimento de informações solicitadas e a realização de capacitações, são atividades que assoberbam a secretaria e não gera maiores responsabilidades ao IAS. Ao Instituto estão vinculadas apenas ações que o caracterizam como o gestor mais interessado do programa, com a centralidade nos seguintes eixos: gestão central, produção de material (ordem curricular), formação, monitoramento e acompanhamento de indicadores, sinalizando com a histórica política de contratações de agências para o gerenciamento das ações do programa como:
(...) – comprometer-se, durante a vigência deste Convênio, a fornecer apoio técnico, por meio da agência técnica que vier a contratar, a qual, a exclusivo critério do IAS, poderá realizar capacitações presenciais, acompanhamento direto (in loco) e/ou indiretos (a distância) e gerenciamento das ações dos Programas; (CONVÊNIO Nº 030/12)
Para a secretaria, para além dos itens de responsabilidades indicadas na Tabela 1, vale ressaltar a perda de autonomia no programa ao ter como responsabilidade atender a todas as orientações emitidas pelo IAS ou pela agência técnica a ser contratada, inclusive garantindo a infraestrutura física necessária ao desenvolvimento integral das obrigações assumidas, como o transporte para os profissionais responsáveis pelas visitas de supervisão das ações.
Nesse sentido, encaixa-se uma das responsabilidades mais controversas do convênio que é a contratação que se fizer necessária para a execução do PAB. Em tese, tendo um sistema público estadual de docentes, para a realização do programa a SEDUC-GO vai de encontro à Constituição Federal de 1988, quando esta destaca em seu artigo 37 a condição exclusiva na investidura em cargos ou empregos do setor públicos dependerá de aprovação prévia por meio de provas (objetivas, discursivas, práticas e/ou títulos).
As alterações sutis propostas pelo acordo sobre o entendimento de que as atividades docentes devem ser realizadas por profissionais concursados, contrapôs-se numa explicita disposição tangente à CF de 1988 quanto ao tema quando delega à SEDUC-GO a responsabilidade:
(...) integral e exclusivamente pela contratação e disponibilização da mão de obra, voluntária ou não, necessária para a realização do objeto deste Convênio, como, pelo pagamento de todos os salários desta mão de obra, quando não voluntária; (CONVÊNIO Nº 030/12) (...) (Grifo nosso).
O termo salário evidencia um tipo de contratação que não envolve o servidor público que é pago pelos seus vencimentos por meio de lei específica, nesse sentido, a contratação mencionada ocorreria por outras formas de contratação como temporário, terceirizado ou celetista, inclusive a participação voluntária, ferindo o estatuto previsto para atuação no serviço público docente. Ademais, dentro do escopo ampliado de responsabilidades cabíveis à SEDUC-GO via convênio do PAB está:
(...) assumir por si, seus empregados, servidores concursados, ou terceiros contratados, inteira responsabilidade por quaisquer reclamações, pleitos, autuações, ações e exigências de qualquer natureza, judiciais ou extrajudiciais, inclusive trabalhistas, acidentes de trabalho, previdenciários, que tenham por base ou fundamento a realização das ações dos Programas; (CONVÊNIO Nº 030/12) (Grifo nosso)(...).
Para Venco e Sousa (2021), é com Itamar Franco (1992 – 1995) que se amplia o leque das formas de contratação por excepcionalidade temporária a partir do interesse público, abrindo espaço para tipos de convênio que coadunam com a perspectiva de discordância ao não considerar a normativa presente na Carta Magna de 1998 sobre o tema. Essa configuração às formas de contratação tem relação direta com os princípios da NGP no tocante à flexibilidade necessária às relações de trabalho para desoneração da estrutura do Estado quando vista sob a ótica do ajuste fiscal.
3.1 – A pedagogia do IAS e o trabalho docente
Diante do quadro até aqui apresentado, passamos a analisar as formas de precariedade apresentada no PAB, cujos princípios pedagógicos e metodológicos estão descritos no livro Pedagogia do Sucesso (2004), escrito por João Batista Araújo Oliveira, no qual o autor afirma que o IAS “propõe-se a alterar a política educacional e a substituir a cultura da repetência pela pedagogia do sucesso” (OLIVEIRA, 2004, p. 13).
O autor desclassifica a formação de professores no Brasil ao afirmar que as instituições de ensino superior não fornecem “capacitação e treinamento” adequados para solucionar os problemas de ensino-aprendizagem na sala de aula. Problematizamos aqui o termo “treinamento” referindo-se à formação do professor, demonstrando claramente que a preocupação expressa no PAB é de um profissional que siga as suas premissas, sem contestar ou refletir criticamente sobre seus princípios. Constata-se que as ações do PAB vêm para ditar aos professores como atuar. Nas palavras de Viviane Senna:
O Programa assume a escola e os professores como são, reconhecendo suas potencialidades, bem como suas limitações e dificuldades. Por essa razão, desenvolve materiais voltados diretamente para o aluno. Esses materiais são fortemente estruturados, de maneira a assegurar que mesmo um professor inexperiente, ou com preparação insuficiente -como é o caso de muitos professores no Brasil - seja capaz de proporcionar ao aluno um programa de qualidade (LALLI, 2000, p. 146).
A citação acima reflete a ínfima credibilidade concedida ao trabalho docente, o que justifica então a elaboração do Livro do Professor7 do PAB, que detalha aos professores os objetivos do programa e a forma como devem ser conduzidas as aulas ao, por exemplo, estabelecer a rotina em sala de aula, o passo a passo para o desenvolvimento de determinados temas de estudos, os conceitos e objetivos a serem alcançados em sala pelo professor, deixando pouca ou nenhuma margem de autonomia didático-pedagógica, já que as ações docentes são acompanhadas por supervisores que realizam visitas semanais para avaliar o desempenho do professor (MATIAS, 2019).
No Convênio de Cooperação firmado entre IAS e SEDUC-GO entre as obrigações da Secretaria identificamos a de designar um coordenador com perfil gerencial e em regime de dedicação exclusiva e integral, responsável pelas classes de correção de fluxo, participação em reuniões de planejamento e avaliação. Seguindo a mesma lógica, deve ser a contratação de docentes e supervisores, frisando o perfil gerencial e pedagógico desses, com capacidade para seguir metas e entregar resultados. “O programa prioriza a participação de professores regulares da rede, uma vez que pretende contribuir para o aprimoramento de sua formação” (LALLI, 2000, p. 147).
Com isso, a responsabilidade pela contratação e remuneração dos profissionais atuantes no PAB é inteiramente do poder público. No escopo do PAB algumas das estratégias utilizadas para a regular o trabalho docente, destacadas por Matias (2019), são:
1. Capacitação docente: por meio do “Programa de retreinamento e reconversão de professores” que objetiva familiarizar os professores aos materiais didáticos do PAB e as ferramentas de acompanhamento, controle e avaliação. Recursos audiovisuais são utilizados na formação que tem duração de uma semana e é ministrado por profissionais da SEDUC capacitados pelo IAS para isso. Matias (2019) identifica aqui além da desqualificação dos saberes dos professores uma forma de regulação e controle sobre sua atuação;
2. Prescrição do trabalho docente: as ações de regulação e controle vêm acompanhadas da prescrição do trabalho do professor, pois as aulas são totalmente estruturadas e planejadas pelo IAS, e ao professor cabe apenas executá-las seguindo as instruções do Livro do Professor. No Convênio de Cooperação, entre as obrigações da SEDUC-GO estão:
[...] garantir as estruturas pedagógicas e gerencial que deverão estar em consonância com os padrões exigidos para a execução das ações do programa. [...] Utilizar sempre na íntegra todos os materiais que vierem a ser disponibilizados pelo IAS em função deste Convênio (CONVÊNIO, 2011, p. 4-5).
3. Estudante como gestor de sua própria aprendizagem: a autora considera essa uma forma de moldar a atuação docente, já que os saberes do professor são secundarizados e o estudante responsabilizado por sua própria aprendizagem. “[...] o aluno tem maior controle sobre o programa, - ele e não o professor, está no centro e no comando do processo” (OLIVEIRA, 2004, p. 97).
4. Controle externo da ação docente: realizada por meio da supervisão semanal com vistas a fiscalizar se o professor está trabalhando conforme o planejamento do PAB, estabelecendo uma dinâmica de vigilância sobre as ações docente em sala de aula. No Convênio essa cláusula consta entre as obrigações da SEDUC/GO:
Garantir a presença, em horário integral, de 01 (um) supervisor das atividades do Se Liga e Acelera Brasil para cada 08 (oito) turmas, no máximo ou, caso este supervisor atue em horário parcial, garantir a presença do mesmo para cada 04 (quatro) turmas no máximo (CONVÊNIO, 2011, p. 04).
Como uma das idealizadoras do programa Viviane Senna detalha que a supervisão ocorre pela visita semanal do supervisor à sala de aula, com duração de um período completo. Tal supervisor realiza anotações sobre as atividades desenvolvidas pelo docente e, em seguida, apresenta uma avaliação destacando “pontos positivos e negativos”. Em reuniões quinzenais as principais dificuldades destacadas pelo supervisor são apresentadas aos professores, bem como, deve haver troca de experiências e sessão de dúvidas com relação ao planejamento do PAB. A partir dos mecanismos acima citados, constata-se uma padronização da atuação do professor, que não pode sair do estabelecido no programa, o que nos leva ao próximo aspecto da regulação do trabalho docente no programa.
5. Tentativa de padronização da ação docente: prescrita no Livro do Professor e com controle sistemático de sua aplicação, não possibilita ao profissional utilizar suas metodologias próprias e/ou desenvolver atividades as quais extrapolam o planejamento previsto no PAB.
O Programa é monitorado através de mecanismos formais de acompanhamento e controle. Esses instrumentos produzem informações atualizadas, de forma permanente, sobre o progresso de cada turma, o desenvolvimento de cada professor e a atuação de cada supervisor em cada município (LALLI, 2000, p. 147).
Considera-se que as estratégias abordadas desqualificam, regulam e controlam o trabalho docente, além de responsabilizá-lo pelo sucesso ou não do programa, pois se as metas de correção de fluxo não são atingidas, a culpa recai sobre o docente sob a alegação de ter não ter cumprido o planejamento conforme prescrito pelo IAS (MATIAS, 2019). Assim, as condições de trabalho docente no PAB podem ser analisadas à luz do conceito de precariedade subjetiva de Danièle Linhart que destaca a falta de controle sobre o seu próprio trabalho, a pressão por adaptação ao sistema, inclusive com a responsabilização sobre os resultados e o desmantelamento de formas coletivas de apoio.
Conciliada à precariedade objetiva, caracterizada pela falta de proteção social, estabilidade no emprego, regularidade no recebimento dos salários e intensificação da jornada tornam-se fonte de sofrimento e penosidade no trabalho (VENCO, 2016). A partir do exposto, buscamos no tópico seguinte analisar as formas de contratação docente no Estado de Goiás e traçar paralelos como a incidência de atuação do IAS no período de vigência do Convênio de Cooperação IAS/SEDUC-GO.
4 – Trabalho docente: precariedade sob a ótica do programa
A partir de levantamento8 realizado com base nos dados estatísticos do Censo Escolar analisou-se as formas de contratação docente em âmbito nacional e estadual entre os anos que compuseram o período de convênio e o ano de 2018, que finaliza o recorte temporal da pesquisa realizada no âmbito do GREPPE, Mapeamento de atores privados na educação pública (2005 – 2018).
Optou-se em reunir as formas de contratação docente com a intenção de compreender o conceito e grau da precariedade objetiva, apresentado por “Danièle Linhart (2014), a partir da elaboração de Castel (1998), relacionado a todo o tipo de contrato gerador de alguma forma de vulnerabilidade ao trabalho” (VENCO e SOUSA, 2021, p. 160).
Nesse sentido, importa registrar o contexto educacional do estado de GO em alguns aspectos, como o número de matrículas no Ensino Fundamental 1 no geral para o estado, compreendendo todas as escolas pública das redes Estadual, Municipais, Federal e privadas. Entre os anos de 2011 e 2013, o estado apesentou aumento nas matrículas do EF1, seguida de diminuição entre 2013 e 2014. Destaca-se uma redução na ordem de 4% entre 2014 e 2018 nas matrículas no ensino fundamental conforme o Gráfico 1:
Quanto ao Gráfico 2, destaca-se que a LDB acena para a forma de colaboração na oferta de ensino fundamental entre estados e municípios, “as quais devem assegurar a distribuição proporcional das responsabilidades”. (Art. 10º, inciso II). Contudo, no tocante a oferta do EF1 na rede estadual de Goiás, cabe o registro da diminuição na matrícula, permitindo, desta forma, inferir, que tal fato possa estar relacionado a um processo de municipalização deste nível de ensino tendo em vista a incumbência destinada por meio do Art. 11, inciso V da Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/1996, Art. 11, inciso V e da realidade educacional que convivem as redes estaduais e municipais de ensino.
A regulamentação do parágrafo único do Art. 23 da CF é primordial para o equilíbrio da participação na oferta da educação básica.
Por conseguinte, convém sinalizar que são apresentados na tabela 2 o percentual de contratação docente via concurso público no âmbito nacional com vistas a circunscrever o cenário de atuação de programas desta monta.
UF | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2018 |
---|---|---|---|---|---|
Rondônia | 74 | 81 | 80 | 84 | 89 |
Acre | 46 | 38 | 35 | 42 | 22 |
Amazonas | 44 | 57 | 62 | 64 | 71 |
Roraima | 84 | 69 | 59 | 55 | 52 |
Pará | 86 | 83 | 8 | 88 | 70 |
Amapá | 82 | 81 | 82 | 77 | 80 |
Tocantins | 56 | 68 | 63 | 62 | 31 |
Maranhão | 66 | 70 | 69 | 70 | 63 |
Piauí | 54 | 58 | 61 | 85 | 57 |
Ceará | 40 | 37 | 31 | 28 | 39 |
Rio Gr. do Norte | 78 | 85 | 95 | 89 | 94 |
Paraíba | 45 | 48 | 56 | 53 | 48 |
Pernambuco | 63 | 59 | 56 | 53 | 52 |
Alagoas | 58 | 60 | 51 | 86 | 33 |
Sergipe | 68 | 61 | 9 | 99 | 93 |
Bahia | 70 | 72 | 70 | 69 | 69 |
Minas Gerais | 71 | 81 | 88 | 81 | 32 |
Espírito Santo | 40 | 32 | 29 | 26 | 34 |
Rio de Janeiro | 98 | 97 | 96 | 96 | 98 |
São Paulo | 81 | 77 | 75 | 73 | 79 |
Paraná | 63 | 65 | 61 | 58 | 65 |
Santa Catarina | 50 | 42 | 44 | 47 | 37 |
Rio Gr. do Sul | 65 | 59 | 62 | 61 | 61 |
Mato Gr. do Sul | 42 | 42 | 38 | 39 | 29 |
Mato Grosso | 3 | 35 | 37 | 34 | 36 |
Goiás | 98 | 80 | 72 | 65 | 50 |
Distrito Federal | 74 | 71 | 72 | 71 | 60 |
TOTAL | 69 | 69 | 69 | 68 | 60 |
Fonte: Inep/Censo Escolar. Elaboração própria, 2022.
*No âmbito do Censo Escolar temos 04 categorias de formas de contratação: por concurso público, de forma temporária, terceirizada ou consolidação das leis do trabalho (CLT). Registra-se que os percentuais apresentados se referem aos docentes contratados via concurso público.
**Exceto EJA e educação profissional.
Entre os anos de 2011 e 2014, o cenário nacional de contratação docente apresentou queda em 55% das Unidades Federativas entre contratados via concurso público que, comparados com o ano de 2018, corrobora para uma intensificação da queda concursados em 62% das UFs.
Apesar da necessidade em analisar a política educacional quanto às oscilações e entre os números de matrícula, pirâmide etária e efetivo docente, convém apontar que os percentuais apresentam tendências que demandam aprofundamento e exames específicos, pois se intenciona observar o panorama da precariedade docente nas redes estaduais de educação que contornam as investidas de programas com o perfil do PAB e a realidade educacional disponível. Ao que indica, não houve compromisso da SEDUC-GO, à época da assinatura do convênio, em relação as tensões entre o público e o privado no contexto de uma crise estrutural do trabalho, envolvendo, especialmente a categoria docente.
Não se desconsidera o contexto histórico educacional entre os anos apresentados, principalmente na relação que se faz entre os anos do programa e o tempo zero final do mapeamento Greppe realizado no ano de 2018. Pelo contrário, busca-se elementos que permitam a compreensão do contexto das formas de contratação a qual se insere o PAB, principalmente por esse aspecto ser tratado no convênio do programa quando dispõe das responsabilidades sobre o tema à SEDUC-GO no convênio assinado em 2012.
Nesse sentido, cabe o destaque para os percentuais apresentados (Gráfico 3) que trata do cenário da região Centro-Oeste, cujo estado de Goiás apresenta uma supressão considerável no número de contratações docente por meio de concurso público entre os anos de 2011 e 2014; de 98% do quadro de servidores públicos concursados para 65%. Ao observarmos o ano de 2018, vemos que 50% do seu conjunto de trabalhadores é contratado como temporários, terceirizados ou celetistas.
Apreende-se que todas as UF’s da região centro-oeste apresentam percentual inferior a 75% de docentes contratados por concurso público em 2014. Os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, por exemplo, não apresentaram 40% de contratados via concurso público, corroborando para um campo fértil para a perspectiva flexível do trabalho nos sistemas estaduais de educação.
No Distrito Federal, apesar de uma constância, entre os anos de 2011 – 2014, de percentual que favorece ao grupo de docentes concursados, apresenta em 2018 decréscimo de 14 pontos percentuais em relação a 2011, assim, podemos nos perguntar até que ponto a política educacional composta por este tipo de programa, que incide com seus acordos junto às secretarias estaduais de educação, altera a conduta já posta para a forma de contratação docente, e assim contribui para a ascensão de formas precárias de contratação docente?
Da análise dos percentuais segundo tipo de contratação docente para o estado de Goiás (Gráfico 4), considerando-se a série histórica entre os anos de 2011 e 2014, e o ano de 2018, evidencia-se uma redução percentual no número de docentes concursados quando da implementação e execução do PAB (2012-2014). Com semelhanças às alterações de âmbito nacional, o gráfico aponta para uma inversão na forma de contratação presente nos últimos anos em grande parte dos sistemas de ensino estaduais acometidos por um processo organicamente articulado de difusão e legitimação de preceitos das organizações privadas nas instituições públicas (AFFONSO, 2018).
A distribuição de docentes conforme a forma de contratação evidencia uma curva ascendente no percentual de contratação precária (Temporária, Terceirizada ou Celetista) entre os anos de 2012 e 2014, notadamente quando comparados a 2018 em contraposição ao acentuado decréscimo no conjunto de professores concursados na carreira estadual de educação, fundamentalmente nos anos que precedem à temporalidade de implantação e execução do Programa Acelera na vigência 2012 – 2014. A intersecção entre linhas sinaliza para a ratificação da inversão no percentual das formas de contratação nos anos seguintes.
No Gráfico 5, estão apresentados dados docentes segundo forma de contratação em 2011, nos anos que seguem aos do programa, 2012- 2014, e o ano de 2018, recorte temporal final da pesquisa de mapeamento, nas escolas que estiveram presentes no programa.
Desde o ano de início da implementação do programa é possível observar o número absoluto de 1.235 docentes em 2012 com redução para 800 em 2018, 35% a menos de docentes contratados via concurso público nas escolas que participaram do PAB. Para Venco e Sousa (2021),
(...) a precariedade nas relações de trabalho praticada pelos governos estaduais entre professores cresce no país, é relevante especificar em quais estados a educação está sendo efetivada por docentes não concursados que, além de terem vínculos instáveis, também se desconhece a formação e a qualidade dessa dos profissionais envolvidos. (p.163).
Há uma inversão dos números de docentes não efetivos que passa a contar com 716 docentes temporários em 2014, se acentua em 2018 com 1.058 contratados contra 607 concursados. O quinto gráfico permite visualizar uma diminuição de docentes concursados, especialmente entre os anos de 2012 e 2014.
O caso emblemático está no Colégio Estadual João Barbosa Reis, que em 2011 havia 13 professores concursados, não restando nenhum em 2014, em contraposição, o número de docentes não concursados entre 2011 e 2014 na mesma escola foi de nenhum em 2011 para 14 no ano de 2014. Destaca-se, também, a escola Integral Coronel Carrijo que a partir de 2013 apresenta considerável aumento no número de professores contratados.
Não obstante os documentos do Acelera propalar a ideia da melhoria da qualidade da educação, o que não se encontra em jogo é o debate em torno da função pública cerceada pelas disposições desequilibradas do convênio entre a SEDUC – GO e o IAS. Não se presencia uma reflexão sobre a importância da estabilidade da função pública posta em prol dos interesses do instituto.
Aventa-se que a função pública, fortalecida, concretiza direitos à população em geral, pois o trabalho realizado tem direcionamento exclusivo voltado para o cidadão e menos para interesses do mercado (PORS, ASCHIERI, 2015). A política educacional não se constitui como um campo neutro onde alguns especialistas se mobilizam para consertá-la, pelo contrário, origina-se de interesses hegemônicos das frações dominantes, que permeiam ações no seio do Estado para cravar disposições ideológicas de um tipo de ação que desordena as estruturas construídas historicamente (SHIROMA, et. al. 2005).
Na investigação e análise, o ideário previsto, o sistema de monitoramento e uma abertura para a articulação com o setor privado na prestação de serviço ao programa, determinam uma alocação da SEDUC-GO, inferidas as responsabilidades previstas no convênio, como mera executora das intencionalidades do IAS, o que evidencia, no âmbito da estrutura do Estado, as alterações reverberadas do cenário nacional, regional e local, principalmente sobre a categoria docente e sua inserção na precariedade de atuação profissional em favor de interesses e objetivos desconectados com as possibilidades reais da secretaria de educação do estado de Goiás.
O IAS, ao menos no estabelecimento do convênio, utilizou-se do programa para imprimir seus interesses na agenda educacional do estado de Goiás, não se restringindo às exigências pontuais para a celebração do programa, mas, por sugerir como condição de adesão alterações no cenário de relações de trabalho ao supor e inscrever a possibilidade de contratação, pela secretaria de educação, de docentes por via que não fosse somente a de concurso público, previsto normativamente. Esta inferência ganha terreno em subitem, já apresentados, do instrumento particular de parceria que garante ao IAS o direito de sugerir alterações ou ações ao governo estadual com vistas a atingir os objetivos do programa.
A centralidade do IAS tem como segmentos-foco estudantes e professores, cuja incidência sobre as dimensões do currículo tem papel preponderante para a adoção de turmas de distorção idade-série (TDIs) que coaduna com o objetivo do programa de correção de fluxo. Nesse sentido, com o objetivo de averiguar as consequências do Programa Acelera Brasil para o Direito Humano, em especial no que tange às circunstâncias de acessibilidade (TOMASEVSKI, 2004), importa registrar as pistas encontradas nos microdados do Censo Escolar que permitiram evidenciar escolas que participaram das ações do PAB no período de investigação da pesquisa compreendido entre os anos de 2005 e 2018.
Como ponto de partida, buscou-se a separação de escolas que detinham turmas com correção de fluxo a partir das referências em códigos de etapa de ensino em todo o período da pesquisa. Verificou-se que, a partir de 2007 constavam um conjunto de caracteres que se relacionavam ao nome do Programa Acelera (ACEL, ACELERA II, ACELERA I, AC), assim sendo, para fins metodológicos, optou-se que esses códigos alfabéticos seriam parte dos critérios para selecionar as escolas, entendendo que se tratava de turmas que tiveram o Acelera Brasil como programa de regularização de fluxo, findando-se no recorte relacionado ao período de análise 2007, 2012, 2013, 2014 e 2018.
Todavia, tendo em vista a existência do documento Convênio de Cooperação Técnico Pedagógica nº 30/2012, único formal a registrar a ação formal do IAS entre os anos de 2012 e 2014, foi necessário considerar este recorte temporal na tentativa de demarcar uma atuação direta do ator privado na educação do estado. Os anos de 2011 e 2018 são parâmetros na pesquisa por envolver a temporalidade de início de coleta de informações no Censo Escolar sobre a forma de contratação docente, e 2018 como o ano de recorte dos dados levantados sobre esse público.
Disso decorre que, num primeiro momento, a primeira opção em selecionar escolas a partir das turmas de aceleração não seria possível porque boa parte das instituições não mantinham o PAB em seu contexto escolar. Ademais, este ponto merece atenção, pois se o programa anuncia como um dos objetivos a correção de fluxo, nada há de anormal que a existência de turmas do programa fosse variada nas escolas se consideramos a correção de fluxo, ou seja, problema “resolvido”, inexistência de turma na escola e, talvez por isso, a entrada e saída de escolas ao longo da temporalidade de vigência da ação.
Nesse sentido, ao perceber a dificuldade de se avaliar um conjunto de escolas devido a impossibilidade de constância de turmas, e consequentemente de participação no programa, considerou-se alguns critérios possíveis. O primeiro deles não se efetivou, tendo em vista que se pautou em levar em conta a existência de escolas que alternaram momentos diferentes de participação no programa, tendo vista ser o mesmo por adesão, e com isso não obter validade enquanto série histórica entre os anos do recorte.
No segundo critério julgou-se as escolas que mesmo tendo tido participação no PAB apresentassem no ano de 2014, uma taxa de distorção idade série próxima aos resultados em âmbito estadual, em torno de 15%, perfazendo o conjunto de 8 escolas que permaneceram nessa média ao longo dos anos de 2012 e 2014.
Assim sendo, resta importante registrar o conjunto total de matrículas nas escolas, que permite importante análise quando comparadas com a taxa de TDI. Observa-se, por exemplo, que no ano de 2018, quatro das 8 escolas não sinalizam matrículas nos anos iniciais do ensino fundamental. Como identificação, no texto serão utilizadas as letras ID de identificação das escolas conforme apontadas nas tabelas.
A partir dos dados do Censo, (Tabela 3) é possível observar que, no conjunto das escolas, há uma variação de números absolutos que alteram a taxa de TDI que não condiz com a afirmativa de bom ou mal andamento dos objetivos do programa de redução da taxa. Entre os anos de 2012 e 2013, por exemplo, não se pode afirmar no sentido de objetividade do programa, pois a taxa de distorção na quantidade de matrículas em 2012 é maior do que 2013, contudo a uma inversão desta taxa em relação a quantidade de matrículas que, em 2012 fora maior que 2013.
CÓD. INEP | ID | NOME ESCOLA | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2018 |
---|---|---|---|---|---|---|---|
52011100 | A | COLEGIO ESTADUAL SANTA TEREZINHA | 39 | 9 | 14 | 33 | - |
52017354 | B | ESCOLA ESTADUAL SANTA TEREZINHA | 104 | 86 | 49 | 18 | - |
52041324 | C | COLEGIO ESTADUAL CORONEL ERNESTO ANTONIO DE ARAUJO | 193 | 176 | 123 | 114 | 106 |
52041921 | D | COLEGIO ESTADUAL PROFESSORA JOSEFA BARBOSA VALENTE | 205 | 184 | 150 | 173 | 74 |
52042367 | E | ESCOLA ESTADUAL JOAO REGES VALENTE | 161 | 140 | 131 | 100 | 126 |
52053453 | F | ESCOLA ESTADUAL INTEGRAL CORONEL CARRIJO | 156 | 192 | 217 | 247 | 193 |
52061051 | G | COLEGIO ESTADUAL JOSE FELICIANO FERREIRA | 116 | 89 | 68 | 39 | - |
52079210 | H | COLEGIO ESTADUAL JOAO BARBOSA REIS | 393 | 359 | 370 | 345 | - |
Fonte: Inep/Censo Escolar. Elaboração própria, 2022
Na escola D por exemplo, a maior taxa de TDI está no ano de 2018, contudo, é este o ano que se tem o menor número de matrículas no EFAI. Em contraponto, a escola H da tabela 3 tem o maior número de matrículas nos anos iniciais e ao mesmo tempo consta uma menor Taxa de Rendimento de Distorção Idade Série.
COD. INEP | ID | NOME ESCOLA | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2018 |
---|---|---|---|---|---|---|---|
52011100 | A | COLEGIO ESTADUAL SANTA TEREZTNHA | 23,1 | 44,4 | 24,2 | 21,4 | - |
52017354 | B | ESCOLA ESTADUAL SANTA TEREZLNHA | 45,2 | 37,2 | 27,8 | 28,6 | - |
52041S24 | C | COLEGIO ESTADUAL CORONEL ERNESTO ANTONIO DE ARAUJO | 45,6 | 39,2 | 21,1 | 35,8 | 11,3 |
52041921 | D | COLEGIO ESTADUAL PROFESSORA JOSEFA BARBOSA VALENTE | 26,3 | 22,3 | 16,2 | 16,7 | 29,7 |
52042367 | E | ESCOLA ESTADUAL JOAO REGES VALENTE | 24,2 | 27,1 | 17,0 | 22,1 | 4,8 |
52053458 | F | ESCOLA ESTADUAL INTEGRAL CORONEL CARREJO | 26,9 | 30,2 | 23,1 | 25,3 | 12,4 |
52061051 | G | COLEGIO ESTADUAL JOSE FELICIANO FERREIRA | 39,7 | 37,1 | 43,6 | 27,9 | - |
52079210 | H | COLEGIO ESTADUAL JOÃO BARBOSA REIS | 28,0 | 22,0 | 15,9 | 21,9 | - |
Fonte: Inep/Censo Escolar. Elaboração própria, 2022
A tabela apresenta um cenário interessante não só no tocante às variações de matrículas por anos, mas no que tange à persistência de um percentual acima de 15% de TDI em quase todas as escolas em grande parte dos anos de envolvimento com o programa. Além da obviedade ocorrida com as matrículas em EFAI, é em 2018 o ano na qual são apresentadas escolas sem a taxa, convergindo mais para uma própria inexistência de matrículas do que solução da problemática via objetivos e ações do PAB nessas escolas.
Apesar de algumas terem reduzido a taxa do ano de 2012 em 2014, ainda mantiveram percentual considerável se tomarmos o recorte metodológico para tal de 15%. As escolas B e C representam essa questão ao permanecerem com TDI em torno de 30% de suas matrículas em EFAI. Ademais, cabe observar a redução de cerca de 25% da TDI entre os anos de 2012 e 2014 na escola D.
A definição de escopo de implementação do PAB entre os anos de 2012 e 2014 entre a SEDUC-GO e o IAS estabeleceu a necessidade de reflexões importantes no que se refere a decisões quanto a implementação de ações da política educacional por uma secretaria de estado. O contexto de oferta de matrículas para o ensino fundamental, especialmente em seu primeiro ciclo em nível estadual, apresentou um número de matrículas que nos remete à seguinte reflexão: porque o foco na distorção idade série se a taxa não apresentou alterações importantes entre os anos do programa em escolas com percentual superior a 15% com relação ao número de matrículas em EFAI?
A flexibilização curricular e o atendimento às diferenças parecem ser completamente desconsideradas pelo programa, notadamente se considerarmos a prescrição de conteúdos de formação previstos no convênio. A autonomia docente é posta em xeque com consequências no processo de aprendizagem, pois o convênio é taxativo quanto a utilização, sempre na integra, de todos os materiais disponibilizados pelo IAS.
Para Schawantz e Rodrigues (2017),
(...) deseja-se que os docentes tenham a possibilidade de escolher como e de que modo querem desenvolver suas propostas pedagógicas e curriculares, conquistando espaços de autonomia no cotidiano escolar e resgatando seu papel de cientista da educação para, com isso, potencializar o prazer do aprender em seus alunos. (SCHWANTZ, J. W.; RODRIGUES, C. G., 2017, p. 37).
Ao considerarmos os dados de formas de contratação docente visualizamos um desconexo com as informações dos números de matrículas de EFA1 e da taxa de distorção idade-série nas escolas participantes do PAB em Goiás. Ao mesmo tempo que não há um levantamento de informações preciso, sob o prisma das indicações do programa, temos nessas mesmas escolas uma alteração na forma de contratação, com migração de contratos por meio de concurso público para a forma temporária.
As disposições do termo de convênio do programa se caracterizam como difusas, pois exige da SEDUC-GO o respeito aos princípios da administração pública: transparência, legalidade e moralidade, entre aqueles que divergem no aspecto jurídico de contratação como seus prepostos, empregados, prestadores de serviço e voluntários, regidos por princípios que se distancias do âmbito público que promulga na Constituição Federal a contratação via concurso público.
Nesse sentido, além da controvérsia de contexto entre a forma de contratação docente e as escolas, corroboram para a formalização da precariedade docente no âmbito do PAB: o comprometimento e a responsabilização do professor pelos resultados do programa; a demanda por perfil gerencial; o trabalho com metas; a prescrição do trabalho; a disponibilidade para a formação específica; a obediência aos padrões estabelecidos pelo IAS; a centralidade curricular; e o compromisso com objetivos.
Considerações finais
Buscou-se evidenciar no presente artigo as relações de trabalho docente a partir da implementação do Programa Acelera Brasil em escolas da rede estadual de Goiás, por meio do Convênio de Cooperação firmado entre o IAS e a SEDUC-GO entre 2012 e 2104.
A hipótese central considerou a presença da racionalidade mercado-empresarial na utilização do espaço público para o estabelecimento de políticas educacionais que se distanciam da função pública e amplificam a flexibilidade das formas de contratação docente, inserida no contexto de estabelecimento das políticas neoliberais no Brasil na década de 1990, reverberadas sob o prisma da Nova Gestão Pública (NGP).
Os dados e documentos analisados confirmaram a hipótese de flexibilização das formas de contratação ao identificar no Convênio de Cooperação IAS/SEDUC-GO o incentivo ao descumprimento do art. 37 da Constituição Federal, que prevê o provimento de servidores públicos via concurso, ao indicar a possibilidade de contratação de professores temporários para atuação no PAB, inclusive com profissionais voluntários. Constata-se, assim, elementos que convergem com a precariedade objetiva já que profissionais em contrato temporário vivenciam a perda de seguridade social, reservada aos concursados, bem como a estabilidade no emprego.
Pode-se inferir que ela vem acompanhada pela precariedade subjetiva, pois um professor contratado, para se manter no emprego, pode apresentar menor resistência às formas de controle e regulação do trabalho identificadas no PAB. Por meio da análise documental, verificou-se estratégias adotadas pelo IAS para desqualificar e regular o trabalho docente, constituídas por: formação obrigatória dos professores atuantes no programa oferecida pelo IAS, conforme os princípios pedagógicos do PAB; prescrição do trabalho por meio do Livro do Professor, o qual o profissional deve seguir e sua atuação é sistematicamente avaliada por um supervisor; responsabilização pelo alcance das metas e objetivos do programa e; tentativa de padronização da atuação docente por meio do controle semanal exercido pelos supervisores.
A análise dos dados estatísticos aponta a precariedade nas relações de trabalho docente em âmbito nacional, na região Centro-Oeste e no estado de Goiás, indicando a tendência de alteração das políticas de contratação desses profissionais, mesmo que contrariando o disposto na Constituição. Em Goiás observa-se uma inversão no número de professores efetivos e não efetivos entre 2011 e 2018, afirmando a opção do estado em flexibilizar a contratação de professores, convergente à adesão das premissas da Nova Gestão Pública de racionalização de custos com a educação.
Assim, no contexto do Convênio IAS e SEDUC-GO o Estado atua como executor das políticas planejadas e orientadas pelo setor privado. O IAS imprime por meio do PAB seus interesses e objetivos para a educação pública pautado na visão gerencial, vista como mais eficiente por seus idealizadores, em detrimento da função pública e do direito à educação.