Introdução
Texto sistematiza os resultados de investigações realizadas por pesquisadores e pesquisadoras da Região Sul do país1, somando aos esforços do projeto “Ensino Secundário no Brasil em Perspectiva Histórica e Comparada (1942-1961)”, o qual teve como objetivo geral analisar as políticas governamentais, federais, estaduais e municipais para o ensino secundário (ginásios e colégios), em perspectiva comparada, tendo como subsídios documentos governamentais, dados estatísticos sobre o ensino secundário, além de um conjunto de documentação de natureza escolar. As pesquisas desenvolvidas pelas equipes de trabalho do Paraná, Santa Catarina, e Rio Grande do Sul foram registradas em relatórios estaduais já partilhados com a coordenação geral do projeto e debatidos em ocasião dos quatro workshops de pesquisa realizados. Para o momento, apresentamos um exercício de aproximação dos resultados das pesquisas, tendo em vista as particularidades de três estados da Região Sul2.
De forma geral, foram mobilizadas informações contidas em uma miríade de fontes: as publicações de âmbito nacional como os Anuários Estatísticos do IBGE, as produções do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), as publicações da Diretoria do Ensino Secundário, do Ministério da Educação e Cultura (MEC), entre outros. Além destas, os documentos de circunscrição estadual, como relatórios de governadores e de órgãos legislativos, além de publicações periódicas especializadas e de vasta documentação escolar, preservadas em acervos públicos, institucionais e/ou privados. Por fim, foi mobilizada extensa historiografia registrada em teses, dissertações, livros, capítulos de livros e demais formas de veiculação de pesquisas realizadas.
Tendo em vista a diversidade teórica, metodológica e, mesmo, relacionada à narrativa que os autores e autoras utilizaram para suas investigações, optamos por apresentar os resultados buscando ensaiar o exercício analítico, identificando as possíveis áreas de comparação (SILVA, 2019; 2021), destacando movimentos de aproximação e distanciamento quanto às histórias do ensino secundário na Região Sul. Antes da análise comparativa, faz-se necessária uma breve contextualização acerca dos três estados da região, a fim de identificar suas particularidades no processo de expansão e consolidação do ensino secundário a partir dos anos 1940.
Alguns aspectos da expansão do ensino secundário no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul
Em termos demográficos, sociais, econômicos e culturais são várias as proximidades historicamente construídas ao longo das singulares trajetórias experimentadas por cada um dos três estados que constituem a Região Sul atualmente. Diante disso, nos limites desse texto, apresentamos algumas considerações em torno dos processos de expansão e consolidação do ensino secundário nessa região, entre os anos de 1942 e 1961.
A expansão do ensino secundário no Paraná, marcada com algum grau de aceleração desde a primeira metade da década de 1940, transcorreu em meio a uma série de acontecimentos políticos, econômicos e sociais. Dentre eles, o crescimento e a industrialização dos centros urbanos, o desenvolvimento agrícola, o fluxo migratório e a ocupação do território (em especial do interior do Estado). Da mesma forma, que se apoiou em diversos atores políticos, discursos e práticas de governo dos Poderes Executivo e Legislativo Estadual, sob a tônica do progresso e da modernização. No que se refere às políticas públicas educacionais voltadas ao ensino de grau médio, destacamos a instituição da carreira do professor normal e secundário; o estabelecimento das diretrizes dos concursos de provimentos de cargos de professores e diretores; a gratuidade do ensino secundário e normal; a concessão de auxílios financeiros a ginásios municipais, estaduais, privados e confessionais; a concessão de bolsas de estudos; a criação de novos ginásios estaduais; a estadualização de ginásios municipais e privados, entre outras iniciativas (OLIVEIRA; CHAVES JUNIOR, 2021).
Em estudo sobre o ensino elementar e médio paranaense, Erasmo Pilotto (1954, p. 88) ressalta que a expansão significativa do ensino secundário estadual pode ser dividida em dois distintos momentos: um primeiro, ligado a Revolução de 1930, através do “advento em massa do ensino particular”; e um segundo, localizado no final da década de 1940, caracterizado pela “expansão da rede de estabelecimentos de ensino secundário para todo o interior do Estado”. Um aspecto relevante desse segundo momento refere-se à predominância do ensino público, sobretudo aquele mantido pelo poder público estadual, aspecto em que se contrastava as demais unidades da federação no mesmo período. Em 1945, do total de 28 unidades escolares, 6 (21,43%) eram públicas e 22 (78,57%) eram privadas ou confessionais. Em 1949, das 45 unidades escolares, 15 (33,33%) eram públicas e 30 (66,67%) eram particulares ou confessionais. Em 1960, essa rede de ensino alcançaria a marca de 167 unidades, das quais 109 públicas (65,27%) e 58 privadas ou confessionais (34,73%). No total do período destacado, o aumento percentual das instituições escolares públicas foi da ordem de 1816,60%, enquanto o incremento no total da rede privada ou confessional chegou a 136,36%. Em relação ao quantitativo de ginásios e colégios, independentemente de seus órgãos mantenedores, os dados apontam para um crescimento de 15 para 141 ginásios (840%) e de 13 para 26 colégios (100%).
No Estado de Santa Catarina, a história do ensino secundário e da sua origem institucionalizada centra-se no Ginásio Catarinense, criado na Capital, Florianópolis, em 1892. Contudo, esse estabelecimento oficial não era prestigiado pelas elites regionais que enviavam seus filhos para a continuidade de seus estudos em outras unidades da federação. Em 1905, o governo estadual, em conjunto com alguns representantes jesuítas alemães, assinou um contrato para a instalação de um colégio da Companhia de Jesus na capital, sob a denominação Ginásio Santa Catarina. Essa escola secundária iniciou suas atividades no ano seguinte, atendendo às demandas educacionais das camadas abastadas da sociedade, resultando no fechamento do ginásio público e na consequente privatização do ensino secundário estadual (DALLABRIDA, 2001). Em 1918, essa instituição escolar equiparou-se ao Colégio Pedro II, assumindo a denominação de Ginásio Catarinense, sendo o único estabelecimento de ensino secundário em todo o território estadual até o início da década 1930. Outra particularidade desse contexto foi a existência de um contrato assinado entre o governo estadual e a Sociedade Literária Padre Antônio Vieira, em 1920, que determinava o Ginásio Santa Catarina teria o status de estabelecimento de ensino oficial e o governo não poderia criar, durante a sua vigência, outro ginásio oficial. Esse contrato vigorou de 1921 a 1946, e estabeleceu a privatização do ensino secundário em Santa Catarina (DALLABRIDA, 2006).
Desde a sua instituição até o início da década de 1960, o ensino secundário catarinense caracterizou-se por uma rede física de estabelecimentos escolares privados confessionais de matriz religiosa católica. Essa assertiva parece ser confirmada através da análise de alguns aspectos do processo expansionista dessa etapa da escolarização no estado que se inicia a partir da Reforma Francisco Campos (1931). Nesse contexto, o tradicional Ginásio Catarinense passou a ofertar os dois ciclos do ensino secundário, como também foram criados 7 ginásios privados que ofertavam o primeiro ciclo fundamental. Esses novos ginásios foram implantados nos principais municípios do estado e estiveram vinculados a diferentes congregações católicas, entre elas: Jesuítas, Franciscanas, Irmãos Maristas e Irmãs da Divina Providência. Desses, apenas dois recebiam auxílio do poder público municipal e somente um possuía uma proposta curricular laica. Sendo a maioria desses destinados à formação intelectual de adolescentes do sexo masculino, com exceção de um voltado a educação do sexo feminino e dois que praticam a coeducação de ambos os sexos (DALLABRIDA; CARMINATI, 2007).
Entre os anos de 1942 e 1961, o ensino secundário catarinense vivenciou um crescimento sem precedentes. Neste período, o aumento percentual de ginásios e colégios, independentemente de seus órgãos mantenedores foram da ordem de 416,66% (de 12 para 62 unidades), destacando-se a permanência do predomínio das instituições escolares privadas católicas na composição da rede de ensino secundário. No que se refere ao funcionamento desses estabelecimentos, as escolas confessionais caracterizavam-se por um enquadramento disciplinar rigoroso, envolvendo regime de internato, corpo docente estável e separação por sexo. Já os estabelecimentos públicos por uma atmosfera disciplinar aberta, corpo docente heterogêneo e diversificado, além de praticarem a coeducação. Enfatiza-se ainda, que enquanto as escolas particulares possuíam seus próprios prédios escolares, os ginásios e colégios públicos funcionaram, de forma improvisada e apertada, nos edifícios das escolas normais e dos institutos de educação. Essa situação apenas revertida inicialmente através do Planto de Metas - PLAMEG (1961-1965), do Poder Executivo Estadual, que construiu novos edifícios escolares para o ensino secundário em diversos municípios de grande e médio porte (DALLABRIDA; VIEIRA, 2021).
Por sua vez, no Rio Grande do Sul, o processo de expansão do ensino secundário de modo mais amplo e sistematizado esteve diretamente relacionado ao recorte temporal investigado e associado aos processos de urbanização, criação de municípios e consolidação da rede de estabelecimentos de ensino privado de caráter religioso. Ao longo do final do século XIX e início do século XX, as ramificações do ensino pós-primário no estado estiveram sob os cuidados da iniciativa particular de cunho privado. Tal estrutura educacional alterou-se a partir do final da década de 1930, através do crescimento das redes de ensino privadas confessionais, que se tornaram hegemônicas durante as décadas de 1940 e 1960. Nesse período, foram diversas as congregações que atuaram na área educacional de nível médio, atreladas a diferentes matrizes religiosas. Em relação ao ensino secundário nesse período, destaca-se o predomínio da rede de ensino católica, mas com destaque para a rede luterana, a qual, no campo confessional, possuía capacidade operacional de rivalizar-se com a rede da Igreja Católica, em relação ao ensino secundário (TAMBARA; ARRIADA; AMARAL, 2021).
A rede de ensino secundário público sul-rio-grandense, embora em menor número em relação ao ensino privado confessional, sempre deteve o controle institucional em termos curriculares e administrativos apresentando como estabelecimento modelar o Colégio Estadual Júlio de Castilhos. Todavia, percebemos que as políticas educacionais de ampliação das oportunidades de acesso e de permanência ao ensino de grau médio ocorreram de forma lenta e gradual. Em 1946, a rede de ensino secundário público constituía-se de 6 unidades escolares, mantidas a partir de verbas estaduais e municipais. Em 1961, a rede pública elevou-se a 64 unidades escolares (21,40%), dentre as quais 54 estaduais, 9 municipais e 1 federal, ao contraponto de um conjunto de 235 unidades particulares (78,60%). Nesse mesmo ano, o setor público acolhia 35.435 matrículas, enquanto o particular 70.550 matrículas, perfazendo um total de 106.399 matrículas, das quais 33,70% no ensino público e 66,30% no ensino particular. Esse cenário, reverteu-se apenas anos depois, sobretudo, durante a década de 1970, quando o poder público estadual assumiu o papel hegemônico sobre a manutenção desse nível de ensino (TAMBARA; ARRIADA; AMARAL, 2021).
Tendo em vista as questões até aqui apresentadas, passamos nas próximas laudas ao exercício desafiador, mas igualmente profícuo, de propor a escrita de uma história comparada entre os três estados da Região Sul. Conforme indica Rosa Fátima de Souza Chaloba (2016), ao versar sobre as possibilidades de uma história da educação comparada que cruza as fronteiras regionais do país, algumas questões pertinentes às tensões entre o regional, o estadual e o nacional, na escrita dessas histórias merecem destaque, pois
os estados da federação sobressaem como unidades fundamentais na delimitação da comparação interna no país em virtude da relevância das políticas dos governos estaduais para a educação pública na conformação dos sistemas estaduais de ensino. (2016, p. 838).
A riqueza e extensão dos dados levantados e analisados nas investigações anteriores, fruto dos investimentos ao longo do desenvolvimento do projeto, encontram ressonância com a diversidade teórica, metodológica e, mesmo, de estilo e narrativa utilizados pelos autores e autoras. Decodificar e propor sínteses, análises mais ampliadas, reflexões e, no limite, o almejado exercício comparativo, se constitui como o desafio a seguir.
Ao teorizar acerca das práticas de pesquisa com o ensino secundário, propondo aproximações e (de)composições do estudo comparado, Fabiany Silva (2021) nos apresenta as seguintes reflexões:
intentamos outra escrita, pelos elementos constitutivos do estudo comparado, cuja operação se ancora no lugar social, na prática político-educativa informada pelas expectativas e necessidades de determinados grupos, por indícios de um processo longo e árduo de enfrentamentos, debates e negociações, informando instrumentos condicionantes da produção de um sentido (re)interpretativo dos objetos e das fontes historiográficas eleitas para estudos. (SILVA, 2021, p. 64)
Tendo como horizonte tais intentos, buscamos ensaiar o estabelecimento de algumas áreas de comparação que possibilitam as aproximações (e os contrastes) dos processos de expansão do ensino secundário no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Vamos a elas.
Crescimento populacional e interiorização como vetores da expansão do ensino secundário
Os dados analisados pelas equipes indicam que a divisão de grandes extensões territoriais em municípios (menores), especialmente no/para o interior dos estados, parece ter contribuído centralmente para o processo de ampliação das redes de ensino secundário. No caso do Paraná, havia a preocupação em equipar cada nova jurisdição com um conjunto de equipamentos públicos para atender às demandas da saúde, educação, segurança pública, entre outros. Com isso, um conjunto bastante significativo de construções públicas dariam conta de equipar municípios com escolas isoladas, grupos escolares e ginásios e colégios públicos.
As pesquisas das equipes de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul encontraram alguma correspondência com esse processo de interiorização. Para os gaúchos, “observa-se uma relação direta na luta pela criação destes estabelecimentos de ensino e a emancipação política [de novos municípios]. Esta iniciativa transformava-se em trunfo político das administrações municipais” (TAMBARA; ARRIADA; AMARAL, 2021, p. 289). Contudo, os dados desses dois estados assinalam a prevalência das instituições de ordem privada, especialmente as confessionais, como as que mais proliferaram nesse processo de expansão do ensino secundário. Nas laudas anteriores, pudemos identificar as ordens confessionais e as instituições de ensino vinculadas às congregações que tomaram parte na expansão de atendimento do ensino secundário.
A interiorização e o desmembramento dos territórios estaduais em municípios foram motivados por um conjunto bastante diverso de motivos. Os agrupamentos populacionais, vindos de ondas migratórias distintas, na ocupação desses territórios, também é fenômeno a ser considerado, uma vez que a população rural superava a população urbana em alguns períodos históricos, compreendidos no recorte do projeto (no caso do Paraná, pelo menos, com as ondas migratórias - e imigratórias - para a região norte do estado, para as lavouras cafeeiras e de erva mate, ao longo da primeira metade do XX).
Em se tratando de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, as ondas migratórias e imigratórias também causaram impacto, tanto no aumento da população, quanto na decorrente ocupação territorial. No quadro 1 há uma sistematização dos dados gerais referentes ao crescimento proporcional dos três estados da Região Sul e suas respectivas capitais. Apenas para fins de ilustração e comparação, em 1950, o Rio Grande do Sul correspondia ao 5º estado mais populoso do Brasil; Paraná era 8º e Santa Catarina o 11º. No decênio seguinte, o Rio Grande do Sul permaneceu como a 5ª maior população, mas Paraná passou ao 6º posto e Santa Catarina para o 10º. O crescimento populacional paranaense, registre-se, mais do que dobrou no interstício, sendo, de longe, o maior percentual do país (IBGE, 2011).
Ano* | NÚMERO DE HABITANTES TOTAL | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Brasil | Paraná | Santa Catarina | Rio Grande do Sul | ||||
Curitiba | Total | Florianópolis | Total | Porto Alegre | Total | ||
1940 | 41 236 315 | 140 656 | 1 236 276 | 46 771 | 1 178 340 | 272 232 | 3 320 689 |
1950 | 51 944 397 | 180 575 | 2 115 547 | 67 630 | 1 560 502 | 394 151 | 4 164 821 |
1960 | 70 967 185 | 361 309 | 4 296 375 | 98 520 | 2 146 909 | 641 173 | 5 448 823 |
Fonte: Elaborado com base nos dados de IBGE (2011).
Nota: Dados indicados como referentes a 01 set. 1940, 01 jul. 1950, e 01 set. 1960, respectivamente.
Em se tratando da quantidade de municípios, o quadro 2 apresenta os dados relativos aos censos de 1940, 1950 e 1960, reforçando o argumento do crescimento populacional e da interiorização como um dos vetores da expansão. Percebamos que, assim como aconteceu com relação à população, o Paraná teve um salto bastante representativo na quantidade de municípios, em especial no decênio 1950-1960. Crescimentos de grandeza semelhantes podem ser identificados nos demais estados da Região Sul.
Unidades da Federação* | Total (em 01.09.1940) | Total (em 01.07.1950) | Total (em 01.09.1960) |
---|---|---|---|
1. São Paulo | 270 | 369 | 503 |
2. Minas Gerais | 288 | 388 | 483 |
3. Bahia | 150 | 150 | 194 |
4. Paraná | 49 | 80 | 162 |
5. Rio Grande do Sul | 88 | 92 | 150 |
6. Goiás | 52 | 77 | 146 |
7. Ceará | 79 | 79 | 142 |
8. Pernambuco | 85 | 90 | 103 |
9. Santa Catarina | 44 | 52 | 102 |
10. Maranhão | 65 | 72 | 91 |
TOTAL (Brasil) | 1 574 | 1 849 | 2 766 |
Fonte: Elaborado com base nos dados de IBGE (1940, 1952, 2011).
Nota: Optamos por apresentar a ordenação de municípios tendo como parâmetro os 10 mais numerosos em 1960. Como pode ser notado, a ordenação não coincide com os decênios anteriores. Isso, em si, é um elemento importante para análises e reflexões mais aprimoradas.
Os quadros 3 e 4 demonstram, por fim, como o vetor de interiorização teve impacto tanto na criação de estabelecimentos de ensino secundário, quanto nas matrículas. Contudo, as análises numéricas dos dados apresentados precisam ponderar algumas questões. Mencionamos apenas duas, à título de ilustração: no quadro 3, por exemplo, não estão indicados com maior precisão quais os quantitativos correspondem ao ensino público e ao privado (adiante apresentaremos esta análise); no quadro 4, a indicação refere-se às taxas de matrícula no início do ano letivo. Os quantitativos das conclusões, como sabemos, são muito inferiores. Mas tais dados não foram trazidos à baila, para esse momento.
Ano | Paraná | Santa Catarina | Rio Grande do Sul | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Capital | Interior | Total | Capital | Interior | Total | Capital | Interior | Total | |
1945 | 15 | 13 | 28 | 2 | 10 | 12 | 14 | 61 | 75 |
1947 | 16 | 19 | 35 | 3 | 16 | 19 | 19 | 90 | 109 |
1949 | 18 | 27 | 45 | 3 | 22 | 25 | 19 | 93 | 112 |
1955 | 19 | 72 | 91 | 4 | 36 | 40 | 36 | 155 | 191 |
1957 | 25 | 101 | 126 | 4 | 40 | 44 | 42 | 181 | 223 |
1959 | 28 | 120 | 148 | 4 | 50 | 54 | 48 | 212 | 260 |
1960 | 32 | 135 | 167 | 4 | 58 | 62 | 49 | 223 | 272 |
Fonte: Elaborado com base nos dados de INEP (1945, 1948, 1951) e DESe (1955, 1957, 1959, 1960).
Ano | Brasil | Paraná | Santa Catarina | Rio Grande do Sul | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Curitiba | Total | Florianópolis | Total | Porto Alegre | Total | ||
1940 | 170 057 | 4 590 | 6 061 | 580 | 1 514 | 5 633 | 10 519 |
1949 | 365 851 | 8 931 | 15 472 | 1 482 | 4 969 | 11 203 | 29 991 |
1960 | 868 178 | 15 756 | 47 377 | 2 429 | 13 441 | 26 467 | 85 170 |
Fonte: Elaborado com base nos dados de IBGE (1947, 1953, 1960).
Nota: Em não sendo possível localizar dados referentes ao ano de 1950, foram utilizados os do ano anterior. Registre-se que os dados indicam as matrículas iniciais e pode haver variação dos valores, conforme o censo foi sendo apurado e atualizado em documentos de outra natureza.
Por fim, os quadros 5 e 6 demonstram, ao longo do período investigado, a dimensão do incremento de instituições de ensino que atendiam tanto o curso ginasial, quanto o colegial, nos três estados. Denotamos desses números que a rede de atendimento do curso ginasial acabou por impulsionar a demanda de atendimento também pelo curso colegial, embora guardando algumas diferenças entre os estados, supomos, por razões diversas, como os elevados índices de retenção e evasão, o caráter elitista desse ramo de ensino, especialmente se levarmos em consideração a quantidade de instituições privadas/confessionais.
À despeito dessas diferenças, os dados trazidos à baila corroboram a máxima atribuída à Isaac Kandel3, que asseverou que se o século XIX foi o século de expansão do ensino primário, o século XX era, fora de dúvida, o da expansão do ensino de grau médio.
Unidades da Federação | Ginásios | Colégios | Total | % |
---|---|---|---|---|
Paraná | 12 | 16 | 28 | 3,3 |
Santa Catarina | 8 | 4 | 12 | 1,4 |
Rio Grande do Sul | 61 | 14 | 75 | 9,1 |
TOTAL (Brasil) | 538 | 289 | 827 | 100 |
Fonte: Adaptado de Gatti; Gatti Júnior (2021, p. 181), com base nos dados de INEP (1945, p.283-284).
Unidades da Federação | Ginásios | Colégios | Total | % |
---|---|---|---|---|
Paraná | 117 | 31 | 148 | 5,5 |
Santa Catarina | 45 | 9 | 54 | 1,9 |
Rio Grande do Sul | 204 | 56 | 260 | 9,5 |
TOTAL (Brasil) | 2 042 | 673 | 2 715 | 100 |
Fonte: Adaptado de Gatti; Gatti Júnior (2021, p. 181-182), com base nos dados de DESe (1959, p.6).
Outra área de comparação de significativa relevância que buscamos delimitar refere-se à relação do público e do privado como propulsores da ampliação das redes de atendimento do ensino secundário.
Expansão do ensino secundário e as instituições públicas e privadas/confessionais
Nos três estados, com graus diferentes de presença, diversas ordens religiosas e seus educandários assumem papeis distintos na constituição da cultura escolar secundária. Como vimos, tanto em Santa Catarina, quanto no Rio Grande do Sul, as ordens confessionais assumem protagonismo, em comparação ao papel do Estado no processo de expansão do ensino secundário. No Paraná, o investimento governamental na construção de instituições públicas, especialmente as ligadas ao poder estatal (mas algumas municipais, posteriormente estadualizadas) foi mais marcante.
Nesse sentido, a configuração de redes públicas (estaduais/municipais) e das redes privadas/confessionais de instituições de ensino secundário parece um campo fértil para aprofundamentos. O exemplo do Paraná pode ser tomado por contraste aos outros dois estados do Sul, pois há, ao longo dos anos 1950, um investimento considerável para o crescimento da rede pública de ensino secundário, coexistindo com uma rede consolidada, mas não tão numerosa, de instituições privadas/confessionais. O quadro 7 ilustra tais argumentos, indicando o quantitativo registrado pelo censo de 1960.
Unidades da Federação | Total | Públicos | % | Privados/confessionais | % |
---|---|---|---|---|---|
Paraná | 167 | 109 | 65,26 | 58 | 34,73 |
Santa Catarina | 62 | 8 | 12,90 | 54 | 87,09 |
Rio Grande do Sul | 272 | 60 | 22,05 | 212 | 77,94 |
TOTAL (Brasil) | 3 003 | 842 | 28,03 | 2 161 | 71,96 |
Fonte: Elaborada com base nos dados de DESe (1960).
Depreende-se dos dados apresentados nesse quadro que os estados da Região Sul representavam 16,68% dos estabelecimentos brasileiros destinados ao ensino secundário, distribuídos em 9,05%, no Rio Grande do Sul; 5,56%, no Paraná e 2,06%, em Santa Catarina. Verifica-se também que a rede física de estabelecimentos de ensino na região era composta por 501 unidades escolares, das quais 177 (35,32%) públicas e 324 (64,67%) privadas/confessionais. Em âmbito nacional, demonstram que das 3.003 escolas secundárias existentes no país, 2.161 (71,96%) eram mantidas pela iniciativa privada e 842 (28,03%) pelo poder público. Conjunto de indicativos estatísticos que evidenciam as singularidades, disparidades e a necessidade de investigações históricas sobre os processos de expansão, interiorização e democratização desse grau de ensino em diferentes regiões do país.
Como visto anteriormente, o Estado de Santa Catarina caracterizou-se por sua tímida e pequena rede pública de ensino secundário (DALLABRIDA, VIEIRA, 2020; 2021), expandida prioritariamente durante a primeira metade da década de 1960, em função de um conjunto de políticas públicas estaduais. Neste contexto, houve a criação, implantação e construção de grandes escolas secundárias localizadas nas principais cidades catarinenses, entre elas: o Instituto Estadual de Educação de Florianópolis e o Colégio Pedro II de Blumenau. Alguns desses edifícios escolares monumentais, haja vista, o objetivo de massificação do ensino secundário de caráter público e gratuito. No entanto, reafirmamos que no recorte temporal a rede de ensino nesse estado caracterizava-se pela predominância do ensino privado confessional católico, e, portanto, atendia a parte das classes médias e grupos sociais do mundo rural catarinense (DALLABRIDA; VIEIRA, 2020). Com essa constatação, destacamos a indicação de Dallabrida (2011, p. 156) que afirma que,
Pode-se considerar que a criação dos primeiros cursos ginasiais, científicos e clássicos de caráter público e gratuito contribuiu para iniciar a “democratização quantitativa” do ensino secundário, mas a configuração do subcampo do ensino secundário, marcada pela presença maciça dos colégios privados e confessionais, excluía a grande maioria dos adolescentes catarinense do sistema formal de ensino. (DALLABRIDA, 2011, p. 156).
Fenômeno semelhante tomou parte no Rio Grande do Sul. De acordo com Elomar Tambara, Eduardo Arriada e Giana Amaral, “inquestionavelmente o Sul do Brasil, e o Rio Grande do Sul em particular, se transformaram em um celeiro de vocações religiosas e que alimentavam com desenvoltura as necessidades de quadros destas congregações e ordens religiosas” (2021, p. 294). Os autores elencam um rol considerável de instituições católicas, luteranas, adventistas, metodistas, anglicanas e judias que contribuíram para o atendimento da crescente demanda do ensino secundário (2021, p. 295 et. seq.).
Derivada dessa questão, encontramos um debate profícuo sobre a chamada “qualidade do ensino”, localizando fontes que ora apontam a importância de as redes privadas alcançarem localidades que o poder público ainda não conseguira, ao mesmo tempo em que isso parece ter impactado negativamente na “qualidade” do que se ensina. A rede pública, com exceção das instituições modelares e mais bem equipadas, também apresentou um conjunto de óbices, especialmente nos momentos iniciais da expansão, nos quais havia precariedade de condições materiais e de recursos humanos para o atendimento da juventude secundarista. O próximo tópico explora algumas possibilidades de reflexão e aprofundamento.
Necessidades de investimentos na formação de professores e condições de trabalho
Esta parece ser uma dimensão pertinente e que merece ser explorada em trabalhos futuros, articulando com o argumento da “qualidade do ensino” anteriormente indicada. A expansão do ensino secundário no recorte temporal do projeto, está articulada com uma série de questões que ficaram mais evidentes. Uma delas refere-se ao debate acerca da formação de professores, tanto pela constituição de um aparato legal para assegurar o investimento nos cargos de professores secundaristas, tanto pelas questões que atravessam a formação destes professores (criação de instituições formadoras, investimentos nos currículos e nos “métodos e técnicas” de ensino, entre outros). Para ilustrar o argumento, é possível destacar o caso de Santa Catarina, onde percebe-se a relação do processo de expansão da educação secundária no estado com a criação das primeiras instituições de ensino superior, entre elas: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 1960; e da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), em 1965. Já no Rio Grande do Sul, o destaque refere-se ao Colégio de Aplicação da UFRGS que, em meados da década de 1950, entra em funcionamento se constituindo como um “espaço de prática pedagógica dos estudantes dos cursos de licenciatura da universidade” e que, embora tenha sido uma “implantação tardia de determinação em nível federal”, o “Ginásio consolidou-se, transformando-se no atual Colégio de Aplicação da UFRGS com reconhecimento geral na comunidade” (TAMBARA; ARRIADA, AMARAL, 2021, p. 298-299).
Além disso, mesmo o “equipar” as (novas) instituições com recursos materiais e humanos nos pareceu um desafio que não foi solucionado, de imediato, naquele cenário dos anos 1950/1960. Entendemos que tais instrumentos normativos, em se tratando do estado do Paraná, podem ser alocados sob duas categorias, totalmente articuladas:
a) A (re)organização política e administrativa do ensino secundário: a criação de um órgão secretariado e a organização embrionária de um sistema de ensino (que seria efetivada somente em 1964), além do estabelecimento da gratuidade do ensino secundário parecem denotar a presença do estado como um dos protagonistas no que diz respeito ao ensino secundário [paranaense], em decorrência de um crescimento expressivo do número de instituições públicas;
b) A criação e a organização de uma carreira pública do magistério: as questões ligadas aos concursos para provimento de vagas, a criação de cargos e à gerência das carreiras e funções ligadas à administração escolar são marcas importantes nesse conjunto de leis e decretos localizados.
À guisa de conclusão
Por fim, é necessário destacar que o desafiador exercício de organizar e consolidar dados, argumentos e “retóricas historiográficas” em um texto que se propôs ao exercício comparativo, se constituiu como tarefa de imensa responsabilidade. A despeito das possibilidades de reinterpretação que o material aqui compilado apresenta, temos a consciência de que, mais do que um ponto de chegada, este texto se configura como um ponto de partida, com o anúncio de resultados e balanços que lançam luzes sobre as produções já realizadas, e que, principalmente, nos sinalizam as lacunas existentes, convidando e instigando para a continuidade das pesquisas e reflexões.
Ao estabelecermos as áreas de comparação que possibilitaram identificar as aproximações e os contrastes dos processos de expansão do ensino secundário na Região Sul, demos destaques ao crescimento populacional e à interiorização como vetores dessa expansão. Por conseguinte, mais do que assinalar que tal fenômeno marcou o incremento de uma rede física de estabelecimentos de ensino secundário no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul ao longo dos anos 1950 e 1960, podemos afirmar que esse processo guardou aproximada relação, inclusive, com outras unidades da federação, como apontam os trabalhos da coletânea organizada por Eurize Pessanha e Fabiany Silva (2021). Tais pesquisas nos indicam, por exemplo, particularidades com relação ao destacado investimento do poder público (estadual e/ou municipal) para a criação e ampliação de unidades escolares, como é o caso do Paraná, São Paulo e Pernambuco, bem como as ações mais numerosas das instituições privadas e/ou confessionais, como ocorrido em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
De igual modo, ao buscar compreender os processos de expansão do ensino secundário, se anuncia como possibilidade pesquisas relacionadas à formação de professores, ao aparato legal e normativo, à (re)organização curricular, aos “métodos e técnicas” de ensino, entre outros aspectos, em especial observando a flexibilização e a diversificação registradas na Lei de Diretrizes e Bases de 1961 (BRASIL, 1961)4. Em linhas gerais, estas (e outras) questões podem servir de horizonte para o exercício de comparação com as pesquisas de cada estado, procurando perceber distanciamentos e aproximações analíticas na sequência das investigações. O conhecimento comparado das realidades estaduais que compõem a Região Sul, evidenciou a diversidade histórica que, no âmbito do ensino secundário, pode ser observado nas laudas anteriores, dando contornos às marcas da expansão do ensino secundário.