Introdução
A formação docente brasileira, historicamente, tem sido marcada por interlocuções epistêmicas, mudanças estruturais e conjunturais associadas aos âmbitos social, cultural, econômico, jurídico e político, influenciando e (re)configurando as dimensões do ser professor, por meio da estruturação e implementação de políticas públicas, que normatizam e regulam processos formativos. Esses configuram uma formação centrada em processo mediatizado pela formação humana atrelada a uma preparação focada no atendimento das demandas estabelecidas pelo mundo do trabalho.
A temporalidade histórica de cada sociedade se caracteriza por modelos ideológicos refletidos numa formação docente na qual se vê reverberada a conjuntura das ações intervenientes de uma formação dicotômica, centrada na formação de um profissional preparado para adentrar no mundo do trabalho de forma crítica e reflexiva, outrora reprodutor de um sistema social e econômico, efetivado pelas bases antagonistas de um discurso voltado à alteridade e à meritocracia, proporciona ao futuro professor uma formação alienada com interlocuções conceituais e uma compreensão esparsa acerca do seu papel social.
Nesse contexto, cuja estrutura e superestrutura da sociedade passam a se desenhar a partir de relações liquefeitas (BAUMAN, 2007), a configuração da função docente, como um ser social, que permite a transposição dicotômica entre os conhecimentos científicos e os provenientes do senso comum, possibilita reflexões que propiciam ao futuro professor uma análise conjuntural acerca da realidade posta, efetivando a essencialidade do processo formativo, elucidada a partir do rompimento alienado e efetivado por meio de princípios ideológicos que regem, fragilizam e fragmentam essa formação.
De acordo com Freire (2018), o ser alienado tem uma formação aligeirada, cujas amarras teóricas suscitam reflexão e análise da realidade social e econômica vigente, a partir dos pressupostos veiculados como ideais, inviabilizando o descortinamento do sistema, de forma a promover a criticidade e a emancipação do futuro professor, porque um profissional alienado é inautêntico, e o seu pensar está descomprometido consigo, sucumbindo uma vez que seus pensamentos ficam envoltos em uma realidade imaginária, distorcida e distante da objetiva.
Essa distorção dos paradigmas incutidos no processo formativo é resultante do modelo neoliberal, suportado pelo capitalismo, cuja função realizada pelo professor pode ser compreendida, segundo Silva (2005), como uma ação de consolidação, configurada a partir de um processo alienador, enredado por um contexto dicotômico sustentado pelos ideários neoliberais em que a ação do sujeito restringe-se ao labor e a um conhecimento restrito para o desempenho de determinada tarefa, o que significa que, quanto menor for a tarefa atribuída, maior será a manifestação da alienação como princípio organizador econômico.
A educação passa a ser a mola propulsora da implementação efetiva desses pressupostos. Buscando estabilizar a economia nacional, Basso e Bezerra Neto (2014, p. 3) inferem que “qualquer governo alinhado ao modelo neoliberal sucumbe e reduz os gastos com as políticas voltadas para o bem-estar social”. Como resultado, há um aligeiramento e desmonte dos investimentos com vistas à ampliação das áreas da saúde, emprego, esporte, lazer e educação. Como consequência, as políticas públicas sociais, acometidas intensamente pelo governo neoliberal, “põem fim ao Estado de Bem-Estar Social” sob a égide de que não é o capital que está em crise, mas o Estado que necessitada de Reforma” (MOREIRA; SOUZA, 2016, p. 256).
Essa reforma, que se torna efetiva por meio da concretização de programas e ações governamentais no campo da formação docente, contém indicadores que originam o desenvolvimento de diretrizes e normativas de uma formação cuja base epistemológica apresenta-se aligeirada e centrada na exclusividade da formação do sujeito com competências e habilidades visando unicamente a sua inserção no mundo do trabalho.
Esse processo se efetiva, segundo Gentili (1996), em vista da constituição representativa de propositivas neoliberais, delineadas em prol de um movimento subjetivo e intencional que busca uma efetivação hegemônica, na qual a educação seja apropriada pelo sistema como alternativa de implementação de estratégias políticas, econômicas e jurídicas, que expressem e sintetizem o projeto de reforma ideológica na sociedade pela interface da construção e difusão de um senso comum, que legitime e incorpore, no cotidiano social, os ideários propostos.
Para Moreira e Souza (2016) as medidas políticas e econômicas, que sustentam o neoliberalismo e o mercado, são configuradas como agente portador de racionalidade voltada às reformas que o direcionam à administração pública, tributária e previdenciária com forte enfoque na privatização e na intervenção econômica do Estado e à mínima intervenção em questões sociais.
Esse movimento perdura em ações estruturadas e corporificadas por agentes neoliberais, promovendo intensas modificações em todos os campos e contextos da sociedade, resultando em uma formação social que não impele modificações superestruturais do modo de produção vigente numa sociedade inconcebível (MAGALHÃES, 2015).
As ações alienadoras do modelo neoliberal-social configuram, nesse ensejo, um entrave ao processo civilizatório do homem, que irá promover o discurso de “igual direito” a todos de participarem do governo por meio de representantes de sua própria escolha. Cada indivíduo, agindo livremente, é capaz de buscar seus interesses próprios e, em consequência, os de toda a sociedade” (CUNHA, 1978), ao mesmo tempo que lhe é tolhida a iniciativa de buscar um processo emancipatório constituído como uma ação reflexiva no seu processo de formação. A busca pela igualdade de direitos aos cidadãos só é possibilitada a uma exclusiva parcela da sociedade, que se coaduna com os princípios neoliberais, e aqueles que se distanciam dos pressupostos são colocados à margem da sociedade. Nesse contexto, as políticas públicas de formação docente expõem propositivas sustentadas na ideologização neoliberal, configurada a partir de matrizes teóricas imbrincadas nos documentos orientadores e normativos da formação inicial, traduzidas na identidade profissional, cuja personificação torna-se uma ação de manutenção para o sistema vigente.
O pensamento neoliberal e seus princípios individualistas, de liberdade, de propriedade, de igualdade e de democracia, se efetivam no campo da educação por meio da configuração de políticas educacionais, que intervêm nas especificidades da formação docente, no financiamento e em outros fatores estruturantes que alicerçam o discurso de qualidade do ensino escolar. Conjuntamente com esse cenário, Anversa e Souza (2016) afirmam que o setor educacional, em geral, vem se fundamentando em interesses sociais gestados pelas prerrogativas do capitalismo, em prol de uma possível hegemonia do processo de formação inicial docente. Desconsiderando as especificidades e as necessidades locais, estruturais e conjunturais da atuação docente, o processo formativo torna-se uma mercadoria pautada pelas demandas do mundo do trabalho, em que se priorizam competências e habilidades em detrimento da formação humana do sujeito.
A formação docente, nesse retrato, tem sua especificidade de conhecimento contraposta ao trânsito entre este mundo do trabalho e a interação do sujeito com sua subjetividade e relações sociais, cuja dimensão emancipatória, traduzida na formação inicial, em especial, no caso dos professores responsáveis pelo componente curricular Educação Física, deve provocar a compreensão do conhecimento pedagógico se legitimando à aplicação prática por meio das relações estabelecidas no contexto formativo com caráter desafiador e complexo (FLORES et al., 2019).
Tendo esses direcionamentos, a pesquisa realizada levanta discussões e tem como objetivo analisar a Resolução CNE n. 6/2018 (BRASIL, 2018), a partir da teoria da alienação, considerando o contexto de implementação nacional de políticas institucionalizadas e neoliberais. Para tanto, as discussões serão sustentadas pelos pressupostos do materialismo histórico-dialético, trazidos por Netto (2006), Konder (2008, 2009) e Freire (2018).
Metodologia
Na investigação científica da realidade, o trabalho inicia com conceitos sintéticos e abstratos, cuja análise só pode ser orientada com base em uma síntese anterior compreendida em seu total, precedendo a própria possibilidade de aprofundamento do conhecimento das partes (KONDER, 2008). Ao analisar determinado objeto, deve-se partir dos aspectos que compõem seu todo, de sua forma fragmentada, compreendendo as partes constituintes até chegar à totalidade.
Tendo essa compreensão, a pesquisa se caracteriza como sendo do tipo descritiva, com análise documental (SEVERINO, 2007), considerando como documento primário a Resolução CNE n. 6/2018, sendo categorizadas as temáticas a partir dos pressupostos da análise de conteúdo sugerida por Minayo (2009), em que se considerou o processo de análise seguindo a ordenação, a classificação e a análise propriamente ditas com condução do tratamento dos dados à teorização, produzindo um confronto entre a abordagem teórica e a investigação. Há que se ressaltar que a opção por analisar a referida resolução foi decorrente de fatores intencionais, por ser essa resolução, a que passa, neste momento e no contexto histórico social, a configurar um novo modelo de formação inicial a ser ofertado aos professores de Educação Física, para atuarem no mundo do trabalho, nas décadas subsequentes.
Como instrumento de análise para a categorização da Resolução CNE n. 6/2018, cuja centralidade estabelece o núcleo de formação comum e a formação específica dos cursos de formação docente das Instituições de Ensino Superior (IESs) que ofertam a Licenciatura em Educação Física, utilizou-se o Software Iramuteq (versão 0.7 alpha 2), para mapear e agrupar os elementos temáticos de acordo com a relação entre palavras e termos utilizados no documento, de forma recorrente e atrelados às interfaces das ações neoliberais implementadas nas normativas políticas aplicadas ao campo.
Após esse processo, foram identificadas quatro categorias de análise: Educação Física como processo formativo voltado à Educação Básica; Educação Física como área de estudo e pesquisa; Educação Física como atividade acadêmica para a prática pedagógica; e Educação Física como componente curricular.
Resultados
A análise da Resolução CNE n. 6/2018, que trata de formação docente inicial no subcampo da Educação Física, apresentou indicadores relevantes acerca das propositivas legais e do contexto neoliberal vigente, evidenciados pelo uso dos termos competências e habilidades, a partir da essencialidade e da sustentação da ação voltadas ao mundo do trabalho. De acordo com Bisconsini e Oliveira (2019, p. 4), o processo formativo profissional da Licenciatura em Educação Física, deve ser “uma fase em potencial para oportunizar encontros com o trabalho docente e articular saberes docentes”.
É assertado dizer que uma formação, que proporcione e estimule diversos aspectos voltados à prática docente, oferece um aprendizado mais significativo e repleto de conhecimentos necessários para a atuação do futuro professor, como inicialmente foi estabelecido pela referida resolução.
Bisconsini e Oliveira (2019) explicitam que a consolidação de momentos voltados à atuação profissional deve mobilizar os saberes vinculados ao professor de Educação Física em sua formação inicial, de modo a oportunizá-lo a refletir e se aproximar das necessidades da escola em ações que concretizam a práxis docente.
Com relação aos aspectos voltados à formação do Licenciado em Educação Física presentes na Resolução CNE n. 6/2018, observou-se que a Educação Física é entendida como uma área formativa de atividades acadêmicas, que integram um currículo. Nela, se retrata a distorção ambivalente das relações entre a formação com vistas ao atendimento das necessidades do mundo do trabalho e das relacionadas à formação humana tendo como prerrogativa a emancipação profissional.
O panorama descrito na Figura 1 aponta para indicativos de que os cursos de formação inicial em Educação Física, na modalidade licenciatura, se organizam sustentados pelas normativas estabelecidas pela Resolução CNE n. 6/2018, em que são enaltecidas as competências e habilidades para com o mundo do trabalho, efetivando a busca por uma Educação Física, cuja preparação profissional esteja vinculada ao estabelecimento de conhecimentos curriculares, que se sustentam no processo de cientificidade da área, com foco na produção de saberes e conhecimentos orientados à aplicabilidade do labor do cotidiano escolar, ainda que de forma aligeirada e fragmentada.
A observância acerca da formação inicial, a partir da Resolução CNE n. 6/2018, aponta, ainda, a uma efetivação propositiva de políticas neoliberais, inseridas no contexto dos cursos de formação inicial em Educação Física. O reducionismo ideológico, a inexistência de coeficientes que indiquem uma formação humana com vistas à emancipação e à autonomia do futuro profissional, sucumbem à apresentação de uma proposta normativa, cujos pressupostos teóricos buscam efetivar uma formação inicial com vistas a suprir as demandas e necessidades de conhecimento, as quais favoreçam a reprodução do modo de produção do mundo do trabalho.Esses cenários da formação inicial, nos cursos de Educação Física, esquematizados na Figura 2, como atribuições à formação docente, apontam para o desenho de uma perspectiva de precarização do trabalho docente, cuja formação ofertada pelas IESs limita-se a cumprir as normativas e orientações ditadas pela resolução citada, fragilizando o processo, tornando-o uma ação aligeirada em relação às necessidades de promover embates epistemológicos acerca da atuação e efetivação no campo profissional.
A exemplo da fragmentação do processo formativo, observa-se que a referida resolução traz à cena discussões efetuadas nos anos 80 e 90, acerca da delimitação dos campos de atuação da área, sendo impositivo que os cursos possam ser constituídos por uma matriz única de formação, dada no momento inicial dos cursos de formação.
A confirmação dessa resolutiva pode ser demostrada por meio da estruturação de um currículo normatizado de acordo com a Resolução CNE n. 6/2018, cujo modelo sugerido é a estrutura de um curso no formato “2+2”, ou seja, dois anos de formação geral com um núcleo comum, no qual desconsideram-se as especificidades de cada campo de atuação, seguido de dois anos de formação específica para a área de atuação escolhida pelo futuro profissional.
A resolução em tela traz indícios para uma possível autonomia na construção curricular de acordo com as necessidades e realidades vigentes; entretanto, essa condução é dicotômica e leva à alienação imposta pelo próprio sistema, em que se pressupõe adequar as necessidades curriculares a partir das propostas normatizadoras, mas sem que haja a permissividade de currículos que extrapolem a formação para atender às demandas do mundo do trabalho para uma formação diferenciada e com foco na formação humana.
Essa fragmentação da formação humana, de acordo com Barros (2011), ocorre de forma subjetiva, alienando o sujeito em formação, para atender às demandas mercadológicas refletidas de forma alienada, por meio da efetivação do trabalho humano.
Sustentando esse processo de alienação profissional, centrado no atendimento das demandas advindas do mundo do trabalho, a Resolução CNE n. 6/2018 refere que a “Educação Física é uma área de conhecimento e intervenção profissional com objeto de estudo e aplicação na motricidade ou movimento humano, a cultura do movimento corporal, focado nas diferentes formas e modalidades do exercício físico, ginástica, jogo, esporte, lutas e dança que visam a atender às necessidades sociais nos campos da saúde, educação, formação, cultura e do alto rendimento esportivo e lazer.
Delineando uma formação ampla, com caráter dicotômico, em que, ao mesmo tempo, se oportunize o acesso a diferentes saberes e conhecimentos da área, a reforma conduz a uma formação fragilizada, uma vez que a formação inicial passa a ser desenvolvida a partir da superficialidade do conhecimento científico.
Tendo a amplitude descrita para a formação inicial de acordo com a Resolução CNE n. 06/2018, é possível observar os indicadores da sustentação de um pensamento marcado pelos pressupostos ideológicos de determinado momento histórico. Para Netto (2006) isso ocorre, pois, um sistema social-burguês engendra um ambiente psicossocial, um modo de pensar fundamentado na alienação e na reificação, dificultando ao proletariado a descoberta dos seus verdadeiros interesses. Uma formação profissional fragmentada e estranha objetiva a formação de um indivíduo que reproduza ideologias neoliberais, afinal, o campo de atuação do profissional de Educação Física apresenta um rol de opções e oportunidades mercadológicas, conforme demostrado na Figura 2, extraída da Resolução CNE n. 06/2018, na qual se observam as relações entre a formação e as possibilidades meritocráticas de atuação no mundo do trabalho.
Buscando romper com esse pressuposto, observa-se que o art. 4° da Resolução CNE n. 06/2018 menciona que o curso de formação deverá articular a formação inicial e continuada, permitindo autonomia ao graduando para seu aperfeiçoamento. Demonstra, assim, a vulnerabilidade e o aligeiramento de uma formação fragmentada, estereotipada com viés neoliberal e de consideração meritocrática, a partir dos esforços despendidos para se adequar e atender ao mundo do trabalho, seguindo pressupostos e demandas gerados pela “mão invisível do mercado” (SMITH, 1996).
Esse cenário elucida o fato de que as orientações normativas, trazidas pela resolução, suscitam uma formação contrária à sustentada pelos pressupostos de emancipação humana, cuja centralidade do processo se configura a partir da transformação da realidade imposta pelo ritmo e pelas condições de transformação do sujeito a partir de sua realidade objetiva (KONDER, 2008, p. 23).
A efetivação do ideário neoliberal, latente na tal resolução, suscita a meritocracia e o esforço profissional dispendido para alcançar êxitos profissionais futuros. O sujeito passa a ser responsabilizado pelo seu processo formativo, mas, ao mesmo tempo, coloca-se de forma subjetiva e alienada, no contexto exposto pelo mundo do trabalho.
A formação docente, influenciada pela ideologia neoliberal, acarreta o desenvolvimento de um profissional, cuja ação, no mundo do trabalho, não se fundamenta em suas expectativas, mas nos pensamentos hegemônicos incutidos subliminarmente nos documentos voltados a políticas de formação de professores. Para Koga e Guindani (2017) tal fato é consequência dos ideários neoliberais sob a lógica capitalista, que racionaliza um pensamento incomplexo e simétrico, empreendido para esforço e superação convertidos em sucesso.
Os currículos elaborados de acordo com o interesse neoliberal negam e destroem a capacidade profissional do professor, ao mesmo tempo que a utilizam para que seus interesses ideológicos sejam transmitidos, proporcionando a continuação do caráter alienado na sociedade (KONDER, 2008, p. 24). Na constituição da Resolução CNE n. 6/2018, observam-se os indicadores estabelecidos para a construção de currículos de formação de cursos de licenciatura em Educação Física, os quais devem ser reestruturados e implementados, considerando o seu art. 5º:
Art. 5°. A formação do graduando em Educação Física terá ingresso único; 1.600 horas de núcleo comum e 1.600 horas para licenciatura ou bacharel. Art. 6°. A conclusão da etapa comum possibilita autonomia para a escolha discente de sua formação específica e contempla conhecimentos biológicos, psicológicos, socioculturais do ser humano, do movimento, da cultura corporal do movimento, instrumental tecnológico, éticos e procedimentais aplicados à Educação Física. Art. 9°. Relevância de normas para formação indispensável para um projeto de educação com reconhecimento da abrangência, diversidade e complexidade da educação brasileira com foco na melhoria, democratização do ensino com igualdade de condições para acesso e permanência na escola e liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, bem como tolerância e respeito, por meio de sólida formação teórica, ampliando o conceito de docência e apropriando os valores éticos, linguísticos, estéticos e políticos, qualificando os profissionais para contextualizar, problematizar e sistematizar conhecimentos. Art. 10. O licenciado terá uma formação humanista, técnica, crítica, reflexiva e ética qualificadora da intervenção profissional
(BRASIL, 2018).
O que caracteriza uma formação docente alienada é a necessidade de suprir as demandas profissionais existentes no campo educacional, que seja reprodutora das ideologias neoliberais implícitas nos currículos. As novas implicações profissionais, no campo educacional, se prendem à obrigação de efetuar mudanças na formação do sujeito, fundamentando-se no tipo de conhecimento que será transmitido por meio da implementação curricular, reconfigurando e exigindo transformações no sistema educacional e no processo de formação com a intenção de tornar o trabalhador “subjetivo, operacional e lucrativo, apto a ser funcional à lógica do sistema produtivo” (KOGA; GUINDANI, 2017, p. 99).
Afeiçoando-se a essa funcionalidade objetivada nas políticas públicas por influências hegemônicas neoliberais de “instrução mínima” (SMITH, 1996), o processo inicial docente oportuniza ao sujeito uma formação ilegítima que o afasta e fragiliza, distorce e compromete sua compreensão da realidade do mundo e, desse modo, conforme Freire (2018), o seu modo de pensar e refletir acerca dos fatos é configurado de forma alienada, sem autenticidade, impossibilitando sua interpretação da ação produzida pelo homem na sua relação com o meio.
Para superar tais normativas modeladoras de sujeitos, induzindo-os a se afastarem de sua consciência crítica e realidade, os cursos de formação docente precisarão oportunizar ao discente um período em que ele possa, de acordo com Konder (2008), se empenhar na elevação de sua consciência crítica, podendo participar, com efetividade, dos movimentos transformadores sociais, assimilando e aprofundando o pensamento crítico-dialético. Contradizer o sistema hegemônico é um movimento no qual sujeitos buscam superar os desafios postos, rompendo as barreiras limitadoras da ação humana para com sua realidade.
Uma consciência não engendrada sob a perspectiva dialética, na concepção de Konder (2009), inutiliza toda a completude existente, pois fraciona a totalidade em partes, associando a operacionalidade das conjunções alienadoras à vida prática, correspondendo a uma consciência dissociada de análise e síntese. Perder a capacidade de reconhecer o sentido de pertencimento a determinado grupo social resulta no fracasso perceptivo da realidade e do sentido de humanidade (SILVA, 2019). Para tanto, as políticas de formação docente se vestem de conceitos e dizeres indicadores de melhorias, ocultando, em sua subjetividade, os reais interesses neoliberais.
O pragmatismo da ideologia neoliberal, subliminarmente presente na Resolução CNE n. 6/2018 insurge contra uma formação docente de caráter crítico e emancipador que sinaliza possíveis contradições no próprio documento, ao mesmo tempo que condiciona o sujeito à alienação.
O caráter opressor do Estado (MAGALHÃES, 2015) é mascarado sob o viés de uma formação inicial de qualidade, mas, ao se deparar com a estruturação vigente, percebe-se que o processo formativo do professor, para atuar na Educação Básica é fragilizada pela fragmentação da formação, com isso se torna alienadora, promovendo o acesso ao conhecimento historicamente construído, ao mesmo tempo que não permite aos sujeitos aprofundarem o conhecimento para atuar na sociedade, possibilitando e favorecendo a (re)produção dos interesses hegemônicos.
Para Sardinha, Netto e Azevedo (2018), a cada momento, novos ideais conservadores se revelam e visam a um empobrecimento e distanciamento dos sujeitos das esferas política, intelectual e social, segmentando o saber com finalidades interessadas em subjugar o caráter supressor das ações humanas na sociedade. Moreira e Souza (2016) afirmam que, com a difusão de políticas neoliberais, a naturalização dos fatos e o tratamento superficial dado aos acontecimentos negam e eliminam a necessidade de compreensão e transformação social, assim como se dá na formação docente.
As abstrações mais gerais só nascem, em resumo, com um desenvolvimento concreto mais rico, em que um caráter, que aparece como comum a muitos, é comum a todos. De acordo com Marx (1977), é preciso entender que, em todas as formas de sociedade, é uma produção determinada, e as relações por ela produzidas que estabelecem a todas as outras produções e às relações a que dão origem à sua categoria e à sua importância.
Considerações finais
As análises realizadas sobre a Resolução CNE n. 6/2018 se configuraram em uma relevante discussão acerca da perspectiva do processo de formação inicial do futuro professor de Educação Física. Isso porque os indicadores apontaram a categorias relacionadas à Educação Física como área de estudo e pesquisa; área de conhecimento específico para a educação; atividade acadêmica para prática pedagógica; e componente curricular.
Observou-se, nas análises da referida resolução, que a formação posta revela um processo formativo fragmentado e servil à solidificação e manutenção dos ideários neoliberais, configurando uma formação inicial aligeirada, na qual se evidencia a necessidade de instruir um profissional que esteja apto a reproduzir uma lógica hegemônica, diante de uma formação generalizada e limitada de conceituação científica e analítica da totalidade contextual contemporânea, concedendo ao sujeito variadas concepções e abordagens acerca da compreensão da ação docente no ambiente profissional ao mesmo tempo que de forma parcimoniosa.
Essa amplitude do processo formativo levanta a possibilidade de alienação, induzindo à formação docente por meio de uma ideologia prescrita subliminarmente e à qual o profissional em formação será submetido, dificultando, por vezes, a construção de um conhecimento que propicie sua emancipação de forma crítica e reflexiva acerca da realidade social.