Introdução
A situação de pandemia vivenciada atualmente se configura como um importante elemento que nos convida a refletir uma vez mais sobre as questões educacionais. Em uma realidade onde as crianças não possuem acesso à escola e tiveram que desenvolver novas formas de aprendizado (Galian et al., 2020), discutir como o contexto escolar é capaz de influenciar no desempenho estudantil se torna de suma relevância, numa tentativa de trazer à tona a importância do investimento nas condições escolares para que os alunos possam maximizar suas chances de aprendizagem ao término deste cenário pandêmico.
Sabe-se que os alunos da rede pública de ensino dependem exclusivamente do ensino público, formalizado através das instituições escolares, para que possam exercer seu direito à educação (Alves et al. 2020). Porém, dentre os diversos efeitos da pandemia, tem-se também a queda na arrecadação tributária dos governos, o que pode aumentar ainda mais as iniquidades na educação básica, principalmente em regiões com menores indicadores socioeconômicos (Alves et al. 2020).
Este contexto enseja a discussão acerca da importância da educação e seus efeitos no indivíduo, bem como das externalidades advindas da impossibilidade do acesso ao ensino formal e da falta de investimento em uma educação de qualidade. Na concepção de Goergen (2013, p. 734), “o acesso à educação formal é condição fundamental para a formação de cidadãos conscientes, críticos e democráticos, capazes de promover a transformação social”. A privação do acesso à educação pode, inclusive, acarretar a exclusão do indivíduo das esferas econômicas, sociais e culturais da sociedade, majorando as desigualdades sociais, sendo dever do Estado zelar por um ensino de qualidade e acessível a todos (Setúbal, 2010; Goergen, 2013).
Ademais, a educação estaria também relacionada com a produtividade individual e com o fortalecimento da democracia, além de propiciar a redução da desigualdade social e da criminalidade (Franco, 2008). Somente o acesso à educação formal possibilitaria que o indivíduo tenha plenas condições de participação no modelo democrático, sendo a educação o principal recurso para se fomentar o exercício pleno da cidadania (Goergen, 2013).
Além disso, “os alunos passam muito tempo na escola e o contexto escolar desempenha um papel muito importante no desenvolvimento pessoal e social dos adolescentes” (Fortin et al., 2006, p. 365, tradução nossa). Dessa forma, apesar de vários fatores influenciarem no rendimento dos alunos, a escola também deve ser responsabilizada pelo insucesso destes (Soares, 2009).
Vários autores realizaram estudos sobre a forma como os fatores escolares poderiam exercer influência sobre o desempenho da educação. No contexto brasileiro, um exemplo é o estudo de Alves et al. (2007), que analisaram a influência de condições de oferta de ensino nos indicadores de resultado das escolas da rede pública, constatando que as características escolares, a condição socioeconômica e fatores relacionados com a gestão escolar influenciam no desempenho escolar. Outro caso é Menezes-Filho (2007), que avaliou a relação entre o desempenho em matemática dos alunos brasileiros e a estrutura escolar, encontrando diversos fatores que exercem grande influência no desempenho, tais como o número de horas-aula, a conservação da escola etc.
Quanto à literatura internacional, o desempenho estudantil também é analisado sobre diferentes perspectivas. Sua relação com a qualidade dos professores é apresentada em Darling-Hammond (2000), Harris e Sassb (2011), Kim (2015) e Sirait (2016). No que tange à infraestrutura das escolas, tem-se os estudos de Murillo e Román (2011) e, dentre outros, Kaia e Zimmer (2016). Logo, professores mais qualificados e escolas com uma melhor infraestrutura são apontados pelos referidos autores como condições que favorecem um melhor desempenho por parte dos alunos. Dentre outros fatores utilizados como determinantes do desempenho escolar, tem-se a promoção da inteligência emocional (Parker et al., 2004); a participação estudantil em atividades físicas (Daley & Ryan, 2000) e a gestão escolar (Böhlmark et al. 2016).
A compreensão desses fatores inerentes à escola que possam exercer influência no desempenho é essencial para que os gestores públicos possam conhecer a realidade e necessidade do sistema educacional local, ensejando a criação de políticas que possam influenciar positivamente o desempenho da educação. Além disso, é importante compreender o motivo pelo qual há escolas que possuem resultados tão diversificados nos exames nacionais padronizados, bem como quais características intraescolares possam estar atreladas a isso.
Acredita-se, ainda, que existam lacunas na literatura no que se refere à compreensão de fatores escolares que exercem influência sobre o desempenho, seja pela carência de estudos recentes sobre o tema ou pela escassez de trabalhos que apontem quantitativamente atuais condições do ensino nos municípios brasileiros, elencando seus pontos fortes e fracos. Além disso, alterações na conjuntura econômica dos municípios podem trazer novos resultados ao estudo.
Dessa forma, este estudo objetiva verificar quais fatores relacionados ao contexto escolar exercem influência sobre o desempenho, tomando-se como referência os alunos da rede pública de ensino do estado de Minas Gerais. São analisadas variáveis relacionadas à escola, às salas de aula e aos professores da educação básica atuantes nas escolas mineiras. Ademais, as informações coletadas possibilitam melhor compreensão do setor educacional no estado, construindo-se um espelho da educação a partir de cada município.
A educação como dever do Estado e o debate acerca do ensino de qualidade
A educação, assim como a saúde e a moradia, é direito social garantido à população e, portanto, é dever do Estado oferecê-la. Todavia não basta o acesso aos serviços de forma gratuita, como também é dever dos governos oferecê-los de forma igualitária e com qualidade. Deveras, a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988, s.p.) elenca, em seu artigo 6º: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Apesar disso, o conceito de qualidade no setor educacional é amplamente discutido pela literatura da área, tendo em vista as inúmeras divergências no que concerne à definição exata do termo. De acordo com Oliveira e Araújo (2005), o termo qualidade da educação foi percebido de três formas distintas desde a década de 1980. Ainda segundo os autores, a primeira concepção de qualidade era estritamente vinculada à oferta insuficiente do ensino, direito de uma minoria da população. Posteriormente, com os avanços na democracia e a expansão do acesso ao ensino, o termo passou a ser associado ao fluxo escolar. Devido às grandes disparidades nas condições econômicas da população, a expansão do acesso levou a um gargalo no sistema educacional brasileiro: expandiu-se o acesso, mas não foram ampliadas as condições para que os alunos pudessem aprender (Oliveira & Araújo, 2005).
Dessa forma, “os obstáculos à democratização do ensino foram transferindo-se do acesso para a permanência com sucesso no interior do sistema escolar” (Oliveira & Araújo, 2005, p. 10). Assim, o terceiro conceito de qualidade se refere ao desempenho cognitivo dos alunos, que passa a ser auferido por exames governamentais padronizados, que objetivam avaliar o aprendizado dos alunos de acordo com o nível de escolaridade.
Entretanto esse novo meio de quantificar o aprendizado sofre várias críticas, tendo em vista que desconsidera as desigualdades que permeiam o setor educacional, propiciadas pelas divergências de conjunturas municipais tão presentes no cenário brasileiro. Ademais, quantificar o ensino por meio de avaliações padronizadas promove a responsabilização dos professores e das escolas, que acabam redefinindo seus conteúdos programáticos a fim de que os alunos obtenham um desempenho satisfatório (Bonamino & Sousa, 2012).
Atualmente, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é um dos indicadores mais utilizados no Brasil para a mensuração do desempenho dos alunos. O referido índice se constitui em uma nota de 0 a 10, calculada por meio da taxa de rendimento escolar (que está relacionada às taxas de aprovação, reprovação e abandono), bem como do desempenho dos alunos em exames nacionais padronizados. O Ideb é considerado um indicador de grande influência no debate sobre a educação no país por ser uma forma privilegiada e frequentemente única de se mensurar a qualidade e o desempenho da educação básica brasileira, sendo calculado por meio do produto de um indicador de desempenho por um indicador de rendimento (Soares & Xavier, 2013). O indicador de desempenho é calculado pela média dos resultados obtidos pelos alunos na Prova Brasil em Leitura e Matemática, enquanto o indicador de rendimento é a razão entre a quantidade de anos da etapa e o tempo que um aluno típico gasta para completar uma série, que seria equivalente a “1” caso não houvesse nenhuma reprovação ou abandono (Soares & Xavier, 2013).
Dessa forma, percebe-se a vasta discussão acerca dos problemas que permeiam o âmbito escolar e, acima de tudo, a importância dos estudos que tenham por intuito a colaboração para a melhoria do setor educacional. Nesse contexto, considera-se essencial conhecer os diferentes aspectos que influenciam o desempenho escolar para que se tenha conhecimento sobre como e onde são necessários aprimoramentos.
Fatores escolares que influenciam o desempenho escolar
Considerando-se a importância de o Estado assegurar educação de qualidade a todos, de modo a garantir o bem-estar social e possibilitar a transformação do ser humano para viver em sociedade, torna-se extremamente válida a compreensão de quais aspectos exercem maior influência no desempenho escolar dos alunos.
Nesse quesito, Alves et al. (2007) avaliaram o desempenho das escolas públicas do estado de Goiás nas avaliações de Português e Matemática da Prova Brasil. Observaram que as escolas que possuíam grande número de alunos por sala foram as que apresentaram pior desempenho. O número de alunos por sala e sua relação negativa com o desempenho dos alunos também foi corroborado por Sutton e Soderstrom (1999), que se dedicaram a investigar as características que pudessem explicar as variações no rendimento dos alunos, tomando como foco o Illinois Goal Assessment Program (Igap). Esses achados também estão corroborados em Mosteller (1995), estudo que concluiu que alunos provenientes de famílias com baixa renda possuem melhor desempenho quando estão em salas de aulas com baixo quantitativo de alunos, já que, nesses casos, é possível o maior contato professor-aluno.
Alguns autores apontam também a carga horária de aulas dos alunos como fator importante para a majoração no rendimento. Alves et al. (2007) e Menezes-Filho (2007) observaram que alunos que passavam mais tempo no ambiente escolar obtinham um rendimento superior aos demais. Ademais, Franco (2008) se utilizou de dados das provas de Matemática de 5 edições do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) para analisar em que grau as características das escolas e dos professores podem influenciar o desempenho dos alunos. A autora constatou que o desempenho dos alunos foi melhor nas escolas com carga horária maior ou igual a 5 horas diárias.
Adicionalmente, a infraestrutura do ambiente escolar é considerada fator determinante para o desempenho dos alunos. Alves et al. (2007) observaram que as escolas onde os alunos apresentaram maior rendimento na Prova Brasil foram justamente aquelas com melhor infraestrutura, mensurada pela existência de laboratórios de ciências e informática, biblioteca e quadra esportiva. Esta relação também foi evidenciada em Díaz e Barrios (2002), Riani (2005), Marks et al. (2006), Biondi e Felício (2008), Hornick (2012) e Löbler (2013), o que reafirma que a infraestrutura escolar exerce influência positiva no desempenho dos alunos, fato que acaba por atrair discentes com melhor condição socioeconômica.
Ainda tendo como foco o ambiente escolar, estudos como o de Lee e Smith (1997) e Raywid (1999) demonstram que o tamanho da escola, no quesito quantitativo de alunos, possui influência no desempenho dos alunos, uma vez que quanto menor a escola, melhor é o desempenho. Além disso, Jackson e Addison (2018) observaram que o clima da escola (satisfação com o ambiente, sensação de segurança, disponibilidade de recursos para o desenvolvimento dos trabalhos, fornecimento de feedbacks constantes, promoção de uma cultura de respeito e espírito colaborativo, dentre outros) também afeta o desempenho, interferindo na qualidade de ensino dos professores e no sucesso dos alunos. Ademais, o envolvimento e a participação ativa dos pais na escola dos filhos tendem a influenciar no melhor desempenho destes (Lee et al. 1993; Cia et al. 2004; Löbler, 2013).
Outro aspecto bastante discutido na literatura é em relação aos professores, principalmente no que concerne à sua remuneração e capacitação, bem como à carga horária trabalhada. Oliveira e Araújo (2005) exploraram a qualidade da educação por meio de um panorama do sistema educacional enquanto direito. Com base nos resultados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), os autores constataram a importância da figura do professor como influenciador do desempenho. Dessa forma, não basta a contratação de bons profissionais, como também se deve zelar pela satisfação profissional dos professores, com cargas horárias não abusivas e bons salários (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization [Unesco], 1998).
Logo se constata que docentes com curso superior ou curso de capacitação afetam positivamente o desempenho dos alunos (Barros et al., 2001; Torrecilla, 2003; Riani, 2005; Franco, 2008; Hornick, 2012; Löbler, 2013; Souza & Tabosa, 2016; Espinoza-Freire et al. 2017). Todavia, Miranda (2008) alerta sobre o fato de que há a tendência de que os melhores professores acabem atuando em escolas de melhor performance, ensejando políticas de alocação de bons professores também em área menos favorecidas.
Ademais, Alves et al. (2007) constataram que as escolas com maior rendimento na Prova Brasil, além de professores qualificados, dispunham também de planos de cargos e salários. Greaves e Sibieta (2019) investigaram as implicações oriundas do aumento do salário docente de algumas escolas com orçamento fixo situadas no Reino Unido. Apesar de não constatarem nenhuma relação entre a maior remuneração e o aumento no rendimento dos alunos, os autores deixam claro que a majoração da remuneração pode estar relacionada a outros aspectos, tais como a redução na ausência dos professores, o que também beneficiaria o desempenho dos alunos.
Diante do exposto, percebe-se a preocupação de diversos autores em buscar explicações para as diferenças de desempenho dos alunos, aliada à compreensão de quais são os fatores que podem exercer maior ou menor influência.
Metodologia
Caracterização da pesquisa e unidades de análise
Tendo em vista a diversidade de aspectos que podem interferir no desempenho dos alunos, vários estudos foram realizados a fim de compreender como o desempenho dos alunos é afetado pelas características do ambiente escolar, englobando gestão, professores, infraestrutura, dentre outros aspectos. No entanto, ainda é incipiente a compreensão destes elementos de forma ampla e que levem em consideração a diversidade de contextos municipais no Brasil, que contam com diferentes recursos e características demográficas.
A fim de contribuir com a literatura e considerando a necessidade de realizar estudos que possibilitem contemplar mais de uma localidade simultaneamente, optou-se pela utilização de uma abordagem quantitativa. Isso permite uma compreensão mais generalizada do contexto educacional e possibilita a realização de mais inferências sobre a educação no país.
Dado o exposto, essa pesquisa utiliza instrumentos estatísticos para análise de um grande número de dados numéricos. Além disso, é descritiva, visto que objetiva descrever as características do fenômeno e busca estabelecer relações entre as variáveis (Gil, 2006; Marconi & Lakatos, 2008).
A área de estudo corresponde ao estado de Minas Gerais, segundo estado com maior número de matrículas na educação básica no ano 2015, atrás apenas de São Paulo (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2015). Ademais, é o oitavo estado com maior rendimento nominal mensal domiciliar per capita e o nono com maior Índice de Desenvolvimento Humano do país (IBGE, 2015). É também um estado que reflete várias diferenças sociais e econômicas entre seus municípios, o que pode acarretar inúmeras desigualdades no setor educacional.
Descrição das variáveis
A fim de identificar as variáveis que influenciam o rendimento dos alunos no Ideb, foram utilizadas sete variáveis explicativas relacionadas ao ambiente escolar. São elas: número médio de alunos por sala (AluSala); taxa de professores com curso superior atuantes na educação básica (ProfSup); remuneração média dos professores da educação básica, padronizada para 40 horas semanais (RemProf); taxa de alunos da educação básica com laboratório de informática (LabInfo); carga horária média semanal do professor (CargaProf); média de horas-aula diárias dos alunos da educação básica (HoraAula); e taxa de alunos em escolas com internet (EscInfo). Com exceção desta última variável, cujos dados foram retirados do site do Índice Mineiro de Responsabilidade Social (IMRS, 2015), todas as demais tiveram como fonte o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep, 2015).
Vale ressaltar que os dados se referem às informações das médias por município referentes ao ano 2015, com exceção das variáveis “Taxa de alunos da educação básica com laboratório de informática” e “Taxa de alunos em escolas com internet”, cujo período mais recente dos dados referia-se ao ano 2014. Estes eram os dados mais recentes disponibilizados nas bases de dados supracitadas à época da elaboração deste estudo. Apesar do estado de Minas Gerais possuir 853 municípios, 33 deles foram excluídos por apresentarem algumas das variáveis como tendo valor “0”. Assim, a amostra utilizada foi de 820 observações.
Procedimento de análise
Para verificar a existência de relações entre as variáveis representativas de fatores escolares e a variável de interesse Ideb, foi utilizado o método de Regressão Linear Múltipla (RLM). Devido à grande diferença nas unidades de medida entre as variáveis dependente e independentes, optou-se por estimar a regressão utilizando o ln[1] das variáveis “Remuneração do professor”, “Carga horária do professor”, “Número de horas-aula” e “Número de alunos por sala”.
Os coeficientes desta regressão foram estimados pelo Método dos Mínimos Quadrados Ordinários. Sob o nível de 95% de confiança, o teste F foi utilizado para avaliar a significância estatística geral do modelo e o teste t para a significância dos coeficientes individuais. Adicionalmente, realizaram-se os testes de White, Jarque-Bera e VIF para testar, respectivamente, os pressupostos de homocedasticidade, normalidade dos resíduos e ausência de multicolinearidade (Pestana & Gageiro, 2005; Hair et al., 2009, Corrar & Theóphilo, 2013). A comprovação de tais pressupostos estatísticos é necessária para a validação do modelo de regressão, corroborando que os resultados são confiáveis e que o modelo foi corretamente estimado.
Resultados e discussões
Análise exploratória dos dados
Encontram-se na Tabela 1 as estatísticas descritivas das variáveis utilizadas nesse estudo. Primeiramente, fez-se a separação entre variáveis absolutas e percentuais para uma melhor compreensão da natureza dos dados e de suas distribuições. Além dos valores da média, desvio-padrão, valores mínimo, máximo e mediana, foram apresentados a assimetria e curtose[2] (para as variáveis absolutas) e os valores referentes ao 1º e 3º quartil (no caso das variáveis percentuais).
Variáveis absolutas | Média | Desvio padrão | Mínimo | Máximo | Mediana | Assimetria | Curtose |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Ideb (em pontos) | 4,62 | 0,54 | 2,70 | 6,30 | 4,60 | 0,07 | 2,93 |
CargaProf (em horas) | 29,16 | 7,32 | 15,77 | 44,00 | 26,27 | 0,73 | 2,33 |
RemProf (em R$) | 2297,24 | 850,40 | 733,91 | 8127,78 | 2214,83 | 1,31 | 7,29 |
Hora-Aula (em horas) | 4,75 | 0,40 | 4,03 | 6,80 | 4,70 | 0,98 | 4,46 |
AlunosSala (em unidades) | 22,47 | 2,69 | 13,77 | 28,53 | 22,87 | -0,55 | 2,99 |
1º Quartil | 3º Quartil | ||||||
EscInfo (em %) | 95,36 | 6,35 | 52,9 | 100 | 97,57 | 93,2 | 100 |
LabInfo (em %) | 86,32 | 17,07 | 4,75 | 100 | 91,62 | 80,42 | 98,67 |
ProfSup (em %) | 82,27 | 10,66 | 29,33 | 100 | 83,77 | 76,01 | 89,71 |
Fonte: Resultados da pesquisa.
Conforme a Tabela 1, o Ideb apresentou média de 4,62, com valor mínimo de 2,7 e valor máximo de 6,3 pontos. O valor da mediana revela que 50% dos municípios têm notas igual ou inferior a 4,6, o que se aproxima bastante do valor encontrado para a média. Tal fato corrobora o revelado pelos valores de assimetria e curtose, que indicam distribuição aproximadamente normal dos dados. O município de Rio Preto (Zona da Mata) exibiu a menor nota média, enquanto os municípios de Juruaia (Sul de Minas) e Senador José Bento (Sul de Minas) alcançaram o melhor desempenho. Como as notas são calculadas no intervalo de 0 a 10, percebe-se que os municípios mineiros estão com níveis educacionais bastante diferenciados, o que denota grande variabilidade de taxas de aprovação na educação básica ou do desempenho dos alunos nos exames padronizados governamentais, dados que servem de base para o cálculo do Ideb.
Cerca de 76% dos municípios mineiros apresentaram o desempenho médio no Ideb acima da média do Estado. Vale ressaltar a intenção do Governo Federal de que até 2022 a nota média nacional seja de 6,0 pontos, em comemoração aos 200 anos da Independência do Brasil (Alves & Soares, 2013). Porém, em 2015 a nota média brasileira para os anos finais do ensino fundamental foi de 4,5 pontos. O mapa 1 permite a visualização da distribuição das notas do Ideb no estado, segundo seu percentil. Verifica-se que grande parte dos municípios se concentra nos escores de notas relativo ao percentil 50%, ou seja, metade dos municípios possuíam nota igual ou inferior a 5,3, enquanto somente 5 municípios obtiveram nota superior a 5,9, corroborando que ainda há um longo caminho a ser seguido para a majoração do desempenho dos alunos no estado.
Observou-se também que a carga horária média trabalhada pelos professores da educação básica foi de 29,16 horas semanais, com valor mínimo de 15,77 e valor máximo de 44. O município com menor valor desta carga horária foi Buritis (Norte de Minas), enquanto 44 municípios apresentaram carga horária máxima de 44 horas semanais. A mediana encontrada foi de 26,27, com assimetria de 0,73 e curtose de 2,33, ou seja, 50% dos valores observados foram iguais ou inferiores a 26,27.
Quanto à remuneração do professor (padronizada para 40h semanais), obteve-se a média de R$ 2.297,24, com valor mínimo de R$ 733,91 e valor máximo de R$ 8.127,78. O município com menor remuneração média foi Taparuba (situado no Vale do Rio Doce) e aquele com maior foi Serranópolis de Minas (região Norte de Minas), ambos de pequeno porte. Além disso, por meio dos dados coletados percebeu-se que 454 municípios possuíam média salarial abaixo do piso, que era de R$ 2.298,80 em 2017, de acordo com dados do Ministério da Educação. Portanto, mais de 55% dos professores mineiros eram remunerados com valores abaixo do piso obrigatório.
Para o número de horas-aula diárias por aluno, a média encontrada foi de 4,75, valor muito próximo ao encontrado para a mediana, com valor mínimo de 4,03 e máximo de 6,8. O município com menor carga horária foi Dona Eusébia (Zona da Mata) e o com maior carga horária foi Aguanil (Sul de Minas). De acordo com o desvio-padrão encontrado, a maioria das escolas mineiras apresentava carga horária muito semelhante, com variações de cerca de 20 minutos (0,4 horas). Portanto, poucas escolas utilizavam o programa de horário integral em sua totalidade em 2015, com 7 horas-aula diárias. De acordo com os dados coletados, apenas 11 municípios (cerca de 1,3%) possuíam média de carga horária superior a 6 horas diárias.
O número de alunos por sala obteve média de 22,47, com valor mínimo de 13,77 e máximo de 28,53. A mediana encontrada revela que 50% das observações possuem valores iguais ou inferiores a 22,87, enquanto os valores de assimetria e curtose apontam para uma distribuição onde predominam valores mais baixos. O município com menor número de alunos por sala era Senador José Bento (Sul de Minas), enquanto Ipanema (Vale do Rio Doce) era aquele com maior número de alunos por sala. Esta grande diferença entre os valores mínimo e máximo pode ter sido ocasionada pela diferença entre o número de alunos de acordo com a série escolar e a oferta de escolas de cada município.
Já a taxa de alunos em escolas que possuíam acesso à internet apresentou média de 95,36%, com valor mínimo de 52,9% e máximo de 100%[3]. Em relação aos quartis, percebe-se que 205 municípios (25%) tinham taxas iguais ou inferiores a 93,2%, enquanto 615 municípios (75%) detinham valores iguais ou inferiores a 100%.
Em relação à taxa de alunos da educação básica que detinham acesso a laboratório de informática, a média encontrada foi de 86,32%, com valor máximo de 100% e mínimo de 4,75%. O município com taxa mínima era Caparaó (Zona da Mata) e 157 municípios apresentaram valor máximo. A mediana encontrada foi de 91,62%, revelando que metade dos municípios analisados possuíam valores iguais ou maiores a este. Além disso, 25% dos municípios analisados tinham taxa de acesso a laboratórios de informática igual ou inferior a 80,42%.
Esta disparidade entre a taxa de alunos que estudavam em escolas com acesso à internet e a taxa de alunos que tinham acesso a laboratório de informática se deve ao fato de que muitas escolas utilizavam a internet somente para fins administrativos. Percebe-se que, apesar do notável avanço tecnológico, algumas escolas ainda eram desprovidas de acesso à internet, bem como de laboratórios de informática para os alunos, o que denotava falta de infraestrutura adequada.
Em relação à taxa de professores que possuíam curso superior, observou-se média de 82,27%, com valor mínimo de 29,33% e valor máximo de 100%. O município com menor taxa era Carmésia (Vale do Rio Doce) e 11 municípios apresentaram a taxa de 100%. Ou seja, apenas em 1,3% dos municípios analisados todos os professores da educação básica tinham formação no ensino superior. Vale ressaltar que este estudo não analisou se os professores com ensino superior atuavam em disciplinas condizentes com sua formação. A mediana encontrada revelou que em 50% dos municípios a taxa de professores com ensino superior era igual ou inferior a 83,77%, enquanto em 25% deles essa taxa não ultrapassava 76,01%, e em 75% deles os valores eram iguais ou inferiores a 89,71%.
Adicionalmente, apresentam-se na Tabela 2 os valores referentes ao índice de correlação entre as variáveis utilizadas no estudo. Observou-se que, de modo geral, as correlações entre as variáveis de fatores escolares eram pequenas, mostrando que possuem variações especificamente individuais. Isto é, escolas com acesso à internet não necessariamente tinham laboratório de informática ou mais horas-aula diárias, por exemplo. Em relação às correlações entre a nota Ideb e cada um dos fatores escolares, verificou-se que apenas as variáveis “carga horário do professor” e “número de alunos por sala” eram negativamente correlacionadas com a nota Ideb.
Ideb | CargaProf | EscInfo | LabInfo | RemProf | ProfSup | HoraAula | AlunosSala | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Ideb | 1 | |||||||
CargaProf | -0,164* | 1 | ||||||
EscInfo | 0,210* | -0,100* | 1 | |||||
LabInfo | 0,133* | -0,107* | 0,173* | 1 | ||||
RemProf | 0,189* | -0,688* | 0,208* | 0,138* | 1 | |||
ProfSup | 0,207* | -0,152* | 0,229* | 0,157* | 0,184* | 1 | ||
HoraAula | 0,068** | -0,088* | 0,136* | 0,046*** | 0,171* | 0,000*** | 1 | |
AlunosSala | -0,035*** | -0,069* | 0,182* | 0,084* | 0,201* | 0,091* | 0,244* | 1 |
*Significante ao nível de 1%.** Significante ao nível de 5%.*** Não significante estatisticamente.Fonte: elaboração própria a partir dos dados coletados, com o apoio do software GeoDa.
Análise dos efeitos dos fatores escolares sobre o desempenho
Os resultados encontrados para a análise dos efeitos de fatores escolares sobre o Ideb de 2015 dos 820 municípios de Minas Gerais estão apresentados na Tabela 3. Nesta Tabela encontram-se os coeficientes estimados e respectivos erros padrão e as estatísticas do Teste t.
Antes de analisar os resultados, vale ressaltar que foram realizados todos os testes para a validação da regressão. O teste de White corroborou a hipótese nula de que os resíduos são homocedásticos[4]. O teste de Jarque-Bera indicou a existência de normalidade dos resíduos. Já a ausência de multicolinearidade foi comprovada a partir do VIF, cujo valor máximo obtido foi 2,92. Além disso, de acordo com o Teste F, a regressão é significativa como um todo, a um nível de significância de 5%. Pelo teste t, verificou-se que as variáveis carga horária do professor e número de horas-aula não foram significativas, possuindo p-valor superior a 0,05.
Variável | Coeficiente | Erro padrão | tcalculado | P-valor |
---|---|---|---|---|
Ln CargaProf | -0,016 | 0,121 | -0,130 | 0,894 |
EscInfo | 0,013*** | 0,003 | 4,15 | 0,000 |
LabInfo | 0,002** | 0,001 | 2,05 | 0,041 |
Ln RemProf | 0,229*** | 0,085 | 2,70 | 0,007 |
ProfSup | 0,007*** | 0,001 | 3,94 | 0,000 |
Ln HoraAula | 0,319 | 0,023 | 1,38 | 0,168 |
Ln AlunosSala | -0,529*** | 0,151 | -3,49 | 0,001 |
Constante | 2,092** | 1,001 | 2,09 | 0,037 |
Nota: *** e ** indicam, respectivamente, significância estatística aos níveis de 99% e 95%.Fonte: Resultados da pesquisa.
A variável Remuneração dos professores apresentou uma relação positiva com o desempenho no Ideb. Em termos de efeitos, o aumento médio de 1% na variável em questão aumentava em 0,23 pontos a nota média dos alunos no Ideb em Minas Gerais. Esta relação positiva entre o salário dos professores e o desempenho dos alunos foi concordante com os resultados encontrados por Alves et al. (2007) na análise sobre as condições da rede pública de ensino de Goiás.
A remuneração dos professores vem sendo questão em aberto na literatura tendo em vista que alguns autores afirmam não existir relação entre esta e o desempenho dos alunos da rede pública (Menezes-Filho, 2007). De acordo com o referido autor, a remuneração dos professores só influenciaria o desempenho dos alunos quando se analisa escolas da rede privada de ensino. Dessa forma, uma possível explicação para o valor positivo encontrado para o coeficiente neste estudo é o fato da coleta das notas médias do Ideb incluir escolas privadas, além das públicas. Além disso, é válido destacar que a remuneração docente pode estar atrelada a outros aspectos inerentes ao professor, tais como a motivação. Dessa forma, o aumento na remuneração poderia acarretar um incentivo para que o docente invista em sua capacitação e na qualidade de seu trabalho.
Ademais, a taxa de professores com curso superior apresentou relação positiva e significativa com o desempenho. Esta relação está de acordo com o esperado, ou seja, o grau de formação do professor contribui para o desempenho educacional dos alunos (Hornick, 2012; Löbler, 2013), em especial os da segunda etapa do ensino fundamental (Barros et al., 2001). Ademais, é necessário que haja constante capacitação dos docentes, além de investimento nas condições em que o trabalho é executado para se majorar o desempenho dos alunos (Unesco, 1998; Torrecilla, 2003; Riani, 2005; Franco, 2008; Hornick, 2012; Löbler, 2013; Souza & Tabosa, 2016; Espinoza-Freire et al. 2017).
É válido ressaltar a tendência de que professores com maior formação trabalhem em escolas de maior infraestrutura e melhores indicadores socioeconômicos. Dessa forma, os professores com maior formação e melhores salários estariam concentrados nas regiões mais desenvolvidas, trazendo dificuldades para o Estado distribuir bons professores por todas as regiões (Alves et al. 2007). Torna-se necessário, então, o planejamento de ações que incentivem docentes a atuar também em áreas menos favorecidas socioeconomicamente, possibilitando que tais regiões possam também propiciar um melhor rendimento de seus alunos.
Em relação à estrutura das escolas, verificou-se que tanto a taxa de alunos em escolas com acesso à internet, quanto a taxa de alunos que possuíam acesso a laboratórios de informática na educação básica tinham relação positiva com o desempenho no Ideb. Esta relação positiva entre a informatização da escola e o desempenho dos alunos é concordante com a expectativa teórica de que a infraestrutura da escola é importante, principalmente na 2ª etapa do ensino fundamental (Barros et al., 2001; Alves & Soares, 2013). Portanto, a qualidade e infraestrutura do serviço educacional afetam positivamente o desempenho dos alunos (Barros et al., 2001; Hornick, 2012; Alves & Soares, 2013; Löbler, 2013), pois favorecem a aprendizagem através da melhoria na infraestrutura da escola.
Já a análise do número de alunos por sala indicou que esta possuía relação negativa com o Ideb, ou seja, o aumento médio de 1 aluno acarretava a diminuição média de 0,53 pontos nas notas obtidas. Este resultado é condizente com a literatura de estudos brasileiros, visto que o aumento do número de alunos só é neutro em relação ao desempenho no caso das escolas situadas em regiões de alto grau socioeconômico. Portanto, escolas com baixos indicadores socioeconômicos e grande número de alunos por sala apresentam menor rendimento se comparadas às demais (Alves et al. 2007). Este resultado também é corroborado em análises internacionais, como é o caso de Sutton e Soderstrom (1999), que verificaram que o menor número de alunos por professor e o tamanho da classe contribuíam positivamente para o desempenho dos mesmos.
Conclusão
Os resultados encontrados nesse estudo permitem concluir que a infraestrutura das escolas, com acesso a serviço de internet e laboratórios de qualidade, professores dotados de formação superior e com um reduzido número de alunos por sala têm grande potencial de exercer influência positiva sobre o desempenho no Ideb. Do mesmo modo, a remuneração dos professores também afeta positivamente o desempenho dos alunos, corroborando a expectativa de que docentes que não necessitam exercer vários cargos a fim de complementar sua renda ensinam os alunos de forma mais efetiva, gerando melhores resultados.
Portanto são necessárias ações governamentais que envolvam melhorias nos aspectos encontrados, ou seja, aumento da disponibilização de computadores e acesso à internet nas escolas; incentivos à qualificação profissional de professores da rede básica de ensino; e melhores infraestruturas nas escolas e salas de aulas, atentando-se a limites de número de alunos por sala.
Recomendam-se análises futuras com maior diversidade de fatores que possam influenciar o desempenho escolar, tais como características da gestão escolar, financiamento, condição socioeconômica dos alunos, características da família e do entorno social do aluno, bem como a inserção de características inerentes aos alunos, de forma que contemplem também suas características como base para a compreensão dos condicionantes do desempenho educacional. Adicionalmente, sugere-se que a coleta de dados de proficiência dos alunos discrimine as escolas públicas e privadas, a fim de verificar as diferenças na influência das variáveis.