Introdução
Este artigo apresenta o resultado do processo de orientação coletiva (OC)1 realizada no Campus de Ciências Socioeconômicas e Humanas da Universidade Estadual de Goiás (CSEH-UEG) em Anápolis, desenvolvida com mestrandos no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias (PPG-IELT) e do Mestrado Profissional de Ensino de Ciências (PPGEC), ambos da Universidade Estadual de Goiás (UEG) nos anos letivos de 2017 e 2018, e primeiro semestre de 2019.
A OC tem como objetivo capacitar e formar o profissional que irá atuar na docência do ensino superior, na pesquisa científica e no desenvolvimento de atividades interdisciplinares em áreas afins ao curso que frequenta. Para integralizar o curso, o aluno tem de cursar vinte créditos em disciplinas obrigatórias e eletivas. Além disso, recebe quatro créditos por participação em seminários de pesquisa; outros quatro por publicações e atividades complementares, tais como coorientação de bolsistas de Iniciação Científica (PPG-IELT, 2019), e oito créditos pela dissertação defendida no prazo de vinte quatro meses, com possibilidade de prorrogação por mais seis meses.
É no desenvolver dessas atividades que o processo de orientação acadêmica permeia tanto a vida do professor orientador como a do aluno durante sua formação de pesquisador. Em grande parte do tempo de formação, as orientações são desenvolvidas somente entre o orientando e o orientador. No entanto, outras formas de orientação também podem ser desenvolvidas, como é o caso da OC, conforme propõem os professores autores deste artigo.
A OC tem sido desenvolvida no Mestrado Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias da UEG e tem como objetivo ampliar os horizontes do novo pesquisador no que diz respeito ao seu processo de aprendizagem, à sua fundamentação teórica, aos instrumentos de coleta de dados e à viabilidade de sua pesquisa. Em encontros mensais entre orientandos e orientadores, sob a supervisão destes, realizam-se estudos que requerem o ensino da pesquisa, tal como o esforço de interrogar o real com o rigor dos princípios gerais fornecidos pelas ciências, sem negar o momento de desenvolvimento da investigação como uma oportunidade de criação dos sujeitos.
Para compreender a expressão “orientação coletiva”, realizamos uma busca em plataformas digitais educacionais, mas sem recorrer ao uso de recortes de temporalidade ou filtros por área de conhecimento, revista, instituição, biblioteca e periodicidade. O resultado dessa busca apontou a ocorrência da expressão em apenas 30 artigos científicos, dos quais 18 estavam disponíveis no Portal de Periódicos Capes; seis, no Banco de Teses e Dissertações da Capes ‒ Plataforma Sucupira; e outros seis na Biblioteca Brasileira de Teses e Dissertações. Nesses trabalhos são tratados temas voltados para a orientação sexual e de gênero, para as áreas da saúde e da sociologia, esta no que tange à formação de grupos de trabalhadores para atividades de organização, identidade e clima organizacional, dentre outros.
Mas apenas 1 (um) trabalho trata da relação entre orientadores e orientandos de pós-graduação (no caso, em Contabilidade) e traz, entre as sugestões que propõe, uma voltada para modelos de orientação coletiva (LEITE FILHO, 2004). Para discuti-la, o autor referencia-se a Santos Filho e Carvalho (1991), que a definem como uma experiência exitosa e marcada pelos seguintes aspectos:
a) Pluralidade de perspectivas teóricas e metodológicas no tratamento do tema da pesquisa.
b) Melhor assistência aos orientandos, que se beneficiaram com as diferentes competências dos orientadores, tanto na dimensão teórica como metodológica.
c) Racionalização do trabalho de orientação com maior efetividade dos mestrandos no trabalho de levantamento bibliográfico e revisão de literatura.
d) Alto índice de produtividade dos mestrandos, além do padrão de qualidade do produto das pesquisas apresentarem patamar superior à média, segundo avaliação dos orientadores. (SANTOS FILHO; CARVALHO, 1991, apudLEITE FILHO, 2004, p. 45-46).
Na área da Educação, Leite Filho (2004, p. 46) cita Garcia e Alves, para os quais, na orientação coletiva, “[...] o olhar do outro garante que cada um enxergue seus pontos cegos [...] precisamos do olhar do outro, o que cria um movimento de solidariedade epistemológica”. Conforme Leite Filho (2004), a orientação coletiva poderá promover momentos de discussões nos quais serão explanadas e apresentadas críticas relatando tudo o que for necessário para ajudar na construção do trabalho/pesquisa do outro.
O autor atenta também para a leitura dos textos do outro em busca de contribuições de todos, bem como a “[...] organização das ideias lidas nos textos do outro, destacando formas de escrita ou conteúdos originais” (LEITE FILHO, 2004, p. 46). Tudo isso porque, além dessas contribuições, a orientação coletiva promove a resolução de problemas decorrentes da falta de conhecimentos metodológicos de pesquisa, levando à pluralidade de visões teóricas e metodológicas.
Para o desenvolvimento da OC, elegemos como questão central para as ações do grupo de orientandos o seguinte problema: em que medida a dinâmica metodológica desenvolvida na orientação coletiva pode contribuir para a compreensão do processo da pesquisa e da escrita científica da dissertação em um prazo curto? A preocupação com a produção científica na pós-graduação decorre das mudanças socioeconômicas instauradas neste século e que impõem um novo papel para a universidade no atendimento às demandas da sociedade, na qual o conhecimento é o recurso cada vez mais importante. Além disso, tem-se em conta que a exigência de produtividade, aliada à expansão rápida dos sistemas de pós-graduação, bem como do avanço da tecnologia, trouxe como consequência um novo nicho de mercado que, conforme Bianchetti e Machado (2012) é denominado terceirização da elaboração de teses e dissertações.
O caminho metodológico percorrido para a construção desse trabalho dentro da área de Ciências Humanas é de caráter qualitativo fundamentado no pensamento de Minayo (1994, p. 21-22), quando descreve:
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização das variáveis.
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares e com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos.
Na perspectiva de compreender se a dinâmica e o processo de OC contribuíam para o processo de desenvolvimento da pesquisa, utilizamos como técnica para coletar os dados e posterior análise as conversas informais, observações e falas dos mestrandos, as quais foram registradas durante as orientações coletivas, realizadas uma vez por mês durante um período acadêmico, com duração média de quatro horas e que totalizaram 19 encontros.
Portanto, a coleta de dados ocorreu durante as orientações coletivas em que os professores incentivaram seus orientandos a manifestar explicações sobre a possibilidade ou não de desenvolvimento da pesquisa, suas bases epistemológicas e o método escolhido pelo autor com o qual estavam envolvidos, enfim. O levantamento e a análise dos dados se deram a partir do diálogo entre orientadores e orientandos do PPG-IELT e de alguns do PPGEC que participaram dessa experiência de orientação para refletir, de forma desinteressada, no sentido gramsciano da palavra, sobre a construção do conhecimento, o objeto de estudo, a pesquisa em si e a função intelectual de cada um deles na sociedade.
O que apresentamos neste artigo, portanto, são algumas reflexões sobre a pós-graduação stricto sensu da área interdisciplinar, mais especificamente o PPG-IELT/UEG, e a relação teoria e prática da OC ocorrida nos anos letivos de 2017 e 2018, e primeiro semestre de 2019.
Interdisciplinaridade na construção do objeto de estudo: o caso do PPG-IELT/UEG
As pesquisas relacionadas à interdisciplinaridade vêm sendo desenvolvidas no Brasil desde a década de 1990, e a área é considerada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) como uma das que têm apresentado a maior taxa de crescimento. De acordo com documento da Capes, os fatores que contribuem para isso são dois:
[...] em primeiro lugar, a existência da Área propiciou e induziu a proposição, na Pós-Graduação brasileira, de cursos em áreas inovadoras e interdisciplinares, acompanhando a tendência mundial de aumento de grupos de pesquisa e programas acadêmicos com foco em questões complexas. Em segundo lugar, a Área Interdisciplinar serviu de abrigo para propostas de novos cursos de universidades mais jovens ou distantes dos grandes centros urbanos, com estruturas de Pós-graduação em fase de formação e consolidação. Esta atuação deve ser entendida como importante para o sistema de Pós-graduação nacional, na medida em que serve como elo de entrada de um número expressivo de universidades em atividades de pesquisa e ensino pós-graduado, contribuindo para o aprimoramento de seu corpo docente e oferecendo oportunidades de formação avançada em recursos humanos nas várias regiões do território nacional (BRASIL, 2019 p. 2-3).
Anteriormente a esse crescimento, se retomarmos o contexto econômico e o campo social brasileiro em sua condição histórica, veremos que a interdisciplinaridade, como forma alternativa, complementar e inovadora de educação, se destacou na produção do conhecimento a partir dos anos de 1960.
Ela [a área interdisciplinar] passa então a constituir, em função de sua proposta, um modo inovador na produção do conhecimento científico, mas é considerada, ao mesmo tempo, alternativa e complemento do modo disciplinar do pensamento. [...]. Assim, o princípio no qual se assenta é o de negar o pressuposto básico do conhecimento “objetivo”, presente no paradigma hegemônico da ciência moderna de que existe um “vazio” de realidade entre as fronteiras disciplinares, conforme assinala Kuhn (ALVARENGA et al., 2011, p. 20).
Esse debate justifica-se porque, a partir da Segunda Guerra Mundial, a presença do Estado na economia e na sociedade de um modo geral ocorre como planejador, empresário e investidor. Concomitantemente a isso, um pequeno grupo de empresas multinacionais garantiu sua expansão econômica graças à inovação tecnológica, estabelecendo uma hegemonia direta sobre outras empresas de médio e pequeno portes.
Nesse contexto, ciência e tecnologia fundem-se em detrimento dos interesses do capital internacional, exigindo da educação superior maior produtividade em favor da manutenção da acumulação capitalista, principalmente para atender o mercado. De acordo com Amsden (2009), a geração de conhecimento e o desenvolvimento da tecnologia no mundo pós-guerra ocupam importante espaço no cenário global, de tal forma que todos os países, em maior ou menor grau, perceberam essa nova realidade e adotaram instrumentos e políticas que valorizavam e permitiam a busca intensiva de conhecimento para qualificar seu sistema produtivo ainda incipiente.
Na década de 1980, conforme Silva (2014), constata-se que países em desenvolvimento, tal como o Brasil, vivenciam o contraste entre as forças econômicas de mercado e o campo social, em decorrência das políticas neoliberais. Já no setor educacional da década de 1990, ocorre um relevante crescimento da educação superior, e a partir daí a universidade faz-se presente nos debates nacionais. A forma de conceber o desenvolvimento do Estado poderá, portanto, modificar as condições do cidadão, porque nesse novo contexto o relacionamento entre o campo econômico e o educacional adquire demasiada importância para o desenvolvimento do país.
Trata-se de um contexto que, podemos dizer, guarda semelhanças com aquele em que Gramsci (2001, p. 266) viveu e dele fez seu objeto de estudo, pois, hoje, no Brasil, a classe trabalhadora se fragiliza diante da nova organização política e do trabalho, ambos frutos do triunfo do neoliberalismo. Assistimos ao retorno de um projeto político de extrema direita, carregado de características fascistas e nazistas, e que exige a adesão e o controle das massas e dos trabalhadores, que, sob severas medidas repressivas, estão sendo obrigados a abandonar suas formas de organização anteriores (associações, sindicatos, conselhos de fábrica, círculos de cultura etc.) e se perdem nos labirintos das reestruturações capitalistas e suas reformas globalizadas.
De acordo com Silva (2014), no Brasil, e particularmente em Goiás, os impactos da globalização, principalmente a partir da década de 1990, trouxeram mudanças na ordem social e econômica até então vigente. No campo educacional goiano, são implementadas políticas de expansão e interiorização da educação superior, tal como a criação da UEG (Lei nº. 13.456, de 16 de abril de 1999), em decorrência da necessidade de desenvolvimento de cidades consideradas polos econômicos regionais. Ao governo de Goiás interessa ampliar o crescimento da economia e, para isso, redefine sua política para a educação superior, de modo a atender à demanda social. Após duas décadas de existência, a UEG (1999-2019) avança agora com a oferta de formação continuada e aos poucos tem estruturado seus programas de pós-graduação stricto sensu.
A implantação da pós-graduação stricto sensu da UEG é, portanto, recente, tendo ocorrido em 2006, com base na Resolução do CNE/CES nº 1, de 3 de abril de 2001. Todavia, somente em 2011 é que foi criado o PPG-IELT, que inicia sua primeira turma em 2012, no Campus de Ciências Socioeconômicas e Humanas de Anápolis, hoje denominado Unidade Universitária de Ciências Socioeconômicas Humanas (UCSEH/UEG). No âmbito da pós-graduação stricto sensu, a UEG continua expandindo a sua oferta: neste ano, cursos de mestrado e mais um de doutorado foram abertos, a maioria em Anápolis, cidade sede da UEG. O PPG-IELT privilegia a formação de professores e pesquisadores.
A UEG é uma universidade em processo de consolidação que necessita de iniciativas de inovação tecnológica e muito mais de ações no campo social, principalmente na formação de intelectuais que assumam a qualidade acadêmico-científica como ferramenta para pensar a realidade e propor transformações sempre que julgar necessárias. Nesse sentido, a orientação coletiva é um esforço para discutir a construção da escrita acadêmica e contribuir para a formação desse intelectual, despertando-o para a importância do papel do pesquisador como agente de cultura na frágil sociedade civil brasileira.
Desse novo pesquisador, portanto, espera-se que busque solução para os problemas relacionados à educação, tais como o desenvolvimento de ações que contribuam para a permanência dos alunos nas escolas e nas universidades e para o fim do analfabetismo. No âmbito social e econômico, cabe a esse intelectual apresentar propostas que objetivem a superação da pobreza e a geração de fontes alternativas de economia e renda.
Defendemos, assim, nas discussões sobre a orientação coletiva, que a relevância social da pesquisa esteja relacionada com a necessidade de a universidade pública não abdicar de sua função pública primordial, qual seja a de ser espaço de interrogação rigorosa da realidade. Para tanto, cabe à instituição estar atenta para que os valores democráticos e republicanos não sejam abalados, valendo-se para tanto do pensamento crítico, base de sustentação da vida intelectual não comprometida com a perversa lógica do mercado.
Ações e metodologia da orientação coletiva
As atividades de OC foram desenvolvidas durante os anos letivos de 2017 e 2018 e no primeiro semestre de 2019, em encontros mensais no CSEH-UEG em Anápolis. No primeiro semestre de 2017, participaram dos encontros oito estudantes, dos quais quatro mestrandos do PPG-IELT, dois do PPGEC e dois alunos de graduação do curso de Pedagogia. Os mestrandos do PPGEC participaram da OC porque um de seus professores também atua nesse experimento de orientação. Nos dois semestres do ano letivo de 2018, o número de mestrandos aumentou, pois, além dos que estavam na fase final do mestrado e já iriam defender suas dissertações, participaram também os novos alunos que ingressaram no PPG-IELT. Assim, dez alunos participaram da OC durante todo o ano letivo de 2018.
No primeiro semestre letivo de 2019, participaram seis mestrandos e um aluno da graduação da UEG. Portanto, durante esse período, a experiência de OC contou com um total de 24 alunos, a maioria deles composta por orientandos dos professores autores deste artigo, mas havia também bolsistas de Iniciação Científica.
As atividades de orientação acadêmica estão presentes na vida cotidiana de professores e alunos de programas de pós-graduação e buscam a formação de novos pesquisadores. A OC era uma atividade de caráter não obrigatório no que diz respeito a frequências e notas. Nesse sentido, as ações realizadas na OC visam contribuir para que o mestrando possa se apropriar de instrumentos que lhe possibilitem ampliar o olhar sobre o objeto ao produzir o seu trabalho. A OC desenvolveu discussões sobre o método de pesquisa, o controle da ansiedade e a socialização de projetos, para que os mestrandos pudessem entender que sem elaboração teórica sobre um determinado tema não conseguiram avançar para a fase de formulação de uma boa pergunta, de uma hipótese, da escolha da metodologia, para assim poderem trabalhar e analisar os dados coletados.
Com a pressão dos prazos e a cobrança por produtividade, há pouco espaço para que seja narrada a história de vida do mestrando, os seus sonhos, objetivos e angústias diante do que aprende com os estudos teóricos.
[...] narrar histórias é [...] uma forte experiência humana, ampla tanto no tempo quanto no espaço, pois era assim que os antigos contavam a sua história, e esta forma narrativa pode ser encontrada em todos os lugares deste planeta, até hoje. Ela é também muito funcional nos espaçostempos culturais cotidianos, nos quais, “conta” - no sentido de ter importância - tanto a oralidade como a memória oral (GARCIA; ALVES, 2012, p. 284).
Isso significa dizer que dar voz ao aluno e ouvir suas ideias e percepções importa para um melhor acompanhamento de sua escrita acadêmica. Para contribuir para a construção do objeto de pesquisa do mestrando, tanto nos aspectos teóricos quanto nos metodológicos, uma das ações é manter o foco na aprendizagem da escrita científica e na organização das ideias, e ligar os objetivos ao problema e ao objeto de estudo, ou seja, fazer uma leitura criteriosa do texto em relação ao que é investigado, buscando a distinção entre o que interessa ou não. Com isso, a OC considera que a formação do mestrando está ligada a processos históricos muito concretos, cabendo a ele assumir funções em diversos tipos de territórios: urbanos, rurais, econômicos, políticos e sociais.
Assim, entendemos que o papel principal dos intelectuais consiste em agir junto ao povo para criar o consenso. Intelectual, portanto, é aquele que desenvolve uma função organizadora na sociedade, seja no campo da produção, seja no da cultura ou da administração política, e sua formação ocorre mediante a contribuição das várias correntes de pensamento e nas instituições, fundações e centros de pesquisas nos quais desempenhará cargos de gerente administrativo, tecnólogo, político, dirigente sindical ou partidário (FERREIRA, 2011, p. 30).
Por meio de discussões, realizamos atividades que permitiram ao mestrando desenvolver seu projeto de pesquisa ancorado na ação crítica, o que contribui para evidenciar a contradição histórica dos homens. Isso significa que, em uma pesquisa na área das ciências humanas, como é o caso do campo da educação, o mestrando precisa compreender tanto o espaço local quanto o global. As organizações sociais são ações humanas e, como tais, sempre possuem uma gênese, um desenvolvimento e um fim. Situar o movimento estrutural e real do objeto de estudo, em todos os aspectos que assume em uma determinada sociedade, é uma atividade que o mestrando deve ser orientado a fazer, utilizando para tanto a contribuição dos olhares da história, da arte, da literatura, da filosofia e da sociologia, para mencionar só algumas áreas, ou seja, deve trabalhar de forma interdisciplinar.
Outra ação importante proposta e desenvolvida pela OC foi a discussão sobre o exercício da pesquisa e suas implicações. Trata-se de ampliar a compreensão e o alcance do que é produzir conhecimento científico em uma sociedade de classes, buscando evidenciar que não é apenas o pesquisador que dá sentido ao seu trabalho, pois, como alerta Minayo (2010, p. 40), no campo das ciências humanas e sociais, os grupos e a sociedade dão significado e intencionalidade a suas ações de acordo com a organização das forças produtivas da sociedade.
Nesse sentido, procuramos na OC formar um pesquisador capaz de entender criticamente os processos contemporâneos, objetivando superar os limites históricos de determinadas teorias e concepções científicas, por exemplo, a positivista. Ou seja, um pesquisador que vá da aparência à essência, captando aquilo que é lei, os fundamentos que estão na gênese de seu objeto de pesquisa. Por exemplo, quando Marx (2017) escreveu sobre o capitalismo, esse sistema ainda não havia chegado à sua fase monopolista. Entretanto, sua compreensão das categorias fundamentais do capitalismo prevalece até hoje, mesmo após cento e cinquenta anos de publicação de O Capital. Assim, as discussões sobre os projetos dos mestrandos que participaram da OC buscaram identificar sobre qual perspectiva ideológica o problema de cada um deles estava sendo construído, no sentido de superar uma visão fragmentada da realidade e para que aos poucos adquirissem a referência de totalidade e a liberdade para pesquisar.
A metodologia, preocupação geral nos encontros de OC, foi discutir com o potencial pesquisador o sentido da pesquisa como processo de desenvolvimento intelectual para a produção de conhecimento. Os temas das discussões foram o aprendizado das técnicas necessárias para o desenvolvimento da pesquisa, os métodos e os procedimentos, tal como o tratamento dado à bibliografia na construção da fundamentação teórica. Nessa parte, o interesse era proporcionar um momento para que cada mestrando refletisse sobre o conjunto de fenômenos novos que seu trabalho exigiria receber, um maior esforço intelectual no sentido de revelar, não de ocultar, a realidade.
Para o desenvolvimento dessa tarefa, foram seguidos os seguintes passos: primeiro, eleição de quais projetos seriam apresentados e lidos por todos; segundo, apresentação do projeto de cada aluno no dia da orientação coletiva, ocasião em que tanto os professores como os demais mestrandos e graduandos de IC poderiam participar com sugestões. À medida que os mestrandos iam apresentando seus projetos, as demandas sobre os temas iam surgindo, e os professores sugeriam novos textos para leitura e aprofundamento teórico. As orientações coletivas prosseguiram durante o ano letivo de 2018 e o primeiro semestre de 2019, elencando textos sobre método e metodologias, no intuito de contribuir para o refinamento do projeto e a realização da pesquisa de cada mestrando.
Outro aspecto importante foi a discussão sobre a produção do conhecimento, desenvolvida mediante um instrumental de análise que contribuiu para superar a dicotomia entre treinamento e produção teórica. Mostramos aos mestrandos que os dados do objeto de pesquisa podem ser analisados levando-se em consideração os seus estágios. Assim, o pesquisador pode ter seus dados para análise a partir do ponto de vista em que seu objeto está mais complexo, em outras palavras, partindo sempre do mais complexo e desenvolvido para tentar entender o menos desenvolvido.
O ponto de partida para o desenvolvimento da OC é a necessidade que o professor recém-doutor tem de aperfeiçoar o conhecimento teórico e prático do processo de orientação de dissertações de mestrado, bem como ampliar os conhecimentos e práticas para orientações de teses de doutorado.
A experiência da OC na pós-graduação
A orientação na pós-graduação é uma ação eficaz para que os alunos realizem suas dissertações ou teses nos cursos de pós-graduação e, na maioria das vezes, ela ocorre de forma individual. As diretrizes da orientação tradicional, portanto, já estão determinadas em manuais de orientação ou são informadas pelo coordenador durante a reunião de ingresso anual dos novos mestrandos no programa de pós-graduação. Porém, supõe que isso não é suficiente para uma boa orientação individual.
Conforme vimos em Leite Filho e Martins (2006) e Bianchetti e Machado (2012), orientando e orientador estabelecem vínculos, relações intersubjetivas, com complexidade e riqueza de detalhes, o que resulta em dissertações e teses que realmente contribuem para a produção e a socialização do conhecimento. No entanto, tudo o que resulta dessa relação fica no campo do privado e permanece em uma espécie de segredo.
Na orientação coletiva, não há muita diferença em relação ao que acontece na orientação individual. A não ser, é claro, que o processo de conduzir o mestrando a um novo olhar sobre a elaboração da escrita científica para a construção do conhecimento, do desenvolvimento intelectual e da efetiva formação pessoal, profissional e científica é construído realizado na coletividade.
Como professores orientadores, durante as orientações coletivas partimos do princípio de que a pesquisa para a produção do conhecimento científico é a parte mais avançada na vida do mestrando, para que ele possa compreender como se dá a produção do trabalho intelectual. Para isso, há a necessidade de aprendizado técnico, de método, para fazer o tratamento bibliográfico, e de cuidado com a interpretação dos dados qualitativos e quantitativos, tão necessários ao processo de desenvolvimento da pesquisa.
A seguir apresentam-se, com base em registros aleatórios realizados durante o período de desenvolvimento da orientação, alguns elementos da fala dos alunos, para mostrar a condição e o processo em que essa ocorreu. De início, importa lembrar que parte significativa dos mestrandos da UEG revela que precisa superar uma defasagem histórica no campo do conhecimento. Logo após, ficou evidenciado, em uma das anotações, que os estudos na graduação foram realizados de forma aligeirada e com pouco tempo para um aprofundamento teórico. Além dessas lacunas no aprendizado, ficaram evidentes também as dificuldades financeiras de alguns mestrandos mais jovens, motivo que os impedia, por exemplo, de participar de eventos, ou, ainda, que os levou a fazer o mestrado, pois acreditavam que com uma maior qualificação conseguiriam melhores empregos. Esses registros evidenciam que ainda não se tem uma proposta para a formação de intelectuais orgânicos, no sentido definido por Gramsci (2001).
Com base nessa constatação, buscamos seguir alguns passos durante a OC. O primeiro deles foi proporcionar um espaço para que o orientando aprofundasse seus conhecimentos, oferecendo-lhe um instrumental teórico e prático de análise do texto escrito. O segundo foi contribuir para que interagisse com aquilo que é o objetivo da formação do pesquisador, ou seja, conduzi-lo ao aprofundamento da leitura de um texto, separando seus elementos fundamentais, de tal forma que utilize somente o que é compatível com a síntese que busca para a sua pesquisa.
Como terceiro passo, buscamos a sensibilização do mestrando para revitalizar sua autoestima, no sentido de mostrar que, como ser ativo, ele deve se sentir capaz de formular suas próprias ideias e desenvolver conceitos a fim de construir seu próprio conhecimento. Em sendo o mestrando o principal sujeito de sua pesquisa, ele deve ter consciência da realidade que o cerca e autonomia para aprofundar o seu tema de interesse e sentir-se estimulado a prosseguir em sua aprendizagem. Para aguçar sua curiosidade científica, a base de análise foi o contexto histórico em que seu objeto de pesquisa se situa, de forma a estimulá-lo a praticar o pensamento dialético, ou seja, a buscar visualizar as contradições no interior dos fenômenos, para que pudesse desenvolver seu estudo de forma independente e com segurança.
Dessa forma, podemos destacar, por meio de nossas anotações, alguns elementos que evidenciam o que significou a orientação coletiva para os mestrandos, por exemplo, o de proporcionar uma leitura mais precisa e reflexiva, sem a pressão do tempo e da avaliação. Anotamos que os alunos faziam as leituras por gostarem de estar juntos ali, com o objetivo de construírem um conhecimento coletivo e, ao mesmo tempo, agregarem conhecimento individual.
Anotamos também que a OC foi um espaço para que cada um deles vivenciasse as angústias do processo de produção da leitura e da escrita científica com os colegas e os professores. Em conjunto, os alunos compartilhavam as mesmas inquietações, e nesses momentos conseguiam colaborar uns dos outros para continuarem com mais confiança e determinação.
O que se pode constatar com essas anotações é que, a princípio, a OC contribuiu principalmente para a subjetividade do aluno. Todavia, nota-se também que foi aberta a discussão sobre a necessidade de adoção de uma forma de pensamento que lhe possibilite inferir e tirar sua própria conclusão sobre o caminho da pesquisa e da escrita acadêmica de seu tema de estudo.
O quarto passo da OC ocupou-se da forma de pensamento, do raciocínio que se adota para a escrita do trabalho acadêmico, ou seja, a identificação da base epistemológica para a pesquisa em educação. À discussão interessava ampliar a compreensão do mestrando sobre o método que orienta o processo de produção do conhecimento e de sua relação com a ação humana sobre a realidade, relações essas que determinam a realidade e ao mesmo tempo são determinadas por ela.
Para a escolha do método, houve a sinalização para que o aluno pudesse repensar e validar sua leitura e seu aprendizado anterior, pois acreditamos que seus anos de vivências, de experiências e de aprendizagens, adquiridas de maneira informal, possibilitam o aumento do seu raciocínio e que esse saber intuitivo e subjetivo tem de se entrelaçar com o saber racional e objetivo. Por isso, destacamos que a objetividade e a subjetividade nas ciências humanas, em específico, na área da educação, são duas partes complementares, e não opostas.
O quinto passo teve como foco levar o aluno a tirar suas próprias conclusões sobre os diferentes métodos das ciências sociais e escolher um deles para realizar a interpretação do objeto de estudo e da realidade na qual se insere. A tentativa de elucidar a forma de pensamento de cada uma das visões de mundo de cada método provocou a retomada da discussão. Ao término das leituras, todos os mestrandos conseguiram entender que, enquanto o empirismo valoriza os sentidos e a experiência e afirma ser a experiência sensível a única fonte das ideias, o positivismo associa-se ao ideal de neutralidade das ciências. Ainda, que os conceitos só possuem significado se puderem ser relacionados a eventos reais, por meio de operações de mensuração e verificabilidade empíricas.
Já o pragmatismo busca os resultados, mais do que as origens, da compreensão das ideias, o que equivale aos procedimentos experimentais básicos das ciências de laboratório. Quanto ao marxismo, diferentemente dos métodos anteriores, propõe a leitura do movimento da realidade e do próprio pensamento por meio da dialética tese-antítese-síntese. Ou seja, busca, por meio da confrontação das ideias, gerar uma síntese, que por sua vez deve ser submetida a uma nova contradição. Tem-se também o estruturalismo, que defende que a realidade é composta de estruturas. Nesse caso, o método de análise visa identificar essas estruturas e explicar como as suas partes organizam-se em uma totalidade.
Após essa discussão sobre os métodos, constatamos a necessidade de apresentar aos mestrandos os princípios fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa, oferecendo-lhes os instrumentos necessários para um bom desempenho. A orientação, portanto, foi juntar a bagagem do pesquisador com os dados da realidade apreendida pela pesquisa de cada um dos mestrandos. A intenção foi refletir com o mestrando que o momento da análise coloca em teste o seu problema e que, por isso, este deve ser comparado com outras opiniões, seja a dos mestrandos do grupo, seja a dos autores dos textos utilizados durante o estudo. Isso possibilita que todos se posicionem sobre a valorização de técnicas de investigação e a apropriação do objeto em seus detalhes, para, por meio da coleta de dados, desenvolverem suas aplicações pessoais e, somente depois, exporem de forma clara o resultado de suas investigações. É o momento em que o mestrando encontra espaço para ser questionado e dizer o que realmente quer com o seu estudo, pois somente assim serão estabelecidas as bases da pesquisa.
Como o fundante da OC é o foco no desenvolvimento da pesquisa do mestrando, durante todos os encontros as discussões foram direcionadas para a dedicação que essa atividade exige. Por exemplo, sabemos da dificuldade de posicionar o objeto, pois, de acordo com a sociologia do conhecimento, isso só pode ocorrer no campo da teoria. Porém, os resultados dessas pesquisas podem elevar a capacidade de seus autores de influenciarem suas práticas educacionais desenvolvidas tanto em instituições públicas quanto privadas, fazendo do conhecimento adquirido no programa uma poderosa ferramenta do conhecimento em favor do desenvolvimento social e econômico.
Em outras palavras, uma boa formação teórica permite que mestrandos e orientadores desenvolvam suas habilidades em qualquer campo prático e principalmente na construção de uma vida coletiva democrática, pois a realização de uma pesquisa científica deve estar no centro de todo investimento acadêmico exigido pela pós-graduação.
Até mesmo o processo de ensino-aprendizagem nesse nível é marcado por essa finalidade: desenvolver uma pesquisa que realize, efetivamente, um ato de criação de conhecimento novo, um processo que faça avançar a ciência na área. Pouco importa se as preocupações imediatas sejam com o aprimoramento da qualificação do docente de 3º grau ou do profissional. Em qualquer hipótese, esse aprimoramento passará necessariamente por uma prática de pesquisa científica. Aliás, é preparando o bom pesquisador que se prepara o bom professor universitário ou qualquer outro profissional (SEVERINO, 2012, p. 84).
Considerando a formação do pesquisador, o sentido da orientação coletiva objetiva ampliar a sua visão sobre a produção do conhecimento científico. As ações buscam, portanto, um bom entendimento do que é a pesquisa e o investimento na construção de um conhecimento novo nos processos de socialização e desenvolvimento humano. Com isso, o que importa é superar a preocupação com a necessidade imediata, com a busca de uma resposta rápida para um problema do cotidiano. Importa, sobretudo, nesse processo de orientação coletiva, que orientadores e orientandos descubram a lei dos fenômenos dos quais suas pesquisas se ocupam, sobretudo, a lei que provoca a modificação desses fenômenos.
Considerações finais
A experiência da orientação coletiva (OC) buscou possibilitar ao mestrando a compreensão de que a escrita científica é um processo de construção, no qual as inquietações conduzem à identificação de problemas e à busca por respostas que contemplem a produção do conhecimento. Após as conversas informais e a escuta das falas dos orientandos vimos que somente a orientação individual pode não estar sendo suficiente para o amadurecimento intelectual do mestrando nesse contexto de cobrança de produtividade que, em um espaço curto de tempo, induz a uma escrita científica de forma aligeirada.
Nos encontros, propusemo-nos a analisar os projetos dos mestrandos, exercitar a crítica, a possibilidade ou não do desenvolvimento da pesquisa. É nesse sentido que buscamos, com a orientação coletiva, aperfeiçoar a forma como o pesquisador amplia sua visão de mundo, dando ênfase à subjetividade, superando uma visão mistificadora e substituindo-a por uma crítica social e de classe reveladora da realidade à nossa volta. Nesse sentido, as ações desenvolvidas na orientação coletiva buscam a concepção crítica do processo de produção do conhecimento e de ensino-aprendizagem, perpassada pelas práticas investigativas consideradas específicas da pesquisa no âmbito da pós-graduação.
Como requisito para o bom andamento e o alcance dessa perspectiva de ação, a orientação coletiva realizada de forma interdisciplinar favorece uma maior compreensão do mestrando sobre o que é a produção do conhecimento por meio da pesquisa, pois impõe um processo de conhecimento que o habilita a interrogar, investigar e expor suas percepções não apenas sobre teoria e prática, mas também sobre práxis, formação e trabalho como compromisso social.
Esse tipo de orientação pressupõe ser fundamental que o estudante da pós-graduação, assim como todos os universitários do século XXI, esteja atento, em sua prática social, não só às múltiplas dimensões que envolvem os tempos e espaços do mercado, mas principalmente à luta da classe trabalhadora, dos povos indígenas, quilombolas, negros, LGBTs e de toda a diversidade que compõe a sociedade civil. De forma idêntica, deve também estar atento ao modo de produção e organização da vida em sociedade, às várias linguagens da arte e aos direitos humanos, superando qualquer conceito de neutralidade que porventura ainda persista no cotidiano da vida acadêmica, rumo a uma revolução social e cultural na perversa sociedade do capital.