INTRODUÇÃO
Partindo do entendimento proposto e enfatizado pelo sociólogo Norbert Elias (1897-1990), um dos aspectos de organização e estruturação dos indivíduos em sociedade é o fato de estarem, necessariamente, situados numa configuração de interdependência com outros indivíduos, ou seja, estão integrados em uma rede de pessoas que interferem nas suas ações, relações e nos posicionamentos de forma interligada e inter-relacionada (ELIAS, 1980; 1994).
Conforme Elias (1980; 1994), a ideia de configuração se dá no sentido de que os indivíduos em sociedade criam conexões e teias humanas interdependentes, nas quais formam estruturas de diferentes formatos e composições, estabelecendo relações diretas e/ou indiretas, próximas e/ou distantes, mas cujos movimentos certamente se refletem no arranjo um do outro. Elias (1980, p. 15), afirma: que “[...] as pessoas, por meio das suas disposições e inclinações básicas são orientadas umas para as outras e unidas umas às outras das mais diversas maneiras [...]”, e assim constituem [...] “teias de interdependência ou configurações de muitos tipos, tais como famílias, escolas, cidades, estratos sociais ou estados [...]”. Para tanto, Elias (1980) ressalta que as configurações e relações são influenciadas por vários aspectos, dos quais o tempo e a experiência são determinantes nesse processo complexo e dinâmico.
Nesse contexto, Elias (1980; 1994) e Elias e Scotson (2000) enfatizam que o tempo permanecido/vivido numa localidade, bem como a experiência determinada por esse tempo exerce importante influência nas relações de poder1 e de hierarquia. Portanto, apropriando-se desse referencial, a noção do poder a partir do tempo, poderá ser um elemento determinante na configuração de determinado contexto, bem como nas relações que ocorrem entre os indivíduos ali situados.
Com base em Norbert Elias, especificamente em seu conceito de configuração direcionado as conexões e interdependências, Hunger, Rossi e Souza Neto (2011) direcionaram esse entendimento de relações interdependentes à escola e ao papel do ser professor. No mesmo caminho, entende-se que a escola se configura como um campo de relações, disputas e configurações interdependentes entre os indivíduos (diretores, professores, funcionários, alunos, dentre outros) integrados a essa realidade educacional.
Direcionando tal premissa configuracional à estrutura e ao funcionamento do Estágio Curricular Supervisionado (ECS), visualiza-se essa atividade como uma prática pedagógica de aprendizagem, experimentação, aplicação e reflexão da atuação do futuro professor no seu campo de intervenção (PIMENTA; LIMA, 2012; MOLETTA et al., 2013), no qual é importante a colaboração e parceria entre as instituições (escola e universidade) e o relacionamento entre os envolvidos (AROEIRA, 2014; BATISTA, 2014; IZA; SOUZA NETO, 2015a; BISCONSINI; FLORES; OLIVEIRA, 2016; BISCONSINI; OLIVEIRA, 2016; OLIVEIRA et al., 2017).
Corroborando com Pimenta e Lima (2012), o ECS coloca-se como uma prática fundamental no processo de formação do futuro professor, em especial quando é realizado de forma coletiva e colaborativa, ou seja, quando são desenvolvidas relações harmônicas de parceria a partir da preparação e organização da escola e da universidade para o desenvolvimento da ação. O desenvolvimento dessa prática de ensino é produto de complexa e dinâmica configuração, que envolve o Projeto Pedagógico de Curso (PPC) da universidade e o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, bem como as relações estabelecidas nesse percurso entre todos os agentes das instituições envolvidas.
O ECS na formação inicial de professores de Educação Física (EF) deve assegurar a sua realização respeitando as configurações normativas legais, garantidas pela legislação em vigor (BRASIL, 1996; BRASIL, 2015; SILVA JÚNIOR et al., 2016), as regulamentações da Instituição de Ensino Superior (IES) e do curso em questão, o PPP e o regimento da escola (OLIVEIRA et al., 2011), bem como a especificidade da disciplina de EF na Educação Básica (SILVA JÚNIOR, 2016).
Além dos aspectos normativos e organizacionais, o ECS é permeado por relações entre indivíduos, as quais, conforme o encadeamento e o vínculo entre os agentes desse processo poderão refletir no fluxo e na dinâmica desse importante momento da formação inicial do futuro professor de EF (SILVA JÚNIOR; BOTH; OLIVEIRA, 2018). Pesquisas como as de Neira (2012); Souza Neto et al. (2012); Aroeira (2014); Batista (2014); Krug et al. (2015) e Silva Júnior (2016) fortalecem essa ideia ao destacarem que apresentam maiores chances de contribuir para o desenvolvimento efetivo do ECS, não apenas ao futuro professor de EF, mas também a todos os agentes vinculados de forma direta ou indireta ao estágio (alunos, professores, comunidade escolar, pedagogos, diretores, estagiários, coordenadores de estágio).
Nessa lógica, entende-se que o perfil dos envolvidos com o ECS, sobretudo dos estagiários e dos professores supervisores2, pode apresentar implicações para a configuração e as relações estabelecidas no decorrer do estágio, bem como na prática pedagógica destes agentes junto à EF, uma vez que o estágio possui uma dinâmica peculiar em relação às demais disciplinas no cenário escolar. Desse modo, o ECS é uma oportunidade de os futuros professores se aproximarem dessas particularidades que envolvem a EF escolar e se apropriarem de elementos que podem contribuir para uma futura intervenção profissional coerente com a realidade dessa configuração específica.
Sendo assim, esta pesquisa teve como objetivo, a partir do referencial teórico de Norbert Elias, analisar as implicações da configuração entre estagiários e professores supervisores no ECS na formação de professores de EF. Além disso, a pesquisa apresenta os possíveis indicativos para o fortalecimento do ECS na localidade investigada.
MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa caracterizou-se como exploratória com abordagem mista (quantitativa e qualitativa) (GIL, 2010), na qual participaram 90 acadêmicos do curso de EF (licenciatura) de uma IES pública estadual do Paraná e 63 professores supervisores de ECS. O quantitativo de acadêmicos, selecionados de forma intencional representou 90,9% dos discentes em processo de ECS no ano de 2015 no curso, e a quantidade de professores participantes da pesquisa é a totalidade dos docentes supervisores desses estagiários.
O critério para a seleção dos acadêmicos foi ter matrícula ativa na disciplina de Estágio Curricular Supervisionado I e/ou II no ano de 2015. Já para a seleção dos professores, adotou-se como critérios: a) pertencer ao quadro de professores de EF da rede municipal e/ou estadual de ensino; b) ter recebido acadêmicos da IES investigada para a realização do ECS no ano de 2015. Para manter em sigilo a identidade dos participantes, estes foram nomeados de E1 a E90 (estagiários) e P1 a P63 (professores).
Os sujeitos foram informados do propósito da pesquisa e dos procedimentos metodológicos, além de assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A pesquisa teve autorização para ser realizada na universidade e nas escolas com estagiários de EF da IES. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UEM, por meio do Parecer n° 1.113.894 de 11/05/2015.
Para a obtenção dos resultados, inicialmente foi realizado o procedimento de análise documental (MARTINS, 2006) do PPC e do Regulamento de ECS do Curso de EF - Licenciatura da IES pesquisada. O objetivo dessa etapa foi compreender a estruturação, a organização e o funcionamento do ECS no respectivo curso. Os documentos também deram embasamento para as discussões dos resultados obtidos.
Em seguida, os estagiários e supervisores de ECS responderam um questionário com questões abertas e fechadas, elaborado pelos pesquisadores, conforme orientações de Hill e Hill (2008). O instrumento foi validado em clareza, pertinência e relevância por dez professores doutores, especialistas na área (CASSEPP-BORGES; BALBINOTTI; TEODORO, 2010). Os questionários foram testados em pesquisa piloto, aplicada aos estagiários de uma IES privada e aos professores de uma escola da rede estadual de ensino, os quais não compuseram a amostra dessa pesquisa.
Os dados quantitativos foram tabulados com a utilização da estatística descritiva (%), com auxílio do programa Microsoft Excel. Os dados qualitativos foram organizados e distribuídos com auxílio do software de análise qualitativa NVivo 10 (QSR NVivo). As respostas foram analisadas de forma descritiva a partir da técnica de análise de conteúdo, seguindo os procedimentos sugeridos por Laville e Dionne (1999): seleção das informações relacionadas aos objetivos da pesquisa, categorização e quantificação (frequência - f), interpretação e escrita em forma de texto, confrontando com o referencial teórico.
Como sustentação de análise teórica, optou-se pela utilização do referencial de Norbert Elias, a partir das seguintes obras: “Introdução à Sociologia”, “A Sociedade dos Indivíduos” e “Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade”. Brandão (2003); Leão (2007); Hunger, Rossi e Souza Neto (2011); Tavares (2012); e Silva e Cerri (2013) afirmam que os estudos de Norbert Elias podem ser utilizados como alicerce metodológico eficaz na compreensão de temas específicos da área educacional, principalmente nas reflexões referentes ao ser professor e suas relações e inter-relações.
O contexto do ECS na IES investigada
Considerando que a pesquisa tem como com enfoque a investigação e análise de um fenômeno existente em uma dada realidade e sua configuração, é necessário que se apresente o contexto da investigação.
Por meio da análise documental foi possível constatar que o ECS na IES investigada adota o propósito de desenvolvimento pessoal e construção da identidade profissional (ZABALZA, 2004), que é aquele utilizado nas áreas de ciências sociais e da saúde, priorizando a reflexão sobre a experiência pessoal e a autoavaliação, a partir da atuação em contexto profissional real. O mesmo é realizado na segunda metade do curso e subdividido em duas disciplinas: Estágio Curricular Supervisionado I (3º ano - turno integral, 4º ano - noturno) e Estágio Curricular Supervisionado II (4º ano - turno integral, 5º ano - noturno), totalizando 480 horas/aula. O ECS I ocorre na Educação Infantil (EI), Anos Iniciais do Ensino Fundamental (AIEF) e Educação de Jovens e Adultos (EJA) e o ECS II é realizado nos Anos Finais do Ensino Fundamental (AFEF), Ensino Médio (EM) e Educação Especial (UEM, 2005).
O desenvolvimento do ECS é acompanhado, orientado e supervisionado por uma equipe de professores do curso de EF licenciatura da IES (coordenador de ECS, coordenador de turma e orientador) juntamente com os professores de EF (supervisor) das escolas parceiras. Para cumprir as ações, atividades e demais demandas do ECS, é necessário que cada integrante relacionado ao processo educacional de formação do futuro professor de EF tenha conhecimento e clareza de suas funções, atribuições e responsabilidades, cumprindo-as em sua essência.
Durante o ECS, em todas as modalidades, os acadêmicos realizam ações específicas, tais como: a observação (momento de conhecer e analisar o contexto geral da aula/turma); a participação (período no qual o acadêmico tem envolvimento parcial em ações, tarefas e atividades da aula); a preparação (caracterizada pelo planejamento das ações do ECS), e a direção (regência da aula) (UEM, 2005). Todas as ações do ECS podem ser realizadas individualmente ou em duplas, em escolas das redes municipal (alunos da EI e dos AIEF) e estadual (alunos dos AFEF e do EM) de ensino.
O estágio pode ser realizado de forma individual ou em duplas, em escolas da rede municipal e estadual. De forma específica e detalhada, o ECS do curso de EF Licenciatura da IES investigada apresenta a seguinte organização e estruturação (Quadro 1):
ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO I | |||||
---|---|---|---|---|---|
Modalidades / Ações | Observação | Participação | Preparação | Direção | Total |
Educação Infantil | 2 | 12 | 10 | 30 | 54 |
Ensino Fundamental - Anos Iniciais | 2 | 15 | 10 | 40 | 67 |
Educação de Jovens e Adultos (EJA) | 2 | 6 | 5 | 12 | 25 |
Reuniões Pedagógicas | 10 | ||||
Visitas e palestras | 16 | ||||
Carga horária do ECS I prático | 172 | ||||
Carga horária em sala de aula do ECS I | 68 | ||||
Carga Horária Total do ECS I | 240 | ||||
ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO II | |||||
Modalidades / Ações | Observação | Participação | Preparação | Direção | Total |
Ensino Fundamental - Anos Finais | 2 | 15 | 10 | 40 | 67 |
Ensino Médio | 2 | 15 | 10 | 20 | 47 |
Educação Especial, EJA e outros | 2 | 6 | 12 | 12 | 32 |
Administração Escolar | 10 | ||||
Visitas e palestras | 16 | ||||
Carga horária do ECS II prático | 172 | ||||
Carga horária em sala de aula do ECS II | 68 | ||||
Carga Horária Total do ECS II | 240 | ||||
Carga Horária Total do ECS I e II | 480 |
Fonte: adaptado de UEM (2005)
No Regulamento de ECS do curso de EF investigado, as ações e atividades previstas apresentam organização e estruturação de inter-relações, assim como a configuração dos agentes é manifestada por relações e funções interdependentes, ou seja, para o desenvolvimento adequado e coerente do ECS são necessários esforços e aproximações que favoreçam as conexões, dependências e identidades no intuito de favorecer relações entre IES e escola.
Considerando o que foi exposto do conteúdo apresentado no contexto de investigação acerca do ECS, entende-se que o conhecimento amplo e aprofundado dessa realidade é indispensável para a compreensão e exploração dos resultados a seguir.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Como forma de conhecer os participantes da pesquisa traçou-se o perfil sócio demográfico (Tabela 1 e 2), para posteriormente projetar possíveis correspondências com a configuração e as relações que se estabelecem no ECS na formação inicial de professores de EF.
Níveis de ensino | Estágio I EI e AIEF | Estágio II AFEF e EM | Total Geral | |
Variáveis | ||||
Quant. de estagiários (f) | 52 | 38 | 90 | |
Idade Média (anos) (m) | 22,8 | 24 | 22,9 | |
Sexo | Masculino | 40,4 | 47,4 | 43,3 |
Feminino | 59,6 | 52,6 | 56,7 |
Fonte: os autores
Níveis de ensino | EI | AIEF | AFEF | EM | Total Geral | |
Variáveis | ||||||
Quant. de professores (f) | 16 | 16 | 16 | 15 | 63 | |
Idade Média (anos) (m) | 31,6 | 34,8 | 45,4 | 50,7 | 40,4 | |
Sexo | Masculino | 0 | 31,2 | 50 | 40 | 30,2 |
Feminino | 100 | 68,8 | 50 | 60 | 69,8 | |
Formação Acadêmica | Graduação | 25 | 6,2 | 6,2 | 0 | 9,5 |
Especialização | 75 | 68,8 | 93,8 | 93,3 | 82,6 | |
Mestrado | 0 | 25 | 0 | 6,7 | 7,9 | |
Doutorado | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | |
Tempo de docência na EF Escolar | 0 - 2 anos | 25 | 18,8 | 6,2 | 0 | 12,7 |
3 - 5 anos | 50 | 31,2 | 18,8 | 0 | 25,3 | |
6 - 10 anos | 25 | 31,2 | 0 | 6,7 | 15,9 | |
11 - 20 anos | 0 | 12,5 | 31,2 | 20 | 15,9 | |
+ de 20 anos | 0 | 6,3 | 43,8 | 73,3 | 30,2 | |
Tempo de serviço no Magistério Público (Mun./Est.) | 0 - 2 anos | 37,4 | 37,4 | 6,2 | 0 | 20,6 |
3 - 5 anos | 43,8 | 25 | 18,8 | 6,7 | 23,8 | |
6 - 10 anos | 18,8 | 25 | 0 | 6,7 | 12,7 | |
11 - 20 anos | 0 | 6,3 | 37,5 | 26,6 | 17,5 | |
+ de 20 anos | 0 | 6,3 | 37,5 | 60 | 25,4 | |
Tempo de serviço nesta escola | 0 - 2 anos | 62,5 | 62,5 | 31,2 | 20 | 44,4 |
3 - 5 anos | 37,5 | 25 | 31,2 | 6,7 | 25,4 | |
6 - 10 anos | 0 | 6,3 | 18,8 | 13,3 | 9,5 | |
11 - 20 anos | 0 | 6,3 | 12,5 | 53,3 | 17,5 | |
+ de 20 anos | 0 | 0 | 6,3 | 6,7 | 3,2 | |
Carga horária semanal na escola | 0 - 10 horas | 18,8 | 0 | 0 | 0 | 4,8 |
11 - 20 horas | 75 | 93,8 | 81,3 | 46,7 | 74,5 | |
21 - 30 horas | 0 | 0 | 0 | 20 | 4,8 | |
31 - 40 horas | 6,2 | 6,2 | 18,7 | 33,3 | 15,9 |
Fonte: os autores
A discussão dos resultados se pauta nas variáveis sociodemográficas relacionadas, sobretudo, ao tempo de experiência e residência dos professores supervisores, aspectos esses fundamentais na teoria Elisiana para compreender as relações estabelecidas e as configurações de um contexto existente (ELIAS, 1980; 1994; ELIAS; SCOTSON, 2000). Conforme o referencial Elisiano, o tempo de residência dos indivíduos em suas comunidades é considerado um fator determinante nas relações que se estabelecem, sobretudo nas relações de poder, influências e domínios uns com os outros.
Nessa linha de pensamento e apropriando-se no referencial teórico de Norbert Elias, considera-se que o tempo de formação acadêmica, o tempo de docência na EF escolar, o tempo de serviço no magistério público, o tempo de serviço na escola, bem como a carga horária semanal do professor na escola, como aspectos significativos e consideráveis para entender os aspectos configuracionais e de relações estabelecidas entre os estagiários e os professores supervisores de ECS.
Em relação aos acadêmicos estagiários, devido ao fato deles serem recém-chegados no espaço da escola, consideram-se e são considerados como elementos novos nesse contexto educacional. Elias e Scotson (2000) defendem a tese de que nas relações entre pessoas mais velhas e mais novas em um determinado contexto, as “comunidades esperam que os novatos se adaptem a suas normas e crenças; esperam que eles se submetam as suas formas de controle social e demonstrem, de modo geral, a disposição de ‘se enquadrar’” (p. 65). Considerando essa linha de raciocínio, os professores de EF (estabelecidos na escola) possivelmente exercerão o seu poder frente à atuação pedagógica dos estagiários, o que certamente terá interferência direta na sua formação profissional.
No contexto da relação pedagógica formativa, o poder se reflete na possibilidade de interlocução entre os envolvidos no processo educacional, sobretudo na relação professor-aluno, como forma de expor as congruências e incongruências no sentido de possibilitar a transcendência do modelo tradicional, imposto e autoritário de educação. Nesse sentido, é fundamental que o professor saiba exercer o seu poder de forma equilibrada durante o ECS, agregando valores, conhecimentos e experiências positivas aos futuros professores de EF a partir de relações colaborativas/harmônicas, como enfatizado nas pesquisas de Souza Neto et al. (2012); Aroeira (2014); Batista (2014); Krug et al. (2015) e Silva Júnior (2016).
Os resultados dos professores supervisores despertam a atenção pelo fato dos mais novos atuarem nos níveis de ensino das crianças com menor idade, e de forma progressiva os professores com maior idade lecionam para os níveis de ensino subsequentes, ou seja, com o passar da idade, ou até mesmo com a experiência, os professores de EF do contexto investigado optam por trabalhar em níveis de ensino com escolares de faixa etária mais alta. Conforme Pinho, Grunennvaldt e Gelano (2016) atuar com as aulas de EF na EI ou nos AIEF requer, entre outras coisas, conhecimentos singulares da formação do professor; conhecimentos específicos da EF; participação efetiva; e relações estreitas com os alunos. Sobre as particularidades da EI, Ayoub (2001) enfatiza que os professores atuantes neste nível de ensino precisam manter-se atentos às características das crianças pequenas, pois os vínculos estabelecidos com elas são de extrema importância e exigem tempo para serem constituídos.
Quando comparadas as idades dos professores de EF entre os níveis de ensino e os estagiários pesquisados, é possível constatar que os docentes da EI e dos AIEF apresentam menores diferenças de idade em relação aos estagiários quando comparados aos professores dos AFEF e do EM. Tal indicativo, partindo do referencial proposto por Norbert Elias, poderá refletir nas relações estabelecidas entre estes grupos, tendo em vista que alguns elementos (tempo de formação, experiência profissional, experiência de vida, etc.) podem ser próximos entre eles, facilitando as trocas e reflexões das situações postas ao longo do estágio.
Ao traçar uma relação entre as situações de estágio e a teoria de Norbert Elias, nota-se que as relações de trocas e interações podem ser favorecidas quando há maior equilíbrio de idade e/ou status, já que na maioria das vezes o estagiário quando diante de um professor supervisor mais velho ou com maior formação tende a acatar as orientações sem discutir ou contrapor, podendo constituir relações hostis e tensas entre pessoas e grupos que as formam (SOBRINHO, 2011). De acordo com Elias (1980) e Elias e Scotson (2000), as relações entre pessoas mais velhas e mais novas em determinado contexto, favorece que os novatos se adaptem as normas e se submetam as formas de controle social dos mais velhos, demonstrando disposição para se enquadrar na situação apresentada, o que reforça a ideia de poder desequilibrado.
Nesse sentido, a relação harmônica, entre o estagiário e o professor supervisor é essencial para que se estabeleça uma relação de confiança e trabalho conjunto (IZA; SOUZA NETO, 2015b), o que depende da organização do próprio ECS e das atividades atribuídas a cada um dos envolvidos no decorrer dessa ação, de modo que todos se sintam parte do processo e responsáveis pela formação.
No entanto, se os professores mais experientes utilizarem de sua maturidade pedagógica docente de forma a equilibrar o poder, os resultados da ação pedagógica participativa e relacional poderão ser de grande eficácia no processo de formação inicial do acadêmico em estágio, bem como na formação continuada do professor de EF. A teoria de Elias (1980; 1994) apresenta que as configurações humanas não são estáticas ou estagnadas, além disso, as relações estabelecidas se forem pautadas em uma constante inter-relação e na coesão entre os grupos, poderá refletir na ideia de equilíbrio do poder, o que certamente auxiliará na compreensão e dinâmica de um contexto.
Nesse direcionamento, para que essa inter-relação se intensifique, é importante que o estagiário se reconheça no contexto escolar, se sentindo mais próximo e envolvido com o cenário da escola. Assim, para que as trocas e ações do estágio se constituam de modo significativo é preciso que o professor se reconheça no processo. Benites et al. (2012) afirmam que mesmo ocupando uma posição privilegiada na escola, os professores por vezes não se reconhecem como integrantes do processo de formação e não se sentem confortáveis na ação educacional dos futuros professores, o que se reflete em limitações no processo.
Deste modo, ressalta-se que a parceria entre o estagiário e o professor supervisor deve ocorrer independente do fator idade e/ou nível de formação. Iza e Souza Neto (2015b) apontam que é essencial que se estabeleça uma relação de confiança e trabalho conjunto nas ações de ECS, e isso depende da organização das ações a serem desenvolvidas e das atividades atribuídas a cada um dos envolvidos. A maturidade e experiência do professor é um fator importante e poderá auxiliar os estagiários durante as ações e atividades desenvolvidas no ECS, por meio de conversas, exemplos e direcionamentos do professor com maior tempo de prática docente (PIMENTA; LIMA, 2012). Elias (1994) afirma que o tempo e a experiência são elementos essenciais e que não podem ser desconsiderados nas análises que envolvem a sociedade e os indivíduos, nos quais se pode fazer referência à escola/universidade e os integrantes desse contexto educacional.
A respeito do tempo de docência na EF escolar, verificou-se que os professores menos experientes trabalham predominantemente na EI. Os resultados seguem uma lógica progressiva e sequencial (da EI para o EM), na qual 73,3% dos professores que lecionam no EM têm mais de 20 anos de tempo de docência na EF escolar. Considerando os ciclos de vida profissional propostos por Farias et al. (2008) para a realidade brasileira e o tempo de docência na Educação Básica, constatou-se que a maior parte dos professores da EI está enquadrada na fase de entrada na carreira (1-4 anos), caracterizada por descobertas e choque com a realidade, e na fase de consolidação (5-9 anos), na qual ocorre a constituição da identidade docente. Já a maioria dos professores dos AIEF está na fase da diversificação (10-19 anos), caracterizada pela realização de experiências pedagógicas pessoais diversificadas. A maior parte dos professores dos AFEF está na fase da diversificação e na fase da estabilização (25-35 anos), reconhecida como a etapa de situação profissional estável. Também houve predomínio na fase da estabilização para os professores atuantes no EM.
Nesse direcionamento, Rossi e Hunger (2012) constataram que as prioridades de formação dos professores se alteram no decorrer da carreira, corroborando com o referencial teórico dos ciclos de vida profissional de Farias et al. (2008). Considerando o tempo de docência e outros aspectos relacionados, pesquisas como as de Both, Nascimento e Borgatto (2007); Folle et al. (2008); Both et al. (2014); Farias et al. (2015); Pozzatti et al. (2015) vêm se dedicando a investigar questões e implicações do trabalho do docente de EF, tais como a qualidade de vida, o estilo de vida, o bem-estar, as condições e a satisfação no trabalho.
Levando em consideração os resultados de tempo de docência e o referencial teórico discutido, mais uma vez são constatados indícios da apropriação de uma lógica que fortalece a ideia do tempo de experiência e residência como forma de exercer o seu poder na escolha pela atuação dos professores de EF nos níveis de ensino, referendando os resultados dessa questão a partir da teoria de Elias (1980; 1994), visto que os experientes tendem a optar pelas classes mais avançadas, uma vez que os elementos de poder (tempo de serviço) são determinantes para tal escolha.
Outra questão investigada no perfil dos participantes da pesquisa foi o tempo de serviço no magistério público (Municipal e/ou Estadual). As respostas se apresentam na mesma lógica do tempo de serviço na EF escolar, em que os professores do EM possuem mais experiência, seguidos pelos professores atuantes nos AFEF, AIEF e EI, respectivamente, expondo a influência da experiência no processo de fixação de normas, padrões e escolhas (ELIAS, 1980; 1994; ELIAS; SCOTSON, 2000).
De acordo com Rangel-Betti (2001), uma das tarefas dos programas de formação docente é esclarecer aos discentes que o conhecimento se constitui na prática, por meio da experiência, mas não unicamente sob ela. Conforme a autora, a soma do conteúdo, da experiência e da história de vida influencia a atuação profissional, por isso as licenciaturas precisariam abordar estes elementos nos diversos componentes curriculares. Ou seja, os futuros professores precisam compreender que a qualidade da intervenção depende de diferentes questões, ao mesmo tempo, as aprendizagens sobre a docência são contínuas, por isso a prática pedagógica será constantemente repensada conforme as exigências apresentadas no cotidiano profissional. Nesse sentido, o ECS pode proporcionar encontros dos licenciandos com professores mais e menos experientes, o que permite a percepção sobre as diversas estratégias adotadas por eles em variadas situações de ensino, além de suas posturas profissionais.
Ao confrontar os resultados de tempo de docência na EF escolar e no magistério público com as ideias de Norbert Elias, é possível deduzir que os professores com maior tempo de experiência sentem-se em posição mais favorecida em relação aos demais, tanto em relação ao status profissional quanto à remuneração3, podendo lhes proporcionar, sob a sua ótica e dos demais, posição de maior poder, uma vez que essa conjuntura se reflete nas inter-relações em que os profissionais mais estabelecidos decidem e instituem as relações com as outras pessoas (ELIAS, 1994).
Sendo assim, Elias (1980; 1994) enfatiza que o poder, quando exercido de forma não equilibrada nas relações entre os indivíduos, pode adotar uma conotação negativa, fortalecendo movimentações unilaterais, desproporcionais e tendenciosas. Nesse sentido, torna-se fundamental que os professores utilizem suas experiências, competências e habilidades no intuito de colaborar e agregar experiências de sucesso ao processo formativo do futuro professor de EF durante o ECS.
O tempo de serviço na escola, em que os professores supervisores recebem os estagiários, foi outro aspecto investigado. Da mesma forma, os professores do EM (mais experientes) são os que se encontram há mais tempo na escola parceira do ECS, sendo que 60% desses professores estão nessa escola há pelos menos 11 anos. Já a maioria dos professores da EI e dos AIEF, representados por 62,5%, encontra-se na escola há menos de dois anos.
As relações na escola, bem como o conhecimento do ambiente escolar e suas possibilidades de exploração, são princípios básicos para a efetividade do trabalho pedagógico dos docentes em todos os componentes curriculares. Nesse sentido, o tempo de residência na escola é determinante para os professores estabelecerem bases sólidas e consistentes em suas práticas pedagógicas. Elias e Scotson (2000) sustentam essa constatação na obra “Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade” ao afirmarem que o tempo de residência é um aspecto fundamental nas relações de poder exercidas entre os moradores mais velhos frente aos mais novos da localidade.
Ainda estabelecendo um paralelo com as posições de Elias (1980) e Elias e Scotson (2000), o docente deve ter a perspicácia de exercer esse poder de forma equiparada, no sentido de colaborar com a proposta educacional da escola e de seus agentes, caso contrário, esse poder terá efeito de segregação entre os agentes mais novos (principalmente o estagiário) e os mais velhos da instituição, o que possivelmente implicará de forma negativa na proposta educacional.
Na mesma linha de raciocínio, investigou-se a carga horária semanal dos professores participantes da pesquisa. Constatou-se que a maior parte tem de 11 a 20 horas semanais na escola, e para completar a sua carga horária, por vezes, trabalha em mais de uma escola. Os professores do EM são os que apresentam maior carga horária na mesma instituição de ensino. Trabalhar em mais de uma escola, e até mesmo ter outras atividades profissionais para complementar a renda e/ou carga horária, foi uma das dificuldades apontadas pelos professores de EF nas pesquisas realizadas por Wittizorecki e Molina Neto (2005) e Pozzatti et al. (2015). Outros estudos, como de Folle et al. (2008); Both et al. (2014); Farias et al. (2015), também abordaram questões relacionadas às condições de trabalho e às suas implicações, não somente para a prática pedagógica, mas também para o bem-estar e a qualidade de vida dos docentes de EF, nos quais apresentaram desfecho semelhante ao dessa pesquisa.
Considerando tal análise e discussão realizada, reforça-se o modelo do ECS na formação de professores de EF ao embasamento teórico de Norbert Elias, no qual considera a dinâmica e movimentação dos indivíduos vivendo em sociedade, numa configuração de pessoas interdependentes entre si em suas ações, ou seja, todos os atos geram movimentações dinâmicas nas estruturas e conjunturas existentes (ELIAS, 1980; 1994; ELIAS; SCOTSON, 2000).
A partir da investigação do perfil dos estagiários e professores supervisores, e suas implicações para a configuração e as relações que se estabelecem no ECS durante a formação inicial de professores de EF, buscou-se identificar, junto aos participantes da pesquisa, sugestões de indicativos/ações para o fortalecimento do ECS na IES investigada (Figura 1).
A sugestão com maior frequência geral apontada foi a necessidade de participação mais ativa dos professores orientadores4. Tanto os estagiários quanto os professores da escola reconhecem a necessidade de maior proximidade dos professores da universidade em relação ao acadêmico em situação de estágio, bem como presença mais frequente na escola. Nesse sentido, o P53 afirmou que há necessidade de “participação mais ativa dos professores da universidade com seus alunos [...]. Além disso, a nota (avaliação) do estagiário deveria ficar por conta do professor da universidade e não do professor da escola”. De acordo com Bisconsini, Flores e Oliveira (2016), o processo de acompanhamento e corresponsabilidade pelo estagiário é primordial por parte dos coordenadores, orientadores e supervisores. É necessário que estes professores se sintam parte da formação docente, na tentativa de consolidar a interação entre universidade e escola.
Tal indicativo evidenciado na pesquisa vai ao encontro das proposições apresentadas por Elias (1980, 1994), reforçando a necessidade de relações mais estreitas entre docentes e discentes, como forma de minimizar problemas de relacionamento e de poder, como o autoritarismo, a indiferença, a desatenção, o descompromisso, a falta de cobrança, dentre outros.
A necessidade de aproximação das disciplinas do curso com a realidade da escola também foi outro indicativo apontado, principalmente pelos estagiários. Algumas descrições foram selecionadas para apresentar as sugestões, como o E37, ao afirmar que “as disciplinas da graduação deveriam dar maior suporte para a EF escolar, pois, muitas vezes, chegamos às escolas e ficamos perdidos, nos decepcionamos”; o E54 relatou a necessidade de “repensar o currículo do curso, pois muitas disciplinas não agregam para o preparo do estágio. Há a necessidade de se ter mais matérias voltadas para a docência”; o E84 sugere “diminuir o número de aulas teóricas e aumentar o número de aulas práticas”. Já o P9 recomenda: “no caso da EF Infantil deveria ter uma disciplina na universidade mais voltada para a prática e não apenas a teoria, pois, às vezes, os estagiários ficam meio perdidos em como lidar com as crianças”. Fernandes e Almeida Júnior (2013, p. 55) lembram que é essencial a aproximação do ECS com as disciplinas do curso, já que “no currículo das licenciaturas o estágio está atrelado às outras práticas formativas e configura-se como importante eixo articulador dos cursos, permitindo consolidar uma organicidade entre as disciplinas do mesmo”.
Também houve sugestões, principalmente dos estagiários, acerca da necessidade de relações mais colaborativas entre eles e os demais agentes da escola. Por exemplo, o E17 sugere que “os agentes possam ser mais abertos em relação à comunicação com os demais, para que também possamos estar envolvidos no contexto escolar e melhor desenvolver o estágio”; o E88 enfatiza que “deveria ser desenvolvido um trabalho de conscientização nas escolas no que diz respeito à importância dos estagiários. Todas as escolas deveriam fazer isso para evitar preconceitos”. Tal indicação e diferença entre professores e estagiários demonstra claramente que, na visão dos estagiários, eles ainda se situam deslocados do contexto escolar (os de fora). Os resultados da pesquisa de Souza Neto, Sarti e Benites (2016, p. 314), “revelam a existência de uma atmosfera de rivalidade entre estagiários e professores experientes, o que é acentuado pela não existência de definições de papéis relativos ao estágio”. Por isso é importante que também os professores supervisores das escolas se sintam formadores no decorrer no ECS, a partir da compreensão de responsabilidade no processo, como aqueles que podem contribuir na integração dos futuros professores de EF à Educação Básica.
Outra sugestão apresentada pelos estagiários e professores de EF foi desenvolver o planejamento de forma efetiva e em colaboração. O P31 propôs ter “um momento de discussão do plano de aula antecipadamente com o professor supervisor para esclarecer dúvidas e buscar a eficácia das atividades a serem aplicadas na aula”. Na mesma direção, o P14 enfatizou a importância do planejamento e da utilização da hora-atividade, relatando: “o momento da hora-atividade do professor deve ser compartilhado com os estagiários e ser validado com carga horária para o estágio, assim, além de acompanhar o planejamento das aulas, estarão mais próximos de outros professores e da equipe pedagógica”. De acordo com Montiel e Pereira (2011, p. 426), o professor supervisor do estágio “deve intervir no planejamento e nas aprendizagens, oferecendo suporte teórico para o estagiário. Acima de tudo, o professor supervisor deve provocar a reflexão do estagiário sobre as suas ações propostas e executadas”.
Alguns estagiários sugeriram aperfeiçoar e reorganizar a disciplina de ECS. A maioria das sugestões diz respeito ao direcionamento do conteúdo de forma mais próxima do contexto escolar e com menor ênfase nos aspectos burocráticos. Em pesquisa realizada por Bisconsini (2013), com cursos de Licenciatura, os resultados evidenciaram que o ECS ainda se caracteriza principalmente pelo atendimento aos seus aspectos burocráticos em detrimento dos pedagógicos. O E79 recomendou “durante as aulas de estágio devem ser trabalhados conteúdos práticos de vivências dentro da escola, saindo daqueles conteúdos monótonos sobre o que é o estágio e diminuir as recomendações sobre a pasta de estágio”.
Os estagiários também sugeriram diminuir a carga horária do ECS. De acordo com o E89, é necessária “maior flexibilidade da IES com os acadêmicos e diminuição do tempo de estágio, pois a maioria tem outras atribuições”. O E52 sugere “carga horária menor, pois assim o estagiário certamente se empenharia muito mais, e por consequência teria melhor aproveitamento no estágio. Já que o estagiário é obrigado ir várias vezes ele ‘vai levando o estágio’”. Ressalta-se que a carga horária de regências (direção) aplicadas no Estágio Curricular Supervisionado I era de 82 horas e no II de 72 horas, para o ano de 2015, contemplando os seguintes níveis e modalidades de ensino: EI, AIEF, AFEF, EM, EJA e Educação Especial (UEM, 2005). Apesar dessa sugestão de diminuição da carga horária do ECS por parte dos estagiários, enfatiza-se que a duração e a carga horária do estágio devem, além de atender a legislação vigente, proporcionar a oportunidade dos acadêmicos de terem um tempo pedagógico mínimo para estabelecer relações interpessoais com os agentes da escola, assim como para conhecer e entender o contexto da escola e da EF escolar.
Além das sugestões apresentadas, outras foram apontadas e categorizadas em menor frequência, como: realizar reuniões entre os parceiros da escola e da IES; promover participação dos estagiários nas reuniões pedagógicas e conselhos de classe; oferecer formação continuada aos professores supervisores; reduzir os excessos burocráticos dispensáveis; propiciar autonomia ao estagiário para realizar a avaliação dos alunos; antecipar o início da realização do ECS para o começo do curso; aumentar o número de observações; realizar grupos de estudos e orientação para o ECS; flexibilizar as ações e atividades do ECS; e possibilitar a participação do estagiário na hora-atividade do professor supervisor. Como destacam Farias et al. (2008, p. 316), “os cursos de formação inicial necessitam sistematizar ou reorganizar estratégias formativas que minimizem as preocupações pedagógicas dos estudantes nas situações de estágio curricular”. Assim, é importante a constante comunicação entre todos os envolvidos com essa ação, para que as ações sejam coerentes e qualificadas, a fim de atingir os objetivos formativos atribuídos ao ECS.
Os indicativos e ações evidenciadas nos resultados também são respaldados na análise do referencial teórico Elisiano, uma vez que possibilitam dar voz a todos os participantes do processo, favorecendo relações mais harmônicas entre os envolvidos, assim como a avaliação e análise das questões que envolvem a configuração de outros elementos na estruturação e organização do ECS na formação inicial de professores de EF.
Ressalta-se que as sugestões apresentadas são específicas e direcionadas à configuração e às relações estabelecidas nesse contexto investigado. No entanto, respeitando as características e necessidades locais, poderão ser pensadas em outras conjunturas do ECS na formação inicial de professores de EF.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em face da análise do perfil dos estagiários e professores supervisores investigados, foi possível estabelecer um diálogo com o referencial teórico de Norbert Elias, apoiando-se no embasamento de configurações interdependentes, poder e tempo com as implicações para a realização do ECS no decorrer da formação inicial de professores de EF. Os indicadores analisados apontam para uma configuração de interdependência, na qual o movimento de cada aspecto tem impacto em outros elementos e, consequentemente, na realização do ECS, por isso a análise e avaliação contínua desse processo formativo é requisito indispensável na manutenção da qualidade educacional.
Verificou-se que as questões de tempo e de poder, evidenciadas, sobretudo na experiência do professor, sua qualificação e status profissional; podem favorecer ou limitar as relações estabelecidas entre os envolvidos ao longo deste momento formativo. Nesse sentido, os professores supervisores mais experientes e com maior tempo de residência na EF escolar agregam maior poder, devido ao seu status de posicionamento adquirido no seu trajeto profissional e experiência de vida. Constatou-se que os professores da rede estadual (AFEF e EM) apresentam uma configuração de maior status na comparação com os professores da rede municipal (EI e AIEF), tendo em vista que as questões de tempo contribuem para a experiência docente (idade, tempo de formação, tempo de serviço, titulação, experiência de vida, dentre outros).
Nesse sentido, com base nos dados da pesquisa e nas incursões realizadas a partir do referencial teórico de Norbert Elias, conclui-se que a configuração exposta poderá ser determinante nas relações de poder (professor-aluno) nesse contexto, podendo oferecer experiências formativas positivas e/ou negativas, dependendo da forma de exercer o poder nessa configuração estabelecida.
Dessa forma, nota-se que o poder dos professores mais experientes pode auxiliar no processo de formação do futuro professor de EF devido ao acúmulo de conhecimentos e vivências expressados, por outro, se exercido de forma desequilibrada, intransigente e autoritária, o afastará do estagiário. Da mesma forma que a menor experiência dos professores mais novos pode ser eficaz nas relações com os estagiários, uma vez que, embora teoricamente tenham menos vivência, mas com o favorecimento de relações colaborativas, de forma equilibrada de poder entre professores e estagiários o processo educativo e formativo do ECS é fortalecido e enriquecido.
Na pesquisa também foram apresentados possíveis indicativos/sugestões que poderão fortalecer o ECS na formação inicial de professores de EF, tanto nessa comunidade quanto em outros contextos. As sugestões recomendadas com maior frequência foram: participação mais ativa dos professores orientadores; aproximação das disciplinas do curso com a realidade da escola; relações mais harmônicas entre estagiários e os demais agentes da escola; desenvolver o planejamento de forma efetiva e em colaboração, dentre outras.
Apesar dos instrumentos utilizados nesta pesquisa responderem o objetivo proposto, entende-se como limitação do estudo a dificuldade de extrair respostas que possam ir além do apresentado nos documentos ou da objetividade do questionário. Dessa forma, sugere-se a realização de novas pesquisas que permitam maior interlocução com os sujeitos pesquisados, como por exemplo, a utilização de entrevistas e grupo focal.
Por fim, ressalta-se que avaliar e analisar as configurações interdependentes estabelecidas e/ou de poder entre indivíduos, perante a ótica de Norbert Elias, é realizar o exercício de visualização constante das relações formadas a partir das trocas, incursões, aproximações e demais movimentações possíveis e existentes. O referencial teórico de Norbert Elias mostrou-se como coerente para a investigação e análise da pesquisa e sua possibilidade para replicação em outros estudos.