INTRODUÇÃO
Amparada tanto em uma perspectiva de formação multidimensional - que contemple o desenvolvimento humano e supere a fragmentação do conhecimento - quanto na extensão da jornada diária de atividades educativas, a concepção de educação integral tem permeado o debate educacional nos últimos anos, sendo objeto de constante ressignificação e disputa1 (Pestana, 2014; Carvalho, 2006; Cavalieri, 2007; Brandão, 2009; Cação, 2017; Maurício, 2004; Parente, 2016).
O debate acerca da educação integral (parece ser consenso a polissemia do termo), em constante desenvolvimento, vem se traduzindo em políticas públicas que, nos últimos anos, têm implicado o aumento do tempo de permanência dos estudantes nas escolas, linha de ação consistente com as metas dos dois últimos planos nacionais de educação, que propõem a expansão da educação em tempo integral2 em todo o país.
Talvez alinhadas aos diferentes significados assumidos pelo termo e certamente refletindo disputas entre diferentes concepções de educação, algumas políticas de educação integral (ou de educação em tempo integral, ou de escola de tempo integral) têm assumido um caráter principalmente de proteção social, enquanto outras parecem preocupadas com a melhoria de desempenhos em testes ou com uma formação promotora de competências e habilidades que sejam entendidas como úteis nos futuros ambientes de trabalho (Pestana, 2014; Carvalho, 2006; Cação, 2017; Girotto & Cássio, 2018).
Ainda que as concepções de educação integral e as políticas públicas associadas ao tema variem, parece existir certa expectativa de que esse tipo de ensino (ou de abordagem, ou de escola), viabilizando atividades que geralmente extrapolam o currículo obrigatório (que podem estar relacionadas e/ou integradas a esse currículo), seja uma via para que melhorias do ensino e da aprendizagem sejam possíveis.
Tendo em vista a expectativa de que as iniciativas de educação integral promovam, entre outras coisas, a melhoria da aprendizagem dos alunos, podem-se identificar estudos que verificam se a implementação de políticas de educação integral tem afetado o desempenho de estudantes em testes (Fernandes, 2018; Gandra, 2017; Batista et al., 2016; Xerxenevsky, 2012; Aquino, 2011). Utilizando técnicas que permitem inferir causalidade, esses estudos geralmente utilizam dados relativos a variações de resultados em avaliações em larga escala entre grupos de escolas que participam e que não participam de programas de educação integral, para mensurar o impacto de tais programas na aprendizagem (em geral, o desempenho médio de escolas em testes é tomado como medida de aprendizagem, ainda que ressalvas possam ser feitas acerca da aproximação entre desempenho em testes e aprendizagem).
Utilizando técnicas apropriadas para a mensuração do impacto de programas, este artigo pretende estabelecer um diálogo com os estudos dedicados a estimar os efeitos de programas de educação integral no desempenho de estudantes em testes, tendo por base o Programa Ensino Integral (PEI) implementado pela rede estadual de ensino do estado de São Paulo desde 2012. O artigo está dividido em quatro partes, além da introdução: 1) considerações gerais sobre educação integral; 2) considerações gerais sobre o PEI; 3) metodologia e fontes de informação; e 4) resultados das estimativas de impacto do PEI. Por fim, seguem-se as considerações finais.
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE EDUCAÇÃO INTEGRAL
Alinhada ao disposto nos artigos 34 e 87 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394, 1996) e na meta 6 do Plano Nacional de Educação 2014-2024 (Lei n. 13.005, 2014), e viabilizada, ao menos em parte, pelo financiamento adicional previsto no artigo 43 da lei que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) (Lei n. 14.113, 2020), a expansão da educação em tempo integral (ou da educação integral, ou da escola de tempo integral, ou da educação integral em tempo integral) tem sido entendida, em diversos casos, como uma oportunidade para a melhoria da qualidade do ensino - sobretudo de crianças e jovens educacional e socialmente desfavorecidos (Brandão, 2009; Decreto n. 7.083, 2010) -, ainda que as concepções e propósitos associados à educação em tempo integral sejam variados (sobre isso, ver Cavalieri, 2007).
A despeito do viés que norteia os currículos implementados em escolas de tempo integral, os autores que tratam do tema geralmente concordam sobre a importância da adaptação dos programas e currículos a cada contexto ou da ressignificação das propostas de ensino em tempo integral, a depender do contexto e das necessidades dos alunos (Guará, 2006; Parente, 2018; Parente & Grund, 2019).
Além do debate acerca do currículo a ser implementado nas escolas de período integral, são recorrentes as menções à importância/necessidade de que a escola seja de tempo integral para alunos e para professores (Brandão, 2009). Isto é, a dedicação exclusiva dos professores a uma única escola, com remuneração e condições de trabalho adequadas, é entendida como fator essencial de propostas de escolas de tempo integral, inclusive porque possibilita o estabelecimento de relações e vínculos entre estudantes e professores (e entre professores), que são importantes para o desenvolvimento de um currículo integrado, que supere a divisão do currículo em partes, com um turno dedicado ao currículo regular e o contraturno dedicado ao currículo complementar, expandido ou diversificado (Leclerc & Moll, 2012).
No que diz respeito às prioridades de atendimento em escolas de tempo integral, alguns autores e documentos parecem concordar sobre a importância de que a oferta desse tipo de ensino seja ampla, e não residual (em linha com a meta 6 do PNE 2014-2024), assim como sobre a necessidade de priorizar regiões e famílias que se encontram em situação de maior vulnerabilidade social (Brandão, 2009; Decreto n. 7.083, 2010; Girotto & Cássio, 2018; Leclerc & Moll, 2012). Como indica Dias (2018, p. 6), “Tanto o PNE (Plano Nacional de Educação) de 2001, quanto o de 2014, trazem as Escolas em Tempo Integral (ETIs) com um sentido compensatório, objetivando o atendimento de camadas sociais mais vulneráveis e mais necessitadas”. Entendendo que a educação em tempo integral tenha condições de viabilizar um ensino de qualidade relativamente melhor, a expansão da oferta desse tipo de ensino entre crianças e adolescentes provenientes de famílias mais pobres tenderia a garantir um ensino melhor à parcela mais vulnerável da população, o que implicaria certa equalização educacional (Brandão, 2009, p. 102). Atuando segundo essas diretrizes, o Programa Mais Educação (instituído por meio da Portaria Interministerial n. 17, de 24 de abril de 2007) indicava a priorização da oferta de atividades no contraturno a crianças e jovens de escolas localizadas em zonas de vulnerabilidade social. Nesse caso, o programa refletia objetivos relacionados tanto à proteção e assistência social quanto à melhoria da qualidade do ensino entre estudantes.
Em outros casos, como no PEI, implementado pela rede estadual de ensino do Estado de São Paulo desde 2012, as escolas incorporadas ao programa atendem alunos que, em média, apresentam nível socioeconômico mais alto do que os alunos das demais escolas da rede. O fato de a maioria das escolas participantes do PEI serem frequentadas por estudantes que contam com condições de vida relativamente melhores e/ou localizadas em regiões mais privilegiadas que outras (em termos de disponibilidade de equipamentos sociais) tem rendido críticas ao programa, que, atuando dessa forma, estaria contribuindo não para a diminuição das distâncias educacionais entre crianças e jovens que ocupam posições diferentes no espaço social, mas para o reforço e reprodução de desigualdades. Nesse caso, os possíveis aspectos positivos do programa (como melhor infraestrutura das escolas, melhor remuneração dos professores e regime de dedicação exclusiva) estariam sendo direcionados às crianças e aos jovens da rede estadual paulista que já contam com melhores condições de vida, restando aos alunos de menor nível socioeconômico as piores condições para o desenvolvimento das atividades de ensino (Girotto & Cássio, 2018). Vale notar que no atual Plano Estadual de Educação do estado de São Paulo (Lei n. 16.279, 2016) não há indicação de um perfil socioeconômico a ser priorizado nas estratégias relativas à meta de atendimento escolar em tempo integral, ainda que o Plano Estadual paulista sinalize que a educação integral (tratada como algo diferente da educação em tempo integral) deva ser garantida em todos os níveis e modalidades de ensino.
Outra crítica concernente ao público-alvo do PEI é que a implementação do programa implica certa seleção velada de alunos. Em um primeiro caso, crianças e adolescentes que não podem passar o dia todo na escola (por diferentes motivos) não podem frequentar as escolas que ingressam no PEI. Assim, após o ingresso da escola no programa, esses alunos precisam sair e se matricular em outra escola. No segundo caso, alunos com histórico de exclusão escolar e/ou social muitas vezes encontram dificuldades para acompanhar as aulas dessas escolas e, não sendo adequadamente incluídos na nova proposta, acabam mudando de escola (Girotto & Cássio, 2018; Vieira et al., 2016, pp. 58-59; Tribunal de Contas do Estado de São Paulo [TCE-SP], 2016, p. 4).
A próxima seção continua tratando de algumas das características do PEI, foco da análise deste artigo. Apesar de sua implementação recente, há um volume considerável de pesquisas dedicadas à compreensão das características e à análise da implementação do programa (Parente & Grund, 2019).
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O PEI
Além de funcionarem em período integral (no caso dos anos finais do ensino fundamental, as jornadas diárias de atividades das escolas do PEI são de oito horas e meia), as escolas do PEI são caracterizadas por uma série de fatores que as diferenciam das demais unidades da rede estadual de ensino de São Paulo. Em geral, essas escolas contam com infraestrutura nem sempre disponível no restante da rede, como salas temáticas e laboratórios de ciências e de informática (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, 2012, pp. 32-33). Além da disponibilidade desses espaços/recursos, as pesquisas sobre o PEI têm indicado que, quando necessário, as escolas que ingressam no programa passam por reformas ou adequações diversas e contam com um número moderadamente pequeno de turmas (Dias, 2018, p. 11; Cação, 2017, p. 115; Caiuby & Boschetti, 2015, p. 89; Girotto & Cássio, 2018).
Outras características de destaque nas escolas do PEI são o Regime de Dedicação Plena e Integral e a Gratificação de Dedicação Plena e Integral, que representam um acréscimo de 75% ao valor da faixa e nível de vencimento em que o profissional se enquadra (Lei Complementar n. 1.164, 2012). Com essas medidas, o programa viabiliza dois aspectos considerados importantes para o funcionamento de escolas de tempo integral: a atuação dos professores em uma única escola, o que tende a proporcionar melhores condições de trabalho e possibilidades de desenvolvimento das atividades de ensino; e a melhoria da remuneração dos professores.
Apesar dos avanços que a jornada em uma única escola e o aumento da remuneração representam, essas vantagens são restritas à pequena parcela de profissionais que atuam nas escolas do PEI e podem ser perdidas caso os profissionais não tenham bom desempenho nas avaliações realizadas periodicamente. Como indica Dias (2018, p. 8), “a permanência dos professores no programa está condicionada à avaliação por desempenho periódica e específica, e em caso de não correspondência, o professor será removido ou transferido para a unidade mais próxima”. Devido à possibilidade de não atuarem mais nas escolas do PEI - e deixarem de receber a gratificação -, os profissionais acabam, em certos casos, mantendo outros vínculos de trabalho, o que leva à sobrecarga de trabalho desses docentes.
. . . existem as avaliações de desempenho, que são realizadas com todos os profissionais e alunos da escola do PEI. Pelo fato de uma má avaliação resultar no desligamento do programa, as avaliações criam um ambiente de instabilidade, que tem levado muitos profissionais do PEI (40% dos entrevistados) a continuarem acumulando cargos mesmo com o ingresso no programa.
Essa dupla ou tripla jornada é permitida, pois a legislação do PEI exige a dedicação integral apenas no horário de funcionamento do programa. Desta forma, muitos profissionais, por não saberem se suas melhorias salariais serão mantidas, permanecem realizando outras atividades ou ministrando aulas no período noturno. Isso tem desencadeado um quadro de sobrecarga docente. (Dias, 2018, p. 13).
Outros dois componentes centrais do PEI, o Protagonismo Juvenil e o Projeto de Vida, parecem bastante preocupados em incentivar e apoiar os estudantes em relação ao desenvolvimento de aspectos como autonomia, autodeterminação, capacidade de planejamento e perseverança, entre outros. O desenvolvimento desses aspectos parece estar relacionado tanto ao desempenho de atividades escolares/educacionais quanto ao preparo para o que o programa chama de “mundo do trabalho”. As transcrições a seguir ilustram o foco desses dois componentes do PEI (Protagonismo Juvenil e Projeto de Vida, respectivamente):
O aluno é o ator principal na condução de ações nas quais ele é sujeito e simultaneamente objeto das suas várias aprendizagens. No desenvolvimento dessas ações de Protagonismo Juvenil o jovem vai se tornando autônomo à medida que é capaz de avaliar e decidir com base nas suas crenças, valores e interesses; vai se tornando solidário, diante da possibilidade de envolver-se como parte da solução e não do problema em si; e competente para compreender gradualmente as exigências do novo mundo do trabalho e preparado para a aquisição de habilidades específicas requeridas para o desenvolvimento do seu Projeto de Vida. (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, 2012, p. 15, grifo nosso).
. . . O Projeto de Vida é o foco para o qual devem convergir todas as ações educativas do projeto escolar, sendo construído a partir do provimento da excelência acadêmica, da formação para valores e da formação para o mundo do trabalho. O Modelo Pedagógico é constituído para assegurar a construção do Projeto de Vida.
Desse modo, sendo uma prioridade no Modelo Pedagógico, o Projeto de Vida é um esforço concentrado para atingir um determinado fim. Esse esforço se desdobra em diversas atividades e pressupõe a definição de objetivos, de um plano para alcançá-los e de suas respectivas ações. Cada aluno deve materializar seu projeto de vida em um documento escrito a ser constantemente revisado, tendo um professor responsável que assume a tarefa de orientá-lo, tanto na construção inicial quanto no seu constante aprimoramento. (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, 2012, pp. 18-19, grifo nosso).
Como salienta Cação (2017), a concepção de protagonismo juvenil, na forma como compreendida e implementada no PEI, pode não estar distante da noção de empreendedorismo juvenil. Nesse caso, ainda que possam ser elencados aspectos positivos do fortalecimento da autonomia, do estabelecimento de objetivos e do estímulo à superação de problemas, os estudantes correm o risco de não refletir sobre os fatores sociais que causam e perpetuam a pobreza e as desigualdades sociais que permeiam suas próprias experiências (Ferretti et al., 2004, pp. 417-418).
Por fim, o PEI se caracteriza pela proposta de um currículo “integralizado”, composto por disciplinas obrigatórias a serem cursadas por todos os estudantes e por um conjunto de aulas e atividades complementares. Na seção diversificada do currículo, parte do tempo dos alunos é dedicada à realização de disciplinas eletivas, que são propostas pelos próprios professores e devem guardar relação tanto com a seção obrigatória do currículo quanto com os interesses dos estudantes. Além disso, os estudantes contam com atividades de orientação de estudo - dedicadas a estimular o desenvolvimento de hábitos de estudo que propiciem certa autonomia em relação à aprendizagem - e participam de atividades experimentais em diferentes tipos de laboratórios, como de física, matemática, robótica, química e biologia (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, 2012).
Vale notar que os ambientes e momentos propícios ao ensino e à aprendizagem que as escolas do PEI propiciam a seus professores e estudantes parecem ser o que deveria ser garantido aos demais docentes e alunos da rede estadual de ensino. Nesse sentido, constituindo uma política ainda residual (em relação ao total de escolas da rede), o PEI parece de fato atuar na lógica de “formação de ilhas de excelência”, como indicam Girotto e Cássio (2018).
A despeito das ressalvas sobre as características e a implementação do PEI, parece existir a expectativa de que o programa afete positivamente a aprendizagem dos alunos. Tendo isso em vista, as próximas seções se dedicam a verificar se o PEI tem afetado o desempenho dos estudantes das escolas que participam do programa e em que medida isso ocorre.
METODOLOGIA E FONTES DE INFORMAÇÃO
O objetivo do estudo consistiu em verificar se a participação das escolas no PEI, implementado pela rede estadual de ensino de São Paulo, afeta seu desempenho médio nos testes de matemática e de português do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Levando em conta informações de antes e depois do ingresso no PEI, procurou-se verificar os efeitos de um ano (2014-2015) e de três anos (2014-2017) de participação no programa sobre o desempenho em testes. No processo de avaliação do impacto do PEI, foi aplicado o método de Pareamento por Escore de Propensão (PSM) (Guo & Fraser, 2014), seguido do ajuste de um modelo de regressão linear múltipla (Kutner et al., 2004) do qual deriva o estimador de Diferenças em Diferenças.
Para a mensuração do impacto do PEI sobre o desempenho médio das escolas, a opção foi considerar somente os anos finais do ensino fundamental, pois os exames do Saeb eram amostrais para o ensino médio nos anos levados em conta para a realização do estudo. A lista de escolas que participam do PEI, segundo o ano de ingresso no programa, foi obtida no site da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (2021).3
Para aumentar o número de observações, a opção foi tomar como referência o ano de 2014, que contou com o maior número de escolas ingressando no programa. Das 112 escolas que ingressaram no PEI em 2014, foram selecionadas para o estudo as com informações de desempenho dos alunos dos anos finais do ensino fundamental para os anos de 2013 (anterior ao ingresso no programa), 2015 e 2017. Assim, a avaliação do impacto do PEI sobre o desempenho médio das escolas no Saeb contou com uma lista final de 71 escolas participantes (que ingressaram em 2014 e permaneceram até 2017).
A estimativa do impacto do PEI teve por base a aplicação de um modelo de regressão linear múltipla, parametrizado por coeficientes que possam representar os diferentes desempenhos no Saeb quando se consideram dois grupos de escolas: as que participaram do PEI (grupo participante) e as que não participaram do PEI (grupo não participante), avaliadas antes (2013) e depois (2015 ou 2017) do início do PEI. Desse modelo deriva o estimador de diferenças em diferenças,4 que procura captar o efeito médio do programa sobre o desempenho das escolas que participam dele (ou seja, o efeito médio da participação sobre os participantes). Uma das vantagens desse estimador é que ele permite o controle de características não observáveis que permanecem constantes no tempo. Assim, se existirem características não observáveis que afetem a designação das escolas para a participação no programa, mas essas características forem constantes no tempo, o estimador tende a eliminar o viés de seleção.5 Além disso, ele também permite o controle de efeitos comuns aos grupos participante e não participante, que não foram causados pela participação no programa6 (Oshiro et al., 2015, p. 219).
Previamente ao ajuste do modelo de regressão linear múltipla, foi utilizada a técnica de Pareamento por Escore de Propensão (PEP), que contribui para a redução de um possível viés associado a características observáveis que tenham afetado a escolha de escolas que vão participar do programa.7 Por exemplo, caso o nível socioeconômico dos alunos ou a infraestrutura das escolas tenha influenciado a escolha das instituições que participariam do PEI, é necessário comparar essas escolas com outras que tenham características semelhantes, no que diz respeito ao nível socioeconômico dos alunos e à infraestrutura. Se isso não for feito, a diferença de resultados pode refletir as diferenças dessas características, e não o efeito do programa.
Para criar um grupo com características comparáveis às 71 escolas que ingressaram no PEI em 2014, a opção foi recorrer ao PEP. Nesse caso, com base em características observáveis de todas as escolas da rede estadual de São Paulo que contavam com informações sobre o período de interesse (2013, 2015 e 2017) disponíveis, foram criados grupos de escolas que, em 2013 (antes do início do programa), teriam probabilidade similar de participar do PEI, tendo em vista características observáveis.
A similaridade de características entre as escolas que ingressariam no PEI em 2014 e o outro grupo de escolas (que não participariam do PEI em nenhum momento) teve por base variáveis que, em princípio, poderiam afetar as chances de participação das escolas no PEI. Assim, foram consideradas variáveis relativas à infraestrutura das escolas, fundamentadas em informações do Censo Escolar de 2013 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [Inep], 2013) e a determinados indicadores educacionais, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep, s.d.)8 - os quais foram construídos a partir do Censo Escolar e dos questionários contextuais do Saeb de 2013. A Tabela 1 traz o nome e a descrição das variáveis utilizadas.
VARIÁVEIS | DESCRIÇÃO |
---|---|
Indicador de Nível Socioeconômico das Escolas (Inse) | Criado pelo Inep, calculado com base nos dados da Prova Brasil, Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), de 2011 e 2013, segundo informações sobre posse de bens e contratação de serviços no domicílio, renda familiar e escolaridade da mãe e do pai dos estudantes. |
Nota de português | Desempenho médio da escola em língua portuguesa no Saeb. |
Nota de matemática | Desempenho médio da escola em matemática no Saeb. |
Aluno/turma | Média de alunos por turma, considerando os anos finais do ensino fundamental. |
Distorção idade/série | Taxa de distorção idade/série, considerando os anos finais do ensino fundamental. |
Docentes ensino superior | Percentual de docentes com ensino superior, considerando os anos finais do ensino fundamental. |
Hora/aula | Média de horas diárias de aula, considerando os anos finais do ensino fundamental. |
Complexidade da gestão | É calculado com base em informações sobre: número de matrículas, número de etapas e modalidades de ensino na escola, número de turnos ofertados pela escola e existência de etapas segundo a idade dos alunos, com alunos de maior idade indicando maior complexidade de gestão da escola. |
Laboratório de informática | Assume valor 1 se a escola conta com laboratório de informática e 0 caso contrário. |
Laboratório de ciências | Assume valor 1 se a escola conta com laboratório de ciências e 0 caso contrário. |
Biblioteca | Assume valor 1 se a escola conta com biblioteca e 0 caso contrário. |
Sala de leitura | Assume valor 1 se a escola conta com sala de leitura e 0 caso contrário. |
Refeitório | Assume valor 1 se a escola conta com refeitório e 0 caso contrário. |
Nº salas de aula | Número de salas de aula existentes na escola. |
Nº computadores | Número de computadores disponíveis para os alunos. |
Nº funcionários | Número de pessoas que trabalham na escola. |
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do Inep.
O objetivo, com a aplicação do PEP, é selecionar um conjunto de escolas que não ingressaram no PEI que seja muito parecido com as 71 escolas que ingressaram no PEI. Em nosso caso, pode-se dizer que o PEP consiste em estimar a probabilidade de participação no PEI, dadas as características observáveis (variáveis) das escolas (cada variável considerada pode afetar positiva ou negativamente as chances de participação no PEI).9 A probabilidade de participação no programa, informada pelo conjunto das variáveis utilizadas, dá origem a escores de propensão para cada unidade de observação (escola), que indicam as chances de cada escola participar do programa. A técnica utilizada, de pareamento pelo vizinho mais próximo, implica a construção de um conjunto de escolas com os escores de propensão mais próximos aos das escolas que participaram do programa. Assim, em princípio, seria possível dizer que, em 2013, as escolas que ingressariam no PEI e as que não ingressariam seriam comparáveis, em termos de características que poderiam afetar a participação. A intenção, ao seguir esse tipo de abordagem, é minimizar as possibilidades de viés das estimativas do efeito do PEI sobre o desempenho dos estudantes nos testes de português e matemática do Saeb.
As estimativas de efeito do PEI sobre o desempenho dos alunos têm por base pareamentos realizados com 1 até 4 vizinhos mais próximos. Isso significa que, entre todas as escolas da rede estadual, foram selecionadas as 71 mais parecidas com aquelas que participariam do PEI (modelo com 1 vizinho mais próximo), as 142 mais parecidas (modelo com dois vizinhos mais próximos, etc.), partindo de dados do ano de 2013 (anterior ao ingresso das escolas no programa).
Os modelos foram estimados para avaliar o impacto do PEI no desempenho médio das escolas no ano de 2015 (ano seguinte ao ingresso no programa) e no ano de 2017 (três anos após o ingresso no programa). Com isso, pretende-se captar se os efeitos da participação no PEI se mantêm, aumentam ou diminuem no decorrer do tempo.
A próxima seção traz um resumo dos dados utilizados na análise.
RESULTADOS DAS ESTIMATIVAS DE IMPACTO DO PEI
Os dados apresentados nesta subseção dizem respeito às 71 escolas que ingressaram no PEI em 2014 (grupo participante) e às demais escolas da rede estadual de São Paulo que ofereciam os anos finais do ensino fundamental e que tinham informações sobre o desempenho dos estudantes no Saeb para os anos de 2013, 2015 e 2017 (um total de 2.407 escolas). O objetivo é comparar os dados desses dois grupos de escolas.
A análise das notas médias das escolas em 2013 indica que as diferenças de desempenho entre as escolas que ingressariam no PEI e as demais escolas eram pequenas (e não significantes estatisticamente), tanto nos testes de português quanto nos de matemática (Tabela 2). Nos anos seguintes (2015 e 2017), é visível o aumento das diferenças de desempenho nos testes entre as 71 escolas participantes do PEI e as demais 2.407 escolas (p < 0.01). Vale notar que as notas médias dos dois grupos de escolas aumentam no decorrer do tempo, mas em intensidades diferentes.
ANO | PORTUGUÊS | MATEMÁTICA | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
PARTICIPANTES | NÃO PARTICIPANTES | P-VALOR | PARTICIPANTES | NÃO PARTICIPANTES | P-VALOR | |
2013 | 242,6 | 243,7 | 0,5443 | 249,5 | 248,7 | 0,6797 |
2015 | 262,8 | 251,2 | 0,0000* | 267,1 | 254,9 | 0,0000* |
2017 | 276,2 | 257,9 | 0,0000* | 277,4 | 255,4 | 0,0000* |
Nº observações | 71 | 2.407 | 71 | 2.407 |
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do Saeb de 2013, 2015 e 2017 e da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
* Teste de diferença entre médias significante (p < 0,01).
Na tentativa de compreender se a evolução das diferenças de desempenho nos testes guarda relação com alguma variação na composição socioeconômica dos estudantes de cada grupo de escolas, procurou-se verificar como o indicador de nível socioeconômico das escolas se comportava em 2013 e em 2015, anos para os quais esse indicador foi calculado, tendo em vista o período levado em conta neste estudo (Tabela 3).
2013 | 2015 | |||
---|---|---|---|---|
PARTICIPANTES | NÃO PARTICIPANTES | PARTICIPANTES | NÃO PARTICIPANTES | |
Mínimo | 49,15 | 40,33 | 47,70 | 40,18 |
1º Quartil | 51,51 | 50,81 | 52,12 | 51,25 |
Mediana | 53,48 | 52,34 | 54,13 | 52,80 |
Média* | 53,43 | 52,42 | 53,66 | 52,79 |
3º Quartil | 55,19 | 54,14 | 55,35 | 54,38 |
Máximo | 59,75 | 62,70 | 56,93 | 61,80 |
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do Inep e dos dados da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
* A diferença entre os valores médios de Inse em cada ano são significantes (p < 0,01).
Como é possível notar, em 2013, as escolas que ingressariam no PEI em 2014 contam com Inse médio superior àquele das escolas que não ingressariam no programa. Em 2015, essa diferença se mantém, ainda que menor, com o Inse médio das escolas do grupo não participante aumentando mais rápido do que o Inse médio das 71 escolas do grupo participante. Tanto em 2013 quanto em 2015, essas diferenças são estatisticamente significantes (p < 0,01).
A Tabela 4 traz os valores médios de cada variável, para os grupos participante e não participante, antes e após o pareamento, para os grupos formados por 1 até 4 vizinhos mais próximos. Os dados indicam que, comparadas às demais 2.407, as 71 escolas que ingressaram no PEI em 2014 tinham valores maiores de horas diárias de aulas, de números de funcionários e de nível socioeconômico médio dos alunos, valores menores do Indicador de Complexidade de Gestão e de alunos por turma e maior disponibilidade de laboratórios de ciências e de salas de aula.
VARIÁVEIS UTILIZADAS NO PAREAMENTO | PARTICIPANTES | NÃO PARTICIPANTES | NÃO PARTICIPANTES APÓS PAREAMENTO | |||
---|---|---|---|---|---|---|
1 VIZINHO | 2 VIZINHOS | 3 VIZINHOS | 4 VIZINHOS | |||
Inse | 53,42 | 52,42 | 53,13 | 53,15 | 53,32 | 53,28 |
p-valor | 0,00* | 0,43 | 0,42 | 0,74 | 0,65 | |
Nota português | 242,56 | 243,73 | 242,74 | 242,86 | 243,55 | 243,42 |
p-valor | 0,54 | 0,94 | 0,90 | 0,65 | 0,69 | |
Nota matemática | 249,46 | 248,67 | 249,66 | 249,13 | 250,02 | 249,64 |
p-valor | 0,68 | 0,94 | 0,89 | 0,80 | 0,93 | |
Aluno/turma | 29,58 | 31,37 | 29,00 | 29,63 | 29,67 | 29,84 |
p-valor | 0,00* | 0,33 | 0,92 | 0,83 | 0,55 | |
Distorção idade/série | 11,02 | 10,70 | 12,10 | 11,64 | 11,28 | 11,94 |
p-valor | 0,68 | 0,35 | 0,51 | 0,77 | 0,32 | |
Docentes Ens. Sup. | 94,77 | 95,64 | 94,05 | 94,41 | 94,51 | 94,32 |
p-valor | 0,86 | 0,53 | 0,70 | 0,76 | 0,60 | |
Hora/aula | 6,82 | 5,38 | 6,75 | 6,63 | 6,36 | 6,15 |
p-valor | 0,00* | 0,82 | 0,47 | 0,06 | 0,00 | |
Complexidade gestão | 3,66 | 4,33 | 3,73 | 3,80 | 3,86 | 3,86 |
p-valor | 0,00* | 0,70 | 0,37 | 0,17 | 0,16 | |
Lab. informática | 0,98 | 0,96 | 0,98 | 0,98 | 0,99 | 0,99 |
p-valor | 0,09 | 1,00 | 1,00 | 0,76 | 0,64 | |
Lab. ciências | 0,61 | 0,33 | 0,55 | 0,57 | 0,61 | 0,61 |
p-valor | 0,00* | 0,05 | 0,62 | 1,00 | 0,87 | |
Biblioteca | 0,13 | 0,10 | 0,11 | 0,14 | 0,13 | 0,12 |
p-valor | 0,46 | 0,80 | 0,78 | 0,92 | 0,87 | |
Sala de leitura | 0,92 | 0,86 | 0,90 | 0,90 | 0,91 | 0,91 |
p-valor | 0,11 | 0,77 | 0,73 | 0,81 | 0,85 | |
Refeitório | 0,53 | 0,47 | 0,53 | 0,49 | 0,49 | 0,47 |
p-valor | 0,27 | 1,00 | 0,56 | 0,54 | 0,32 | |
No salas de aula | 15,24 | 13,42 | 14,32 | 14,88 | 15,04 | 14,94 |
p-valor | 0,00* | 0,37 | 0,67 | 0,80 | 0,67 | |
No computadores | 22,82 | 21,35 | 22,96 | 23,54 | 22,53 | 22,50 |
p-valor | 0,10 | 0,92 | 0,55 | 0,79 | 0,76 | |
No funcionários | 60,25 | 71,43 | 59,96 | 60,18 | 60,51 | 60,40 |
p-valor | 0,00* | 0,94 | 0,98 | 0,93 | 0,96 |
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do Inep e da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo; o pareamento foi implementado com o pacote Matchit, no software R.
* Diferença significante em relação à média dos participantes (p < 0,01).
Como é possível notar, após o pareamento - com 1 até 4 escolas que apresentaram escores de propensão mais próximos aos das 71 escolas que ingressam no PEI em 2014 -, todas as variáveis de cada grupo não participante apresentaram valores médios próximos aos valores das escolas que participam do programa. Vale destacar que as variáveis que apresentam médias diferentes entre grupo participante e não participante antes do pareamento (que leva em conta todas as 2.407 escolas que não ingressaram no PEI e que oferecem os anos finais do ensino fundamental) quase sempre dizem respeito à disponibilidade de recursos e espaços, fatores aparentemente importantes para a implementação da jornada escolar estendida. Após o pareamento, deixam de existir diferenças significativas entre as escolas que ingressaram no PEI e as escolas que compõem cada grupo não participante (p > = 0,05).
Com base nos dados pareados, que tendem a ter um conjunto de escolas com probabilidades similares de participação no PEI, o estimador de Diferenças em Diferenças foi aplicado. Nesse caso, o objetivo é comparar os dois grupos de escolas (que ingressaram no PEI em 2014 e que não ingressaram), no que diz respeito à evolução do desempenho nos testes de português e matemática do Saeb. As estimativas de Diferenças em Diferenças devem indicar o efeito da implementação do PEI no desempenho dos estudantes das escolas que participaram do programa.
Os resultados (Tabela 5), representados pelos coeficientes associados ao produto das variáveis “grupo” e “tempo” (Gxt) - que captam a participação no PEI e o período após o início do programa, como indicado na descrição disponível no Apêndice -, indicam que o desempenho dos estudantes do 9º ano da rede esta- dual de São Paulo é impactado positivamente pela implementação do PEI, tanto em português quanto em matemática.11 A Tabela 5 traz os resultados considerando o pareamento com 1 vizinho mais próximo, mas os resultados são válidos para todos os modelos testados, inclusive para aqueles com pareamentos de 2 a 4 vizinhos mais próximos (ver resultados destes últimos no Apêndice). Levando em conta 1 ano de participação no programa e o pareamento com 1 vizinho mais próximo, as variações são de aproximadamente 4,1% e 3,9% nas notas médias de português e de matemática da rede estadual, respectivamente. Esses efeitos podem ser considerados altos, levando em conta aqueles geralmente reportados de características dos alunos ou das escolas, conforme relatado nas pesquisas de fatores associados ao desempenho dos estudantes (Franco & Menezes, 2017; Laros et al., 2010, 2012; Franco et al., 2007; Andrade & Laros, 2007). Além disso, os valores podem ser considerados altos em comparação com os efeitos de outras políticas que envolvem escolas atuando em tempo integral (Gandra, 2017; Xerxenevsky, 2012; Aquino, 2011).
COEFICIENTES | PORTUGUÊS | MATEMÁTICA | ||
---|---|---|---|---|
2014 E 2015 | 2014 E 2017 | 2014 E 2015 | 2014 E 2017 | |
Grupo | -0,188 | -0,188 | -0,206 | -0,206 |
(2,594) | (2,676) | (2,622) | (2,)860 | |
Tempo | 10,293* | 16,497* | 7,897* | 8,199* |
(2,594) | (2,676) | (2,622) | (2,860) | |
G×t | 9,918* | 17,156* | 9,707* | 19,726* |
(3,669) | (3,785) | (3,708) | (4,044) | |
Constante | 242,749* | 242,749* | 249,666* | 249,666* |
(1,834) | (1,893) | (1,854) | (2,022) | |
R2 | 0,229 | 0,435 | 0,177 | 0,311 |
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do Inep e da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
* Rejeita-se a hipótese de que o coeficiente estimado seja igual a zero (p < 0,01).
Nota: R2 é o coeficiente de determinação, uma medida de ajuste do modelo.
Além do efeito positivo sobre os resultados nos testes de português e matemática do Saeb, nota-se que os efeitos do PEI crescem com o tempo, sendo maiores entre 2014 e 2017 do que entre 2014 e 2015. Ao que parece, a consolidação do PEI nas 71 escolas que ingressaram no programa em 2014 (que pode estar associada a um maior tempo de exposição dos estudantes ao programa, caso os alunos permaneçam nessas escolas de 2014 a 2017) implica o aumento do efeito do programa no desempenho dos estudantes nos testes. Esses resultados são similares aos reportados por Fukushima et al. (2022), que, com base em dados de 2013 a 2015, também obtêm efeitos positivos e crescentes do PEI sobre o desempenho dos estudantes do 9º ano da rede estadual paulista, tanto em português quanto em matemática.
Tendo em vista o impacto positivo do PEI, seria necessário investigar como cada um dos componentes do programa afeta a aprendizagem dos estudantes e quais são as percepções de alunos e educadores sobre as relações entre as características do PEI e a melhoria da aprendizagem. Como alguns estudos acerca do impacto de outros programas que envolvem jornadas estendidas de aulas não têm encontrado efeitos desses programas sobre o desempenho dos estudantes em testes,12 é possível que os resultados observados sejam explicados menos pelo tempo adicional na escola e mais por outras características, como o regime de dedicação exclusiva, a infraestrutura dessas escolas, o ganho salarial dos educadores que trabalham nas escolas que participam do programa, etc.
A despeito dos resultados observados, destacamos que diversos outros aspectos, além do impacto no desempenho dos estudantes, devem ser considerados na avaliação do PEI. Nesse sentido, destaca-se que não foram levados em conta outros tipos de efeitos que o PEI possa ter: por exemplo, seria preciso considerar o efeito do PEI sobre a evasão de estudantes, sobre a carga de trabalho dos professores nessas escolas (Dias, 2018), sobre as desigualdades intraescolares de resultados educacionais ou sobre as desigualdades entre as escolas que participam e que não participam do programa, no que diz respeito às condições sociais dos alunos ou em relação aos insumos, processos e resultados escolares de cada grupo de escolas (Girotto & Cássio, 2018). Além disso, cabe avaliar se as escolas que participam do PEI têm cumprido um papel emancipatório, propiciando “uma educação mais efetiva do ponto de vista cultural, com o aprofundamento dos conhecimentos, do espírito crítico e das vivências democráticas” (Cavalieri, 2007, p. 1029).
Ademais, é preciso ressaltar que, caso o PEI permaneça como uma política pouco abrangente e não inclusiva (já que as escolas participantes atendem uma população de nível socioeconômico médio maior do que o nível socioeconômico das demais escolas), esses resultados podem apenas significar aumento de desigualdades de tratamento e de resultados entre os estudantes da rede estadual de São Paulo, com estudantes relativamente privilegiados acessando as escolas que ofereçam condições melhores para o desenvolvimento das atividades de ensino. Nesse sentido, quaisquer efeitos positivos do PEI precisam ser relativizados: são positivos para quem e para quantos?
Por fim, seria importante compreender se as escolas abrangidas pelo programa não estão oferecendo um tipo de currículo/abordagem que se ajusta bem apenas às disposições, interesses e possibilidades de estudantes que já tenham um histórico de relação positiva com a escola e com os estudos. Caso isso ocorra, uma parte dos efeitos observados pode estar relacionada com a dinâmica de implementação/funcionamento do próprio programa, que acaba atraindo estudantes que se ajustam bem à proposta e afastando para outras unidades alunos que não foram devidamente incluídos na abordagem proposta pelo PEI (Girotto & Cássio, 2018; Batista et al., 2016; Vieira et al., 2016; TCE-SP, 2016).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo teve como objetivo mensurar o efeito do PEI, implementado pela rede estadual de ensino de São Paulo desde 2012, sobre o desempenho dos estudantes dos anos finais do ensino fundamental nos testes de português e de matemática do Saeb.
Por meio da aplicação combinada da técnica de Pareamento por Escore de Propensão e do estimador Diferenças em Diferenças, foram encontrados efeitos positivos do PEI sobre o desempenho dos estudantes. Os efeitos são relativamente altos, tendo em vista outros estudos que investigam o impacto de programas de educação em tempo integral no desempenho. Além disso, o maior tempo de permanência das escolas no PEI implica o aumento do impacto.
Tendo em vista os resultados obtidos, indica-se a necessidade de compreender melhor como as diferentes características do PEI se relacionam com os ganhos de desempenho registrados. Além disso, ressalta-se a importância de compreender outros efeitos que o PEI possa ter, sobretudo no que diz respeito às desigualdades de tratamento e de resultados entre estudantes de diferentes condições sociais. Por fim, considerando a importância de algumas características do PEI - como infraestrutura escolar adequada, melhor remuneração dos professores e possibilidade de os professores se dedicarem a uma única escola - para a oferta de um ensino de qualidade, indica-se a necessidade de que o acesso a escolas com essas características seja garantido a todos os estudantes da rede estadual de ensino, e não somente a um grupo restrito (e de condições sociais relativamente melhores) de alunos.