Introdução
Este trabalho trata das creches do Projeto Casulo, da Legião Brasileira de Assistência, no Amazonas, entre os anos de 1979 e 1990. Apresenta resultados parciais de pesquisa de doutorado e tem por objetivo contribuir para a história da educação infantil e, para a compreensão dos aspectos históricos determinantes, bem como na elaboração de políticas públicas de educação e assistência à criança pobre e à mulher trabalhadora, situando o contexto de sua implementação e expansão nos períodos da Ditadura Militar e da Nova República.
A perspectiva é de situar a educação no interior das relações sociais, em uma pesquisa histórica de abordagem social e cultural, fundamentada em Carlo Ginzburg (2002), Eric Hobsbawm, (1998), Moysés Kuhlmann Júnior e Paula Leonardi (2017), Edward Thompson (1981) e Raymond Williams (1992). Para tanto, recorreu-se a diferentes fontes documentais.
O levantamento nos acervos virtuais ocorreu em edições do Jornal do Comércio e Diários Oficiais do Amazonas, na Hemeroteca Brasileira Digital e na página eletrônica da Imprensa Oficial do Estado do Amazonas, respectivamente, e em uma entrevista no sítio da Fundação Getúlio Vargas.
Nos acervos físicos, coletamos documentos nas edições do Jornal do Comércio e do Jornal A Crítica (LBA...,1979) na Biblioteca Pública do Amazonas e relatórios e outros documentos do acervo da LBA, no Centro de Documentação da Previdência Social - CEDOCPREV, em Manaus.
Contou-se também com o relato oral de Terezinha Gomes, assistente social que supervisionou o Projeto Casulo no Amazonas na década de 1980, que cedeu uma fotografia.
Assim, as fontes se constituíram de documentos tradicionais, “documentos textuais, registrados em suporte convencional, suporte em papel” e de documentos especiais “registrados em suportes variados, sonoros, iconográficos, digitais, micrográficos, entre outros.” (RIBEIRO, 2016, p. 8).
A implantação do Projeto Casulo no Brasil
Os primeiros estudos sobre o Projeto Casulo, produzidos próximos à sua implantação, em 1977, trataram de seus objetivos gerais, situados entre análises históricas e políticas. Nesses trabalhos, a historicidade, no mais das vezes, não se referia ao Projeto, quase contemporâneo às produções e, sim, à trajetória da Legião Brasileira de Assistência, criada em 1942 [Sonia Kramer (1984), 1. ed., 1981; Maria Aparecida Franco (1984; 1988); Lívia Maria Vieira (1986; 1988); Aldaíza Sposati e Maria do Carmo Falcão (1989); Maria Malta Campos; Fúlvia Rosemberg e Isabel Ferreira (2001), 1. ed. 1993; e Fúlvia Rosemberg (2001; 2002)].
Outras referências compõem estudos que fazem revisões da história da educação infantil brasileira, de modo geral e, também, em pesquisas sobre a história da educação infantil em Estados e municípios brasileiros, que encontraram evidências sobre a atuação da LBA, como em: Elisângela Mantagute (2009), sobre Curitiba-PR; Darci Terezinha Scavone (2011), sobre São Paulo-SP; Gabriela Darahem (2011), sobre Ribeirão Preto-SP; Patrícia Regina Brant (2013), sobre Florianópolis-SC; Caroline Conceição (2014), sobre Francisco Beltrão-PR; Larissa Montiel (2019) e Giseli Rodrigues (2019), sobre Naviraí-MS; e Aline Aderne (2020), sobre o Estado de Alagoas.
O Projeto Casulo representou a opção por um atendimento educacional simplificado às crianças, utilizando “[...] espaços ociosos e pessoal voluntário, na perspectiva do desenvolvimento de comunidade.” Lançado em 1977, o projeto propunha a expansão das creches com a participação da comunidade, justificando o atendimento compensatório e criticando as creches “tradicionais” que, em virtude de seus custos elevados, não seriam adaptadas à realidade do Brasil, país em desenvolvimento (VIEIRA, 1988, p. 1, 5).
Foi “o primeiro programa nacional de massa”, com o objetivo de atender uma grande quantidade de crianças a baixo custo, “de modo a prevenir sua marginalidade”, e “proporcionar às mães tempo livre para ingressar no mercado de trabalho” para que pudessem “elevar a renda familiar” (KRAMER, 1984, p. 76).
Suas origens remontam a década anterior à sua implantação, quando o Departamento Nacional da Criança- DNCr, vinculado ao Ministério da Saúde, que também se ocupava das creches no país, elaborou um plano prevendo a criação de centros de recreação. Estes, por sua vez, não chegaram a ser implantados na época, mas serviram de modelo para o Projeto Casulo.
Tal Plano foi elaborado dois anos após a Conferência Latino-Americana sobre a Infância e a Juventude no Desenvolvimento Nacional, de acordo com as recomendações do Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância - UNICEF, e se apoiava na ideologia do desenvolvimento da comunidade, indicando a implantação de Centros de Recreação em igrejas, mas que, aparentemente, foi produzido com o objetivo do cumprimento das exigências para se obter empréstimos internacionais (KUHLMANN JÚNIOR, 2000a).
A execução do Projeto Casulo deu-se após o estabelecimento de um plano federal de assistência social harmonizado com a Doutrina de Segurança Nacional, cujas características eram:
[...] objetivos de assistência e de desenvolvimento integral da criança, que ampliaram a perspectiva exclusiva de preparação para a escolaridade obrigatória, mas adotaram uma forte conotação preventiva; perspectiva de atendimento de massa, ampliando a cobertura a baixo custo, o que seria conseguido através de construções simples, uso de espaços ociosos ou cedidos pela comunidade e a participação de trabalho voluntário ou semivoluntário de pessoas leigas (a comunidade) (ROSEMBERG, 2002, p. 151).
A instalação de uma creche casulo, que atenderia crianças entre quatro e oito horas ao dia, era realizada mediante pedido, de prefeituras, prelazias, obras sociais ou do Estado. A LBA poderia financiar “[...] a alimentação, o material didático e de consumo, os equipamentos, o material de construção, e os registros, ficando o pagamento do pessoal por conta da instituição conveniada.” A autora afirma que também existia o trabalho não remunerado, de forma voluntária (KRAMER, 1984, p. 76).
O Projeto Casulo foi implementado, em caráter experimental, em quatro Estados: Ceará, Rio Grande do Sul, Alagoas e Rio Grande do Norte, e a partir de 1981 tornou-se o programa principal da LBA. Entre os anos de 1977 e 1987 houve um expressivo crescimento do número de crianças atendidas pelo projeto por todo o país, com um aumento de 100 para 1.143% no índice de crescimento de atendimento neste período, ou seja, de 21.280 crianças em 1977 para 1.709.020 em 1987 (CAMPOS; ROSEMBERG; FERREIRA, 2001; PINTO, 1984). Em análise nos anuários do IBGE de 1977 e 1987, tomando como referência o quantitativo de crianças de 0 a 4 anos no país, o atendimento do Projeto Casulo em 1977 correspondia 0,12% da população infantil brasileira e, em 1987 equivalia a 9,45% de crianças atendidas, demonstrando, ainda, aumento no atendimento percentual junto à população infantil (IBGE, 1977; 1987).
De acordo com Luís Fernando da Silva Pinto (1984, p. 5.462), presidente da LBA nacional entre os anos de 1976 e 1979, as contribuições federais para o Projeto Casulo, assim como o Programa de Complementação Alimentar, eram realizadas como preconizado pelo “Contrato Nacional Comunitário”, com per-capitas iguais para todas as unidades de federação”. Em 1984, o Projeto Casulo era executado em 13 unidades federativas: Amazonas, Acre, Alagoas, Amapá, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Santa Catarina (PINTO, 1984).
O Projeto Casulo foi uma política de assistência, parte “das estratégias de combate à guerra psicológica”, materializado em consonância com “a teoria e a prática do Desenvolvimento de Comunidade (DC).” (ROSEMBERG, 2001, p. 141-142). Por meio do Projeto, o governo federal penetrava, diretamente, nos municípios, sem necessidade de passar pela administração estadual, usando o “marketing adequado ao momento político brasileiro: investir na criança significaria investir na segurança nacional” (ROSEMBERG, 2001, p. 153).
Um “infeliz casamento entre organismos intergovernamentais e o governo militar no Brasil no campo da educação infantil de massa nos anos 70”, cujo pano de fundo foi a guerra fria, e “a aliança compartilhada [estratégia] foi a concepção chave de ‘participação da comunidade’” para implantar esses programas destinados às crianças pobres, uma vez que retirava do cenário “as tensões, os conflitos, as contradições e particularidades que marcam cada história nacional” (ROSEMBERG, 2001, p. 141, grifo nosso). Fúlvia Rosemberg concluiu que este modelo pré-escolar de massa, ainda que resultante de “uma reivindicação das mulheres (como acontecera no Brasil), poderia gerar e reforçar como sequelas novas discriminações contra as mulheres, as crianças pobres e negras” e lembrou que essa sequela também foi identificada no programa implantado em parceria com a comunidade pelo UNICEF nos anos de 1950 na África anglófona (ROSEMBERG, 2001, p. 54).
Moysés Kuhlmann Júnior afirmou que a criação de vagas para as crianças menores de 6 anos nas creches Casulo foi vista pela Escola Superior de Guerra como um remédio para solucionar os problemas sociais como a marginalidade, a pobreza, a mortalidade, a promiscuidade. Adotou-se essa estratégia para combater as ideias alienígenas do comunismo, mas, paradoxalmente, abraçavam-se as ideias alienígenas dos organismos internacionais. Entretanto, essa política não refreou os diversos movimentos sociais que eclodiram no Brasil durante a ditadura militar, uma vez que:
[...] as aspirações por uma sociedade igualitária seriam muito mais indígenas do que as ideias que sustentaram a voracidade colonizadora neste país, em que as políticas sociais têm uma história que prima pelas mínimas concessões, no limite da capacidade de se conter os conflitos por meio da repressão (KUHLMANN JÚNIOR, 2000a, p. 10-11).
A atuação dos órgãos de assistência social com a área da educação no Brasil produziu “[...] uma névoa a encobrir a histórica reprodução das desigualdades sociais e o conjunto dos direitos sociais da classe trabalhadora, dos quais o direito à creche e pré-escola é apenas à parte.” (KUHLMANN JÚNIOR, 2000b, p. 491). Fúlvia Rosemberg analisou que nem sempre eram políticas de baixos custos, pois implicavam em despesas indiretas, não atendidas pelo governo federal. Isso significava que o governo fazia poucos investimentos, sobrando às instituições creche a maior parte dos mesmos, prejudicando a qualidade desses programas que:
[...] eram incompletos, implantados como soluções de emergência, porém extensivas, o que redunda, geralmente, em atendimento de baixa qualidade e de grande instabilidade, sendo destinados, exatamente, a populações pobres que, da ótica de políticas afirmativas, necessitam e têm direito a programas completos e estáveis como medidas de correção das injustiças que vêm sofrendo histórica e sistematicamente (ROSEMBERG, 2002, p. 57).
Projetos dessa natureza, no Brasil, se constituíram em iniciativas governamentais, pautadas em interesses internacionais, que centralizaram as ações voltadas às crianças pobres por meio do ente federativo. Consequentemente houve o desvio do compromisso governamental na implantação e implementação de políticas públicas mais consistentes e estruturantes para o país.
O Projeto Casulo no Amazonas
Em o Jornal do Comércio noticiava que às 10 horas daquele dia aconteceria a inauguração da Creche Casulo, “[...] com a presença de altos dirigentes nacionais da Fundação Legião Brasileira de Assistência”, que seria administrada pela Coordenação Diretora do Serviço Social da LBA, na Avenida Joaquim Nabuco, 1193. Atenderia até 120 crianças “carentes de recursos” entre 3 e 6 anos de idade, diariamente, com recreação e alimentação por um período de quatro horas (CRECHE CASULO, 1979, p. 4; INAUGURA..., 1979).
No dia seguinte, o evento foi noticiado no Jornal do Comércio (1979) e no Jornal A Crítica (LBA..., 1979). No Jornal do Comércio, sob o título “Inaugurada ontem com festa a primeira creche ‘Casulo’ da LBA”, segue-se uma imagem em preto e branco da parte interna de uma sala, onde aparecem 25 crianças, uma em pé e as demais sentadas em cadeirinhas organizadas em círculo. Elas trajam uniforme composto de camisas claras, com manga até a altura dos cotovelos, bermudas escuras na altura dos joelhos, sapatos escuros e a maioria usando meias claras, algumas meninas parecem estar segurando bonecas. Na lateral direita da imagem aparece uma mulher, de perfil, com o olhar voltado para as crianças, provavelmente, a recreadora responsável, sentada em uma cadeira infantil pequena, com as pernas cruzadas e braços sobre os joelhos.
A mulher traja uma camisa clara, com mangas na altura dos cotovelos, calça comprida escura e uma sandália de salto alto, clara. Seus cabelos escuros e compridos estão presos com penteado rabo de cavalo. Na lateral esquerda da imagem aparece uma mesa clara, à direita a quina de uma mesa também em tom de cor clara e na parede identificam-se algumas figuras afixadas, como borboletas, uma girafa e duas figuras que lembram a forma humana (Figura 1 A, p. 8).
A matéria começava considerando que a inauguração da creche seria um início auspicioso do Ano Internacional da Criança, com esse “grande projeto que visa atender às crianças necessitadas e desamparadas em nossa capital”. O “concorrido ato” foi presidido por Guilherme Garcia Gomes, então diretor local da LBA e, contou com a presença de Otilia Marinho, chefa do Serviço Social da instituição, de Ivete dos Santos Alves, coordenadora do programa de Creches, Arnaud Ferreira de Araújo, coordenador da LBA do Rio de Janeiro e o arcebispo metropolitano de Manaus, D. João de Souza Lima. Informava-se ainda que o referido projeto previa, naquele ano, a instalação de mais 50 creches na capital, a segunda delas prevista para entrar em funcionamento no mês de março, no Centro Social do Bairro da Cachoeirinha, para 120 crianças de 0 a 6 anos, 30 delas em regime de semi-internato (INAUGURADA..., 1979, p. 3).
A notícia no jornal A Crítica tinha o título “LBA inaugura creche para 130 crianças”, ou seja, 10 a mais do que anunciado no Jornal do Comércio (LBA...,1979). Abaixo do título, uma imagem em preto e branco de duas crianças, um menino à esquerda da imagem e uma menina à direita, uniformizados, descerrando a faixa de inauguração em frente à entrada de uma sala. Ao lado da menina, observa-se o perfil de uma mulher que a ajuda a segurar a ponta da faixa. Ao fundo, no interior da sala, há cadeiras e mesas e duas pessoas adultas em um canto (FIGURA 1 B, p. 8). Abaixo, há a seguinte legenda “Duas crianças beneficiadas descersaram [sic] a fita de inauguração da nova creche”. O texto informava que a LBA havia recebido a verba de um milhão e quatrocentos mil cruzeiros para a construção da creche, que atenderia crianças de 3 a 6 anos em regime de externato, que teriam assistência médica, pedagógica, recreativa e, futuramente, odontológica. Gratuita, o objetivo seria “proporcionar a boa alimentação, recreação orientada e a sociabilidade das crianças” e não a alfabetização. Quanto à creche no bairro da Cachoeirinha, os números também divergiam da notícia do Jornal do Comércio, informando a capacidade de 80 crianças. A notícia informava, ainda, que a LBA tinha convênio com mais 10 creches nos bairros da Compensa, Aleixo, Crespo, Japiinlândia e no município de Iranduba. Quanto às creches em construção, mencionava os municípios de Silves, Parintins, Iranduba, Tabatinga e as áreas de fronteira (LBA..., 1979, p. 5).
No ano seguinte, divulgou-se a existência de Centros Sociais Urbanos nos bairros Raiz, Japiim - zona Sul de Manaus, e Flores, na zona centro-sul de Manaus; e a informação de que a Secretaria do Trabalho e Serviço Social (SETRASS), atendia 144 crianças de 3 a 6 anos de idade, pela parte da manhã, onde recebiam “duas alimentações, um lanche e um almoço”. Nos Centros Sociais também havia “clube de mães, grupo de jovens, grupo de idosos, Comissão de Trabalho, Grupo de Catequese, Grupo de Teatro, Grupo de Escoteiros e palestras.” Noticiava-se, ainda, que seria inaugurado um Centro Social no município de Itacoatiara, onde também funcionaria uma Creche Casulo (CENTRO...,1980, p. 2; AMAZONAS, 1980a, p. 2).
FONTE: Jornal do Comércio (INAUGURADA..., 1979, caderno 1, p. 3); Jornal A Crítica (LBA..., 1979, p. 5). Acervo: Biblioteca Pública do Amazonas. (Elaboração Própria).
Também em 1980, a LBA realizou no auditório do Centro de Estudos de Comportamento Humano - CENESC, o I Encontro de Monitores do Projeto Creches Casulos, em convênio com a Arquidiocese de Manaus, o CENESC, as prefeituras dos municípios do Amazonas e o Comando Militar da Amazônia. O evento foi coordenado pela assistente social Maria de Nazaré Soares e de acordo com a declaração do presidente regional da LBA, Belmiro Jorge, serviu para “corrigir falhas existentes no sistema de execução dos trabalhos distribuídos entre as comunidades carentes”. Estas “distorções”, não citadas na notícia, seriam aprimoradas dentro de um programa elaborado pela LBA, cuja aprovação seria “ventilada aos participantes do Encontro”. Participaram 40 monitores, 18 deles vindos do interior do Amazonas (LBA PROMOVE..., 1980, p. 3).
Por meio das Portarias 026/80 e 077/80 da SETRASS, foram designadas a assistente social Maria Júlia Alves de Almeida para ser gestora do Projeto Casulo e a coordenadora Maria das Graças Lima Rodrigues para a operacionalização do Projeto Creche Casulo (AMAZONAS, 1980b; 1980c).
Nas edições do Diário Oficial do Amazonas, entre os anos de 1980 e 1982, encontramos ordens de serviço da SETRASS, com autorizações para visitas de Maria Júlia Alves de Almeida e Dayse Albuquerque Amorim aos municípios de Eirunepé e Maués do interior do Amazonas. As técnicas estavam incumbidas de providenciarem o material necessário ao Centro Social, convênio SETRASS/FLBA do Projeto Creche Casulo, além de supervisionarem as atividades desenvolvidas no Centro Social e a aplicação da verba da Creche Casulo. O tempo de permanência das visitas era, geralmente, de 7 a 8 dias (AMAZONAS, 1980c; 1981a; 1982a).
O Jornal do Comércio e o Diário Oficial do Amazonas divulgavam informações sobre as creches, a exemplo desta notícia sobre o recebimento de um cheque no valor de Cr$ 450 Mil da empresa Phillips da Amazônia, em doação à presidente da Central de Voluntários do Amazonas - CVA, senhora Amine Lindoso, que em discurso divulgava a ampliação do projeto casulo em Manaus:
[...] o programa lançado a nível nacional pela LBA, de ampliar as creches casulos para atender as crianças que ficam a maior parte do dia longe dos pais que trabalham. Segundo Dona Amine, a ampliação do projeto Casulo, já está sendo programada para o próximo mês de janeiro, para atender cerca de 120 famílias distribuídas nos bairros da capital [...] (CVA RECEBEU..., 1981, p. 2)
A notícia mencionava a necessidade de sensibilizar as demais empresas do Distrito Industrial para que “seguissem o exemplo da Phillips, em visitar a CVA” e sensibilizarem-se “com o trabalho desenvolvido em prol das comunidades carentes” (CVA RECEBEU..., 1981, p. 2).
No Relatório Anual de 1982 (AMAZONAS, 1982b), da Divisão do Serviço Social da Superintendência Estadual do Amazonas, foram apresentados dados sobre 35 creches do Projeto Casulo em Manaus, sendo 2 de execução direta, e 33 de execução indireta. Destas, 17 vinculadas à Igreja Católica, 1 ao Centro Social, 1 ao Círculo Operário de Manaus, 4 a Secretarias estaduais e municipais, 2 à Central de Voluntários do Amazonas, 4 a Fundações e 4 a Institutos. A identificação de cada uma delas, acompanhada da localização, estão dispostas no mapa elaborado por nós, disponível em Vasconcelos (2022a).
A predominância desses convênios era com a Igreja Católica, a exemplo da existente na Colônia Antônio Aleixo, previsto no “Estatuto das Obras Sociais da Comunidade de Nossa Senhora da Graças - (Antônio Aleixo)”, de 06 de maio 1981, criado com o objetivo de organizar “uma sociedade civil com todos os direitos e obrigações inerentes às pessoas jurídicas do direito privado.” No documento, composto por 14 artigos, há referência à Creche Casulo no artigo 3º, que estabeleceu como “fins principais da Sociedade” os serviços de “instituições educacionais como Jardim de Infância, Creche Casulo, Catequese, além de aulas para adultos”; Clubes comunitários como dos Jovens e das Senhoras (Mães). No artigo 5º do Estatuto, foi dito que:
Art. 5º - O Quadro Social da Sociedade é constituído pelos membros da Missão dos Padres Franciscanos da Terceira Ordem Regular na Amazônia que trabalham no Amazonas, e por todos os sacerdotes e leigos que comprometendo-se a prestar serviços gratuitamente sejam admitidos pela sua diretoria (AMAZONAS, 1981b, p. 14, grifo nosso).
Destacamos, ainda, dentre estes convênios de 1984, a creche “Casulo do Vovô” que funcionou anexa à Fundação Dr. Thomas, asilo para idosos administrado pela prefeitura, uma vez que: “o projeto na Fundação Dr. Thomas foi denominado Casulo Vovô pois era uma integração de gerações: Idosos e crianças. Os participantes conversavam com as crianças, cantavam, contavam estórias, coisas assim.” (GOMES, 2021, acervo da pesquisa):
[...] Nós tivemos como princípio um plano piloto em Manaus que foram as creches que eram da própria LBA que funcionavam no centro social da Cachoeirinha e um lá na Joaquim Nabuco onde era a nossa sede da LBA. Na área dos projetos de educação tem várias meninas que eram supervisoras[...] com 73 anos a memória não funciona muito bem não. Era um projeto que se estendeu pelo Amazonas todo, não somente na capital em Manaus, mas para o interior também onde diversos municípios tiveram creches através do Projeto.
Um destaque muito grande na época foi um Projeto Casulo que nós implantamos na Fundação Doutor Thomas e fazia assim um trabalho integrado com o idoso, foi uma experiência muito bonita [...] era um projeto muito bonito inclusive a gente acompanhou a participação dos idosos junto às crianças na creche porque era no mesmo espaço, tinha a Fundação onde ficava os idosos e tinha a creche que também ficava lá. A creche era no mesmo terreno, mas não junto com o mesmo prédio do idosos. Foi uma experiência muito boa e se eu não me engano foi uma experiência nossa do Amazonas, da LBA do Amazonas (GOMES, 2021, acervo da pesquisa).
De acordo com os dados do Relatório Anual de 1982 (AMAZONAS, 1982b), havia naquele ano, no interior do Estado, 34 “unidades operacionais” conveniadas do Projeto Casulo, com a predominância de convênios com a Igreja Católica (17), seguidos das Prefeituras (8) e do Comando Militar da Amazônia (8), e 1 convênio com a SEDUC, cujos nomes e localizações encontram-se no mapa disponível em Vasconcelos (2022b).
Importante observar que na descrição da “situação física da unidade” aparecem duas opções de categorização: “isolado” ou “junto a”, sendo que esta apresenta cinco alternativas de classificação: “igreja”, “escola”, “posto de saúde”, “centro social” e “outros”, respectivamente, isto é, não aparecia a palavra “creche” dentre as possibilidades de identificação dessas unidades (AMAZONAS, 1982b).
Contudo, observamos que o termo “creche” era utilizado para identificar unidades como a existente em São Sebastião do Uatumã, em fotografia de instituição que trazia em sua fachada a seguinte identificação “Creche Casulo Genina Pinto Terco”, datada de outubro de 1983 (FIGURA 2, p. 11). A imagem apresenta a visão diagonal de uma construção em tom de cor clara, com telhado em formato de tesoura. A parede frontal aparenta ter sido construída em alvenaria e possui uma porta aberta à esquerda, observa-se uma estrutura de ripas de madeira encostada ao lado da porta que, provavelmente, era utilizada para impedir que as crianças saíssem do prédio. À direita da parede, na parte superior em letra maiúscula lê-se a identificação da Creche. A parede lateral foi, visivelmente, construída em madeira e possui duas janelas, que aparecem abertas e uma porta fechada, respectivamente. Observa-se, ainda, uma pequena calçada em volta da estrutura, um grande terreno e partes do que parecem ser dois casebres ao lado esquerdo da imagem.
No Diário Oficial, encontramos a divulgação de valores destinados ao Projeto Casulo, a exemplo dos ocorridos entre os anos de 1982 e 1984, no governo de Paulo Nery, destinando verba à SETRASS para que fossem aplicadas, dentre outras coisas, no “atendimento ao Pré-Escolar (Creche-Casulo)”, sem especificar a quantia exata a este atendimento, nem para quais unidades seriam destinadas. Em um deles, consta a informação de que seriam atendidas 300 crianças, por 4 horas (AMAZONAS, 1982c, p. 3; 1982a; 1984).
Em 1987, no Amazonas, a LBA estaria atuando em 17 municípios: Amaturá, Atalaia do Norte, Barcelos, Benjamin Constant, Boca do Acre, Canutama, Ipixuna, Japurá, Jutaí, Lábrea, Pauini, Santa Izabel do Rio Negro, Santo Antônio do Içá, São Gabriel da Cachoeira, São Paulo de Olivença, Tabatinga e Tonantins (MINISTÉRIO DA PROVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL, 1988, p. 9).
O Ministério da Previdência e Assistência Social, por meio dos órgãos a ele vinculados, Instituto Nacional de Previdência Social - INPS, Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social - INAMPS, Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social - IAPAS, LBA e Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), havia assumido o compromisso junto ao Conselho de Segurança Nacional em “proporcionar ‘tratamento mais efetivo das questões atinentes aos municípios integrantes da faixa de fronteira’”, e passou a coordenar as atividades do SINPAS (MINISTÉRIO DA PROVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL, 1988, p. 2).
Com isto, a LBA vinculou-se ao Plano de Ação do Governo Federal/ Programa de Faixa de Fronteira - PAG/PFF, intensificando seus projetos e/ou programas incluídos no Plano de Ação e Metas do Ministério da Previdência e Assistência Social/ Sistema Nacional de Previdência Social- MPAS/SINPAS nos municípios de fronteira do Amazonas, Amapá, Roraima e Pará, para “garantir uma ação permanente e integrada com os Governos Estaduais, Prefeituras Municipais, Organizações Militares e Entidades/Instituições de natureza social”. No referido Plano cabia à LBA,
a área de assistência social, estabelecendo-se que as “atividades serão realizadas a partir do diagnóstico a ser retratado na estratégia de intervenção, desenvolvendo-se através da configuração de um quadro de necessidades e do esforço comunitário”, tendo como principais objetivos:
- Fortalecimento da estrutura municipal.
- Apoio às iniciativas comunitárias.
- Estímulo à organização comunitária.
- Apoio e/ou fortalecimento das instituições
- Desenvolvimento de ações incluindo programas/projetos de creches, formação e reciclagem profissional, microempresas sociais, registro civil e assistência judiciária, assistência aos idosos e aos excepcionais, esporte e lazer comunitário etc, identificando-se, em cada município/localidade, os mais adequados viáveis (MINISTÉRIO DA PROVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL, 1988, p. 5).
Foi a partir de 1990 que a LBA atingiu os 61 municípios amazonenses, por meio das Gerências Regionais quando “[...] todas as ações da LBA eram levadas ao interior (Creche, assistência a idosos e deficientes, [...]),” por meio de convênios. “Em cada cidade estratégica dos grandes rios foram instalados escritórios em parceria com as Prefeituras, de onde se irradiavam as ações para os demais municípios”:
As Gerências tinham sede em Manaus (região do rio Negro/Solimões, composta de 16 municípios); em Itacoatiara (região do médio rio Amazonas, com sete municípios); em Parintins (região do baixo Amazonas, com seis municípios); em Benjamin Constant (região do alto rio Solimões, com seis municípios); em Tefé (região do Solimões/Japurá, com oito municípios); em Lábrea (região do rio Purus, com cinco municípios); em Eírunepé (região do rio Juruá, com seis municípios); em Manicoré (região do rio Madeira, com cinco municípios); e em São Gabriel da Cachoeira (região do rio Negro, alto, com três municípios) (LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA, 1994a; 1994b, p. 4).
Considerações finais
Ao analisar a tessitura de nexos entre as fontes estudadas (MAGALHÃES, 2004), verificamos que a implantação do Projeto Casulo, em Manaus, ocorreu em consonância às concepções em voga no período ditatorial no Brasil e se estendeu pela Nova República. Articuladas com a SETRASS e diversas instituições, principalmente, religiosas, com predominância da Igreja Católica. As creches funcionavam em espaços diversificados, como Centros Sociais, Igrejas, escolas e jardins de infância conveniados, onde eram oferecidas outras atividades, envolvendo, também, as famílias das crianças “encasuladas”, termo utilizado por Luís Fernando Pinto (2002).
Observamos que estes convênios se intensificaram na década de 1980 ao mesmo tempo que Movimentos de Luta por Creche em Manaus eram organizados pela Comissão de Mulheres Trabalhadoras Metalúrgicas, do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos, e oriunda do Comitê da Mulher Trabalhadora Universitária, criada em 8 de março de 1980, na Universidade Federal do Amazonas (TORRES, 2005; ASSIS, 2013; BATISTA, 2018; SILVA, V., 2012; 2021; SILVA, D., 2021).
Partindo da compreensão de que “a análise cultural não pode estar limitada ao nível das crenças formais e conscientes” (WILLIAMS, 1992, p. 26), observamos que, neste contexto, a política econômica e governamental construiu estratégias para a política educacional, dentre elas o projeto Casulo, tendo como referência o atendimento às crianças pequenas nas creches.
Percebemos que, por um lado, os movimentos sociais pressionavam pela existência de creches como necessárias à mulher trabalhadora (operária, pobre), mas que, por outro lado, o governo atendia de forma incipiente e com uma visão educacional assistencialista, dentro de uma política de divulgação, que impregnava o poder à LBA como modelo de perfeito atendimento.
Articulando hipóteses e evidências (THOMPSON, 1981; GINZBURG, 2002), a partir do exercício dialético de validação e confirmação do conhecimento produzido, consideramos que, por meio dos movimentos sociais e das reivindicações da sociedade civil, o atendimento às creches ganhou visibilidade na imprensa periódica e passou a ser pauta das políticas públicas.
Concluímos que, as creches casulo, em vários casos, seriam menos creches, para 0 a 6, em período integral e, mais um atendimento pré-escolar em meio período para crianças de 4 a 6. Apesar de ser um projeto que visava atender uma grande quantidade de crianças com pouco investimento, não podemos desconsiderar sua relevância para garantir às crianças pobres o acesso à educação infantil e o atendimento às necessidades elementares à sua sobrevivência, uma vez que nestes lugares essas crianças recebiam educação, alimentação e atendimento médico.