INTRODUÇÃO
A necessidade de executar uma tarefa física ou prática esportiva acompanha o homem desde as primeiras civilizações, inclusive muito antes do surgimento das teorias raciais, a partir do século XVIII, que durante muito tempo foram consideradas; falava-se em negros, brancos e amarelos; falava-se, às vezes, em ameríndios, em habitantes da Nova Guiné. Pensava-se até que traços físicos distintos como cor da pele, dos olhos e do cabelo, formato da cabeça, tipo de cabelo e estrutura física pudessem, além de diferenças aparentes, representar níveis diferentes de inteligência, de aptidão, de formas de comportamento, até de moralidade. Muito disso se deve as diversas descobertas arqueológicas e da paleontologia humana, considerando outras possibilidades de convívio humano para além de determinismos biológicos ou até mesmo geográficos. De tal maneira, uma forma mais moderna e sofisticada do mesmo discurso, ao menos para alguns críticos, a teoria de diferenças genéticas substituiu, para muitos, a ideia da aparência física, como fator de explicação para a variedade racial (BARBUJANI, 2007).
O objetivo deste ensaio é abordar a relação entre esporte e a questão racial, com reflexo nas práticas profissionais das Ciências do Esporte. Consultamos textos integrais de matérias esportivas, em busca de possíveis explicações da questão racial no esporte, destacando estudos ao longo do século XX, que originaram ideologias sustentadas até os dias atuais.
O ESTABELECIMENTO DO CONCEITO RACIAL
Nossa consciência histórica, está intrinsecamente relacionada ao nosso conhecimento sobre a História, grosso modo, a “História de nossas origens” parte da História Antiga, esta dá sentido à concepção de Ocidente - que no caso brasileiro, justifica o processo da colonização europeia pelos portugueses (GUARINELLO, 2013). Claro que nossa identidade não se configura apenas com o conhecimento da História, a partir do estudo da Pré-História ou da Antiguidade Clássica, mas de movimentos socioculturais e políticos diversos. O impulso dado pela obra “A Origem das Espécies” de Charles Darwin em 1859, conduziu a uma nova ceara de questionamentos e críticas à forma como concebíamos o mundo. Em meio a crescentes debates sociais e políticos, principalmente com o nacionalismo europeu. Concepções diversas surgiram a fim de justificar o sentimento de pertencimento, adentrando aspectos evolucionistas, desconsiderando, principalmente, fatores culturais, com conceitos, símbolos e significados que incidem sobre os seres humanos, tal como a questão racial.
Esta mentalidade foi reforçada pelo Evolucionismo Antropológico de Morgan que estabelecia um esquema que aponta vários estágios de evolução para diferentes sociedades: Selvageria, Barbárie e Civilização. O estágio máximo da evolução: a civilização, era atingido pelas sociedades europeias segundo seus estudos e objetivava justificar o processo de colonização de uma sociedade sobre a outra, o que de fato revelava a ideia de exploração. O intuito de Morgan era dar um ar de cientificidade à esta nova ciência humana que surgia no século XVIII, a Antropologia, utilizando uma metodologia das ciências da natureza proposta por Darwin, uma tentativa equivocada (CASTRO, 2005).
Fran Boas é o primeiro antropólogo que questiona o conceito de raça, considerando que a história cultural parte da concepção de indivíduo.
A ideia de ‘raça’ fazia parte das construções metafísico-teleológicas modernas denominadas filosofias da história. Para além do aspecto biológico, a noção de raça evoca um pressuposto de progresso (em escalas evolutivas temporais sequenciais) de grupos humanos. Boas, ao argumentar que entre raça e cultura não havia qualquer correlação, esforçava-se por expurgar da Antropologia os pressupostos metafísicos imanentes ao conceito de história que orientava o uso do termo raça: progressista, uma concepção de tempo linear, uniforme e etapista. No cerne do conceito de cultura de Boas está uma noção de história completamente diversa daquela do conceito de raça: a história para Boas não possui um telos, ela é particular e empírica, os fenômenos culturais não são apenas confirmações de leis universais do desenvolvimento da cultura humana (no singular) (OLIVEIRA, 2014, p. 14).
Para contrapor o evolucionismo antropológico, surgem teorias antropológicas pautadas no relativismo cultural, que caracteriza os povos e suas culturas apenas como diferentes um dos outros. Por este motivo, considerar outros fatores além da genética, como por exemplo a cultura, é de fundamental importância para compreendermos o desempenho no esporte. Lévi-Strauss (2012) afirma que não há sentido nesta ideia das superioridades dos povos, bem como que não há nenhuma confirmação científica para tal constatação e julga possível que uma mesma estrutura possa ser encontrada em três níveis de uma mesma sociedade.
No caso brasileiro, a teoria do mito da democracia racial elaborada por Gilberto Freire (2003), argumenta que no Brasil a miscigenação gerada pelas relações entre brancos e negros não gerou desigualdade e discriminação, principalmente porque as relações se davam dentro da Casa Grande.
A tese de Freire foi questionada por Fernandes (2008), que destaca a relação de classes sociais, com a desigualdade atingindo violentamente mais os negros do que os brancos. Hoje o conceito de raça é utilizado como categoria para definir legalmente os crimes de preconceitos raciais,
mas sabemos também que o termo raça não desapareceu totalmente do discurso científico. A Biologia e a Antropologia Física criaram a ideia de raças humanas, onde a espécie humana poderia ser dividida em subespécies, tal como o mundo animal, e de que tal divisão estaria associada ao desenvolvimento diferencial de valores morais, de dotes psíquicos e intelectuais entre os seres humanos. Para ser sincero, isso foi ciência por certo tempo e depois virou pseudociência (GUIMARÃES, 2003, p. 95-96).
No Brasil, o conceito de raça com identidade não se aplica, porém o autor define que ao considerar que um grupo reivindica questões voltadas aos problemas raciais, se configuram como uma comunidade, uma nação. Afirma Guimarães (2003):
foi isso que a geração de 1920 fez, num período muito fértil da nacionalidade, da qual participaram todos, inclusive os movimentos negros da época. Até hoje é impossível pensar o movimento negro sem pensar que ele continua lutando para ser integrado, ainda que, agora, de uma forma que não seja simplesmente simbólica. Pois, simbolicamente, os negros foram incorporados sim, por Freyre (1933), por Mario de Andrade (1944), pelos folcloristas, pelos modernistas (GUIMARÃES, 2003, p. 101).
Ele afirma ainda que, é difícil viver nos Estados Unidos sem ter uma “raça”. A escravização dos povos africanos tem a ver com a “missão civilizadora”, como parte do processo de pensamento evolucionista e etnocêntrico. Então, estes povos quando chegaram à América eram vistos em condições inferiorizadas.Guimarães (2003) escreve:
o que eu estou tentando defender é que qualquer categoria só faz sentido no interior de um discurso, no nosso caso, racial; quando nos deparamos com uma resposta sobre identidade, temos que investigar qual o discurso que está orientando as respostas (GUIMARÃES, 2003, p. 106).
No entanto, se considerarmos as questões históricas, os negros tendem a pertencer às classes mais baixa, o que dificulta o acesso às políticas públicas, principalmente às voltadas ao esporte, possibilitando a quebra de paradigma de que há seres humanos geneticamente mais ou menos fortes, mais ou menos habilidosos, etc. Vale constatar que essa palavra raça tem pelo menos dois sentidos analíticos: um reivindicado pela Biologia Genética e outro pela Sociologia. Isso provoca alguns antropólogos em flor, conforme Guimarães (2003, p. 95), menciona Vivaldo da Costa Lima (1971), comentando que chegam a ter arrepios ao ouvir que raça pode ser um conceito sociológico; o que consideram um absurdo.
OS ASPECTOS RACIAIS NO ESPORTE
Os reflexos do atual mundo globalizado, discriminatório, mesmo que a seu modo (BARBUJANI, 2007), possuí implicações no esporte que ocorreatravésdos conceitos de “hegemonias raciais ou étnicas”. Isso, em variados contextos onde é possível identificar uma série de conflitos teórico-metodológicos, sem que a questão racial seja, de fato, aprofundada. Daí a necessidade de adensamento das questões relacionadas a raça e cor na esfera desportiva, com destaque para as contribuições de Mazzotta (2001), Sassaki (1997), Sanches e Rubio (2011), Guimarães (2003), Torri, Albino e Vaz (2007), que respectivamente trabalham as categorias morfologia e fisiologia humana, genética, inclusão, social e cultural, esporte e valores, raça e cor, educação do corpo, dentre outras, que permiti inserirmo-nos na objetividade investigativa do tema de estudo para ampliarmos a reflexão.
Nesse universo categorial-conceitual, as colocações de Martin Kane(1971), publicadas em seu artigo polêmico na Sports Illustrated, sintetizavam uma série de estudos que foram utilizados para apoiar a afirmação de que os negros seriam superiores aos brancos em velocidade e potência devido a uma predisposição hereditária biológica, como por exemplo: “evidentemente, o negro tem membros mais longos e quadris mais estreitos do que os brancos”.
O autor estadunidense, ainda, citou uma série de outros estudos que utilizaram um paradigma experimental semelhante em que nos negros foram encontrados menores valores de capacidade pulmonar, e maior flexibilidade corporal. Kane (1971), em seguida, tentou explicar o fraco desempenho dos negros na natação, sugerindo o fato devido aos maiores ossos do negro, bem como da densidade muscular, além da menor capacidade pulmonar, e menor vantagem na distribuição da gordura corporal. Todos esses fatores, segundo ele, poderiam diminuir a flutuabilidade, e assim tornar mais difícil nadar.
O artigo foi refutado por respostas raivosas, especialmente por Harry Edwards (1972; 1973) que desafiou a base metodológica das afirmações que foram feitas. Entretanto, apesar das insuficiências do artigo de Kane, houve um enorme impacto e impressão duradoura sobre o discurso que envolve a questão racial no esporte. Os danos causados por Kane (1971), e posteriormente outros autores, foram especialmente profundos, pois as explicações pseudo-científicas sobre a relação entre esporte e raça foram incorporados em muitos estereótipos ainda existentes, inclusive alguns dos quais têm encontrado expressão no discurso em torno da educação física, comparando indivíduos brancos e negros, selecionando-os a partir de duas vertentes, que para efeito prático remete a dois tipos de preconceitos raciais: o primeiro é o diagnóstico externo de raça, considerando traços da aparência em geral. Em alguns casos, a caracterização racial é obtida por meio de um questionário com auto-declaração - “preconceito da marca”.
O segundo está focalizado na origem geográfica dos indivíduos e/ou na definição da sua ascendência que, no máximo regride a duas ou três gerações. Assim sendo, surgem grupos: africanos, africanos americanos, hispânicos, nativos americanos, afrodescendentes, europeus, caucasoides, asiáticos, sem qualquer investigação dos marcadores genéticos que poderiam revelar os estoques relativos de genes de cada uma das origens do Homem - “preconceito de origem”.
Parra et al. (2003) sugerem que a pele negra é um pobre preditor genético de ancestralidade africana, comparando com as estimativas providas pelo uso de marcadores moleculares. Pena (2005) tem alertado que o termo “afrodescendente”, não pode ser vinculado, obrigatoriamente, à cor da pele. Existem pessoas brancas que são “afrodescendentes” e pessoas de pele negra que não são. Assim, a caracterização de um atleta negro tem sido restrita - além da cor da pele - a um complexo morfológico que inclui a cor e textura do cabelo, a cor dos olhos, a forma do nariz e a espessura dos lábios. O autor considera, ainda, que cada um desses traços fenotípicos é controlado por um número bem pequeno de diferentes genes, representando uma porção ínfima do genoma e, mais, essa ínfima parte do genoma está completamente dissociada dos genes que influenciam a inteligência, o talento artístico, a habilidades sociais, a predisposição a doenças ou o metabolismo de fármacos. Em outras palavras, toda a discussão racial está contida em 0,0005% de 0,001% do genoma humano!
Rosenberg et al. (2002) consideraram que 93% a 95% das diferenças genéticas entre humanos são encontradas nos indivíduos de um mesmo grupo e a diversidade entre populações é responsável por 3% a 5%, concluindo que o genoma de um africano pode ser mais semelhante ao de um norueguês do que com alguém da sua própria cidade. Outra problemática referente é que esta pesquisa foi realizada com atletas que já se despontam no esporte, e não com de jovens que possuem potencialidade, mas não chegam a ter oportunidade de acessar a prática esportiva e consequentemente não se destacam em competições.
O CULTURAL NO RACIAL
Hamilton (2000) relativizou a influência dos fatores genéticos à hegemonia dos atletas corredores de longa distância, provenientes do Centro Leste da África, tanto nos Jogos Olímpicos quanto nos circuitos de corridas americanos e europeus, em favor das respostas biológicas ao ambiente e ao treinamento e, em especial, a construção psicológica. Referências que extrapolam o ordinário hábito de correr, ao longo dos anos, no percurso entre a moradia e a escola, tendo como um dos principais fatores que contribuem para o desenvolvimento de corredores de elite dentre os atletas do Centro Leste da África.
Moore (1990),ao investigar os quenianosna perspetiva cultural e do seu ambiente físico, descobriu que uma combinação de fatores seria responsável pelos seus sucessos, incluindo: (a) a altitude de 7.000 pés; (b) uma dieta rica em carboidratos complexos; (c) serem parte de uma comunidade em que corrida é o meio primário de transporte; e (d) provirem de uma cultura estoica, o que reforça a concorrência e da supressão da dor. O resultado de tal perfil sugere que, ao longo do tempo, os quenianos podem ter desenvolvido características biológicas que lhes dariam uma vantagem nas longas distâncias, onde eles têm sido tão bem sucedidos. Mas a cultura vigorosa em que vivem também é provavelmente responsável por sua atitude sobre a execução, e seu esforço para alcançar o sucesso no cenário mundial.
Um ponto relevante levantado atualmente é o fator social nos esportes, por onde o desempenho dos atletas não seria relacionado, de forma absoluta, à genética, mas dependeria das oportunidades que os atletas teriam para o desempenho de determinados esportes. Nesse sentido, padrões específicos de socialização que incluem um treinamento inadequado, instalações esportivas ausentes ou inapropriadas, presença de discriminação institucionalizada e políticas raciais têm levado a uma reduzida participação dos indivíduos negros em alguns esportes, forçando-os à agregação em determinadas atividades esportivas nas quais esses obstáculos não estão presentes e onde as atividades são subsidiadas por fundos públicos.
Na verdade, a grande base de aspirantes necessárias para produzir o número desproporcional de atletas negros que vemos hoje nos principais esportes é reconhecida como um problema social em que o desenvolvimento de outras habilidades não-atléticos, levando a opções de carreira mais realistas, estão sendo negligenciados. A maioria dos aspirantes nunca vêem um dia de pagamento profissional, e estão mal equipados para fazer outras coisas. Isso nos remete em como a educação do corpo no esporte vem associada a ideia dos sacrifícios e sonhos fomentados pela indústria cultural (TORRI; ALBINO; VAZ, 2007).
A questão de por que os negros parecem tão direcionados para prosseguir uma carreira de atleta é de considerável interesse para os alunos do desporto. A principal razão para isso é a falta de oportunidades percebidas em outras áreas. Sem dúvida, a discriminação ostensiva e dissimulada tem historicamente desempenhado um papel de apoio à autoridade e controle através de um espectro grande de esforços educacionais e ocupacionais. Aparentemente, jovens negros estão em busca de exemplos de atletas e artistas de sucesso, mas não vêem ou tem contato com estes, salvo os poucos que conseguiram desproporcionalmente se destacar em outras profissões. Consequentemente, esses jovens despreendem energia intelectual e física considerável para se tornarem atletas profissionais, em vez de uma variedade de outras ocupações com as quais tem dificuldade em identificar.
A idealização mística da superioridade física do atleta negro é predominante marcante nas comunidades negras e brancas ao redor do mundo, e Price (1997) fala que por causa de tais crenças, atletas brancos estão gravitando em esportes periféricos, enquanto negros estão tomando seus lugares em esportes de equipe.
A ruptura dos obstáculos colocados aos negros, pode ocorrer através do próprio esporte, que “adotado numa abordagem educativa, pode tornar-se um excelente mecanismo para trabalhar com a formação integral e crítica do ser humano” (SANCHES; RUBIO, 2011, p. 830), através de um trabalho educativo com valores, no combate aos reducionismos e processos discriminatórios que permeiam a relação raça e esporte. Na esteira desse pensamento, pode-se dizer que é na participação das práticas sociais do grupo cultural que o homem internaliza as relações sociais, o que constituirá a base da estrutura social do indivíduo na tessitura do drama do existir humano que é “marcado" pelas sedimentações sócio-históricas. Portanto, enveredar pelo caminho da ambivalência conceitual na investigação da relação raça e esporte, diretamente ligada a experiência cultural, solicita explicitar os fatores sociais, ambientais e de migração sociológica no esporte para ter clareza conceitual de que a convivência humana é regida por leis históricas e não por mecanismos naturais ou biológicos.
Do exposto e no contexto da discussão racial, se o sucesso dos atletas negros, quando ocorre, não pode ser atribuído unicamente às diferenças físicas e fisiológicas que estão associadas à raça, surge então, uma explicação alternativa que, poderia ser encontrada no ambiente. Edwards (1973), tem tentado ao longo dos anos argumentar essa base lógica de raciocínio, que, devido à falta de oportunidades resultantes de discriminação em outras áreas de conhecimentos, os negros de maneira desproporcional buscariam o esporte como uma área em que o sucesso é possível.
Sobretudo, o esporte se constitui numa forma de resistência a esse emaranhado de prerrogativas com justificativas biológicas, majoritariamente racistas. Tais explicações desconsideram o processo histórico e a construção social de significados e das identidades sociais. Este imaginário social se constitui a partir do processo de escravidão na América, o neocolonialismo no século XIX, com o darwinismo social, eventos históricos que reverberam negativamente nas esferas sociais, culturais e econômicas. Pautando-se por vezes na justificativa de que os países “negros” são subdesenvolvidos em virtude da etnicidade. Ou seja, desconsiderando os períodos em que africanos eram retirados de suas terras deixando suas famílias à sorte ou durante a “partilha” do continente africano, e os efeitos drásticos para todo o continente. E claro, esse estigma não impactou apenas nos africanos, mas também nos afro-americanos.
Pensando, o esporte como um meio de superação de estigmas por um lado, o mesmo também os dissemina. Há de se destacar, que apesar do sucesso de afro-americanos em várias modalidades como basquete, futebol e boxe, deve-se notar que eles estão sub-representados em atividades como vôlei, natação, futebol, hóquei, tênis, golfe. Price (1997) aponta que isto pode ser devido a atletas brancos masculinos estarem em processo de migração longe das atividades em que eles não acreditam que podem competir com os mais talentosos atletas negros. Da mesma forma, um número desproporcional de atletas afro-americanos, por uma variedade de razões, acredita que são atleticamente superiores aos brancos, e têm chances razoáveis de um dia se tornarem um atleta profissional no basquete ou futebol. Consequentemente, as contingências atualmente favorecem o desenvolvimento de negros e brancos que se deslocam para diferentes esportes por causa de suas crenças sobre a probabilidade de sucesso presente e futuro.
Não é surpreendente que o esporte tornou-se mais importante para as crianças negras do que para as crianças brancas. Isto é adequadamente capturado por William Ellerbee, treinador de basquete do Simon Gratz, na Filadélfia, que disse: "garotos suburbanos tendem a jogar para se divertir (aprimoram suas habilidades nas quadras subutilizadas) e crianças carentes olham para o basquete como uma questão de vida ou morte (aprendem a jogar em campo de jogos que estão superlotados)" (PRICE, 1997).
Ao explorar a imagem de esportistas, os veículos de comunicação difundem o esporte como meio para a ascensão social, apesar da realidade demonstrar que poucos conseguem a mobilidade social, como o caso do futebol no Brasil, onde a partir de meados do século XX, rumo à profissionalização, os populares encontravam nesse esporte um caminho para a expressão positiva de suas qualidades em tempos de mobilidade social restrita (ABRAHÃO; SOARES, 2016).
Essas observações sugerem algumas conclusões. Primeiro, há uma grande quantidade de desinformações existentes sobre raça e esporte, e mais, as afirmações feitas por alguns autores sobre as capacidades de desempenho dos negros são mais compreensíveis à luz das informações encontradas na mídia em geral. E, apesar de suas declarações poderem ter sido dolorosas para muitos, nenhum destes indivíduos eram racistas. Eles simplesmente transmitiam crenças e estereótipos sobre os negros e brancos que foram perpetuados em jornais e revistas.
Em segundo lugar, tornou-se claro que a raça como uma entidade biológica é um conceito sem sentido. Hoje, antropólogos e geneticistas acreditam que há tanto a variabilidade genética dentro dos grupos raciais quanto fora deles, como tradicionalmente acreditava-se. A divergência do que uma vez pode ter sido um agrupamento mais homogêneo, surgiu como resultado de migrações e cruzamentos de populações ao longo de milhares de anos. Raça tornou-se apenas um conceito sociológico mais amplo. Sem contar que a constituição genética não é importante como base para a excelência atlética. Ainda, tem o fato de que não se pode inferir que determinados grupos de pessoas, distribuídos em todo o mundo, não necessariamente têm vantagens em certos esforços atléticos, como o ambiente, a cultura, a hereditariedade e pode ser vantajoso, em certos casos, para a produção de indivíduos com altura ideal, o peso corporal, a estrutura muscular, e temperamento de excelência em uma determinada atividade (por exemplo, quenianos e a corrida de longa distância ou os noruegueses e o cross-country). O ponto fundante, porém, é que tais grupos não representam o que tradicionalmente se acreditava para os grupos raciais.
Terceiro, pode-se argumentar que, mesmo quando certos grupos de pessoas espalhadas pelo mundo não têm predisposição às vantagens para excelências em atividades particulares, os indivíduos que atingem níveis de classe mundial representam os extremos dentro de distribuições do grupo ao invés de sua tendência central. Isso provavelmente distorce as percepções gerais dos atributos de um grupo e faz com que as diferenças apareçam mais do que realmente são.
Finalmente, a observação de que artistas de classe mundial dedicam anos de tempo para praticar intensamente deve ser sublinhada. Não só essas pessoas adquiram habilidades e capacidades que são necessárias para a excelência, mas, começam jovens, e também moldam seus corpos e a fisiologia às exigências das atividades desenvolvidas.
Quando se assume e aceita-se a condição humana da complexidade, o ser humano consegue enxergar uma sabedoria que olhe para o “potencial educativo do esporte e seus benefícios para o desenvolvimento física, social e afetivo dos participantes” (SANCHES; RUBIO, 2011, p. 827), uma sabedoria que contribui para a construção de uma vida melhor, individual e coletivamente. Daí a importância de resgatar, de acordo com as autoras, os valores pedagógicos e filosóficos do Movimento Olímpico, sendo que os mesmos não se restringem aos Jogos Olímpicos.
O olimpismo compreende o esporte como uma filosofia de vida que procura o equilíbrio entre corpo, mente e espírito, possibilitando o prazer no esforço despendido, o valor educacional dos exemplos positivos e da preservação da dignidade humana, sem qualquer tipo de discriminação e movido pelo espírito de amizade, solidariedade e fair play (ou jogo limpo) (SANCHES; RUBIO, 2011, p. 829)
O ideal do dinamismo orientado pela unidade anunciada por Mazzota (2001) é destacado pela Carta Olímpica ao ressaltar a união da prática desportiva com a cultura e a educação para o desenvolvimento humano. Assim, os princípios valorativos da totalidade, cooperação e emancipação podem “contribuir para a formação integral do ser humano, sendo que ela não somente se relaciona ao desenvolvimento físico do participante, mas também exerce grande repercussão em suas funções psicológicas e sociais” (SANCHES; RUBIO, 2011, p. 832), que deve sobrepor o conceito racial no esporte, pois não corresponde a algo existente no mundo real, mas refere-se a um “conceito analítico nominalista, que orienta e ordena o discurso sobre a vida social”, reduzindo a possibilidade da construção identitária, de cultivar diferenças e origens. Talvez fosse necessário reinventar o aparato conceitual sobre raça, mas ao mesmo tempo, dada a complexa tarefa de atribuir identidade, a ambivalência entre “raça” e “cor” torna-se a única via disponível. Isso nos desafia a pensar no potencial educativo do esporte, (des)construindo os paradigmas conceituais frente a alta carga simbólica que o esporte carrega no forjamento das subjetividades pela “produção e reprodução da cultura sob a forma de mercadoria” (TORRI; ALBIN; VAZ, 2007, p. 501).
Este é precisamente o ponto levantado por Edwards (1972) de um quarto de século atrás, quando ele observou que os brancos reforçam a crença na superioridade física negra, considerando que no mundo moderno a superioridade física realmente conta para muito pouco fora do esporte. Na verdade, ele afirma que:
[…] uma infinidade de animais ainda mais baixos são fisicamente superiores, não só para brancos, mas para a humanidade como um todo: os gorilas são fisicamente superiores aos brancos, os leopardos são fisicamente superiores aos brancos, assim como os leões, as morsas e elefantes. Então, ao afirmar que os negros são fisicamente superiores, os brancos na melhor das hipóteses reforçar alguns estereótipos antigos logo realizadas sobre os afro-americanos, a saber, que eles são pouco removidos dos macacos em desenvolvimento evolutivo (EDWARDS, 1972, p. 60).
Buscando romper com essa ideologia dominante e reducionista do desempenho e rendimento físico associado a questão da cor e, também para além da hegermonia da industrial cultural; faz-se necessário aprofundarmo-nos na discussão de uma educação do corpo que rompa com o ideário predominante e busque a centralidade do corpo-próprio. Orientada pela existência própria dos negros nos esportes, e não por um hibridismo sectário ideológico, “na qual a ‘raça’ refere-se a uma ascendência biológica e posição política, enquanto a cor a uma tonalidade de pele considerada objetiva”, afirma Guimarães (2003, p. 106).
Por isso, a experiência cultural da linguagem, em tempos de cultivo das diferenças, identidades e origens, revela a maneira peculiar do corpo habitar o mundo, seu jeito de se expressar aos outros, sua existência. Daí a importância de retomar o sentido originário do corpo-existência que se dirige ao outro e ao mundo para além do corpo-objeto. Uma tarefa que se enraíza no diálogo como articulador de sentidos na atribuição de significados ao se desejar uma educação do corpo pelo esporte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No final, faz pouca diferença se as hipóteses genéticas estão corretas ou não, pois as pessoas irão se comportar como se fossem, acrescentando mais uma prova circunstancial para sustentar alegações inválidas e insustentáveis. O verdadeiro problema é que quando as pessoas começam a acreditar que os negros são favorecidos fisicamente, e intelectualmente limitados, o comportamento individual pode até mudar para refletir e reforçar tal pensamento.
Com efeito, o fenômeno de empilhamento advindo de ambivalências conceituais pode ser explicado por um mecanismo com esse tipo de discurso. Se alguém atribui a crença de que os negros são superiores em jogar em posições que requerem velocidade, poder e capacidade reativa, quem está no controle irá posicionar os jogadores negros em tais posições. Se acreditam que os negros não têm as "necessidades" para gerir equipes, ou jogar em posições centrais não serão colocados lá. Além disso, se os brancos acreditam que eles são incapazes de competir com os negros em atividades que exigem velocidade e potência, eles vão parar de fazê-lo (PRICE, 1997). Por outro lado, se os negros acreditam que são superiores aos brancos nessas atividades, eles vão ter um maior senso de autoeficácia e excelência na competição.
Por fim, a hipótese biológica torna-se uma profecia autorealizável que fundamenta um certo racismo doutrinário, por revelar-se na contemporaneidade como pseudociência (GUIMARÃES, 2003). Uma vez que as crenças e estereótipos conceituais do discurso das ciências naturais são estabelecidos em nosso inconsciente coletivo, torna-se difícil removê-los.
O conceito teórico de raça é fundamentalmente falho; a aplicação operacional de definições racial é repleta de dificuldades intransponíveis; a objetividade da ciência natural é controversa; E, portanto, as conclusões sobre as ligações que são feitas entre raça e desempenho esportivo são inválidas e insustentáveis.
Não obstante, aos reducionismos filosóficos, teóricos e operacionais da ideologia elaborada, resultou em um impacto profundo no racismo científico contemporâneo. E o estereótipo benigno do argumento da "habilidade natural" foi internalizado por muitas pessoas. Somado a isto, a precisão factual dessas análises é, em certo sentido, em grande parte imaterial. Assim, o ponto-chave é que a ciência natural fornece legitimidade, e as pessoas em geral são seduzidas pelo poder da ciência natural. Portanto, com relação à raça e desempenho esportivo, especificamente, é pseudo-ciência (e até mesmo anti-ciência) que fornece as explicações insatisfatórias para estes estereótipos que existem e raramente são desafiados de forma eficaz.
E Guimarães (2003) faz os questionamentos:“até que ponto esse discurso racial vai se espraiar...?”. “O que fazer?”.“Substituir a palavra ‘cor’ por ‘raça’?”. Além disto, quando olhamos para o movimento da segregação racial discursiva, carregada de discriminação e preconceito, para o movimento pela inclusão? Que saberes e práticas educativas encaminhar? Como desenvolver uma educação do corpo no esporte frente as ambivalências conceituais?
Talvez as respostas a esses questionamentos reside na centralidade que é conferida a questão da relação raça e esporte, o que solicita o desenvolvimento de um trabalho orientado por princípios inclusivistas, que defendem a “aceitação das diferenças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade humana, a aprendizagem através da cooperação” (SASSAKI, 2003, p. 41-42). Conceitos basilares para a prática da inclusão social desportiva em situações heterogêneas de sexo, idade, nível socioeconômico, condições físicas etc, dos praticantes da atividade esportiva, bem com as situações de respeito, proteção e valorização das raízes e heranças culturais (SANCHES; RUBIO, 2011, p. 832).
Princípios que iluminam o pensar sobre a constituição do sujeito negro frente as ambivalências conceituais e existenciais, e a refletir sobre as ações educativas para esse sujeito, na busca de alternativas que expressem uma pedagogia tecida na concretude de um horizonte que postule a possibilidade de uma educação centrada no potencial humano, e capte criticamente o ethos esportivo como palco fenomênico de sujeitos que buscam possibilidades de vida. Portanto, ao se discutir o processo pedagógico ou pedagogias corporais na esteira do mote da inclusão vale lembra a afirmação de Saviani (2005, p. 75): “a pedagogia é o processo através do qual o homem se torna plenamente humano”, que se constitui nas relações sócio-culturais enquanto sujeito concreto, interativo e histórico. E é dessa concretude que a pedagogia do corpo no esporte deve se ocupar, de uma pedagogia concreta, que seja produzida no interior das relações sociais, com ações mais abrangentes e preocupadas com a diversidade humana.