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Revista Práxis Educacional

versión On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.19 no.50 Vitória da Conquista  2023  Epub 17-Mayo-2024

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v19i50.11465 

Artigos

UMA ANÁLISE DOS PROJETOS DE PESQUISA PREMIADOS NA FECIBA UTILIZANDO OS ASPECTOS CONSENSUAIS DA NATUREZA DA CIÊNCIA

AN ANALYSIS OF THE RESEARCH PROJECTS AWARDED IN FECIBA USING THE CONSENSUAL ASPECTS OF THE NATURE OF THE SCIENCE

UN ANÁLISIS DE LOS PROYECTOS DE PESQUISA PREMIADOS EN LA FECIBA UTILIZANDO LOS ASPECTOS CONSENSUALES DE LA NATURALEZA DE LA CIENCIA

Flávio Dos Santos Souza1 
http://orcid.org/0000-0002-1620-6746

Sergio Luiz Bragatto Boss2 
http://orcid.org/0000-0003-1628-4848

1Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Jequié, Bahia, Brasil; flavio.pacto.em@gmail.com

2Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - São Paulo, São Paulo, Brasil; serginhoboss@gmail.com


RESUMO:

O objetivo do estudo é analisar os projetos de pesquisa premiados na Feira de Ciências, Empreendedorismo e Inovação da Bahia (FECIBA) utilizando os aspectos consensuais sobre a natureza do conhecimento científico. A pesquisa realizada foi qualitativa e documental. Os dados foram retirados das duas edições da FECIBA em Revista e do livro Práticas Para Compartilhar (Volume II). A pesquisa documental foi analisada por meio da Análise de Conteúdo de Bardin. O resultado da pesquisa evidencia que a maioria dos projetos elaborados pelos estudantes, para as feiras de ciências nas escolas, não apresenta o problema como propulsor da atividade investigativa.

Palavras-chave: história e filosofia da ciência; ensino de ciências; feira de ciências

ABSTRACT:

The objective of the study is to analyze the research projects awarded at Science Fair Entrepreneurship and Innovation in Bahia (FECIBA) using the consensual aspects of the nature of scientific knowledge. The research carried out was qualitative and document. The data were taken from the two editions of FECIBA magazine and the book Practices to Share (Volume II). The documentary research was analyzed using Bardin's Content Analysis. The result of the research shows that most of the projects developed by students, for science fairs in schools, do not present the problem as a driver of investigative activity.

Keywords: history and philosophy of science; science teaching; science fair

RESUMEN:

El objetivo del estudio es analizar los proyectos de pesquisa premiados en la Feria de Ciencias, Espíritu Emprendedor e Innovación de Bahia (Feira de Ciência, Empreendedorismo e Inovação da Bahia - FECIBA), utilizando los aspectos consensuales sobre la naturaleza del conocimiento científico. La pesquisa realizada fue cualitativa y documental. Los datos fueron obtenidos de las dos ediciones de la FECIBA en Revista y del libro Prácticas Para Compartir - (Volumen II). La investigación documental fue analizada mediante el Análisis de Contenido de Bardin. El resultado de la pesquisa evidencia que la mayoría de los proyectos desarrollados por los estudiantes, para las ferias de ciencias en las escuelas, no presenta el problema como propulsor de la actividad investigativa.

Palabras clave: historia y filosofía de la ciencia; enseñanza de ciencia; feria de ciencia

Introdução

A concepção de senso comum da Ciência amplamente aceita na sociedade é completamente equivocada e perigosamente enganadora (CHALMERS, 1993). As pesquisas no Ensino de Ciências demonstram que a educação científica formal e informal tem transmitido visões simplistas e equivocadas sobre a natureza da Ciência (GIL-PÉREZ; MONTORO; ALÍS; CACHAPUZ; PRAIA, 2001). Os livros didáticos utilizados no ensino das ciências apresentam uma concepção sobre o método científico epistemologicamente incorreta por não retratar adequadamente a produção do conhecimento científico (MOREIRA; OSTERMANN, 1993; ALVES; PRAXEDES, 2016).

Não existe uma definição única, atemporal, universal, infalível sobre a Ciência, que possa apreender toda a complexidade dessa atividade humana presente na história do desenvolvimento científico. E apesar das divergências entre os historiadores, filósofos e sociólogos da Ciência, existem aspectos que revelam consenso na comunidade científica sobre a natureza desse conhecimento. A dependência que a observação tem da teoria; a provisoriedade do conhecimento; a pluralidade metodológica; o caráter social do desenvolvimento científico; e as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade são alguns aspectos consensuais presentes na literatura sobre a natureza da Ciência (GIL-PÉREZ; MONTORO; ALÍS; CACHAPUZ; PRAIA, 2001; SILVA et al., 2006; MOURA, 2014).

Diante deste contexto, o objetivo deste estudo consistiu em analisar os projetos de pesquisa elaborados pelos estudantes da rede estadual da Bahia, para as feiras de ciências realizadas nas escolas, e que foram premiados nas edições da Feira de Ciências, Empreendedorismo e Inovação da Bahia (FECIBA), adotando como corpo teórico os aspectos convergentes sobre a natureza da produção científica. O resultado apresentado é parte de uma pesquisa que resultou em uma dissertação de mestrado que teve a seguinte questão de pesquisa: Quais são as concepções sobre a natureza da Ciência que o Programa Ciência na Escola apresenta, de forma manifesta ou oculta, nos livros da Editora Geodinâmica, nas sequências didáticas produzidas pelos professores e nos projetos de pesquisa produzidos pelos estudantes?

O Projeto FECIBA foi aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico em 2011, ano no qual aconteceu a primeira edição com a produção de 65 projetos de pesquisa. Dois dos quatro principais objetivos desse Projeto implicam na realização de experimentos científicos por parte dos estudantes e no fortalecimento de uma rede de pesquisadores juniores (FECIBA, 2014a). A Conexão entre a FECIBA e o Programa Ciência na Escola (PCE) promoveu uma grande expansão na participação de estudantes e professores na realização das feiras de ciências nas escolas públicas da Bahia (FECIBA, 2014a).

O PCE é um dos Projetos Estruturantes da Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Esses Projetos apresentam um conjunto de ações que possuem a finalidade de melhorar as aprendizagens dos estudantes. De acordo com um dos documentos produzidos pela Secretaria de Educação para a jornada pedagógica de 2016, o objetivo geral do PCE é promover o processo de educação científica para professores e estudantes da rede estadual (BAHIA, 2016).

A finalidade da Educação em Ciências é a promoção da alfabetização científica considerando que o exercício da cidadania implica na participação do indivíduo no processo de tomada de decisão na sociedade. Isto exige uma educação científica que contemple as três dimensões a seguir: 1. aprender a Ciência (conceitos científicos); 2. aprender sobre a Ciência (natureza da Ciência); 3. aprender a fazer Ciência (ensino por investigação) (CACHAPUZ; PRAIA; JORGE, 2004). Portanto, o ensino de ciências que reforça ou gera equívocos sobre a natureza da Ciência promove obstáculos ao processo de promoção da alfabetização científica.

Este artigo está estruturado nos seguintes tópicos: introdução, metodologia, análise e conclusão. No tópico análise, apresentamos as categorias, o referencial teórico e as discussões sobre os projetos de pesquisa analisados.

Metodologia

A abordagem metodológica utilizada na pesquisa foi qualitativa e documental. “A investigação qualitativa é descritiva. Os dados recolhidos são em forma de palavras ou imagens e não de números. Os resultados escritos da investigação contêm citações feitas com base nos dados para ilustrar e substanciar a apresentação” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 48). A análise documental é uma das técnicas que pode ser aplicada na abordagem de dados qualitativos, pois permite a compreensão de novos aspectos no estudo de um determinado problema. A pesquisa documental é uma fonte poderosa de informações que surgem de um determinado contexto, fornecendo informações sobre esse mesmo contexto (LUDKE; ANDRÉ, 2012).

Os documentos utilizados neste estudo foram: FECIBA em Revista 1ª Edição, FECIBA em Revista 2ª Edição e o livro Práticas Para Compartilhar (BAHIA, 2018). A primeira edição da FECIBA publicou os projetos premiados nos anos de 2011, 2012 e 2013. A segunda edição publicou os projetos premiados no ano de 2014. O livro Práticas Para Compartilhar (Volume II) publicou os projetos premiados no ano de 2018. Não tivemos acesso aos projetos de pesquisa premiados nos anos de 2015, 2016 e 2017. O primeiro volume do livro Práticas Para Compartilhar não publicou projetos de pesquisa, o objetivo dessa obra foi a publicação de sequências didáticas elaboradas pelos professores da Rede Estadual da Bahia.

Os documentos foram analisados por meio da Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977). O objetivo do uso dessa metodologia é descrever e interpretar o conteúdo de todo e qualquer documento, com o propósito de construir significados em um nível mais profundo do que uma leitura comum (MORAES, 1999). “A análise de conteúdo, numa abordagem qualitativa, ultrapassa o nível manifesto, articulando o texto com o contexto psicossocial e cultural” (MORAES, 1999, p. 26). Considerando esta perspectiva, admitimos que a Análise de Conteúdo teve a finalidade de alcançar o conteúdo latente ou oculto, nos projetos de pesquisa, inerente aos aspectos consensuais sobre a natureza da Ciência.

As fases da técnica Análise de Conteúdo estão divididas em três polos cronológicos: 1. a pré-análise; 2. a exploração do material; 3. o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação (BARDIN, 1977).

As atividades que compõem a pré-análise são: a leitura “flutuante”, a escolha dos documentos, a formulação de hipóteses e a referência aos índices. A exploração do material consiste em um processo intenso de codificação dos dados, que abrange a escolha das unidades analíticas, a escolha das regras de contagem e a escolha das categorias. As unidades analíticas são compostas pelas unidades de registro e pelas unidades de contexto (BARDIN, 1977). As unidades de contexto representam o “pano de fundo” que permitem a construção do significado e do sentido para as unidades de registro (FRANCO, 2018). O tipo de unidade de registro que utilizamos na análise dos dados foi a palavra, que dentro do contexto teórico adotado, expressa as características das categorias escolhidas.

O terceiro polo cronológico da Análise de Conteúdo pode ser dividido em dois momentos: descrição e interpretação. A descrição de dados qualitativos exige a construção de um texto síntese que possa caracterizar as categorias produzidas, apresentando os significados que elas expressam. Nesse processo descritivo é recomendável o uso de citações diretas do corpus da pesquisa (MORAES, 1999). A opção do pesquisador sobre a produção de inferência baseada em apenas um tipo de conteúdo, manifesto ou latente, produz duas abordagens para a Análise de Conteúdo. Na primeira abordagem, as categorias emergem do referencial teórico e a Análise de Conteúdo gera generalizações probabilísticas. Na segunda abordagem, as categorias são construídas por meio dos dados da pesquisa e a Análise de Conteúdo permite atingir uma compreensão profunda dos fenômenos investigados (MORAES, 1999).

Análise

Ao todo foram analisados 68 projetos de pesquisa. Durante o processo de pré-análise dos dados, foram elaboradas seis categorias para classificar e analisar os projetos desenvolvidos: Projetos de Ação, Projetos de Apropriação, Projetos de Divulgação, Projetos de Montagem, Projetos de Reutilização e Projetos de Produção.

A categoria Projetos de Ação engloba os projetos de pesquisa que desenvolvem um conjunto de ações com a finalidade de promover uma conscientização ou sensibilização sobre questões relacionadas a um determinado tema. As unidades de registro utilizadas foram as palavras: conscientizar, sensibilizar, valorizar, incentivar e fortalecer. A unidade de contexto que atribuiu significado às unidades de registro indicou a intenção de desenvolver um projeto de intervenção. Esta categoria não apresenta a pergunta ou problema como o centro da atividade investigativa.

A categoria Projetos de Apropriação classifica os projetos de pesquisa que evidenciam um processo de reprodução de um determinado experimento ou protótipo como resultado da pesquisa. As unidades de registro usadas foram as palavras: experimento, método, modelo, protótipo. A unidade de contexto adotada consistiu na apropriação do conhecimento científico para reproduzir. Esta categoria não apresenta a pergunta ou o problema como o centro da atividade investigativa. Também não prioriza o aperfeiçoamento ou desenvolvimento de uma determinada tecnologia.

A categoria Projetos de Divulgação abrange os projetos de pesquisa que apresentam o objetivo de divulgar o conhecimento científico. O que a diferencia da categoria Projetos de Apropriação é a ausência da pretensão de produzir um protótipo. Os estudantes, autores dos projetos que se enquadram na categoria Projetos de Divulgação, deixam claro que o resultado da pesquisa consiste em divulgar ou demonstrar o conhecimento adquirido. As unidades de registro usadas foram as palavras: divulgar, mostrar e demonstrar. A unidade de contexto adotada implicou na divulgação ou demonstração do conhecimento como resultado da pesquisa. Esta categoria não apresenta a pergunta ou o problema como o centro da atividade investigativa.

A categoria Projetos de Montagem contempla os projetos de pesquisa que apresentam o objetivo de montar um determinado recurso tecnológico. As unidades de registro utilizadas foram as palavras montagem e tecnologia. A unidade de contexto adotada consistiu na montagem de uma tecnologia como resultado da pesquisa. Esta categoria não apresenta a pergunta ou o problema como o centro da atividade investigativa.

A categoria Projetos de Reutilização reúne os projetos de pesquisa que apresentam o objetivo de produzir artesanato. As unidades de registro usadas foram as palavras reciclagem e reaproveitamento. A unidade de contexto adotada implicou na produção de algum tipo de artesanato, por meio da reciclagem ou reaproveitamento de determinados materiais, como resultado da pesquisa. Esta categoria não apresenta a pergunta ou o problema como o centro da atividade investigativa.

A categoria Projetos de Produção contempla os projetos de pesquisa que apresentam as características de uma investigação científica e/ou tecnológica. Portanto, esta categoria apresenta a pergunta ou o problema como centro da atividade investigativa. Não foram utilizadas unidades de registro e a unidade de contexto adotada contemplou todos os projetos de pesquisa, que produziram uma resposta ou um protótipo no processo de investigação sobre determinada pergunta ou problema.

Os projetos de pesquisa analisados foram separados por categorias. As categorias foram tabuladas em frequências relativas, que serão apresentadas no Gráfico 1.

Fonte: elaborado pelos autores

Gráfico 1 Percentual por categorias 

Ao observar o Gráfico 1, verifica-se que, aproximadamente, apenas 7% dos projetos de pesquisa premiados na FECIBA foram classificados na categoria Projetos de Produção. Isto denota que, aproximadamente, 93% dos projetos elaborados pelos estudantes da Rede Estadual da Bahia para as feiras de ciências realizadas nas escolas, não apresentam características de uma pesquisa científica.

Um dos principais pontos de convergência sobre a natureza do conhecimento científico presente nas principais epistemologias do século XX é a relevância que o problema possui no processo de produção da Ciência. Vários filósofos, historiadores e sociólogos elaboraram relatos sobre a Ciência que ampliaram a compreensão sobre o processo de produção do conhecimento científico. Apresentaremos de forma suscinta a contribuição de Bachelard, Popper, Kuhn e Lakatos.

“Para o espírito científico, todo conhecimento é uma resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico” (BACHELARD, 1996, p. 18). A noção de obstáculo epistemológico, proposto por Bachelard, implica na resistência do pensamento ao próprio pensamento. Sendo que o primeiro obstáculo consiste em ter opinião sobre assuntos que não conhecemos. “Não se pode basear nada na opinião: antes de tudo, é preciso destruí-la” (BACHELARD, 1996, p. 18). E o processo de destruição da opinião perpassa pela formulação de problemas. “Em primeiro lugar, é preciso formular problemas. E digam o que disserem, na vida científica os problemas não se formulam de modo espontâneo” (BACHELARD, 1996, p. 18). Sendo assim, a formulação do problema, início de um processo de investigação científica, não é independente da teoria. O problema não é evidente, ele é construído por meio do referencial teórico.

É aspecto consensual que a teoria precede o ato de observar. “[...] todas as proposições da ciência são teóricas e incuravelmente falíveis” (LAKATOS; MUSGRAVE, 1979, p. 121, grifo nosso). Não obstante, a construção do aparato experimental também depende do referencial teórico. “Mesmo o teste cuidadoso e sóbrio de nossas ideias, através da experiência, é, por sua vez, inspirado por ideias: o experimento é ação planejada, onde cada passo é orientado pela teoria. Não deparamos com experiências, nem elas caem sobre nós como chuva” (POPPER, 2013, p. 244).

A relação entre teoria, problema e experimento permite realizar uma reflexão sobre o uso da experimentação no ensino das ciências. O uso de atividades experimentais, na Educação Básica e até no Ensino Superior, empobrece o trabalho experimental por promover a reprodução de experimentos seguindo um roteiro tipo “receita de cozinha”, sem teorias prévias, sem resolução de problemas, apenas para se confirmar um resultado que já era esperado (CACHAPUZ; GIL-PEREZ; CARVALHO; PRAIA; VILCHES, 2011).

O falsificacionismo de Karl Popper propõe o problema como a origem do conhecimento científico (CHALMERS, 1993; MOREIRA; MASSONI, 2011). O relato da Ciência proposto por ele, além de denotar o caráter provisório do conhecimento científico, também determina como objetivo primordial da Ciência a constante elaboração de problemas com nível de complexidade cada vez maior (POPPER, 2013). Chalmers (1993) resume o relato da Ciência proposto por Kuhn nos seguintes estágios: pré-ciência - ciência normal - crise-revolução - nova ciência normal - nova crise. De acordo com Thomas Kuhn (2018), a comunidade científica, no processo de desenvolvimento da ciência normal, utiliza como fundamento para a realização de pesquisas futuras, realizações científicas passadas. “Considero ‘paradigma’ as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 2018, p.53, grifo do autor).

O sucesso de um paradigma na resolução de graves problemas é o que garante status perante a comunidade científica. O paradigma é o critério para a escolha do problema, resolução e validade das soluções. Portanto, quando ocorre uma mudança de paradigma, os critérios que legitimam as soluções propostas para determinado problema sofrem alterações drásticas (KUHN, 2018). Em resumo, o relato de Thomas Kuhn propõe um progresso não cumulativo do conhecimento científico, promovido por revoluções científicas, que emergem da crise do paradigma vigente na resolução de novos problemas. Sendo assim, o motor das revoluções científicas são os problemas que a ciência normal não é capaz de resolver ou conceber.

As teorias científicas como programas de pesquisa, proposto por Imre Lakatos, denotam uma heurística negativa (núcleo irrefutável) e uma heurística positiva (cinturão protetor refutável). A heurística negativa corresponde a uma decisão metodológica dos cientistas, no processo de desenvolvimento das pesquisas, de não alterar os fundamentos da teoria, isto é, seu núcleo irrefutável. Já a heurística positiva corresponde à adição de hipóteses auxiliares, que possam modificar ou sofisticar o cinturão protetor refutável de uma determinada teoria científica (LAKATOS; MUSGRAVE, 1979).

O processo teórico de elaboração e resolução do problema também apresenta fator de grande relevância no relato da Ciência de Lakatos. “O programa de pesquisa será bem-sucedido se tudo isso conduzir a uma transferência progressiva de problemas, porém malsucedido se conduzir a uma transferência degenerativa de problemas” (LAKATOS; MUSGRAVE, 1979, p. 163). A transferência progressiva de problemas consiste na resolução das dificuldades que são impostas ao programa de pesquisa devido a discrepância com as teorias observacionais.

Outros relatos da ciência como o que foi desenvolvido por Larry Laudan também evidenciam a resolução de problemas como fator imprescindível no processo de produção do conhecimento científico (MOREIRA; MASSONI, 2011).

As complexas relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) representam mais um aspecto consensual sobre a natureza da Ciência. Os cientistas são influenciados por questões sociais, porém as questões sociais não determinam o conhecimento científico, pois as teorias científicas se aplicam ao mundo físico. E o objetivo da Ciência é desenvolver teorias com um grau de fertilidade e aplicabilidade cada vez maior (CHALMERS, 1993).

Entre a Ciência e a tecnologia há uma relação de interdependência. A tecnologia não é meramente um produto das pesquisas científicas. O objetivo primordial das pesquisas tecnológicas não é a construção de conhecimento, mas o funcionamento correto dos produtos ou protótipos produzidos, com o propósito de atender as necessidades humanas. Contudo, isso não quer dizer que o trabalho tecnológico não possa produzir conhecimento. A questão é que o conhecimento produzido nas pesquisas tecnológicas é destinado a aplicação em questões reais. Não obstante, as pesquisas tecnológicas apresentam limites na construção de um corpo teórico mais robusto, em contrapartida, é mais complexo, pois destina-se a aplicações em condições reais, e não em condições “ideais”, “puras” como nas pesquisas científicas (CACHAPUZ; GIL-PEREZ; CARVALHO; PRAIA; VILCHES, 2011).

Selecionamos para demonstração neste artigo apenas seis resumos de projetos de pesquisa. Cada resumo retrata uma categoria. Após a citação, apresentamos no parágrafo seguinte a discussão sobre a análise documental.

Fortalecimento da identidade negra e quilombola em Antônio Cardoso

Este trabalho foi instigado a partir da dificuldade e resistência encontrada durante uma aula de Geografia entre os estudantes do Colégio Estadual Antônio Carlos Magalhães, em Antônio Cardoso, quando foi apresentada uma reportagem de capa do jornal Correio destacando o município de Antônio Cardoso como o mais negro do Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2010). A notícia não representava para maioria daqueles alunos nada de importante, pelo contrário, soava como algo negativo pelo qual ninguém tinha que se orgulhar. O mais instigante é que o município tem sete comunidades de quilombo, mas isso não representava, para maioria deles, um referencial positivo para a identidade própria. Por conseguinte, a participação da escola na 4ª Feira de Ciências da Bahia viabilizou uma ação de intervenção a essa realidade utilizando-se da investigação científica por meio de estudos com os alunos, atividades de campo (com a realização de entrevistas e visita a uma antiga fazenda que serviu ao sistema escravocrata), exibição de documentário - ‘Quilombos da Bahia’ e leituras complementares sobre a temática. Por meio dessas ações educacionais, focada na construção da afirmação da identidade negra e quilombola, do pertencimento racial e do respeito à diversidade, o Colégio Estadual Antônio Carlos Magalhães (CEACM), promoveu de forma ativa a integração da escola à comunidade onde está alocada e a inclusão da temática no Projeto Político Pedagógico da unidade escolar. (FECIBA, 2014b, p. 32, grifo do autor)

A ideia do projeto “Fortalecimento da identidade negra e quilombola em Antônio Cardoso” surge da falta de orgulho ou rejeição, que a maioria dos estudantes de uma determinada classe demonstrou, quando o professor apresentou a notícia de que o município de Antônio Cardoso, na Bahia, é o mais negro do Brasil. A Ciência começa com a investigação sobre um determinado problema. Não obstante, a formulação do problema depende da teoria. Entendemos que esse sentimento de negação ou de não valorização da própria identidade, demonstrada na situação descrita em sala de aula, pode se configurar por meio de um aporte teórico como um verdadeiro problema de pesquisa. Contudo, o objetivo desse projeto não foi de uma investigação que pudesse alcançar uma compreensão ou análise de um eventual problema, mas de viabilizar uma ação de intervenção que pudesse alterar a realidade, na perspectiva de fortalecer a identidade negra e quilombola.

De acordo com a literatura, a realização da feira de ciências promove: a compreensão de conceitos científicos; a relação da ciência com o cotidiano; a integração de conteúdos de diferentes disciplinas; uma oportunidade para a formação inicial e continuada de professores; o desenvolvimento de habilidades e competências; a socialização de experiências de ensino e aprendizagem com a comunidade (FARIAS, 2006; BARCELOS; JACOBUCCI; JACOBUCCI, 2010; DORNFELD; MALTONI, 2011; VASCONCELOS; FRANCISCO, 2015; FRANCISCO; CASTRO, 2017).

O projeto “Fortalecimento da identidade negra e quilombola em Antônio Cardoso”, classificado na categoria Projetos de Ação, promoveu a integração entre escola e comunidade, a inclusão da temática sobre a identidade negra e quilombola no Projeto Político Pedagógico da escola, e a construção da afirmação dessa identidade. Sendo assim, é preciso valorizar e possibilitar o desenvolvimento de projetos como esse na educação escolar.

Produção de álcool a partir do pseudocaule da bananeira

O desenvolvimento de métodos alternativos para o fornecimento de energia não oriunda de fontes fósseis tem sido o objetivo de diversas pesquisas científicas. Dentre as possíveis fontes destacam-se a solar, eólica, geotérmica e biomassa (recurso renovável oriundo de matéria orgânica). Com a finalidade de aproveitar os resíduos sólidos do pseudocaule da bananeira Musa cavendischii é que pensamos na realização desse projeto. Trata-se de um trabalho de caráter agrícola para beneficiar o pequeno produtor rural, sendo que a fonte (bananeira) é de grande quantidade no Brasil, além de que a água no tronco é abundante. O diferencial do projeto é a produção de um combustível ecologicamente correto que não prejudica o meio ambiente, tem cultura simples e renovável além de aproveitar materiais que são jogados fora. A bananeira foi cortada antes de soltar os cachos e na altura de um metro e meio de comprimento. Depois de cortada foi passada em um engenho de moer cana. No primeiro momento adquirimos três litros de caldo. O substrato ficou fermentando durante quarenta e oito horas, sendo coado e colocado em uma panela de pressão, o substrato deve ser elevado a uma temperatura de cem graus. Após algum tempo ocorreu o processo de ebulição, ou seja, o substrato passou do estado líquido para gasoso, passando por uma serpentina onde ocorreu o processo de condensação, passando do estado gasoso para o estado líquido, sendo tal processo repetido por várias vezes. Em relação ao tempo de pesquisa os resultados foram satisfatórios. A produção de álcool a partir do pseudocaule da banana é um assunto que foi pouco estudado e pode originar várias linhas de pesquisa. (FECIBA, 2014a, p. 47)

A resolução de problemas é um aspecto preponderante no processo de construção da Ciência. O conhecimento científico não nasce pronto e jamais será definitivo. Ele é um empreendimento coletivo no qual os cientistas enfrentam dificuldades na resolução de problemas, sofrem influências das questões sociais e precisam refletir sobre o impacto de suas crenças e concepções sobre o conhecimento que estão produzindo. Por isso, a História e Filosofia da Ciência são imprescindíveis em um processo formativo que almeja um ensino que contemple as características epistemológicas da Ciência, contidas na sua história.

A elaboração do projeto “Produção de álcool a partir do pseudocaule da bananeira”, classificado na categoria Projetos de Apropriação, permitiu que estudantes da educação pública da Bahia pudessem reproduzir o método de produção de álcool utilizando os resíduos sólidos do pseudocaule da bananeira. É preciso ressaltar que esta proposta de ensino de ciências transcende àquela que é centrada apenas na transmissão e recepção da informação, na qual a resolução de problemas fica restrita ao lápis e ao papel ou a lousa do professor. Porém, a reprodução de um método, experimento, modelo ou protótipo por si só, não garante a compreensão de certas características inerentes ao fazer científico.

Este ‘fazer ciência’ na Educação Básica não significa que se queira construir conhecimentos científicos em sala de aula nem que os estudantes desenvolvam novas teorias científicas, mas, sim, que alguns aspectos da cultura científica estejam inseridos no cotidiano de trabalhos dos estudantes. (CARVALHO, et al., 2019, p. 116, grifo dos autores)

É claro que não podemos exigir dos alunos do Ensino Médio ou Fundamental II o mesmo nível de um cientista renomado. A feira de ciências é uma atividade de iniciação à pesquisa científica. É um processo que deve começar na Educação Básica e se estende até o doutorado, estágio no qual o pesquisador já adquiriu competências e habilidades necessárias para a realização de pesquisas com autonomia. Não obstante, é preciso superar a influência de uma concepção simplista e equivocada da Ciência, que conduz a feira de ciências para a realização de projetos de pesquisa centrados na reprodução do conhecimento científico ou tecnológico, sem a devida compreensão da natureza da Ciência.

Canteiro Bio Séptico

O canteiro Bio Séptico foi escolhido para mostrar e divulgar uma maneira mais fácil e melhor de se eliminar os resíduos dos sanitários sem agredir o meio ambiente e de mostrar de uma maneira fácil, barata e de grande eficiência a transformação de CO2 em O2. O canteiro Bio séptico nada mais é que uma técnica de tratamento de efluentes domésticos para solucionar o problema da poluição existente em zonas urbanas e periféricas como os efluentes dos sanitários convencionais jogados em fossas. O seu funcionamento é simples: o efluente é digerido anaerobicamente pelos micro-organismos presentes. Na medida em que o nível aumenta, o líquido alcança os furos dos tijolos e sai para uma segunda câmara preenchida com material poroso, como argila expandida, e propicia a digestão aeróbica da matéria orgânica e mineral. Nos quinze centímetros superiores da vala são plantadas bananeiras e outras plantas hidrófilas que fazem a evaporação do líquido remanescente. O mais recomendado são plantas que gostam de muita água e que não tenham raízes grandes para não ocasionar rachaduras. Não deve ser plantado nenhum alimento de raiz, como mandioca ou batata doce, pois os tubérculos estariam em contato com o efluente e não podem ser consumidos. É recomendável que seja plantado bananeiras, taiobas, bambus, entre outras. O resultado é um sistema sem efluente, pois toda a água é absorvida e evaporada pelas plantas enquanto a matéria sólida (0,1% do volume total) é transformada em minerais inertes, que são alimentos para as plantas. (FECIBA, 2014a, p. 33)

No projeto “Canteiro Bio Séptico”, classificado na categoria Projetos de Divulgação, os autores se apropriaram da técnica de tratamento de efluentes domésticos e elaboraram um modelo para divulgar o conhecimento adquirido. Não se faz Ciência sem teoria. Porém, não há progresso científico se os resultados das pesquisas forem apenas uma reprodução do conhecimento já acumulado. Por isso a elaboração de problemas por meio da teoria e a busca pela resolução são essenciais para a evolução do conhecimento científico.

Protótipo de mesa digital para escolas públicas

É indiscutível que a tecnologia tem um papel de destaque nas salas de aulas nos dias atuais, quem tem mais de trinta anos sabe que as pesquisas eram realizadas apenas nos livros e um muro dividia o mundo. Mas quem é mais jovem está acostumado, a encontrar a informação com apenas um clique. Com tantas inovações é preciso trazer para dentro das salas de aulas novas ferramentas que auxiliem na qualidade da aprendizagem. Sabe-se que dessa forma os professores tornam-se facilitadores nessa busca de informações e a tecnologia é uma ferramenta indispensável. A importância da informática na escola não é apenas para melhorar o rendimento escolar, mas é porque a informática faz parte do mundo. Pensando nisso surge à ideia de uma mesa digital como ferramenta facilitadora no processo de desenvolvimento científico que possa contribuir para a aprendizagem de forma prazerosa e atrativa, além de sua implementação ser de baixo custo. A proposta inicial era a construção de uma mesa tablet com sistema operacional android, mas no decorrer do projeto perceberam-se limitações que levaram a equipe a modificar o projeto. Surgiu então a ideia da mesa digital com o sistema operacional Linux que atenderia o objetivo. O Raspberry foi escolhido pelo tamanho, potência e baixo custo. A educação de qualidade é um direito de todos e cabe às escolas se prepararem para oferecer as ferramentas tecnológicas que contribuam para o desenvolvimento dos cidadãos. Com esse projeto notou-se que com poucos recursos é possível incentivar o desenvolvimento científico e contribuir para a aprendizagem de forma inovadora e criativa. Pode-se dizer ‘adeus’ a mochilas entupidas de livros. O professor passa a orientar o aluno que por sua vez busca o conteúdo necessário na mesa digital. Dessa forma, além de aproveitar melhor o tempo, dinamiza o horário da aula e melhora as condições de aprendizagem. A tecnologia facilita a aula e a educação passa a ter um pouco mais de sentido para o aluno. (BAHIA, 2018, p. 06, grifo do autor)

No projeto “Protótipo de mesa digital para escolas públicas”, classificado na categoria Projetos de Montagem, os estudantes montaram uma mesa digital, conectando no computador do tamanho de um cartão de crédito um monitor, mouse e teclado, formando uma mesa digital de baixo custo, que pode ser implementada nas escolas públicas da Bahia. No resumo do projeto, não existe o problema de pesquisa. O objetivo é apenas montar a tecnologia, sem preocupação com a produção de conhecimento científico ou tecnológico.

Do lixo ao luxo

Todos os dias são produzidos bilhões de toneladas de lixo. Trabalhar a consciência ambiental no âmbito escolar, desenvolvendo competências, habilidades e senso de responsabilidade são subsídios importantes para despertar reflexões sobre questões pertinentes ao lixo resultante das atividades humanas na natureza. O projeto visa demonstrar que com criatividade e consciência ambiental é possível reaproveitar quase todo o lixo produzido em produtos diferenciados, agregando designer a uma proposta de moda sustentável. Usando o princípio da reciclagem e do consumo consciente, no âmbito escolar, como um espaço permanente do fazer educativo, contribui na sensibilização da sociedade em geral para a sustentabilidade da vida, no presente e para gerações futuras. O projeto foi desenvolvido por meio de uma metodologia participativa, lúdica e transformadora, abordando as questões ambientais do ponto de vista da natureza, da cultura, da ciência e da ética, possibilitando a construção do conhecimento socializado. Dentre as metodologias foram utilizados: leitura de textos informativos, pesquisas, discussões, exibição de vídeos, visitas in loco, coletas de dados, experimentos sobre a utilização de materiais, oficinas de reaproveitamento na confecção de roupas e acessórios para sensibilizar a comunidade na preservação do meio ambiente. Foram utilizados materiais que vão para as lixeiras públicas (jornais, fitas cassete, revista, latas de refrigerantes, tampinhas, entre outros), como matérias primas para confecção de vestuário e acessórios que transformem o lixo em luxo. (FECIBA, 2014a, p. 24)

O resultado do projeto “Do lixo ao luxo”, classificado na categoria Projetos de Reutilização, foi a confecção de vestuário e acessórios reutilizando materiais que são geralmente descartados no lixo comum. No resumo do projeto não consta o problema e o resultado da pesquisa restringiu-se a produção de artesanato. As feiras de ciência deveriam possibilitar aos estudantes o desenvolvimento de pesquisas científicas que denotassem as características epistemológicas da natureza da Ciência coerentes com a história do desenvolvimento do conhecimento científico. Não obstante, os projetos de pesquisa elaborados para a FECIBA são importantes no processo de formação dos alunos e professores!

Sistema de segurança para fogões contra acidentes domésticos

A ciência é uma criação humana que serve para satisfazer às necessidades mais básicas e mais complexas de toda e qualquer sociedade. Portanto, é possível inferir que ela possui como grande função a de resolver ou, pelo menos, minimizar os impactos de situações-problema do dia a dia, por exemplo. É necessário dizer ainda que o que cabe à ciência é muito mais que sanar empecilhos à vida humana. Diante desse perfil atribuído à ciência no mundo pós-moderno, faz-se mister admitir que há paradigmas/modelos a serem quebrados, como, por exemplo, o de que só se faz ciência ou aquilo que é científico dentro das Universidades ou Empresas. Assim, para a construção do presente projeto, pensamos fundamentalmente, na possibilidade de construir para a sociedade e para a melhoria da qualidade de vida. Este projeto viu-se defronte à seguinte problemática: como reduzir significativamente, os índices de acidentes no manuseio de panelas na cozinha? Para tal, pensou-se na criação de um sistema de travas que possibilite um grau de segurança maior para os sujeitos. Em virtude disso e das inúmeras leituras e pesquisas que efetuamos, constatamos que a cozinha de nosso lar escondia um grande perigo chamado fogão, em que as panelas com líquidos ou alimentos aquecidos eram puxadas por crianças e provocava acidentes. E isso não acontecia apenas com as crianças, mas também com adultos, os quais, muitas vezes, se batiam em panelas ou mesmo no fogão, derrubando o alimento aquecido sobre si. Parte destes dados foram coletados a partir das várias leituras e pesquisas bibliográficas realizadas pelos idealizadores do presente projeto. Resolvemos, diante deste contexto, criar um sistema de segurança para fogões em que a grade e a panela são adaptadas para garantir a segurança de todos que circulam pela cozinha, deixando, assim, um ambiente menos propício a danos à saúde. A grade do fogão recebeu pequenas travas e a panela recebeu encaixes permitindo que os equipamentos tivessem segurança e, ao mesmo tempo, beleza. Enfim, pelos cálculos de probabilidades que foram feitos, detectamos que o índice de acidentes cairia drasticamente, em aproximadamente 90% (noventa por cento). Vale ressaltar, que a trava contra acidentes domésticos criada por este projeto sai por um custo baixo, sendo, por isso, totalmente acessível à população. Entretanto, para que os números dos acidentes diminuíssem, seria preciso que as fábricas começassem a produção dos novos fogões adaptados a esta peça de segurança. (FECIBA, 2014a, p. 26)

O projeto “Sistema de Segurança para fogões contra acidentes domésticos”, classificado na categoria Projetos de Produção, apresenta como problema de pesquisa a seguinte pergunta: como reduzir significativamente, o índice de acidentes no manuseio de panelas na cozinha? Apesar da divergência nos relatos sobre a Ciência elaborados por vários filósofos e historiadores, a relevância do problema no processo de construção do conhecimento científico é um dos pontos de convergência. Este projeto não apresenta o objetivo de intervir na realidade, buscando a conscientização das pessoas sobre determinado tema. Também não é a reprodução de determinado experimento ou protótipo, mas a produção de um protótipo que fixa a panela na grade do fogão. Sendo assim, o projeto de pesquisa levou a construção de uma solução para o problema investigado sobre os acidentes domésticos envolvendo panelas e fogões.

Conclusões

O problema é o que move a investigação científica. Aproximadamente 93% dos projetos de pesquisa premiados na FECIBA, elaborados pelos estudantes da Rede Estadual da Bahia para as feiras de ciências escolares, não apresentam o problema como motor da atividade investigativa. A inexistência da pergunta ou do problema nas atividades investigativas inviabiliza um ensino de ciências coerente com as características do fazer científico.

O objetivo de toda e qualquer feira de ciências implica em possibilitar aos estudantes a realização de pesquisas científicas que se aproximam, em alguma medida, do trabalho que os cientistas realizam. Sendo assim, é fundamental que os estudantes conheçam a história, os problemas, o contexto social, as dificuldades envolvidas naquele conhecimento que estão se apropriando, no processo de reprodução de um determinado modelo, método, experimento ou protótipo.

A análise documental não conseguiu apreender todas as vivenciais e todos os saberes promovidos na vida dos estudantes da rede estadual por meio da realização das feiras de ciências. É necessário a realização de uma nova pesquisa, como por exemplo um estudo de caso em uma unidade escolar, que possa por meio da multiplicidade de instrumentos de produção de dados, analisar todas as potencialidades da FECIBA, especialmente a questão social inerente a todo o processo de realização das feiras de ciências na rede estadual da Bahia. Contudo, reconhecemos a relevância dos projetos de pesquisa produzidos no processo de formação dos estudantes e professores, bem como a necessidade da realização da feira de ciências na busca pela ruptura de uma educação científica centrada apenas na transmissão/recepção de conteúdos científicos prontos.

Quase metade dos projetos de pesquisa analisados se enquadram na categoria Apropriação. Essa categoria apresenta como principal característica a reprodução de um experimento ou protótipo como resultado do processo investigativo realizado pelos estudantes. Esse dado também revela a necessidade da realização de uma nova pesquisa que busque compreender se os estudantes têm consciência dos problemas envolvidos, das questões sociais e históricas relacionadas com o conhecimento que eles estão reproduzindo.

A categoria Projetos de Produção reúne os projetos que se aproximam das características consensuais sobre a natureza do conhecimento científico e tecnológico, pois são impelidos por um problema de pesquisa e produzem uma resposta ou protótipo para o problema em questão. As outras categorias implicam em projetos de pesquisa preocupados em desenvolver um plano de intervenção, com o propósito de alterar a percepção das pessoas sobre um determinado tema, ou se limitam apenas a apropriação do conhecimento científico para reproduzir um experimento ou protótipo. Sendo assim, se distanciam do objetivo da Ciência que é produzir conhecimento, ou se distanciam do objetivo da Tecnologia que é aperfeiçoar ou produzir tecnologias

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SOBRE OS AUTORES

2Sergio Luiz Bragatto Boss. Doutor em Educação para a Ciência pela UNESP/Bauru (2011). É Professor Associado I da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), no Centro de Formação de Professores (CFP), no Curso de Licenciatura em Física. Contribuição de autoria: Escrita - Revisão e Edição - https://lattes.cnpq.br/8836902040327396.

3SOUZA, Flávio Dos Santos; BOSS, Sergio Luiz Bragatto. Uma análise dos projetos de pesquisa premiados na FECIBA utilizando os aspectos consensuais da natureza da Ciência. Revisa Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. 19, n. 50, 2023. ISSN: 2178-2679. DOI:10.22481/praxisedu.v19i50.11465.

Recebido: 12 de Outubro de 2022; Aceito: 04 de Julho de 2023

Flávio Dos Santos Souza. Mestre em Educação Científica e Formação de Professores (Mestrado Acadêmico) pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB (2020). Professor de Física do Colégio Estadual Professora Reni Miranda Ferreira (Itagi-BA). Contribuição de autoria: Escrita - Primeira Redação - https://lattes.cnpq.br/3237588916491219.

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