Este é o terceiro número da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP) de 2022, momento em que são comemorados os 85 anos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Além de incluir nos três números do volume 103 uma Seção Comemorativa, a ocasião ensejou que membros do Conselho Editorial da RBEP fossem convidados a redigir os editoriais, recuperando a memória institucional e relacionando as funções contemporâneas da autarquia à sua história e às contribuições do órgão para a expansão e qualificação da educação básica e superior brasileiras. Mantém-se, assim, o que já se tornou uma tradição: utilizar as efemérides para realizar um autoexame e rever periodicamente a identidade do Instituto (Rothen, 2008, p. 26).
Nos números anteriores, os editoriais assinados pelos eminentes professores-pesquisadores Bernadete A. Gatti e Carlos R. Jamil Cury analisaram com o usual brilhantismo os antecedentes e a gênese do Instituto, sua associação aos intelectuais que em 1932 subscreveram o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, e sua contribuição à ampliação dos direitos educativos, à formação de professores e à pesquisa educacional no País, sobretudo no período de 1952 a 1964, em que Anísio Teixeira esteve à frente do Inep, instalando em seu interior os centros brasileiro e regionais de pesquisa educacional.
Convergindo nessa mesma direção, a Seção Comemorativa deste número publica um relatório de atividades do Inep no quinquênio 1956-1960, período inaugural do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). Esse documento é apresentado pela pesquisadora Libânia Xavier, historiadora estudiosa do tema, que sublinha a ênfase impressa pela gestão de Anísio Teixeira em produzir informações e análises relevantes para o planejamento e monitoramento das políticas educacionais, e fomentar a pesquisa que assenta sobre bases científicas a melhoria e a inovação no ensino e na gestão escolar - vocação que perdura no Inep até os dias atuais.
Ao prefaciar esta edição, cabe-me, então, abordar a história mais recente do Instituto, desde a transição democrática, assinalando as profundas transformações que o órgão sofreu com o advento das novas tecnologias de informação e comunicação em rede a partir da década de 1980, mas sobretudo pela assimilação de novas funções desde meados da década de 1990.
Antes de fazê-lo, contudo, cumpre lembrar ao leitor não familiarizado com os registros da memória do Inep, que, em 1976, durante o regime militar, o órgão sofreu uma ruptura importante: o CBPE e os centros regionais foram extintos (sob alegação de que suas funções poderiam ser realizadas pelos programas de pós-graduação em educação, então em estruturação). A maior parte do acervo bibliográfico do Instituto foi cedida à Universidade Federal do Rio de Janeiro, e sua sede transferida do Palácio Capanema, no Rio de Janeiro, para Brasília. Nesse trânsito, o orçamento e o corpo técnico do Instituto foram significativamente reduzidos, e a RBEP teve sua publicação temporariamente descontinuada. Embora tenha mantido algumas de suas atribuições de documentação e divulgação pedagógica, a função primordial do Inep foi redirecionada para o fomento à pesquisa, ocupando papel secundário em relação a outras agências de financiamento devido ao diminuto orçamento. Deixou, portanto, de desempenhar o papel que exercera anteriormente, de centro gerador de ideias e propostas para a política educacional do País.
Durante o período da Nova República, os intelectuais que se sucederam na direção do Inep procuraram superar essas debilidades, conciliando a função de agência de fomento à pesquisa acadêmica (realizada predominantemente nos programas universitários de pós-graduação) com a produção e disseminação de informações e estudos que pudessem subsidiar a tomada de decisões de política educacional. Nessa época, o Instituto foi nodo da Rede Latino-Americana de Documentação e Informação - Reduc (García-Huidobro, 2007), impulsionando a realização de um conjunto inaugural de estados da arte (Haddad, 1987; Soares, 1989) que seria ampliado nos anos 2000, compondo a série Estado do Conhecimento. No início dos anos 1990, fomentou também a realização de estudos de caso sobre inovações educacionais. Tais esforços não impediram que o Instituto fosse ameaçado de extinção durante a presidência de Collor de Mello (1990-1992).
A guinada de trajetória veio na segunda metade da década de 1990, quando - por força da reforma educativa promovida ao longo dos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) - o Inep adquiriu maior autonomia como autarquia federal1 e foi reestruturado para assumir as responsabilidades pelas estatísticas educacionais (que até então eram incumbência do Serviço de Estatística de Educação e Cultura do Ministério da Educação - MEC) e desempenhar o papel de agência de avaliação das instituições do ensino superior2 e do rendimento escolar da educação básica (obrigações da União previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB), assimilando funções da Secretaria de Avaliação e Informação Educacional do Ministério. Além dos Censos da Educação Básica e Superior, o Instituto assumiu a realização das provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Exame Nacional de Cursos (ENC) de graduação, posteriormente substituído pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), produzindo indicadores de desempenho de ambas as etapas da educação (Castro, 2000). Mais tarde, o Inep se converteria também em agência de certificação, por meio do Exame Nacional para a Certificação de Competência de Jovens e Adultos (Encceja), e de seleção, quando, nos mandatos presidenciais de Lula da Silva (2003-2011), as notas obtidas no Enem passaram a ser utilizadas no programa de concessão de bolsas de estudos Universidade para Todos (ProUni) e como alternativa aos exames vestibulares no Sistema de Seleção Unificado (SiSU) de acesso ao ensino superior público.
Com reforço de orçamento e meios tecnológicos e, anos depois, também de corpo técnico, o Inep assumiu, então, funções executivas delegadas pelo MEC, ocupando um lugar estratégico no novo modo de regulação das políticas de melhoria dos sistemas de educação básica e superior, com o deslocamento de foco dos insumos e processos para os resultados da aprendizagem.
No caso da educação superior, cujo ciclo de expansão recente tem como suas características a presença dominante do setor privado, a concentração em grandes grupos empresariais e a financeirização do setor (Lavinas; Gentil, 2018; Senkevics, 2021), todo o esforço de institucionalização, profissionalização e especialização da regulação estatal e da avaliação externa (em que o Inep é chave) contribuiu para o monitoramento da qualidade do ensino público, mas tem sido impotente para reverter as lógicas mercantis que impulsionaram a vertiginosa expansão de cursos de baixa qualidade, sobretudo daqueles com mediação a distância (Bielschowsky, 2020).
Nesse novo modo de regulação, supõe-se que a publicização dos resultados das avaliações externas padronizadas (tomados como indicadores de qualidade) seja capaz de induzir melhorias no sistema de educação básica, em especial quando vigoram medidas de incentivo e responsabilização dos agentes (Oliveira, 2000; Fernandes; Gremaud, 2020). Há grande controvérsia na apreciação dos impactos desse modo de regulação mediado pelas avaliações externas padronizadas sobre a qualidade e equidade dos sistemas educativos, processo que, de resto, é uma das tendências internacionais características das reformas educativas em curso em todo o mundo ocidental (Bauer; Alavarse; Oliveira, 2015; Fernandes; Gremaud, 2020; Verger; Normand, 2015). Não deixa de ser irônico que algumas das críticas mais frequentes aos efeitos das reformas educativas contemporâneas assim configuradas seja, no que concerne à educação básica, o incremento das desigualdades educativas, o estreitamento curricular, a restrição à autonomia das escolas e a tendência à padronização das práticas profissionais (Bauer; Alavarse; Oliveira, 2015; Demazière; Lessard; Morrissette, 2013), resultados indesejáveis, quando considerado o pensamento pedagógico do patrono do Inep, Anísio Teixeira (Nunes, 2000).
Mais recentemente, por determinação da Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, o Inep foi encarregado também do monitoramento de suas 20 metas, o que vem realizando com rigor técnico mediante relatórios periódicos e estudos sobre algumas das metas em particular, dando publicidade e transparência aos progressos alcançados e aos limites das políticas educacionais em curso, deixando entrever que a maioria dos objetivos do PNE não será alcançada até o final do decênio.
Desse modo, nos dias atuais, o Inep se tornou um órgão auxiliar imprescindível ao Ministério da Educação, aos sistemas de ensino subnacionais e aos centros de pesquisa educacional, à medida que produz e dissemina estatísticas e informações, análises e avaliações sobre todas as etapas e modalidades, da educação infantil ao ensino superior e, por força do monitoramento do PNE, até mesmo sobre a pós-graduação, que possui instância própria de avaliação (a Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior - Capes).
Por coerência, é abrangente e diverso também o espectro dos temas abordados em suas revistas, especialmente na RBEP, por sua natureza multitemática e interdisciplinar. Neste número, além do texto histórico, já mencionado, são publicados dez artigos que, partindo de uma pluralidade de abordagens teórico-metodológicas, compõem um painel multifacetado constituído por pesquisa sobre educação matemática, a partir de questões do Enem, estudos comparados internacionais, investigação histórica, análise de discurso e de memórias da formação docente, exame crítico de políticas curriculares em vigor, revisões de literatura e relatos reflexivos de práticas pedagógicas. Os textos tratam da incorporação das novas tecnologias ao ensino, das disciplinas Matemática, História e Geografia na educação básica, dos estudos culturais na pós-graduação, da avaliação na educação infantil. O conjunto é completado por uma resenha de publicação de pesquisa de corte antropológico sobre a repetência escolar. Assim, os leitores têm em mãos um painel expressivo da vitalidade da longeva RBEP e do Instituto, que, ao celebrar seus 85 anos, reexamina sua história e identidade, firmando as bases sobre as quais permanece aberto à mudança.