INTRODUÇÃO
Este artigo reúne pesquisadores interessados em compreender a perspectiva de famílias com crianças matriculadas em escolas privadas de educação infantil, na creche e pré-escola, considerando as etapas do ensino infantil I, II, III, IV e V, conforme a Resolução CNE/CEB n. 2 (BRASIL, 2018). O estudo foi feito na cidade de Fortaleza e avaliou a implementação do ensino remoto emergencial (ERE) em virtude da pandemia da covid-19.
O protocolo de distanciamento social na cidade de Fortaleza teve início em 19 de março de 2020, por determinação do governo do estado (Decreto n. 33.519, de 19 de março de 2020 - CEARÁ, 2020), tendo sido gradualmente ampliado até 30 de janeiro de 2021 (Decreto n. 33.913, o mais recente - CEARÁ, 2021). Em 17 de março de 2020, o Ministério da Educação (MEC) já havia publicado a Portaria n. 343, que autorizava a ministração de aulas presenciais no formato on-line durante a pandemia da covid-19. Desde então, instituições de ensino no Brasil, em todos os níveis e esferas (público/privado), têm adotado tecnologias digitais para acompanhar os processos de ensino, juntamente com outras instituições de ensino no mundo todo (FERDIG et al., 2020).
É importante dizer que na esfera pública municipal não ocorreu a transição para as aulas remotas, conforme a Carta Aberta da Rede Nacional da Primeira Infância (RNPI), dirigida à presidência do Conselho Nacional de Educação (CNE) em 23 de março de 2020. Assim, a proposta municipal de educação infantil baseou-se na Resolução n. 2/2020 do CNE, sugerindo a substituição de aulas presenciais por videoaulas, uso de ambiente virtual de aprendizagem (AVA), redes sociais e correio eletrônico (JOYE; MOREIRA; ROCHA, 2020).
Considerando o cenário da rede pública de ensino no estado do Ceará, optou-se por investigar, neste estudo, o ERE na perspectiva das famílias com crianças matriculadas na esfera privada da educação infantil, no município de Fortaleza. Nosso objetivo é subsidiar futuras pesquisas e a tomada de decisão de instituições educacionais sobre o ensino remoto para crianças pequenas (1 a 5 anos), seja na esfera pública ou privada.
O artigo está dividido em duas partes. A primeira contempla as seções teóricas que fundamentam o tema e a análise dos dados da pesquisa. Apresenta-se uma discussão inicial sobre a natureza do ERE, contextualizando-o e conceituando-o. Em seguida, discutem-se as especificidades da adoção do ERE no contexto da educação infantil. Na sequência, o modelo de avaliação do Contexto, Insumo, Processo e Produto (CIPP) é apresentado, bem como sua aplicabilidade à avaliação do ERE. Na segunda parte do artigo, descrevem-se os procedimentos metodológicos do estudo: contextualização da pesquisa, universo e participantes, seguidos da descrição do instrumento de coleta de dados (questionário), procedimentos de análise e resultados. Ao final, as conclusões são apresentadas.
ENSINO REMOTO EMERGENCIAL
A pandemia da covid-19 veio conferir uma nova dimensão ao uso da internet no ensino. De uma opção educacional, transformou-se em uma necessidade absoluta nos sistemas educacionais do mundo todo (GONZALEZ-DOGA; DOGA, 2020). Mesmo antes da pandemia, a internet e as tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) já vinham sendo utilizadas como instrumentos de apoio à educação em diferentes níveis e modalidades educacionais (VALENTE; FREIRE; ARANTES, 2018). Porém, apesar de sua popularidade, muitas escolas não estavam preparadas quando foram obrigadas a ministrarem suas aulas de forma totalmente on-line, como no contexto de lockdown e isolamento social, decorrentes da pandemia da covid-19.
O ensino on-line requer um conjunto de habilidades único, que implica conhecimentos de pedagogia, tecnologia e conteúdo (GONZALEZ-DOGA; DOGA, 2020). Estudos científicos voltados à compreensão desse cenário cresceram expressivamente no último ano, de acordo com Osandón (2020). Um exemplo de divulgação científica internacional nessa direção é o trabalho publicado por Ferdig et al. (2020), nos Estados Unidos. Trata-se de um e-book lançado pela Association for the Advancement of Computing in Education (AACE), que compreende uma coletânea de relatos de experiências sobre a transição do ensino presencial para o ensino remoto durante a pandemia da covid-19. Segundo os pesquisadores, tais atividades precisam ser bem planejadas e organizadas para oferecer aos alunos um ambiente acolhedor em que consigam aprender os conteúdos de modo interativo e construir o conhecimento.
Rodrigues (2020) pontua que a educação está entre uma das esferas da sociedade mais afetadas durante essa pandemia e lança o seguinte questionamento: como realizar uma transição satisfatória de aulas antes ministradas de forma presencial para o modo on-line? Alguns aspectos relevantes precisam ser levados em consideração no processo de readequação: o contexto socioeconômico dos estudantes para ter acesso aos meios em que as aulas são ministradas, além de conhecimentos novos e práticas, por parte de discentes e docentes, que serão necessários no contexto do ERE. Mas, afinal, que tipo de ensino é esse? Hodges et al. (2020) argumentam que um modelo de ensino remoto em resposta aos protocolos de distanciamento social como uma ação preventiva contra a disseminação do novo coronavírus não deve ser comparado a experiências bem planejadas de educação on-line. Os autores nominam esse modelo de ERE (emergency remote teaching, em inglês). Neste artigo, adotaremos essa nomenclatura, compartilhando os princípios básicos que os referidos autores usam em sua descrição. Trata-se de um modelo educacional temporário, em resposta a situações de crise, que envolve a utilização de soluções de ensino totalmente a distância e que regressam ao formato anterior (presencial ou híbrido) assim que a crise se encerre.
EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO REMOTO
Pesquisas envolvendo a adoção do ensino remoto na educação infantil requerem maiores reflexões. Até o momento, o Brasil não possui amparo legal para processos educacionais de crianças a distância, ou seja, fora dos espaços físicos das escolas e mediados por tecnologias digitais, de forma a contemplar a carga horária necessária em sua totalidade. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - BRASIL, 1996) estabelece que a educação infantil, como primeira etapa da educação básica, visa ao desenvolvimento integral de crianças de até 5 anos, nos seus aspectos físico, psicológico e social, complementando as vivências familiares e comunitárias. Por sua vez, como instrumento legal complementar, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI - BRASIL, 2010), que tratam dos conteúdos curriculares, definem em seu Art. n. 5 que sua oferta aconteça em espaços institucionais, públicos ou privados, que educam e cuidam das crianças de 0 a 5 anos de idade.
De acordo com Oliveira (2013), os sistemas de educação infantil são específicos de cada país e cultura, embora a autora reconheça a existência de forças padronizadoras que contemporaneamente vêm buscando universalizar as experiências e conhecimentos das crianças pequenas como fruto da globalização da economia. Não obstante, a mesma autora reconhece que, a despeito dessas pressões, as instituições de educação infantil, nos diferentes países, possuem características próprias e divergem de acordo com as tradições históricas, culturais e políticas de cada país, região e cidade, como também conforme as concepções pedagógicas defendidas por cada instituição.
No Brasil, Oliveira (2013) afirma que há divergências nas concepções de creches e pré-escolas ofertadas pelas esferas pública e privada. Na esfera pública, prioriza-se o atendimento a filhos de trabalhadores de baixa renda, como um serviço de assistência às famílias para que pais e mães possam confiar à escola os cuidados de seus filhos pequenos enquanto trabalham. Por outro lado, na esfera privada, há a preocupação de que a educação infantil garanta o aprendizado e o desenvolvimento global das crianças desde o nascimento. Para a autora, as duas ações enfatizadas pelas diferentes esferas (pública e privada) não devem ser dissociadas, isto é, o cuidado e a educação das crianças pequenas devem sempre caminhar juntos.
A autora reconhece ainda a evolução e aplicação dos estudos científicos em psicologia do desenvolvimento infantil às propostas pedagógicas praticadas em creches e pré-escolas, sendo comum uma ênfase ao desenvolvimento cognitivo. No entanto, Oliveira (2013) aponta tal visão como restritiva e argumenta em favor de uma formação baseada nas vivências cotidianas das crianças. Isso envolve uma leitura de mundo e de si mesmas de forma contextualizada, em que a cultura, a linguagem, a cognição e a afetividade sejam valorizadas e compreendidas como elementos essenciais constituintes do desenvolvimento humano. Para tanto, o brincar, o movimentar-se, a exploração do ambiente à sua volta e o interagir com os pares são ações fundamentais que permeiam a educação infantil.
Não obstante, as circunstâncias impostas pela pandemia da covid-19 afetaram indistintamente todas as instâncias educacionais, e com a educação infantil não foi diferente. Educadores do mundo todo precisaram adaptar seus procedimentos de ensino tendo em vista a manutenção do vínculo das crianças com a escola, a despeito do contexto de necessário isolamento social. O ERE foi, portanto, a alternativa adotada por muitas instituições educacionais para o alcance desse objetivo. Nesse cenário, as famílias das crianças passaram a ter papel primordial na execução desse modelo de ensino. Estudos recentes vêm apontando a adoção do ERE em outros países, quanto à indicação de uma importante participação das famílias em sua condução, em parceria com as escolas. Uma pesquisa realizada na China levantou percepções e atitudes de 3.275 pais em relação à aprendizagem on-line de seus filhos na educação infantil, durante o lockdown da pandemia da covid-19. Foram aplicados questionários on-line e analisados os dados qualitativa e quantitativamente. Os resultados sugeriram que o aprendizado on-line durante a pandemia foi desafiador para as famílias e que os pais chineses não foram treinados e nem preparados para o ERE (DONG; CAO; LI, 2020).
Na Turquia, um estudo semelhante investigou os impactos da pandemia da covid-19 no ensino pré-escolar e buscou respostas sobre como o ERE foi implementado. Foram entrevistados 25 professores e 30 pais. As entrevistas foram transcritas e analisadas com base em procedimentos de análise de conteúdo. Os participantes afirmaram que a pandemia teve efeitos adversos na educação infantil e que, apesar da oferta remota de atividades de Artes, Ciências e Matemática, inúmeros desafios dificultaram o processo (YILDIRIM, 2021).
Já os autores Lau e Lee (2020) exploraram as opiniões de 6.702 pais (sendo 93% de mães) sobre a experiência de suas crianças do jardim de infância e do ensino fundamental com o ERE, em Hong Kong. Cabe destacar que foram implementados modelos de ERE com tecnologias digitais e, em alguns casos, apenas com envio de material impresso. As três principais constatações foram: (a) a maioria das crianças encontrou dificuldades em completar tarefas em casa, em razão da falta de interesse e das limitações relacionadas ao ambiente doméstico; (b) pais cujos filhos seguiram o ensino remoto sem recursos digitais ficaram mais insatisfeitos do que aqueles que contaram com um bom amparo dessa tecnologia; (c) uso expressivo de dispositivos eletrônicos sem a mediação dos pais durante a suspensão das aulas. Os participantes desse estudo também relataram o anseio por uma aprendizagem on-line mais interativa para facilitar a aprendizagem das crianças (LAU; LEE, 2020).
Portanto, tal realidade não pode ser ignorada sem ser investigada. Afinal, seria uma nova modalidade educacional emergente que se diferencia de todos os modelos oferecidos atualmente no Brasil? As implicações são diversas, mas é certo que escolas, professores e famílias não estavam preparados para esse cenário educacional, concebido como uma resposta à pandemia. Além disso, pouco se tem discutido sobre os processos de mediação, como estabelecer a preparação dos adultos envolvidos no trabalho pedagógico a distância.
Diante dos fatos discutidos anteriormente, pesquisas que investiguem as especificidades do ERE, e como ele tem sido recebido pelo público-alvo (as crianças e suas famílias), se fazem necessárias no atual contexto brasileiro. Traçamos aqui um breve panorama de como se deu a implantação do ensino remoto para crianças de 1 a 5 anos, matriculadas em escolas privadas na cidade de Fortaleza, contexto desta pesquisa.
O MODELO CIPP NA AVALIAÇÃO DO ENSINO REMOTO EMERGENCIAL
O modelo CIPP de avaliação abrange diversos momentos envolvidos na implementação de um sistema educacional, quais sejam: planejamento, estruturação, implementação e tomada de decisões (STUFFLEBEAM, 2003). Aborda a avaliação como uma atividade de mudança social planejada, cujo propósito é o diagnóstico para a implementação de ações de melhoria.
No CIPP, a avaliação de Contexto configura o tipo básico de avaliação, cujo propósito é delinear, obter e fornecer informações úteis para a determinação dos objetivos de um programa educacional. Por sua vez, a avaliação de Insumo deve prover informações úteis para determinar como alcançar os objetivos pretendidos para o programa. Já a avaliação de Processo tem como propósito fornecer informações periódicas sobre os procedimentos em ação. E, finalmente, a avaliação de Produto mede o alcance dos objetivos estabelecidos pelo programa para a tomada de decisões: continuidade, modificação ou término das atividades do programa.
Stufflebeam e Zhang (2017, p. 9, tradução nossa) consideram o modelo CIPP adequado à avaliação de diferentes projetos educacionais pelo fato de que “abraça e abre espaço para a incorporação seletiva e adequada da farmacopeia completa de ferramentas e métodos de investigação sólidos, qualitativos e quantitativos”. Assim, considerando que tal modelo vem sendo apontado como uma abordagem adequada de avaliação para o ERE, de acordo com Hodges et al. (2020) - com atenção especial ao Contexto, Insumo e Processo -, já tendo sido amplamente aplicado a diferentes contextos educacionais (STUFFLEBEAM, 2003), inclusive na educação on-line, como fizeram Sancar-Tokmak, Baturay e Fadde (2013) na readequação do currículo em um programa de mestrado, optou-se por adotá-lo na presente investigação como modelo referencial de avaliação.
O ESTUDO
Este estudo teve como objetivo investigar a implantação do ensino remoto emergencial em escolas de educação infantil da rede privada de ensino em Fortaleza, na perspectiva das famílias das crianças. De acordo com a classificação proposta por Prodanov e Freitas (2013), trata-se de uma pesquisa de natureza aplicada na medida em que se baseia em um modelo teórico de avaliação (modelo CIPP) para a análise de um sistema educacional adotado em caráter emergencial pelas escolas como resposta à crise sanitária da covid-19.
Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva e exploratória. É descritiva pois busca apresentar as características do ERE à luz da compreensão das famílias sobre a implantação desse modelo de ensino em seus contextos, observando-se as relações entre as várias dimensões investigadas. Também se caracteriza como exploratória por encontrar-se em uma fase preliminar, cuja finalidade foi mapear o ERE durante os meses de março a junho de 2020, período que considera o início de sua implementação até metade do ano letivo, quando o retorno às aulas presenciais ainda não havia sido autorizado pelo governo do estado.
Quanto aos procedimentos, o estudo se classifica como uma pesquisa de levantamento, do tipo survey, na medida em que a população-alvo foi interrogada diretamente, mediante a aplicação de um questionário on-line (GIL, 2008).
Procedimentos metodológicos
A realização deste estudo consistiu em cinco etapas, a saber: 1) elaboração do instrumento de pesquisa; 2) pré-teste do instrumento; 3) disponibilização em plataforma on-line para a coleta dos dados; 4) normalização das respostas; e 5) análise dos resultados.
Descrição do instrumento
O questionário adotado nesta pesquisa foi dividido em cinco seções. Na primeira, foram concedidas orientações aos participantes sobre os objetivos e escopo do estudo. Na segunda seção, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), indicado como leitura obrigatória e contendo um campo para aceite ou declínio da participação na pesquisa. As três últimas seções seguiram a ordem dos quatro eixos do modelo CIPP. O questionário totalizou 30 questões, sendo 28 de natureza fechada e duas abertas. Dentre as questões fechadas, seis seguiram o padrão de resposta em escala Likert, enquanto para as demais foi adotado um padrão de respostas coerente com o universo de possibilidades. A ideia foi reunir o máximo de informações possíveis dos participantes para a sustentação posterior da análise de dados. O instrumento foi organizado em um formulário do tipo Google Forms e disponibilizado por meio das redes sociais WhatsApp e Instagram. O instrumento ficou disponível para a coleta de respostas entre 24 de junho e 4 de julho de 2020.
Universo e participantes
No total, 244 pessoas participaram da pesquisa; no entanto, somente 201 respostas foram consideradas válidas. Quatro motivos levaram à exclusão de 43 registros: 1) a pessoa não indicou o nome da escola, impossibilitando aos pesquisadores avaliarem sua localização (se estava situada em Fortaleza) e se pertencia à esfera particular de ensino; 2) a escola não era em Fortaleza, fugindo ao escopo previamente definido, em virtude da legislação específica adotada à época por cada município; 3) a escola era pública (em Fortaleza, essa esfera de ensino não adotou o ERE); e, por fim, 4) tratava-se de uma resposta duplicada.
Foram coletadas respostas de participantes ligados a 79 diferentes escolas. Dentre os estabelecimentos educacionais informados, 47 apresentaram apenas uma resposta, 15 escolas contaram com apenas duas respostas e 14 instituições tiveram entre três e nove respostas. Apenas três escolas indicaram mais de dez respostas ao questionário.
Procedimentos de análise e resultados
A análise dos dados coletados a partir do questionário foi precedida de uma etapa de normalização das respostas. Há questões que foram analisadas tomando-se como referência a população em geral dos respondentes, enquanto outras foram analisadas por escola, em virtude de indagar sobre situações específicas de cada instituição. O agrupamento de respostas em função das escolas se deu de forma a evitar que o modelo de acompanhamento das escolas com mais respostas no questionário afetasse o resultado da análise. A análise dos resultados foi confrontada com o referencial teórico que preconiza as bases do ERE e da educação infantil em suas etapas iniciais (infantil I, II, III, IV e V, correspondentes à faixa etária de 1 a 5 anos), como também com a análise de conteúdo (AC) das respostas às duas questões abertas do instrumento. De acordo com Bardin (2011, p. 47) a AC consiste em:
[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam inferir conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
Nesta pesquisa, foi efetuada uma análise de conteúdo com base nas questões abertas do instrumento, buscando-se categorias de sentido para as respostas, conforme os critérios de exaustividade, representatividade, homogeneidade, pertinência e exclusão mútua. Considerando que o conhecimento científico surge por meio de pesquisas, esta investigação buscou encontrar respostas para uma melhor compreensão a respeito dos fatores positivos e negativos do ERE na perspectiva das famílias. Para tanto, foi imprescindível utilizar-se de abordagens, técnicas e processos que permitam distanciar impressões subjetivas, procurando evidências que justifiquem as conclusões. Assim, as três etapas da AC, conforme Bardin (2011), foram contempladas, com uma fase de planejamento, seguida da exploração do material e concluída com a interpretação dos resultados.
Resultados quanto ao Contexto
O eixo do Contexto contempla um mapa do cenário das famílias durante a implantação do ERE. Consideraram-se nas informações contextuais: a etapa escolar em que a criança estava matriculada, a renda familiar e quem foi o principal responsável por acompanhar a criança no ensino remoto, seu nível de formação e sua atuação profissional. A Figura 1 apresenta um resumo desses dados.
A maioria das famílias que aderiram à pesquisa (87%) tinha crianças predominantemente matriculadas no infantil III, IV e V, enquanto uma minoria estava matriculada no infantil I e II (13%) (dados na Figura 1).
No painel de gráficos a seguir (Figura 2), consta o perfil dos responsáveis por acompanhar a criança no ensino remoto.
Os resultados indicam que 58,7% das crianças foram acompanhadas exclusivamente por suas mães, e 23,4% pelo pai e pela mãe. Apenas 3,5% foram acompanhadas somente pelo pai. As demais foram assistidas por algum outro residente da casa, com a colaboração do pai ou da mãe, e uma minoria, por um profissional contratado para esse fim. Esse resultado confirma o cenário da pesquisa realizada por Lau e Lee (2020) em Hong Kong, a qual também indicou uma expressiva participação das mães no acompanhamento das crianças durante o ERE.
Adicionalmente, a Figura 2 demonstra que grande parte das famílias participantes do estudo (60%) possuíam renda familiar acima de R$ 6.000,00. Apenas 10% das famílias tinham renda inferior a R$ 3.339,00. Os acompanhantes possuíam, em sua maioria, formação de nível superior e pós-graduação (89%), com as mais variadas experiências profissionais: educação, saúde, administrativa, jurídica, entre outras. Ademais, 58,7% dos participantes afirmaram estar atuando remotamente em suas ocupações profissionais, durante a coleta dos dados deste estudo (junho e julho de 2020). Outros 19,4% informaram uma atuação presencial em seus empregos durante a pesquisa, enquanto 21,9% alegaram estar fora do mercado de trabalho.
Além disso, os participantes também foram questionados se o ambiente doméstico era adequado para o acompanhamento das aulas pelas crianças (espaço, concentração e iluminação). A Figura 3 ilustra o resultado desse questionamento. De acordo com 66,2% dos respondentes, o ambiente doméstico foi considerado adequado para o acompanhamento das aulas pelas crianças (45,3% concordaram parcialmente com a afirmação e 20,9% concordaram totalmente). Por outro lado, mesmo se tratando de uma pesquisa com pais de poder aquisitivo maior, um contingente não negligenciável de 33,3% dos respondentes indicou inadequação do ambiente de estudos em casa.
Os participantes também foram indagados sobre a adequação dos recursos tecnológicos disponíveis (por exemplo, velocidade da internet, equipamento), em casa, para o aprendizado das crianças. Os dados apontaram que 80,1% dos respondentes consideraram os recursos disponíveis adequados, seja totalmente (44,3%) ou parcialmente (35,8%). Apenas 18,9% não concordaram com a afirmação, sendo que 5,5% discordaram totalmente de que sua infraestrutura tecnológica era adequada para o acompanhamento do ensino remoto.
Outra questão levantada no eixo do Contexto foi sobre o acordo entre a família e a escola para a implantação da nova abordagem de ensino, haja vista que as matrículas escolares tinham acontecido levando-se em conta o cenário educacional regular, em formato presencial, com as crianças frequentando pessoalmente a escola. Os resultados constam da Figura 4.
De acordo com as respostas de 31,8% dos participantes, a escola não enviou nenhuma informação sobre a adoção do novo sistema de ensino. Um percentual de 54,2% dos respondentes informou ter recebido um comunicado por meio de carta circular. Somente 9,5% dos respondentes indicaram que houve uma reunião para a discussão da proposta, enquanto os demais 6% indicaram que a discussão sobre a adoção do ERE ocorreu por meio de outras ferramentas, como WhatsApp e o uso de vídeos explicativos sobre o ensino remoto. Ao analisarmos as respostas por escola, percebe-se que em 40 das 79 escolas não houve nenhuma comunicação, e em apenas 11 ocorreu uma reunião. Notou-se também que em 24 escolas houve respostas diferentes para a questão, um indício de que a comunicação não atingiu de forma uniforme os responsáveis pelos estudantes.
Em síntese, observando-se as variáveis do Contexto conforme Stufflebeam (2003) (beneficiários, necessidades, recursos, problemas, background e ambiente), o cenário da população participante deste estudo revelou um público com boa infraestrutura tecnológica e ambiente relativamente adequado em casa para o acompanhamento do ERE pelas crianças. Além disso, constatou-se que as mães foram as principais responsáveis pela mediação pedagógica dos filhos, em parceria com a escola. O principal problema identificado nesse eixo sobre a implementação do modelo foi a forma de acordo entre as partes interessadas (família e escola), não tendo havido uma ampla discussão sobre o formato do novo sistema educacional.
Resultados quanto aos Insumos
Este eixo trata principalmente da infraestrutura disponível e dos planos para a implementação do modelo. Nesta pesquisa, investigamos junto aos participantes sobre o meio tecnológico utilizado para o acesso às aulas e as plataformas on-line utilizadas para apoiar o processo de ensino e os modelos de ERE adotados pelas escolas.
Os resultados apontaram um uso expressivo de computadores (64,2%) como principal meio tecnológico de acesso às aulas, sendo que 42,8% dos respondentes usaram um computador compartilhado e 21,4% disponibilizaram um computador exclusivo para a criança. Outros 31,8% fizeram a opção pelo uso de dispositivos móveis, como smartphones (19,4%) e tablets (12,4%). Cerca de 3% dos respondentes indicaram o uso de smart TV nas aulas remotas, possivelmente para a projeção de vídeos on-line, enquanto 1% indicou respostas não aplicadas, pelo fato de a criança não usar um dispositivo tecnológico para o acompanhamento das aulas.
Quanto ao uso de plataformas on-line para o apoio ao ensino remoto, os resultados estão organizados no painel de gráficos da Figura 5. A coleta de dados indicou o uso de pelo menos 11 ferramentas ou plataformas tecnológicas durante a implementação do ERE nas 79 escolas. Em 32,9% das escolas, apenas uma ferramenta foi indicada pelos respondentes; já em 22,8% delas, os participantes da pesquisa indicaram o uso de duas ferramentas, e em 44,3% das escolas foram usadas de três a cinco ferramentas. Não houve uma ferramenta dominante, conforme pode ser observado no painel de gráficos da Figura 5, embora o Google Meet (em 43% das escolas), o YouTube (40,5%), o Google Classroom (36,7%) e o Agenda.Edu (34,2%) tenham sido mencionados por participantes de mais de 30% das escolas. Por fim, em apenas 19% das escolas investigadas foi usada uma plataforma própria da escola.
Outro indicador avaliado dentro do eixo dos Insumos foi o aspecto metodológico do ERE. Os participantes foram questionados quanto à abordagem adotada pelas escolas de seus filhos no que diz respeito à sincronicidade do ensino, ou seja, se as crianças dialogavam com a professora e os pares em tempo real ou assincronamente, e se esse encontro acontecia no formato de aula ou se envolvia o desenvolvimento de atividades pedagógicas. Os dados coletados apontam que metade das escolas (49,4%) adotou um modelo híbrido de aulas durante o ensino remoto (aulas on-line com a turma e o professor, que ficavam gravadas, ou o uso de outros tipos de videoaulas), isto é, algumas aulas foram síncronas e outras, assíncronas. Um percentual de 20,3% das escolas concentrou-se em ofertar somente aulas no formato síncrono (aulas on-line com a turma e o professor). Em outros 21,5% das 79 escolas citadas no estudo foi adotado o modelo de aulas assíncronas (vídeos gravados), enquanto um percentual menor de escolas (8,9%) adotou apenas atividades assíncronas (envio de áudios e vídeos pelo WhatsApp ou pelo Google Drive e uso de material impresso).
De forma geral, considerando-se as variáveis do eixo dos Insumos, constatou-se que o instrumento tecnológico predominante adotado pelos participantes no acompanhamento do ERE foram computadores compartilhados ou de uso exclusivo pelas crianças. Por outro lado, na perspectiva das escolas, a avaliação dos Insumos indica a adoção de até cinco plataformas para a oferta do ensino remoto, o que pode ter dificultado o acompanhamento do sistema pelas famílias. Nesse sentido, embora os participantes tenham afirmado dispor de uma boa infraestrutura tecnológica para o ERE, muitos se ressentiram do fato de não terem passado por um treinamento prévio para o uso das plataformas adotadas pela escola, afirmação feita por 53,6% dos participantes da pesquisa. Finalmente, a metodologia predominante adotada pelas escolas participantes do estudo foram as aulas síncronas seguidas de um modelo conjugado de aulas síncronas e assíncronas. De acordo com Hrastinski (2008), encontros síncronos ajudam a manter o vínculo e a motivação entre os professores e as crianças. Mesmo sem contato presencial, as crianças que desfrutaram desse modelo mantiveram uma referência da escola mediante o contato com seu(sua) professor(a) e colegas.
Resultados quanto ao Processo
A avaliação do Processo neste estudo investigou, junto às famílias, a sua satisfação quanto à quantidade de atividades diárias realizadas pela criança durante o ERE, sua motivação para a participação nas aulas remotas, reuniões de acompanhamento, canais de comunicação estabelecidos e uma avaliação geral do ensino remoto até o momento da coleta de dados (metade do ano letivo de 2020). Os resultados dessa avaliação encontram-se na Figura 6. Um universo de 53% das pessoas indicou algum tipo de insatisfação com as atividades realizadas. Desse universo, 34% mencionaram que, embora as atividades fossem adequadas para a aprendizagem, elas eram de difícil acompanhamento, levando-se em conta a rotina da casa. Outros 11% consideraram a quantidade de atividades excessiva, e 6% afirmaram que a quantidade de atividades era insuficiente. Além disso, 2% mencionaram outro tipo de inadequação, como, por exemplo, atividades que usavam materiais que não existiam em casa. Três pessoas preferiram não avaliar a quantidade de atividades. Por outro lado, a quantidade de atividades foi avaliada como totalmente positiva por 45% dos participantes, os quais indicaram que as tarefas a cumprir pelas crianças estavam adequadas para o contexto do ERE.
No que concerne à motivação das crianças (gráfico de pizza da Figura 6), 51,3% dos responsáveis indicaram que seus filhos não estavam motivados para participar das aulas remotas. A rejeição total ou parcial à motivação da criança foi maior entre os respondentes que estavam trabalhando presencialmente (56,4%). Somente 11,4% dos respondentes concordaram totalmente que seus filhos estavam motivados para as aulas, um indicativo de que, no aspecto geral, a percepção dos responsáveis foi negativa em termos de motivação das crianças para a adesão ao modelo de ensino remoto. Outro aspecto avaliado no eixo do Processo foi quanto ao estabelecimento de elos de comunicação entre as partes interessadas (família e escola) para a avaliação do ERE no percurso, desde a sua implantação (março e abril de 2020) até o momento da coleta dos dados da pesquisa (junho de 2020). Os resultados estão expostos na Figura 7.
De acordo com os participantes do estudo, 64,4% das escolas não realizaram nenhuma reunião para o acompanhamento do ensino remoto. Os outros 35,6% afirmaram ter havido algum tipo de encontro entre a família e a escola para esse fim, sendo que 19,8% indicaram que houve uma reunião de acompanhamento e 15,8% participaram de duas ou mais reuniões. Com relação aos canais de comunicação, os respondentes afirmaram que as escolas abriram ao menos um canal de comunicação com as famílias. Um total de 20 escolas, dentre as 79, disponibilizou mais de um canal. Apenas 7,3% das escolas não estabeleceram formas de comunicação. Os canais mais mencionados pelos participantes foram WhatsApp (39,4%), plataforma própria (26,6%), e-mail (15,6%) e telefone (11%).
Por fim, as pessoas foram convidadas a fazer uma avaliação geral acerca da experiência de suas crianças com o ERE. Esta foi uma avaliação parcial do ERE, considerando-se que a coleta de dados se deu por volta da metade do ano letivo de 2020. O resultado dessa avaliação consta da Figura 8.
De forma geral, as respostas dos participantes indicaram uma rejeição ao modelo. Para 58,2% dos responsáveis, a criança não se adaptou ao ERE (33,8% desde o início e 24,4% começaram bem, mas depois o rendimento caiu). Quando cruzamos essa resposta com o resultado da avaliação dos responsáveis referente à adequação do ambiente de estudo (quadro da Figura 8), percebe-se uma diferença significativa entre os grupos. Dentre os 79,1% dos responsáveis que afirmaram não dispor de um ambiente de estudos adequado em casa, 47,8% indicaram que a criança não se adaptou ao ensino remoto desde o início e 31,3% mencionaram que a falta de adaptação se deu com o decorrer do tempo. Já para os responsáveis que dispõem de um bom ambiente de estudos, a rejeição caiu para 47,4% (26,3% indicando que não houve adaptação desde o início e 21,1% com o decorrer do tempo).
Resultados quanto ao Produto
As questões envolvendo os resultados quanto ao Produto indagaram os participantes sobre o aprendizado das crianças em geral, durante o ERE, e comparativamente à experiência com o ensino presencial. Os participantes também foram questionados sobre possíveis fatores que incidiram no aprendizado das crianças durante o ensino remoto. Os resultados quanto à avaliação do aprendizado das crianças pelas famílias estão organizados na Figura 9.
Do universo dos participantes, apenas 11,9% concordaram totalmente que sua criança estava aprendendo coisas novas por meio do ERE. Um índice de 40,8% de respostas indicou uma concordância parcial sobre o efetivo aprendizado do(a) filho(a). Outros 40,8% discordaram, total ou parcialmente, de que sua criança estava aprendendo no modelo de ensino remoto. A discordância se elevou consideravelmente quando as famílias foram convidadas a comparar o aprendizado por meio do ERE com o aprendizado no ensino presencial, perfazendo um total de 82,1%. Desse universo, em 19,4% a discordância foi parcial, porém, em 62,7% das respostas houve discordância total. Esse era um resultado esperado pelo fato de que, uma vez tendo matriculado seus filhos no modelo presencial de ensino, no início de 2020, os pais tinham a expectativa de que as crianças frequentassem o colégio presencialmente, para fins de aprendizado e socialização, conforme sustentam Souza et al. (2020), ao comparar as bases dos sistemas de ensino presencial, a distância e remoto. Por outro lado, a concordância total ou parcial, em mais de 50% das respostas, de que a criança tenha aprendido algo novo por meio do ERE indica que o referido oferece algum tipo de contribuição para a formação das crianças, levando-se em conta o contexto da crise sanitária provocada pela covid-19.
Finalmente, duas questões abertas foram apresentadas aos participantes, solicitando-lhes que listassem fatores positivos e negativos do modelo de ensino remoto adotado pelas escolas de seus filhos. A análise dessas respostas foi feita mediante procedimentos de análise de conteúdo (BARDIN, 2011) e os dados foram organizados nos quadros 1 e 2.
CATEGORIAS (N = 163) |
FREQUÊNCIA | DESTAQUE DE FALAS ENTRE OS RESPONDENTES |
---|---|---|
1. Manutenção do vínculo emocional | 43 (26,4%) |
“Manter o vínculo emocional delas com as tias e os colegas para que não estranhem quando voltarem à escola. Além de ocuparem um período do dia com o aprendizado sem precisar expô-las ao risco de contágio do covid”. |
2. Estabelecimento de uma rotina por parte da criança | 24 (14,7%) |
“Manter a criança dentro de uma rotina e com vínculo com os colegas e a tia (professora)”. |
3. Favorecimento da aprendizagem | 22 (13,5%) |
“Conseguiu em meio ao caos ensinar algo”. |
4. Proteção contra a covid-19 | 19 (11,7%) |
“Segurança de estar em casa”. “Mitigar a contaminação”. |
5. Outros comentários positivos | 39 (23,9%) |
“O único lado positivo foi poder acompanhar de perto as potencialidades e dificuldades do meu filho em relação ao aprendizado, a atenção e concentração”. |
6. Ausência de fator positivo | 31 (19,1%) |
“Não vejo fatores positivos para os alunos do ensino infantil. Foi um ano perdido”. |
Fonte: Elaboração dos autores.
Dentre as 163 respostas válidas para a questão 29, foram identificadas e elencadas as categorias de sentido apresentadas no Quadro 1 (algumas respostas possuem trechos que entraram em mais de uma categoria). Para as categorias encontradas, identificamos as frequências que ocorreram nas falas dos respondentes e os resultados mostraram que considerável percentual (26,4%) destacou como ponto positivo do ERE o fato de as crianças manterem o vínculo entre si e com os professores. Por outro lado, cerca de 13,5% dos respondentes apontaram que o ERE favoreceu outras formas de ensinar e consequentemente de aprender. Em alguns casos, os respondentes apontaram a dificuldade que é para as crianças pequenas se concentrarem e prestarem atenção por muito tempo nas aulas desenvolvidas por meio das telas. Porém, alguns ressaltaram o esforço das escolas e docentes para organizarem atividades que fossem atrativas e, ao mesmo tempo, significativas.
Um percentual de 11,7% dos respondentes apontou como principal ponto positivo do ERE o fato de possibilitar que a criança assistisse às aulas em ambiente domiciliar, diminuindo, assim, as possibilidades de contrair a covid-19. Outros comentários de diversas naturezas apareceram, superando os 23%, dentre os quais se destacam: a flexibilidade de horário do ERE, viabilizando a adaptação dos estudos à rotina da família (no caso dos modelos pedagógicos assíncronos), a dedicação das crianças à realização das tarefas passadas pela professora, além da possibilidade de acompanhar mais de perto os estudos do(a) filho(a). Um índice de 19,1% dos respondentes fez questão de reportar que não perceberam nenhum fator positivo.
No Quadro 2, são apresentadas as categorias que apontam os fatores negativos do ERE.
CATEGORIAS (N = 164) |
FREQUÊNCIA | DESTAQUE DE FALAS ENTRE OS RESPONDENTES |
---|---|---|
1. Falta de adaptação de pais e estudantes ao ERE | 57 (34,76%) |
“Os pais não possuem a didática, no mesmo nível dos professores, para ensinar as crianças”. |
2. Inadequação do modelo de ensino virtual para crianças pequenas | 35 (21,34%) |
“Ensino remoto para educação infantil não funciona. Não se trata do modelo utilizado pela escola X ou Y. Para essa idade, exigir que aconteça aprendizagem através de aulas remotas é muito complexo”. |
3. Ausência de socialização/interação | 25 (15,24%) |
“Na idade dela, a escola é um espaço para brincar, abraçar, correr... Atividades que no cenário remoto ficaram severamente prejudicadas”. |
4. Falta de apoio aos pais e problemas na metodologia de ensino | 7 (4,27%) |
“A não participação dos responsáveis na tomada de decisão”. |
5. Falta de valorização e treinamento dos docentes | 6 (3,66%) |
“Devido à urgência, os professores não foram treinados pra aulas on-line, isso dificulta a inserção de todos os alunos”. |
6. Outros comentários ou sem resposta | 33 (20,12%) |
“Não posso caracterizar algo negativo, pois ninguém estava preparado para essa pandemia”. |
Fonte: Elaboração dos autores.
Um primeiro fator negativo destacado por 34,76% dos respondentes foi o despreparo dos pais/responsáveis para lidar com o ensino remoto. Outros 21,34% indicaram a inadequação do ERE para a faixa etária da educação infantil. Outro aspecto negativo destacado por 15,24% foi a socialização insuficiente que o modelo de ERE oferece às crianças. Outros aspectos recorrentes foram a falta de suporte tecnológico e de ambiente adequado. Salienta-se ainda a lacuna evidente da falta de preparo dos docentes.
A análise qualitativa, implementada com base na análise de conteúdo realizada na última fase do estudo, confirma o resultado dos dados quantitativos, de que as famílias conseguiram identificar os principais aspectos positivos e negativos do ERE. A manutenção do vínculo emocional com a escola, a professora e os colegas, o estabelecimento de alguma rotina pela criança em meio às circunstâncias adversas do isolamento social, além da diminuição da exposição ao contágio pela covid-19 são fatores reconhecidamente importantes proporcionados pelo ERE na perspectiva dos participantes deste estudo.
Noutra direção, a análise de conteúdo, relativa aos aspectos negativos do ERE, também confirma os achados por meio da análise quantitativa das respostas ao questionário. Ao compararem o ERE com o ensino presencial, as famílias foram enfáticas em destacar o prejuízo para a socialização causado pela impossibilidade do convívio pessoal entre as crianças, situação vivenciada no ensino remoto. Outro aspecto mencionado foi a falta de apoio da escola aos pais para a mediação do conhecimento durante o ERE. Isso confirma o que foi observado quanto ao agendamento de reuniões de avaliação e orientações, a despeito da abertura de um bom universo de canais de comunicação por grande parte das escolas junto às famílias (Figura 7).
CONCLUSÕES
Esta pesquisa teve como objetivo investigar a implantação do ensino remoto emergencial em escolas de educação infantil da rede privada de ensino no município de Fortaleza (capital cearense), na perspectiva das famílias das crianças.
O estudo baseou-se na aplicação dos eixos do modelo CIPP de Daniel Stufflebeam (2003) para a avaliação do Contexto, Insumo, Processo e Produto na implantação do ensino remoto pelas escolas às quais os participantes da pesquisa estavam ligados. Seguimos a perspectiva indicada por Hodges et al. (2020) na adoção desse modelo de avaliação por ter sido considerado adequado à análise de diferentes aspectos que envolvem o ERE. De forma semelhante ao que esses estudiosos afirmam, o estudo elucida bem mais questões relacionadas ao Contexto, Insumos e Processo do que em relação ao Produto. Isso porque a investigação se deu com o sistema em andamento, ainda em fase de implementação (três meses após sua implantação), mais precisamente na metade do ano letivo de 2020.
A avaliação do Contexto indicou que a população do estudo foi composta por 201 famílias com crianças matriculadas em 79 diferentes escolas da esfera privada de ensino em Fortaleza. Eram de famílias que possuíam um bom poder aquisitivo, com boa infraestrutura tecnológica e ambiente relativamente adequado em casa para o acompanhamento do ERE. Coube principalmente às mães a tarefa de mediar o conhecimento no ensino remoto junto às crianças, contando algumas vezes com o apoio dos pais ou de outro membro da família. O principal problema identificado nesse eixo foi a forma de acordo entre as partes interessadas (família e escola), não tendo havido uma ampla discussão sobre o formato do novo sistema educacional. Esses resultados traduzem a especificidade de um modelo de ensino ainda em consolidação, sem grandes ações de planejamento, organização curricular e didática, de forma a corresponder às demandas e necessidades de seu público.
Por sua vez, a avaliação dos Insumos apontou que as famílias adotaram o uso tanto de computadores como instrumento tecnológico para o acompanhamento do ERE quanto de dispositivos móveis. Por outro lado, uma análise por escola revelou um uso difuso de plataformas na mediação do conhecimento, apontando a adoção de até cinco plataformas distintas durante o ERE. Isso pode ter dificultado a compreensão do modelo pelas famílias, e também do acompanhamento, especialmente com o dado adicional da pouca oferta de treinamento pelas escolas sobre o uso dessas ferramentas.
Adicionalmente, a avaliação do Processo evidenciou que a maioria das escolas citadas no estudo não organizou qualquer tipo de reunião ou encontro com as famílias para o acompanhamento do ERE. Muitas optaram por disponibilizar diversos canais de comunicação família-escola, porém, esses não parecem ter sido suficientes para dirimir as dúvidas e dificuldades enfrentadas com o modelo de ensino pelas famílias dos estudantes. Tendo sido convidadas na pesquisa a realizarem uma avaliação parcial do ERE, quase 60% das famílias expressaram rejeição ao modelo.
Finalmente, a avaliação do Produto revelou que o acompanhamento satisfatório do ERE e o aprendizado das crianças foram fortemente impactados por fatores ligados ao contexto familiar: a rotina da casa, a fragilidade da situação psicológica das famílias em meio à pandemia da covid-19 e o ambiente de estudos pouco favorável em termos de concentração e atenção. O modelo de ERE adotado pelas escolas também foi alvo de críticas pelos participantes no que diz respeito à quantidade de atividades diárias a serem realizadas pelas crianças. Não obstante, as escolas que ofertaram modelos de ensino remoto síncrono foram elogiadas pelos participantes desta pesquisa, pelo fato de esse quesito ter favorecido a manutenção de algum vínculo afetivo e social da criança com a professora e seus pares.
Em suma, o presente estudo permitiu-nos constatar que o ensino remoto emergencial ofertado no ano de 2020 pelo universo das 79 escolas alcançadas neste estudo foi de caráter experimental. Revelou muitas limitações de planejamento, infraestrutura e acompanhamento, as quais impactaram negativamente a impressão das famílias sobre o aprendizado das crianças e na avaliação do modelo em geral. Não obstante, um universo expressivo dos participantes reconheceu a contribuição do ERE para a manutenção do vínculo com a escola, mesmo diante das dificuldades, bem como para a proteção das crianças, em um ambiente seguro contra o contágio pela covid-19, cujos impactos na saúde infantil ainda estão sendo investigados pela ciência, sem muitas respostas ou certezas.