Introdução
O documento que instituiu a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) teve sua versão final publicada em dezembro de 2018 e tem como objetivo a padronização de estratégias curriculares e de propostas pedagógicas a serem utilizadas nas escolas de ensino básico, empenhando-se, ainda, em garantir uma base essencial para a aprendizagem dos estudantes do ensino básico brasileiro.
Segundo o documento, essas estratégias devem incorporar ao currículo e às propostas pedagógicas das escolas abordagens com temas contemporâneos, preferencialmente nas formas transversais e integradoras, destacando-se, dentre outros temas, a educação para o consumo e a educação financeira (BRASIL, 2018b).
Corroborando o viés epistemológico da transversalidade, a fim de direcionar as instituições escolares rumo ao ensino integral, a atual BNCC propõe que a fragmentação radical do currículo seja superada, de forma que a escola decida sobre a melhor forma de organização interdisciplinar dos componentes curriculares, adotando estratégias mais dinâmicas, colaborativas e interativas de ensino e aprendizagem.
Assim, as ações de implementação da educação financeira devem ser trabalhadas de modo coletivo, na forma de constituição de módulos didáticos ou produção de materiais pedagógicos, como planos de aula e projetos integrados às diversas áreas do conhecimento (BCB, 2018).
Considerando, então, a recente trajetória das políticas públicas voltadas à implementação da educação financeira, definiu-se o Programa Educação Financeira nas Escolas como a política pública responsável pela inserção transversal do ensino da temática na educação básica do país (BRASIL, 2018a).
Essa iniciativa, que estabeleceu a inserção obrigatória da educação financeira no currículo escolar brasileiro, foi apoiada pela nova BNCC e está prevista no atual Plano Nacional de Educação (PNE), que determinou imediata adequação das escolas a partir de 2020, tendo 2024 como prazo final para implementação de suas medidas (BRASIL, 2018a).
Para Figueiredo e Begosso (2020) , a inserção curricular da educação financeira é aspecto fundamental para que os estudantes compreendam as melhores formas de gerir suas finanças pessoais e para que tomem decisões financeiras mais conscientes. Contudo, os estudos desenvolvidos por Souza et al . (2019) mostram que, em algumas escolas de ensino básico, a inserção curricular interdisciplinar, ou até mesmo disciplinar, da educação financeira tem sido negligenciada, apontando para uma realidade ainda vigente na maioria das escolas públicas do país.
Portanto, diante da necessidade e obrigatoriedade de implementação curricular da educação financeira, conforme disposto pelas políticas públicas educacionais vigentes e demais estudos sobre a importância da temática, torna-se importante averiguar indícios de mobilização, em favor da inserção curricular da temática no âmbito educacional local, sobretudo no Campus Sena Madureira do Instituto Federal do Acre (Ifac).
Esse campus está localizado na cidade de Sena Madureira, a aproximadamente 140 km da capital acreana, e teve suas atividades de ensino iniciadas em julho de 2010. Atualmente, centra-se na oferta dos cursos de bacharelado em Zootecnia, licenciatura em Física, técnicos subsequentes em Administração, Informática e, sobretudo, de cursos técnicos integrados ao ensino médio em Agropecuária e Informática.
A referida instituição dispõe de um conjunto de docentes do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) que atuam em diversas áreas de formação, e são capacitados em vários níveis acadêmicos, variando desde a graduação até o doutorado. No caso desta pesquisa, foram coletadas informações de docentes com idade compreendida entre 26 e 70 anos, que ministram tanto disciplinas técnicas quanto básicas nos cursos técnicos integrados, além de atuarem em outros níveis de ensino na instituição.
À vista disso, é importante que se faça a seguinte indagação: as medidas de implementação curricular da educação financeira já estão se empreendendo no currículo do ensino médio integrado do Campus Sena Madureira do IFAC, conforme as orientações da nova BNCC?
Nesse sentido, em busca de obter informações a respeito da implementação curricular de forma transversal e integradora da educação financeira, este estudo se propôs a verificar e caracterizar, sob a perspectiva docente, se e como ocorre a prática transversal da educação financeira no currículo dos cursos técnicos integrados do Campus Sena Madureira do IFAC, à luz da nova BNCC.
Procedimentos metodológicos
Este estudo estrutura-se sobre bases de abordagem com viés qualitativo e caráter exploratório ( GIL, 2002 ; MINAYO, 2016 ). Para fins de atendimento ao objeto de estudo, foi encaminhado um convite a todos os docentes do Campus Sena Madureira do IFAC, via correio eletrônico institucional, para que eles respondessem a um questionário com perguntas abertas e fechadas. Do total dos participantes da pesquisa, obteve-se uma amostra de aproximadamente 37 por cento dos docentes.
Quanto à estrutura do questionário, inicialmente, foram coletadas informações pessoais, profissionais e acadêmicas dos docentes. Na segunda parte, obteve-se informações sobre a participação docente em projetos de ensino com temas transversais e seu conhecimento sobre as disposições da nova BNCC, a respeito da educação financeira. Na terceira parte, buscou-se caracterizar, sob a perspectiva docente, a ocorrência da educação financeira no currículo dos cursos técnicos integrados do campus.
Para análise e interpretação dos dados obtidos, utilizou-se a metodologia de tematização de Fontoura (2011) , que, alicerçada pelo trabalho de Santos (2020) , permitiu a apreensão dos núcleos de sentido contidos nas falas dos sujeitos, valorizando os aspectos qualitativos da pesquisa em educação. Para tal análise, percorreu-se uma trilha composta por sete etapas, necessárias à elaboração e análise dos temas encontrados, conforme os passos:
1º passo: houve a transcrição dos dados coletados a partir do questionário disponibilizado, o que possibilitou a importação dos dados para uma planilha eletrônica, na qual as perguntas e respostas foram automaticamente organizadas em linhas e colunas e, posteriormente, transcritas em arquivo de texto eletrônico;
2º passo: realizaram-se leituras minuciosas de todo o material, focando nos aspectos considerados de maior relevância;
3º passo: foram feitas as demarcações dos trechos que pareceram mais relevantes ao pesquisador, o que levou à delimitação do corpus de análise, partindo de recortes das unidades de registro presentes nas frases, palavras e ideias contidas no texto, agrupando-as de acordo com as ideias-chave encontradas pelo pesquisador;
4º passo: Propuseram-se temas para cada um dos agrupamentos de dados levantados, em que os trechos dos assuntos escolhidos no texto foram sublinhados para destacar o que se pretende evidenciar na pesquisa;
5º passo: definiram-se as unidades de contexto (trechos mais longos) e as unidades de significado (palavras ou expressões), para encontrar os núcleos de sentido da comunicação, contribuindo para a escolha do tema e sua compreensão;
6º passo: separaram-se as unidades de contexto e unidades de significado do corpus de análise, dispondo-os em quadros de análise com espaços destinados à compreensão e interpretação das falas;
7º passo: realizou-se a interpretação dos dados coletados, a partir dos quais foram feitas as devidas inferências, com base em pressupostos teóricos para a interpretação do material.
Desta forma, procedeu-se ao recorte das unidades de contexto que pareceram significativas ao pesquisador, o que levou à categorização dos trechos escolhidos e, consequentemente, ao levantamento de temas a partir das questões abertas do instrumento aplicado aos docentes.
Perspectivas docentes sobre a educação financeira no Campus Sena Madureira da IFAC
A partir da análise das respostas obtidas através do questionário, no qual foram abordadas tanto questões direcionadas à transversalidade do ensino quanto à caracterização da educação financeira, à luz da nova BNCC, observaram-se alguns aspectos que merecem destaque neste estudo e que serão abordados nos tópicos seguintes.
Como resultado da análise dos dados, via metodologia de tematização de Fontoura (2011) , chegou-se aos seguintes temas: 1 – Concepções docentes sobre o ensino interdisciplinar e transversal; 2 – Insuficiência de oferta transversal da educação financeira; 3 – O papel da educação financeira na formação integral do estudante.
Para cada tema obtido, foram criados quadros contendo algumas respostas dos docentes que refletem a análise do material coletado. Para fazer referência às respostas, os participantes da pesquisa foram identificados com a letra “D” (Docente) seguida de ordenação numérica arábica (1, 2, 3...) para melhor representar suas respostas.
Tema 1 – Concepções docentes sobre o ensino interdisciplinar e transversal
A elaboração do primeiro tema proposto neste estudo partiu da análise das respostas às Questões 5 e 6 do instrumento disponibilizado aos participantes da pesquisa, o que contribuiu para a formação do tema “Concepções docentes sobre o ensino interdisciplinar e transversal”.
A Questão 5 versou sobre a participação dos docentes em projetos de ensino com temas transversais ao currículo do ensino médio integrado. Já a Questão 6, após breve contextualização sobre as principais características da nova BNCC, tratou de levantar informações sobre o conhecimento dos docentes a respeito da caracterização da educação financeira no ensino médio integrado do Ifac.
A Questão 6 subdividiu-se em “6-a” e “6-b”, com destaque para esta última, que buscou obter informações sobre o conhecimento dos docentes a respeito das características do ensino da educação financeira à luz da nova BNCC.
Das respostas dadas à Questão 5, aproximadamente 69 por cento dos docentes afirmaram não ter participado de projetos envolvendo educação financeira no Ifac. Das respostas proferidas às questões 6-a e 6-b, 62,5 por cento dos docentes relataram possuir algum conhecimento das disposições da nova BNCC, buscando aplicá-las em suas aulas, mas apenas pouco mais de 18 por cento afirmaram ter algum conhecimento sobre as formas de abordagem da educação financeira, nesse mesmo contexto.
Após análise de ambas as questões, foi possível dar origem à categoria “Integração curricular via ensino transversal e interdisciplinar”, conforme disposto no Quadro 1 .
Fonte: Dados da pesquisa.
Deste modo, após análise minuciosa das respostas obtidas nas Questões 5 e 6, e da devida composição do tema e categoria disposta no Quadro 1 , segue-se com a análise do conteúdo coletado.
A categoria “Integração curricular via ensino transversal e interdisciplinar”
As unidades de contexto encontradas nas Questões 5 e 6 parecem fazer sentido quando se observa que a concepção do ensino integrado sugere o rompimento com o dualismo educacional, buscando a integração entre a formação geral e a preparação para o trabalho. Dessa forma, compreende-se que essa integração do ensino permite aos estudantes perceberem o mundo como uma unidade composta por dimensões interdisciplinares e transversais, e não apenas sob perspectiva reducionista do mercado capitalista, em que predominam os interesses da burguesia, detentora dos meios de produção ( CIAVATTA; RAMOS, 2011 ).
Com base na análise do conteúdo das unidades de contexto apresentadas no Quadro 1 , percebe-se a necessidade de um compromisso com o fortalecimento do ensino integrado e dos princípios que o orientam.
Isto deve contribuir para a superação da hierarquia que existe entre os diversos saberes da educação formal, provocando uma compreensão mais ampla que incorpore as diversas áreas do conhecimento. Deve-se destacar, também, a importância dada à organização de atividades que envolvam a possibilidade de integração entre as várias áreas do conhecimento e a superação do isolamento entre disciplinas escolares.
Em busca de atenuar os prejuízos decorrentes do isolamento disciplinar nos currículos escolares, algumas propostas de organização curricular têm surgido a partir de diversas alternativas e estratégias metodológicas de ensino, que se apresentam sob várias denominações distintas, como as propostas de aprendizagem baseadas em problemas, projetos e investigações temáticas, dentre outras ( MOURA, 2012 ).
Tais estratégias metodológicas de ensino objetivam o rompimento nuclear dos currículos disciplinares e sua substituição por “[…] aspectos mais globalizadores e que abranjam a complexidade das relações existentes entre os ramos da ciência” ( MOURA, 2012 , p. 12). Dentre as possibilidades de superação do isolamento disciplinar e da fragmentação do ensino, inserem-se as atividades que envolvem propostas de ensino por meio de temas transversais.
A transversalidade do conhecimento ocorre através da abordagem interdisciplinar mediante uma ação didático-pedagógica conduzida, sobretudo, por projetos temáticos. Nesse contexto, a interdisciplinaridade presume uma transição dos métodos de uma disciplina à outra, ultrapassando-as, mas com a finalidade de manter um estudo temático particular, facilitando a organização coletiva e cooperativa dos trabalhos pedagógicos ( BRASIL, 2013 ).
Na perspectiva de interdisciplinaridade, o ensino é capaz de superar a fragmentação dos saberes, permitindo uma “[…] interlocução entre os docentes e respectivas disciplinas que ministram, com vistas a um trabalho conjunto e integrado” ( XAVIER; FERNANDES, 2019 , p. 110). Desta forma, a interdisciplinaridade deve ser compreendida como um campo de interação que envolve a articulação de fundamentos gerais e específicos de várias disciplinas, cujo objetivo é a aquisição de conhecimentos mais abrangentes sobre determinada temática ( MOURA, 2007 ).
A implementação da interdisciplinaridade deve expressar bem as noções, habilidades, finalidades e técnicas, de modo a favorecer o desenvolvimento da aprendizagem e dos saberes dos estudantes num movimento de integração curricular que abrange diversas áreas do conhecimento ( FAZENDA, 2008 ).
Sob essa perspectiva, a interdisciplinaridade provoca mudanças de atitude quando a análise de determinada temática atravessa os conhecimentos presentes em diferentes disciplinas, observando a preservação dos métodos, objetivos e da autonomia particular de cada uma delas ( MOURA, 2007 ).
Assim, como fundamento da transversalidade, o espaço interdisciplinar deve buscar sempre a negação e superação das fronteiras disciplinares, num movimento de cooperação, coordenação e interação entre os diversos componentes curriculares da escola ( JAPIASSU, 1976 ).
Daquilo que foi observado nas unidades de contexto e categoria apresentadas no Quadro 1 , percebe-se que a explanação contida no referencial teórico reforça a percepção dos docentes sobre a importância do ensino interdisciplinar e transversal, particularmente quando se observam as falas dos docentes “D8” e “D10” no Quadro 1 .
Tema 2 – Insuficiência de oferta transversal da educação financeira
Embora as discussões sobre a introdução da educação financeira nas escolas tenham tomado maiores proporções nos últimos anos, esse tema ainda é considerado bastante novo devido à sua recente inserção nos documentos oficiais de educação (CORDEIRO; COSTA; SILVA, 2018; SILVA; SELVA, 2018 ).
Após sua inserção como um dos temas de abordagem contemporânea da nova BNCC, a educação financeira vem sendo tratada de forma mais sólida como política pública, buscando contribuir com o amadurecimento das competências financeiras pessoais e o desenvolvimento cidadão dos estudantes (VIEIRA; MOREIRA JUNIOR; POTRICH, 2019). A partir disso, cabe aos sistemas de ensino municipais, estaduais e federais incorporar conteúdos de educação financeira em seus currículos escolares a partir de 2020, devendo sua inserção no sistema educacional ser totalmente concluída até 2024 (BRASIL, 2018a, 2018b).
Tomando por base o posicionamento dos docentes participantes desta pesquisa, 87,5 por cento disseram não ter observado grandes empenhos em torno da inserção da educação financeira no Ifac, enquanto 12,5 por cento afirmaram observar poucas ou superficiais ações desenvolvidas nesse sentido. Disso, destaca-se a fala do docente “D8”, cujo discurso originou a categoria “Inadequação da educação financeira à luz da nova BNCC” e o tema “Insuficiência de oferta transversal da educação financeira”, como pode ser observado no Quadro 2 .
Questão 9: Ainda quanto à educação financeira, você tem observado algum empenho em torno dessa temática por parte dos coordenadores de cursos, coordenações pedagógicas, gestores ou demais profissionais técnicos e/ou docentes do Ifac? | |
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Unidade de contexto | Categoria |
D8 - Bem, se estamos falando da BNCC, devemos lembrar que ainda não há uma adequação curricular dos Institutos Federais. | Inadequação da educação financeira à luz da nova BNCC |
Fonte: Dados da pesquisa.
A categoria “Inadequação da educação financeira à luz da nova BNCC”
As lacunas deixadas pela deficiência na adequação da educação financeira, à luz da nova BNCC, não é uma particularidade do lócus de estudo. Nos últimos anos, discussões sobre a educação financeira têm conquistado alguns espaços no cenário da educação nacional apesar de caracterizar-se, sobretudo, como um tema que proporciona raras oportunidades para que se discutam abordagens de práticas escolares que envolvam a referida temática (LUZ; SANTOS; JUNGER, 2020).
Apesar da constante evolução do processo de implementação, os sistemas de ensino do país enfrentam dificuldades para determinar os temas e as estratégias que deverão ser adotadas para o ensino de educação financeira a estudantes, oriundos dos mais diversos grupos populacionais do país (VIEIRA; MOREIRA JUNIOR; POTRICH, 2019).
Segundo Theodoro, Gindro e Colenci Júnior (2010), Rebello e Rocha Filho (2015) , Souza et al. (2019) e Batista (2019) , as ações de Educação Financeira praticadas no universo escolar se caracterizam, sobretudo, na forma de projetos de ensino e extensão, dentre outras ações didáticas. Essas ações são realizadas principalmente em Institutos Federais de Educação e demais instituições de ensino técnico e tecnológico do país, e apresentam-se diretamente ligadas ao desenvolvimento de pesquisas de pós-graduação stricto sensu.
A apreciação dos resultados apresentados até aqui mostra que existe coerência entre as informações apresentadas por Luz, Santos e Junger (2020) e Vieira, Moreira Junior e Potrich (2019) a respeito da limitação de ações e estudos envolvendo práticas transversais de educação financeira nas escolas de ensino básico do país.
Isto corrobora também os resultados obtidos através da análise do questionário, em que os participantes da pesquisa informaram não observar qualquer iniciativa institucional em torno da inserção da educação financeira, à luz da nova BNCC, no currículo dos cursos no ambiente pesquisado.
Então, acredita-se que, assim como observado em âmbito local, essas características podem abranger outras instituições educacionais de ensino básico do país, o que compromete a formação integral dos estudantes.
Tema 3 – O papel da educação financeira na formação integral do estudante
A Questão 10, cujo conteúdo das respostas originou o tema “O papel da educação financeira na formação integral do estudante”, buscou averiguar, em um primeiro momento, os índices de envolvimento dos docentes com o ensino da educação financeira e, em um segundo momento, a possibilidade de envolverem suas disciplinas à referida temática. Portanto, a questão se constituiu em duas partes, uma complementando a outra.
A primeira parte da questão teve como finalidade a coleta de informações sobre a participação dos docentes em possíveis atividades de ensino envolvendo educação financeira no ensino médio integrado. Ao responderem, 87,5 por cento dos docentes afirmaram nunca ter participado de tais práticas; e os respondentes não insertos nesta maioria omitiram-se sobre sua participação ao proferirem suas respostas.
Já na segunda parte da questão, que tratou da possibilidade de integração entre as áreas de ensino dos docentes com a educação financeira, foram selecionadas como falas significantes aquelas proferidas por “D8”, “D9”, “D11” e “D13”, tomando-as, então, como unidades de contexto. Por consequência, foram originadas as categorias “Educação financeira e formação integral”, “A importância do ensino da educação financeira na matemática” e “educação financeira e sustentabilidade”, conforme exposto no Quadro 3 .
Questão 10: Você já participou de alguma atividade de ensino que envolvesse conteúdos de educação financeira no ensino médio integrado, ou acredita que exista a possibilidade de integração entre os conteúdos da sua área de ensino com a Educação Financeira? | |
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Unidade de contexto | Categoria |
Educação financeira e formação integral | |
A importância do ensino da educação financeira na Matemática | |
Educação financeira e sustentabilidade |
Fonte: Dados coletados na pesquisa, 2021.
A categoria “Educação financeira e formação integral”
Analisando a unidade de contexto relacionada à categoria “Educação financeira e formação integral”, em que a fala de “D8” denota convicção em uma formação voltada à emancipação dos estudantes em todos os aspectos possíveis, inclusive financeiros, percebe-se que o conteúdo do discurso tem harmônica relação com as concepções de formação humana integral, omnilateralidade e politecnia de Marx e Engels, bem como da escola unitária de Gramsci ( MOURA, 2013 ).
A concepção de integração do ensino figura-se como uma necessidade à emancipação humana, baseada num processo educativo que congrega todos os aspectos da vida, aspirando a uma formação omnilateral dos sujeitos ( RAMOS, 2014 ). Nesse sentido, a formação integral deve possibilitar tanto a aquisição de conhecimentos científicos, quanto o estímulo a reflexões críticas sobre os padrões de cultura que constituem a conduta dos diversos grupos que compõem a sociedade (TAVARES et al ., 2016).
Segundo as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e BNCC, o ensino médio deve comprometer-se com o princípio da educação integral e favorecer o desenvolvimento de aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais além da construção do projeto de vida dos estudantes. Com isto, as políticas educacionais buscaram firmar seu compromisso com os princípios da justiça, ética, autonomia, cidadania e com o ensino integral na educação básica do país (BRASIL, 2018b, 2018c).
Foi nesse contexto de integração que a BNCC inseriu a educação financeira ao itinerário formativo “ciências humanas e sociais aplicadas”, apensada particularmente à categoria “trabalho”. Tal inserção buscou cooperar com a aprendizagem crítica dos estudantes, contribuindo para a ampliação do entendimento sobre as configurações do trabalho, mutações das relações de emprego entre trabalhadores e setores produtivos, concentração de riqueza e consequentes efeitos da distribuição de renda sobre as desigualdades sociais no Brasil (BRASIL, 2018b).
Nesse sentido, para contribuir com a aprendizagem crítica da educação financeira e, portanto, com a educação integral, o educador deve observar que a produção ou construção do conhecimento deve ocorrer através do estímulo à curiosidade e da capacidade crítica de análise dos estudantes. Essa criticidade deve sempre partir da observação, delimitação e cisão do objeto, de modo que o estudante possa questioná-lo e problematizá-lo para melhor compreendê-lo ( FREIRE, 1996 ).
Portanto, para desenvolver o senso crítico, reflexivo e ético dos estudantes, os procedimentos de ensino e aprendizagem de quaisquer conteúdos, incluindo os de educação financeira, devem envolver o compromisso docente com a formação humana integral, crítica e com a transformação social ( ARAUJO; FRIGOTTO, 2015 ).
A categoria “A importância do ensino da educação financeira na matemática”
Partindo então para discussões sobre as respostas obtidas na Questão 10, acerca da participação dos docentes em atividades de ensino envolvendo educação financeira, houve uma unanimidade de respostas negativas. Ou seja, do total de docentes incluídos na pesquisa, todos eles afirmaram não ter participado de atividades de ensino que envolvessem educação financeira no âmbito do ensino médio integrado.
Das respostas proferidas ao item, destacam-se as falas dos docentes “D9” e “D11”, que afirmaram nunca ter participado de qualquer atividade de ensino envolvendo a temática educação financeira em suas disciplinas, apesar de ambos atuarem no ensino de matemática.
Tal constatação tem importante destaque nesta pesquisa pois, habitualmente, a educação financeira tem se apresentado de forma vinculada à matemática financeira, colaborando efetivamente com o processo de tomada de decisões financeiras dos sujeitos ( ROSSETTO, 2019 ).
Esta vinculação ocorre, porque o processo para a tomada de decisões financeiras envolve uma grande quantidade de elementos importantes que requerem, dentre outras, habilidades matemáticas que favoreçam uma escolha racional dentre as possibilidades de consumo, permitindo que os sujeitos façam uma análise crítica e numérico-orçamentária sobre suas próprias despesas ( BARONI; MALTEMPI, 2019 ).
Tamanha é a importância atribuída à educação financeira no âmbito da matemática que a nova BNCC propôs a inserção de conceitos básicos sobre finanças e economia na unidade temática “Números”, possibilitando o fomento às discussões sobre diversos assuntos, como aplicações financeiras, impostos, inflação e taxas de juros (BRASIL, 2018b).
Além disso, a inserção da referida unidade temática buscou o favorecimento de estudos interdisciplinares e o aprofundamento de conceitos sobre as dimensões sociais, culturais, políticas, psicológicas, econômicas, trabalhistas, monetárias e sobre o consumo no ensino básico nacional (BRASIL, 2018b).
Por conta do elevado nível de benefícios oferecidos pela inserção da educação financeira no ensino básico e para a formação humana em todas as suas dimensões, torna-se “[…] imprescindível para a sociedade e para os jovens estudantes o estudo da educação financeira nas aulas de matemática” ( ARGÔLO, 2018 , p. 19).
Por si só, a inserção do ensino da educação financeira no currículo de matemática não pode ser considerada como mecanismo suficiente para suprir a necessidade de conhecimentos sobre finanças pessoais. Contudo, o uso da matemática representa uma importante ferramenta para auxiliar na quantificação dos gastos individuais e familiares, sendo ela necessária ao controle das ações de consumo e investimento, essenciais ao comportamento emancipador dos estudantes ( SALEH; SALEH, 2013 ).
Pode-se, então, constatar a relevância social do ensino da educação financeira no desenvolvimento integral dos estudantes, especialmente quando se integra ao currículo do ensino de matemática.
A categoria “Educação financeira e sustentabilidade”
Ao analisar a unidade de contexto representada pelo discurso de “D13”, destaca-se a possibilidade de haver um diálogo entre a educação financeira e os temas sustentabilidade e meio ambiente, o que levou à constituição da categoria “Educação financeira e sustentabilidade”. Mas antes de tecer quaisquer considerações sobre esta categoria, é primordial que se observe a definição do termo sustentabilidade.
O termo sustentabilidade pode ser definido como a capacidade de interação racional entre o comportamento humano, quando de sua busca por satisfazer suas necessidades de consumo, e o aproveitamento dos recursos naturais disponíveis. Essa interação deve viabilizar o atendimento das necessidades de consumo, mas, ao mesmo tempo, deve buscar a preservação do meio ambiente, resultando em mínimos impactos às futuras gerações (FRANCISCHETTI; CAMARGO; SANTOS, 2014).
Em relação ao uso dos recursos naturais, sob o ponto de vista econômico, Nogami (2012) os classifica como um dos fatores de produção essenciais à disponibilização de bens e serviços aos consumidores em geral. Também conhecido como fator “terra”, os recursos naturais podem ser compreendidos como aqueles existentes na natureza e representados pelos recursos minerais, hídricos e pelas florestas, dentre outros elementos pré-existentes no meio ambiente.
Vasconcellos (2006) esclarece que os recursos naturais, como qualquer outro fator de produção, são recursos escassos, portanto finitos, e por isto deve-se fazer o emprego racional de suas propriedades, a fim de atingir maiores níveis de satisfação das necessidades e desejos da sociedade. Em razão de tal escassez, considera-se de importante valia a implementação da educação financeira para o consumo sustentável de bens e serviços, produzidos a partir do emprego dos recursos naturais que, por sua natureza, são limitados.
Orientar os estudantes sobre o consumo moderado, consciente e responsável é tarefa primordial para evitar práticas de consumo excessivo e o desperdício. Isto acaba por estimular a conscientização ecológica, contribuindo também para o desenvolvimento tecnológico e crescimento sustentável da economia, além de considerar a inclusão social e a conservação do meio ambiente ( DANTAS, 2015 ).
Para isto, é necessário que a educação financeira seja contextualizada e que articule teoria e prática, além de estabelecer conexões interdisciplinares com as ciências da natureza. Isto faz com que o estudante perceba que a educação financeira não se limita apenas à compreensão dos recursos financeiros em si, mas que também importa o uso consciente dos recursos naturais, a fim de evitar ou reduzir a degradação ambiental causada pelo consumo irracional ( FRANZONI; QUARTIERI, 2020 ).
Desta forma, os estudantes serão capazes de compreender que as ações de consumo que agridem o meio ambiente, por consequência, provocam ações nocivas à sociedade, já que ambos fazem parte de um mesmo ecossistema e, portanto, representam uma relação única e simbiótica ( LUZZI; BAIER, 2019 ).
Como visto, as contribuições da educação financeira vão além da simples construção das capacidades de gerenciamento das finanças pessoais. No contexto da sustentabilidade, educação financeira se revela pertinente e integrada ao consumo consciente e à preservação do patrimônio ecológico disponível na natureza, o que demonstra a importância da temática para a formação de um consumo ético, crítico e reflexivo dos estudantes.
Considerações finais
Em suma, este estudo buscou verificar e caracterizar, sob a perspectiva docente, se e como ocorre a prática transversal da educação financeira no currículo dos cursos técnicos integrados do Campus Sena Madureira do Ifac, à luz da nova BNCC. Para tanto, foi realizada uma construção temática a partir das falas dos participantes da pesquisa, as quais foram analisadas com base na metodologia de tematização de Fontoura (2011) , contribuindo satisfatoriamente para o alcance dos objetivos pretendidos neste estudo.
A respeito das concepções docentes relacionadas às práticas educacionais contidas na nova BNCC, os participantes da pesquisa afirmaram possuir conhecimentos a respeito das características, formas e demais configurações de ensino, dispostas no referido instrumento normativo, buscando aplicá-las nas aulas de suas disciplinas. Contudo, mesmo os docentes afirmando observar as disposições vigentes na nova BNCC, não se verificaram ações ou atividades de ensino que caracterizassem alguma forma de integração curricular através da interdisciplinaridade.
Embora os docentes afirmem ter compreensão sobre a importância da integração curricular, através do ensino transversal e interdisciplinar dos conteúdos escolares e de terem conhecimento sobre a nova BNCC, observou-se uma ausência de sua participação em projetos ou outras atividades de ensino que integrassem a educação financeira no âmbito do ensino médio integrado. Tampouco mostraram ter algum conhecimento sobre as formas de abordagem transversal e integradora da temática, conforme disposto na nova BNCC.
Quando questionados sobre o estímulo à educação financeira transversal no ensino médio integrado, a narrativa dos docentes indica não haver expressivos empenhos advindos dos profissionais em educação do Ifac. Isso demonstra uma insuficiência na implementação da temática no ambiente estudo e, dessa forma, a não promoção do desenvolvimento humano integral, crítico e reflexivo, necessário à transformação social dos estudantes.
Nem mesmo no âmbito do ensino de matemática, que habitualmente integra o ensino da educação financeira, apresentando-se como ferramenta essencial à emancipação dos estudantes, constatou-se algum vestígio de implementação em consonância com os instrumentos normativos vigentes, que obrigam a inserção transversal da temática nas escolas de ensino básico.
No âmbito da sustentabilidade, verificou-se a possibilidade de integração entre uma educação financeira voltada ao consumo consciente e à preservação do patrimônio ecológico disponível na natureza, conferindo uma importante contribuição da temática para a sustentabilidade do meio ambiente e, consequentemente, para a formação crítica, reflexiva e sustentável dos estudantes. Ainda assim, não houve qualquer menção a respeito de sua implementação no ambiente de estudo.
Destarte, pouco ou nenhum esforço tem sido percebido em relação à implementação transversal e integradora da educação financeira no ambiente de estudo, embora os docentes tenham afirmado dispor de conhecimentos sobre as características, formas e demais configurações do ensino à luz da nova BNCC, aplicando-as nas aulas de suas disciplinas.
Partindo para uma visão mais holística a respeito da prática de educação financeira no lócus de estudo, percebe-se que as ações de ensino transversais e integradoras, conforme disposto na nova BNCC, ainda não foram implementadas. Além disso, não foram observadas nas falas dos participantes da pesquisa qualquer vestígio que indicasse futuras iniciativas de inserção da temática no currículo escolar, o que, inevitavelmente, desfavorece a formação integral dos estudantes.
Por fim, é necessário incentivar ações que promovam o ensino da educação financeira, no currículo dos cursos técnicos integrados do Ifac, para que se cumpra com aquilo que estabelece a nova BNCC, contribuindo, ainda, com práticas educativas integradoras que favoreçam o ensino e a aprendizagem da temática.