Introdução
Conceito central nos debates contemporâneos sobre políticas educacionais, “[...] a accountability vem sendo utilizada em conexão com políticas de avaliação, por meio das quais tende a se responsabilizar escolas, docentes e comunidade escolar pelos resultados educacionais alcançados por estudantes em exames externos aplicados em larga escala” (SCHNEIDER, 2019, p. 472). Apesar de essa ser uma das vinculações mais habituais, o uso de mecanismos de accountability pode estar associado a expressões como “[...] participação, transparência, controle social, fiscalização, democracia, dentre outros” (SCHNEIDER, 2019, p. 472).
Nos últimos anos, o tema tem despertado interesse de pesquisadores de distintas áreas de conhecimento. No entanto, estudos realizados por Ceneviva (2006), Schneider e Miguel (2019), entre outros, demonstram que a vinculação entre políticas de avaliação educacional e accountability permanece pouco explorada. Ao realizar um exercício de metapesquisa em teses brasileiras, Morais (2019) também conclui que se trata de um campo ainda em construção e com vastas possibilidades de análises.
Considerando a imprecisão semântica do termo, assim como a ascensão da accountability na agenda da política educacional, especialmente em países da América Latina, este artigo tem por objetivo explorar referenciais teóricos de produções científicas sobre políticas de avaliação educacional e accountability no Brasil e na Colômbia, por meio de um exercício de metapesquisa. Como recurso metodológico de análise do material selecionado, utilizamos referenciais metodológicos da metapesquisa, nomeadamente os que compreendem a perspectiva epistemológica e o posicionamento epistemológico dos autores, nos termos aludidos por Mainardes (2018) e Tello e Mainardes (2015).
Em conta dos apontamentos efetuados, iniciamos o texto com uma breve discussão sobre as interfaces entre as políticas de avaliação educacional e accountability, buscando demonstrar a vinculação delas com as discussões em torno da melhoria da qualidade da educação. Na sequência, evidenciamos a perspectiva epistemológica, o posicionamento epistemológico e os autores de referência anunciados nos textos afiliados a periódicos científicos colombianos e brasileiros, enfatizando elementos implicados na cosmovisão e nas teorias de conhecimento anunciadas pelos autores para sustentar as análises realizadas.
Políticas de accountability e suas interfaces com a avaliação educacional
Nas últimas décadas, com a emergência de um novo modelo internacional de desenvolvimento pautado na transformação produtiva, a educação tem sido alçada à condição de peça fundamental para o desenvolvimento econômico dos países em geral. Desse marco prioritário, que vem conferindo centralidade à educação na agenda política, tem sido recorrente a adoção, pelos governos nacionais, de medidas justificadas pela necessidade de melhorar as condições das aprendizagens dos estudantes, mormente dos da Educação Básica.
Inseridos no bojo das políticas que apregoam a necessidade de controle da qualidade educacional, estão os mecanismos nacionais e internacionais de avaliação externa em larga escala, apontados como medida necessária de gestão dos sistemas públicos de ensino. Dada a centralidade das avaliações como estratégia para assegurar determinados referenciais de qualidade, estudos como os de Afonso (2009), Ball (2004) e Neave (2001) apregoam que o Estado passou a assumir preceitos de um Estado Avaliador.
A expressão “Estado Avaliador” remonta à adoção de preceitos de mercado por meio da incorporação do modelo de gestão da esfera privada, com ênfase nos resultados ou nos produtos do sistema educativo. Afonso (2009) menciona que essas alterações são fruto da assunção da cultura gerencial e da consequente criação de mecanismos de controle e de prestação de contas, associadas a políticas de avaliação.
Na educação, estudos desenvolvidos por estudiosos brasileiros (BONAMINO; SOUSA, 2012; OLIVEIRA, 2012; SCHNEIDER; NARDI, 2019; SCHNEIDER; ROSTIROLA, 2015; SOUSA; ARCAS, 2010, entre outros) têm posto em evidência a ascensão de novas e mais sofisticadas formas de regulação do Estado na condução das políticas educacionais, nomeadamente as destinadas à Educação Básica. Como os autores destacam, essas novas formas tomam a responsabilização e a prestação de contas como vetores principais de regulação da Educação Básica, por parte do Estado, tendo nas avaliações externas em larga escala o mecanismo mais expressivo de aferição e controle da qualidade educacional.
Essas transformações nas políticas de avaliação favoreceram o surgimento de modelos de regulação por resultados e de implementação de políticas de accountability. Para Schneider e Nardi (2019, p. 43), a justificativa para a inserção de políticas dessa natureza estaria associada, especialmente, à “[...] possibilidade de, por meio deles, a sociedade civil poder exigir que instituições governamentais e representantes públicos eleitos por meio de sufrágio universal prestem contas pelo uso dos recursos públicos e se responsabilizem pelos resultados alcançados”.
Coerentes com os pressupostos do Estado-avaliador, várias iniciativas de associação entre a accountability e políticas de avaliação educacional ganham destaque a partir da década de 1990 (AFONSO, 2009; SCHNEIDER; BLIND DE MORAIS, 2018). Contudo, nos últimos anos, temos assistido à criação, por parte da maioria dos países, de diferenciadas experiências no campo da avaliação nacional e internacional com a emergência de políticas educacionais de orientação liberal neoconservadora. Essas experiências, pautadas principalmente na lógica da descentralização, responsabilização e meritocracia, constituem hodiernamente os propósitos da accountability (AFONSO, 2009; DIAS SOBRINHO, 2011). Esse modelo em curso pode desencadear a inversão das prioridades educacionais, em que a centralidade passa a ser a melhoria de índices e rankings que englobam os mais variados aspectos educacionais, tornando as avaliações educacionais um dos principais vetores por onde operam as formas de regulação e controle perpetradas pelo Estado no tocante às condições de implementação de um determinado referencial de qualidade educacional.
Como é possível verificarmos, ainda que ganhem novos contornos em conformidade com os tempos e os espaços nos quais é disseminado, o Estado Avaliador não sai “da ordem do dia” (AFONSO, 2013, p. 280), uma vez que temos assistido, nos últimos anos, à intensificação de políticas de avaliação associadas à accountability educacional. Importa, pois, questionarmos as finalidades e as consequências da associação entre accountability e avaliação educacional em alguns países, especialmente os que atrelam o financiamento da educação aos resultados obtidos por estudantes nas provas e nos exames estandardizados, com fortes indícios economicistas, desconsiderando outras variáveis igualmente importantes nas condições de melhoria educacional, tais como a formação dos profissionais que atuam na educação, as condições de trabalho nas instituições de ensino e as condições socioeconômicas e culturais dos estudantes.
O caminho da investigação
Na literatura sobre o tema, são encontradas diferentes estratégias metodológicas destinadas a analisar o campo teórico de uma determinada área de conhecimento, de modo a examinar a produção existente, seus enfoques, temas recorrentes e lacunas existentes (ROMANOWSKI; ENS, 2006). Entre elas, destacam-se a revisão de literatura, o estado da arte, a revisão sistemática e a meta-análise. Essas estratégias contribuem para o acompanhamento das transformações e inovações dos diferentes campos temáticos e respectivas áreas do conhecimento, bem como explorar referenciais teóricos conducentes à análise de políticas educacionais.
Uma das estratégias metodológicas mais difundidas nos estudos que analisam o campo teórico da política educacional é a metapesquisa. Essa metodologia de análise tem por finalidade “[...] identificar como os pesquisadores do campo estão desenvolvendo suas ideias e proposições, baseando-se em determinados referenciais teóricos e metodológicos” (TELLO; MAINARDES, 2015, p. 169). Os estudos que utilizam a metapesquisa analisam, de forma prioritária, os aspectos teórico-epistemológicos das investigações no campo da política educacional.
Considerando a polissemia do conceito de accountability, as diferentes proposições teóricas e metodológicas em investigações que associam a accountability às políticas de avaliação educacional, entendemos ser necessária a realização de um levantamento minucioso dos aspectos teórico-epistemológicos que caracterizam os estudos sobre esse campo temático.
De acordo com Tello (2012) e Tello e Mainardes (2015), a investigação dos fundamentos teóricos e o seu significado no desenvolvimento de um campo temático compreende a análise de três elementos: a perspectiva epistemológica, o posicionamento epistemológico e o enfoque epistemetodológico. Segundo Tello e Mainardes (2015, p. 156), a perspectiva epistemológica refere-se “[...] à cosmovisão que o investigador assume para guiar a sua pesquisa”. Derivado dessa perspectiva, o posicionamento epistemológico está relacionado “[...] às correntes teóricas próprias do campo” (TELLO; MAINARDES, 2015, p. 156) e, por isso, possuem relação tanto com o conteúdo empírico como também com os aspectos teóricos de um determinado campo de investigação. Por fim, o enfoque epistemetodológico está implicado no modo como se constrói “[...] metodologicamente a pesquisa a partir de uma determinada perspectiva epistemológica e de um posicionamento epistemológico” (TELLO; MAINARDES, 2015, p. 156).
O estudo desses elementos é desenvolvido considerando-se quatro etapas: 1) definição dos propósitos da metapesquisa e da amostra. Nessa etapa, é importante que o metapesquisador defina quais os propósitos/as intenções com a realização da metapesquisa e, também, realize o levantamento e a definição de uma amostra de trabalhos que atenda o propósito da pesquisa. 2) A segunda etapa remete à organização e à sistematização dos textos da amostra - é o momento em que informações como referência, resumo, palavras-chave, dentre outros, serão registrados em planilhas. 3) Após a organização e a sistematização dos textos, o metapesquisador deverá realizar a leitura sistemática e análise dos textos da amostra. 4) Na última etapa, que consiste na integração dos dados e na redação do relatório, o metapesquisador deverá redigir um texto/relatório explorando os dados coletados (MAINARDES, 2021).
Tendo por referência os propósitos da metapesquisa e suas etapas, o presente estudo foi organizado considerando-se a articulação entre os seguintes elementos: a perspectiva epistemológica, o posicionamento epistemológico e os autores de referência. Para os objetivos deste trabalho, não será desenvolvida a análise do terceiro elemento da metapesquisa, apontado por Tello (2012) e Tello e Mainardes (2015), qual seja, o enfoque epistemetodológico. No entanto, buscamos aprofundar a análise da perspectiva epistemológica nos trabalhos do corpus analítico por meio do levantamento dos autores de referência.
A indicação de autores de referência não diz respeito ao quadro teórico ou referencial teórico, conforme tratam alguns manuais de elaboração de pesquisas acadêmicas, tampouco se trata de indicar as referências bibliográficas. Enquanto essa última se refere ao conjunto de fontes citadas ao longo de um trabalho científico, o quadro ou referencial teórico destina-se a demonstrar as teorias ou os conceitos que dão sustentação às análises. De forma distinta, os autores de referência dizem respeito àqueles utilizados para demarcar as teorias ou os conceitos a que se refere o tema investigado e que, no seu conjunto, compõem o quadro ou referencial teórico da pesquisa. Nesse sentido, no exercício de metapesquisa aqui desenvolvido, o levantamento dos autores de referência tem por finalidade identificar as fontes dos conceitos basilares nos estudos que tomam as políticas de avaliação educacional e accountability como descritores principais.
Considerando os apontamentos efetuados, a metodologia adotada neste estudo foi desenvolvida tendo em conta quatro etapas. Inicialmente foram mapeados os artigos acadêmicos1 publicados em periódicos científicos disponibilizados em repositórios vinculados a Instituições de Educação Superior do Brasil e da Colômbia sobre o tema “accountability em interface com avaliação educacional”, no período de 2009-2019. A busca foi realizada nas seguintes bases de dados digitais de acesso aberto: Google Acadêmico, Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Rede de Revistas Científicas da América Latina e Caribe, Espanha e Portugal (Redalyc). Para realizar o levantamento, fizemos uso de dois descritores em associação: accountability e educação e política de avaliação educacional e accountability.
Na segunda etapa, foram selecionados apenas os trabalhos em que os descritores estavam presentes no título, palavras-chave e resumos. Dessa forma, compuseram a amostra 21 artigos publicados na Colômbia e 64 artigos publicados no Brasil. Os textos foram registrados em planilhas, contendo informações como: ano de publicação, referência completa, resumo, periódico no qual foi publicado e tema do estudo.
Na terceira etapa, foi realizada uma leitura sistemática dos artigos para identificação da perspectiva epistemológica e do posicionamento epistemológico explicitado pelos investigadores. Por fim, na última etapa, a partir da leitura sistemática dos textos, foram selecionados aqueles em que os autores explicitam informações acerca da perspectiva epistemológica, posicionamento epistemológico e os autores de referência. Os artigos em que os investigadores não faziam menção a um ou a outro aspecto foram excluídos do corpus. Assim, constituem objeto de análise sete artigos da Colômbia e 14 do Brasil.
Para realizar as análises, agrupamos os trabalhos em seis blocos, quais sejam: a) artigos em que os autores declararam a perspectiva epistemológica, autores de referência e o posicionamento epistemológico; b) artigos em que a perspectiva epistemológica e os autores de referência foram declarados; c) artigos em que apenas os autores de referência foram declarados pelos autores; d) artigos em que apenas a perspectiva epistemológica foi declarada pelos autores; e) artigos em que os autores de referência e o posicionamento epistemológico foram declarados pelos autores; f) artigos em que apenas o posicionamento epistemológico foi declarado pelos autores. Os blocos foram definidos com base nas informações declaradas, de forma explícita, pelos investigadores nos trabalhos.
Análise das produções da Colômbia
Na Colômbia, compuseram o corpus de análise 21 artigos publicados entre os anos de 2009-2019. Os anos de 2010 e 2018 foram os que mais se destacaram no número de produções (quatro artigos publicados por ano). Em se tratando do local de publicação, a Revista Educación y Ciudad é a que concentra o maior número de publicações no período (quatro publicações). Contudo, pudemos perceber que prevalece certa dispersão em relação aos periódicos nos quais os artigos do corpus foram publicados. Um aspecto que chamou atenção foi que a maioria dos artigos foi publicada em periódicos que não possuem relação com a área da educação, entre os quais se destacam periódicos vinculados às áreas do Direito, Engenharias e Economia.
Em relação às temáticas relacionadas, prevalecem, na Colômbia, produções que tratam do tema da qualidade educacional, bem como temáticas relacionadas à administração pública, gerencialismo e suas interfaces com a accountability, assim como estudos que se preocupam em investigar o sistema de avaliação implementado no país.
Em se tratando das características dos artigos quanto à perspectiva epistemológica, o posicionamento epistemológico e os autores de referência, o Quadro 1 apresenta uma síntese dos principais achados após leitura integral de todas as produções. É importante mencionarmos que, em 15 artigos, que representa 71,4% do corpus analítico, os autores não declararam um dos seguintes aspectos: perspectiva epistemológica, posicionamento epistemológico e/ou autores de referência. Considerando esses achados, essa etapa de levantamentos foi constituída por um conjunto de seis artigos (28,6%), cujos autores declaram a perspectiva epistemológica, o posicionamento epistemológico ou os autores de referência.
Título do artigo | Ano | Perspectiva epistemológica | Posicionamento epistemológico |
Autores de referência | |
---|---|---|---|---|---|
1 | Modernización del Estado y de la Administración Pública en Colombia, la política pública de rendición de cuentas social y el fortalecimiento de la democracia | 2013 | Jurídico-política | Não informado | Não informado |
2 | La Calidad, las competencias y las pruebas estandarizadas: una mirada desde los Organismos Internacionales | 2017 | Epistemologia-crítica | Crítico | Inés Aguerrondo Pablo Gentili Libia Niño e Antonio Gamma Juan Álvarez |
3 | Crítica de las políticas de evaluación externa de Colombia y Brasil | 2019 | Materialismo histórico-dialético | Crítico | Maria Ciavatta Franco Karel Kosik Henri Lefebvre Karl Marx e Friedrich Engels |
4 | Trabajo Docente y Políticas de Evaluación Externa en Colombia Y Brasil | 2019 | Materialismo histórico-dialéctico | Crítico | Maria Ciavatta Franco Karel Kosik Enrique Dussel |
5 | Determinantes de la calidad de la educación media en Colombia: un análisis de los resultados Pisa 2006 y del Plan Sectorial “Revolución Educativa” | 2011 | Não informada | Não informado | Eric A. Hanushek Alejandro Mina Calvo |
6 |
El Diseño Institucional para la rendición de cuentas. Una valoración del caso colombiano gestión y política pública |
2015 | Não informada | Não informado | Mark Bovens Thomas Schillemans |
Fonte: Elaborado pelos autores tendo por base o corpus de artigos (2009-2019).
Seguindo as etapas da metapesquisa e conforme já mencionado no detalhamento do caminho da investigação, as produções da Colômbia foram categorizadas tendo por base os seguintes blocos: a) artigos em que os autores declararam a perspectiva epistemológica, o posicionamento epistemológico e os autores de referência; b) artigos em que a perspectiva epistemológica e os autores de referência foram declarados; c) artigos em que apenas os autores de referência foram declarados; d) artigos em que apenas a perspectiva epistemológica foi declarada pelos autores; e) artigos em que os autores de referência e o posicionamento epistemológico foram declarados pelos autores; f) artigos em que apenas o posicionamento epistemológico foi declarado pelos autores.
No primeiro bloco, encontram-se as produções 2, 3 e 4, que dizem respeito àquelas em que os investigadores explicitam a perspectiva epistemológica, os autores de referência e o posicionamento epistemológico. Observamos que teve destaque a perspectiva marxista, pois aparece em dois trabalhos, seguida da epistemológico-crítica. Foi possível identificarmos, ainda, que, nas três produções, há coerência entre a perspectiva epistemológica, os autores de referência e o posicionamento epistemológico declarado pelos investigadores. Entre os autores apresentados como referência, há desde aqueles que possibilitam uma visão mais ampla sobre a ciência, o conhecimento e a epistemologia, como Marx e Engels e Kosik, quanto os que tratam especificamente do tema enfocado no estudo, a exemplo de Gentili, Niño y Gamma, Aguerrondo e Álvarez.
No segundo bloco, que remete aos artigos em que a perspectiva epistemológica e os autores de referência foram declarados, nenhuma produção foi localizada. Por sua vez, o terceiro bloco de trabalhos (5 e 6) corresponde àqueles em que os investigadores anunciaram apenas os autores de referência. A análise dos autores de referência permitiu evidenciar que tanto os autores quanto às obras citadas possuem relação direta com os temas enfocados nos estudos - assim, a temática central dos textos focaliza a accountability na sua articulação com temas da qualidade, política e educação. Nesse conjunto de artigos, evidenciamos que há uma certa preocupação dos investigadores em anunciar os autores de referência, porém a articulação com a perspectiva epistemológica não fica claramente evidenciada.
No quarto grupo de trabalhos, situa-se uma produção (1), em que o investigador declarou apenas a perspectiva epistemológica, sendo ela apresentada no resumo e não mais retomada durante as análises tecidas no estudo. Observamos, ainda, que, apesar de o autor utilizar um conjunto vasto de autores no desenvolvimento do artigo, os autores de referência não foram informados.
Em relação ao quinto e ao sexto blocos - artigos em que os autores de referência e o posicionamento epistemológico foram declarados pelos autores e artigos em que apenas o posicionamento epistemológico foi declarado pelos autores -, não identificamos produções na Colômbia que atendessem a essas características.
A análise das produções da Colômbia permitiu evidenciarmos que ainda são escassos os artigos em que os autores explicitam suas perspectivas epistemológicas. Outro aspecto que merece destaque se volta ao fato da não explicitação do posicionamento epistemológico do investigador, o que dificulta analisar a reflexividade epistemológica (TELLO, 2012) sobre o processo de investigação e também pode indicar que os autores adotam uma certa concepção de neutralidade (TONIETO; FÁVERO, 2021) em seus estudos.
No que tange aos autores de referência, verificamos que Maria Ciavatta Franco e Karel Kosik são citados em duas produções, que, por sinal, foram escritas pelo mesmo investigador. Em relação aos demais trabalhos, não há incidência no uso de autores de referência, o que demonstra que são mobilizados autores diferentes para discutir o tema da accountability e suas interfaces com a avaliação educacional.
Análise das produções do Brasil
Compuseram o corpus de análise 64 artigos publicados em periódicos brasileiros, entre os anos de 2009 e 2019. As publicações sobre “accountability em interface com avaliação” tiveram maior ênfase a partir de 2012. No ano de 2011, não foram localizadas produções que tratam sobre o tema, enquanto o ano de 2015 foi o mais profícuo (13 artigos), seguido dos anos de 2013 (um artigo) e 2014 (dez artigos).
O conjunto de artigos que compõem o corpus foi publicado em 35 periódicos diferentes, sendo dois deles com maior concentração. Educação & Sociedade é o periódico que concentra o maior número de publicações no período, seguido pela Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (RBPAE). Contudo, pudemos perceber que prevalece certa dispersão em relação aos periódicos nos quais os artigos foram publicados. As temáticas mais enfocadas nesses trabalhos dizem respeito à relação entre accountability e avaliação educacional, assim como entre avaliação educacional, política educacional e internacionalização da educação.
No que tange à perspectiva epistemológica, identificamos que em 50 trabalhos, que correspondem a 78,1% do corpus documental, os investigadores não explicitaram quaisquer um dos aspectos analisados (perspectiva epistemológica, posicionamento epistemológico e autores de referência). Assim sendo, essa etapa de levantamento foi constituída por 14 trabalhos (21,9%). O Quadro 2 sintetiza os principais achados.
Título do artigo | Ano | Perspectiva epistemológica | Posicionamento epistemológico | Autores de referência | |
---|---|---|---|---|---|
1 | Nova Gestão Pública na Noruega: O papel do contexto nacional na mediação da reforma educacional | 2015 | Teorias institucionais | Não informado | James Mahoney e Kathleen Thelen |
2 | Nova Gestão Pública e educação: a trajetória da política do Quebec de “Gestão Orientada por Resultados” | 2015 | Sociologia da ação pública | Não informado | Stephen Ball Pierre Muller |
3 | Estado Avaliador, accountability e confiança na instituição escolar | 2014 | Abordagem sociológica das Teorias da confiança | Não informado | Não informado |
4 | O discurso da qualidade da educação e o governo da conduta docente | 2014 | Não informada | Não informado | Michel Foucault Ernesto Laclau |
5 | “Educar para crescer” ou auditar para crescer? governando para o desenvolvimento | 2015 | Estudos Culturais | Não informado | Michel Foucault |
6 | O contexto da consolidação das avaliações em larga escala no cenário brasileiro | 2019 | Não informada | Não informado | Stuart Hall Michael Apple |
7 | Accountability política e a circularidade educação-cidadania | 2013 | Pensamento Complexo | Não informado | Humberto Mariotti |
8 | Do controle estatal às formas de responsabilização: a autonomia do professor coordenador | 2013 | Não informada | Não informado | Stephen Ball Michel Foucault |
9 | O potencial do Ideb como estratégia de accountability da qualidade da educação básica | 2013 | Não informada | Não informado | Almerindo Janela Afonso |
10 | Performatividades e fabricações na economia educacional: rumo a uma sociedade performativa | 2010 | Não informada | Análise crítica | Não informado |
11 | Para uma conceptualização alternativa de accountability em educação | 2012 | Não informada | Abordagem crítica | Não informado |
12 | A ambivalência dos efeitos da avaliação externa das escolas nas práticas escolares | 2018 | Não informada | Leitura crítica | Não informado |
13 | Privatização da educação pública - necessidade incontestável ou fim de um mito? | 2012 | Não informada | Abordagem crítica | Não informado |
14 | Políticas de avaliação e qualidade da educação. Uma análise crítica no contexto da avaliação externa de escolas, em Portugal | 2014 | Não informada | Análise crítica | Gilles Lipovestky José Gil |
Fonte: Elaborado pelos autores tendo por base o corpus de artigos (2009-2019).
Assim como as produções da Colômbia, os 14 trabalhos do Brasil foram organizados em seis blocos: a) artigos em que os autores declararam a perspectiva epistemológica, o posicionamento epistemológico e os autores de referência; b) artigos em que a perspectiva epistemológica e os autores de referência foram declarados; c) artigos em que apenas os autores de referência foram declarados; d) artigos em que apenas a perspectiva epistemológica foi declarada pelos autores; e) artigos em que os autores de referência e o posicionamento epistemológico foram declarados pelos autores; f) artigos em que apenas o posicionamento epistemológico foi declarado pelos autores.
No primeiro bloco, que corresponde aos artigos em que os autores declararam a perspectiva epistemológica, o posicionamento epistemológico e os autores de referência, nenhuma produção científica foi identificada.
No segundo bloco, foram agrupadas as produções 1, 2, 5 e 7, que são aquelas em que os autores declararam a perspectiva epistemológica e os autores de referência. No que tange às perspectivas epistemológicas, observamos que não houve incidência/destaque de uma mesma perspectiva. Em relação aos autores de referência, em três trabalhos, identificamos que os autores citados são aderentes à perspectiva que enfatiza, conforme Tello e Mainardes (2015, p. 160), a “teoria do conhecimento, isto é, a teoria da produção de conhecimento”.
No terceiro bloco, foram incluídos os trabalhos em que os investigadores declararam apenas os autores de referência, o que corresponde às produções 4, 6, 8 e 9. Assim como já evidenciado nas produções da Colômbia, no Brasil, também foi possível identificarmos a presença de autores que possibilitam uma visão sobre a ciência, o conhecimento e a epistemologia, como Michel Foucault, Ernesto Laclau, Humberto Mariotti, James Mahoney e Kathleen Thelen. Correspondem, portanto, a autores de referência que podem contribuir para uma análise da perspectiva epistemológica dos autores dos artigos, porém não permitem avançar na explicação sobre as interfaces entre avaliação educacional e accountability como ocorre com os artigos que focalizam autores consagrados nessa área temática, como Stephen Ball, Almerindo Janela Afonso, entre outros.
O artigo número 3 foi incluído no quarto bloco. Nele, o autor explicita a perspectiva epistemológica assumida, sendo a abordagem sociológica das Teorias da Confiança.
O artigo número 12, em que os autores de referência e o posicionamento epistemológico foram declarados pelos autores, foi incluído no quinto bloco. Nesse artigo, o autor assume como posicionamento a análise crítica para tecer o seu percurso investigativo em relação às políticas de avaliação e qualidade educacional e mobiliza autores como Gilles Lipovestky e José Gil para compreender a realidade no âmbito de uma cultura-mundo e a identidade do sujeito.
No sexto bloco, que abrange os trabalhos 10, 11, 12 e 13, os autores informaram apenas o posicionamento epistemológico, sendo a abordagem crítica a que prevalece. Fica evidente, nessas produções, a preocupação dos autores em demarcar a sua posição/olhar em relação ao objeto de estudo e ao processo de investigação.
De forma geral, a análise das produções permitiu constatar certa dispersão nas perspectivas epistemológicas assumidas pelos autores dos artigos científicos sobre as interfaces entre políticas de avaliação educacional e accountability. No que tange aos autores de referência, esses foram informados em nove trabalhos, sendo os mais citados Michel Foucault (21,4%) e Stephen Ball (14,9%).
É importante mencionarmos que esses autores não tratam diretamente da avaliação educacional em associação com mecanismos de accountability, mas auxiliam na compreensão do contexto no qual essas políticas surgem e ganham proeminência, assim como na tessitura de análises críticas acerca dos usos da avaliação em interface com accountability. Logo, oferecem uma importante contribuição para a compreensão das perspectivas epistemológicas que possibilitam auxiliar nas análises sobre as interfaces entre avaliação e accountability nas reformas educacionais hodiernas. Outra constatação, observada igualmente nas produções da Colômbia, diz respeito a pouca expressividade de artigos, uma vez que apenas 35,8% dos autores informam o posicionamento epistemológico.
Balanço da produção acadêmica
O balanço dos artigos sobre accountability e suas interfaces com a avaliação educacional evidencia uma produção de conhecimento em franca expansão, principalmente no Brasil, porém ainda incipiente na Colômbia. De forma geral, observamos que poucos são os trabalhos, tanto do Brasil (21,9%) como da Colômbia (28,6%), em que os investigadores se preocupam em explicitar os aspectos epistemológicos, o posicionamento epistemológico e os autores de referência utilizados para análise dos dados e informações coletados.
Em relação às perspectivas epistemológicas, observamos certo distanciamento entre as utilizadas na Colômbia e no Brasil, ainda que poucos são os artigos científicos em que seus autores as explicitam. Essa fragilidade também foi apontada por Bello, Jacomini e Minhoto (2014), Mainardes (2009), Mainardes e Stremel (2020) e Tonieto e Fávero (2021), em estudos sobre a produção científica em políticas educacionais. Trata-se, portanto, de uma propensão que adentra o campo temático das políticas de avaliação educacional e accountability.
Em relação aos nove artigos em que os autores informam a perspectiva epistemológica, foi possível evidenciarmos uma articulação coerente com os autores de referência utilizados por eles no texto. Ainda, há uma certa preocupação desses autores na explicitação dos elementos conceituais que orientaram o percurso investigativo.
Ao analisarmos a totalidade de artigos científicos dos dois países, podemos considerar pouco expressivo o percentual de investigadores que destacam os autores de referência. A não explicitação de autores de referência torna difícil ao investigador demarcar a ancoragem teórica, principalmente nas produções em que é citado um conjunto diverso de autores. Em se tratando do estudo em pauta, prevalece, portanto, uma imprecisão na definição de um quadro teórico nos artigos analisados, principalmente que demarque as interfaces entre a avaliação educacional e accountability. Tal aspecto pode ser explicado na medida em que consideramos esse campo ainda em processo de consolidação, o que denota a necessidade de aprofundamento de teorias que permitam melhor compreender a accountability nas suas relações com a avaliação educacional.
No que tange ao posicionamento epistemológico, os cinco autores que o informam assumiram uma abordagem crítica sobre a relação entre avaliação educacional e accountability. A pouca incidência dessa informação nos artigos analisados remete a uma certa neutralidade do pesquisador no percurso investigativo, nos termos abordados por Tello e Mainardes (2015).
A falta de posicionamento epistemológico na apresentação dos resultados de uma investigação pode redundar em pesquisas centradas na análise descritiva. Embora importante e necessária na fase exploratória de uma investigação, a análise descritiva não é suficiente quando o interesse do investigador é o aprofundamento qualitativo do conhecimento científico sobre um determinado fenômeno. Esse tipo de análise é importante e necessário em estudos que buscam retratar comportamentos e tendências de fenômenos reais, por meio de resumo e descrição das características de um objeto de conhecimento. Contudo, se o interesse for o aprofundamento de um campo temático, tal como o que perseguimos no artigo em tela, a análise descritiva é insuficiente uma vez que dificulta atingir a essência do fenômeno.
De forma geral, o balanço das produções atenta para a necessidade de uma maior vigilância epistemológica (BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON, 2002, p. 12) por parte dos investigadores que se enveredam no campo temático da relação entre avaliação educacional e accountability, uma vez que fragilidades epistemológicas podem incidir na qualidade e na confiabilidade das pesquisas.
Considerações finais
O propósito do estudo a que se refere este artigo foi explorar referenciais teóricos de produções científicas sobre políticas de avaliação educacional e accountability, por meio de um exercício de metapesquisa. O corpus documental foi constituído por uma representação de 21 artigos publicados na Colômbia e 64 publicados no Brasil, no período 2009-2019, que versavam sobre o tema da avaliação educacional em associação com o da accountability.
Os resultados da análise denotam que a explicitação da perspectiva epistemológica, do posicionamento epistemológico e dos autores de referência não se constituíram em uma preocupação iminente dos autores dos artigos analisados, quer seja no Brasil, quer seja na Colômbia. Ao longo das análises, evidenciamos fragilidades epistemológicas na produção de conhecimento sobre o tema, o que indica a permanência de problemas e obstáculos já indicados por pesquisadores como Jacomini e Silva (2021) e Tonieto e Fávero (2021) quando se referem aos estudos sobre políticas educacionais. As fragilidades epistemológicas são um desafio para os pesquisadores de distintas áreas do conhecimento e merecem especial atenção, uma vez que incidem diretamente na forma como o investigador se relaciona com o seu objeto de estudo e na qualidade das produções.
Por fim, chamamos atenção para a necessidade de uma maior solidez na delimitação dos aspectos teórico-epistemológicos em estudos sobre políticas de avaliação educacional e suas interfaces com a accountability, com vistas a contribuir para o aprofundamento de um campo temático em franca ascensão nos dois países que compõem o recorte geográfico deste estudo. Apesar das fragilidades epistemológicas identificadas, a análise dos artigos do Brasil e da Colômbia revela a existência de um campo vasto para estudos futuros sobre os referenciais teóricos na produção científica que toma as políticas de avaliação educacional e accountability como campo temático de investigação.