Introdução
Sob a influência dos movimentos internacionais ancorados na “Educação para Todos”, o Brasil instituiu uma ampla reforma na Educação. Na reforma educacional, a educação especial foi contemplada como uma possibilidade de democratização do ensino. A Educação Especial, prevista na CF/1988, é regulamentada pela LDBEN nº 9.394/96, sendo definida como modalidade de ensino a ser ofertada, preferencialmente, na rede regular de ensino aos alunos com deficiência (BRASIL, 1996).
Após doze anos, a Política de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), reafirma o proposto pela LDBEN nº. 9.394/96, ou seja, a educação especial deverá deixar de ser paralela ao ensino comum e passa a transversalizar todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, disponibilizando recursos e serviços e realizando o AEE, complementar e/ou suplementar à formação escolar dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação matriculados na rede regular de ensino (BRASIL, 2008).
O Estado de Santa Catarina, com a intenção de efetivar a educação inclusiva e seguir as orientações nacionais, as quais são pautadas nas internacionais, no ano de 2006, por meio da Secretaria de Educação do Estado (SED) e Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), com base nos preceitos legais, institui o documento que define a Política de Educação Especial do Estado. A PEE do estado de SC é respaldada em âmbito nacional pela CF/1988; pela Lei nº 8.069, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990); pela Lei nº 9.394/96 e pela Resolução nº. 02 do CNE/CEB 02/2001.” (SANTA CATARINA, 2006a, p. 10).
Após sua elaboração, a referida Política foi ratificada e aprovada pelo Conselho Estadual de Educação (CEE), instituída pela Resolução no.112/2006 (SANTA CATARINA, 2006b). A referida Resolução aponta para a adoção de uma perspectiva ligada à educação inclusiva, apropriando-se de conceitos e ações propostos em âmbito nacional, conforme aponta em seu artigo 1°:
A Educação Especial integra o Sistema Estadual de Educação de Santa de Catarina, caracterizada como modalidade que demanda um conjunto de procedimentos e recursos específicos que visam ao ensino, à prevenção, à reabilitação e à profissionalização da pessoa com deficiência, condutas típicas e altas habilidades. (SANTA CATARINA, 2006b).
Nessa perspectiva, a educação especial é concebida como uma modalidade transversal aos níveis de ensino, etapas e modalidades da educação básica, organizada para apoiar, complementar e suplementar a aprendizagem dos alunos com deficiência. Em SC a proposta se materializa com a implantação de serviços que se encontram nos documentos construídos pela FCEE em parceria com a SED, que demonstram aproximação com os documentos nacionais, sendo eles: a Política de Educação Especial do Estado de SC (2006) e o Programa Pedagógico (2009).
A Política de Educação Especial de SC, aprovada em 2006 pelo Conselho Deliberativo da FCEE, passou por uma atualização conceitual quando editada e publicada em 2009, tendo como referências as diretrizes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) e da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência – ONU (2006), sendo ratificada pelo Decreto nº 6.949/2009 (BRASIL, 2009).
Na atualização da Política de Educação Especial de SC, mantiveram-se alguns serviços e instituíram-se novas diretrizes, sendo elas: a) Público: estudantes com diagnóstico de deficiência, transtorno global do desenvolvimento, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade e altas habilidades/superdotação; b) Serviço de Atendimento Especializado (SAESP); c) Atendimento Educacional Especializado (AEE), com caráter complementar ou suplementar, disponibilizado nas suas especificidades; d) Atendimento em Classe: profissionais da educação especial atendendo concomitantemente a frequência do estudante na rede regular de ensino (segundo professor de turma, professor intérprete, instrutor de Libras, professor guia intérprete, professor bilíngue e segundo professor bilíngue) (SANTA CATARINA, 2009).
Frente a este contexto, o presente artigo tem como objetivo analisar a compreensão dos professores sobre a Política de Educação Especial de Santa Catarina no contexto de um Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA). De abordagem qualitativa, a pesquisa envolveu a participação de três professoras que atuam na Educação de Jovens e Adultos. A coleta de dados deu-se por meio de entrevistas semiestruturadas, as quais possibilitaram reflexões sobre como a Política de Educação Especial de SC é compreendida no contexto da instituição.
Processou-se a organização dos dados coletados seguindo critérios da análise de conteúdo. A análise de conteúdo, segundo Bardin (2009), é uma técnica de tratamento das informações que tem por finalidade identificar o que está sendo dito a respeito de um determinado tema e permite a inferência de conhecimentos pertinentes às condições de produção destas mensagens.
Para tanto, o artigo encontra-se dividido em três seções principais. Na primeira, apresenta-se a modalidade Educação de Jovens e Adultos em Santa Catarina; na segunda, apresentam-se como os professores de um Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA) compreendem a Política de Educação Especial de Santa Catarina; e na terceira seção, as considerações finais.
Metodologia
Com o objetivo analisar a compreensão dos professores sobre a Política de Educação Especial de Santa Catarina no contexto de um Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA), foi realizada pesquisa de abordagem qualitativa em um CEJA localizado no estado de Santa Catarina. Para o desenvolvimento da pesquisa, fez-se necessário realizar apresentações formais de acordo com as exigências acadêmicas e do Comitê de Ética em pesquisas com seres humanos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), nos termos do Parecer no 272/2012.
Para as professoras participantes da pesquisa, se fez uso dos códigos PR, para a Professora Regente, acrescido dos numerais 1; SP1, para a Segunda Professora; e PSRM, para a Professora da Sala de Recursos Multifuncionais.
Com as autorizações assinadas e com a permissão para acesso ao campo, iniciou-se a coleta de dados com o seguinte instrumento: entrevistas semiestruturadas com as professoras (PR1, SP1 e PSRM). As entrevistas se constituíram em uma conversa intencional entre o pesquisador e os participantes da pesquisa, por meio da qual se procurou obter informações sobre cada sujeito da pesquisa e suas percepções a respeito de aspectos do contexto em que estão inseridos.
Segundo Bauer e Gaskel (2002), a entrevista semiestruturada possibilita maior flexibilidade nas respostas, facilitando a exposição do tema proposto. Nesse sentido, elaborou-se roteiro de entrevista que, para Bauer e Gaskell (2002, p. 66), “é parte vital do processo de pesquisa e necessita de atenção detalhada [...]”, pois, por “detrás de uma conversação aparentemente natural e quase casual encontrada na entrevista bem-sucedida, está um entrevistador muito bem-preparado”.
Para o registro das falas, utilizou-se um gravador. Cada entrevista teve a duração entre 30 e 90 minutos. Posteriormente, se fez a transcrição das entrevistas na íntegra e devolveu-se seu conteúdo a cada professora participante entrevistada para que pudesse validar as informações. Esse procedimento se revelou como um facilitador desse momento, pois deixou as entrevistadas à vontade para falarem, uma vez que teriam acesso ao conteúdo de seus depoimentos para rever e confirma-los ou não.
Após, realizou-se a análise de acordo com a análise de conteúdo, que, segundo Bardin (2009), é uma técnica de tratamento das informações que tem por finalidade identificar o que está sendo dito a respeito de um determinado tema e permite a inferência de conhecimentos pertinentes às condições de produção destas mensagens.
Mediante a apresentação dos elementos que constituem a pesquisa, iniciar-se-á o processo de investigação empírica com a produção de dados por meio da entrevista semiestruturada, a qual apresentará questionamentos sobre como os professores que atuam na Educação de Jovens e Adultos compreendem a Política de Educação Especial do estado de Santa Catarina.
A Educação de Jovens e Adultos em Santa Catarina
A Educação Básica no estado de Santa Catarina é composta pela Educação Infantil, pelo Ensino Fundamental, pelo Ensino Médio e por modalidades de ensino. As modalidades de ensino, segundo a Resolução CNE/CEB nº 4/2010, seguindo a definição da LDBEN Nº 9.394/1996 e demais atos legais são: Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial, Educação Profissional e Tecnológica, Educação do Campo, Educação Indígena, Educação Quilombola e Educação a Distância (BRASIL, 2010).
No contexto desta pesquisa, destaca-se a modalidade da Educação de Jovens e Adultos, a qual, de acordo com a LDBEN Nº 9.394/1996, Art. 37, é destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no Ensino Fundamental e no Médio na idade própria. Nesse sentido, se expõem os dados do Censo Escolar do INEP (2021) referentes ao cenário de matrículas oficiais no estado de Santa Catarina na referida modalidade (Figura 1).
Em Santa Catarina, a modalidade de ensino EJA é ofertada por meio das redes de ensino pública e privada, sendo que a Rede Estadual de Ensino trabalha em parceria com os municípios e diferentes entidades, com turmas formadas em espaços urbanos, do campo, de privação de liberdade, indígena e quilombolas (SANTA CATARINA, 2015). Segundo o Plano Estadual de Educação, a Educação de Jovens e Adultos, prevista na Constituição Federal/1988 e regulamentada pela Lei Nº 9.394/1996 como modalidade da Educação Básica, tem se tornado um importante instrumento para a universalização dos direitos humanos e a superação das desigualdades (SANTA CATARINA, 2015).
Porém, em uma perspectiva histórica, cabe destacar que as discussões sobre a Educação de Jovens e Adultos em Santa Catarina inicialmente foram tímidas, até a consolidação do projeto que garantisse, em âmbito legal, a modalidade como direito. Os debates sobre a modalidade iniciaram-se nesse estado na década de 1990, por meio de seminário proposto pela Secretaria de Educação (SED) e pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). No seminário, foi elaborada a Proposta Curricular para a EJA, que se consolidou como documento somente em 1998, na Proposta Curricular de SC. O texto preconiza, segundo a Proposta Curricular de SC (1998, p. 36), o que propõe a LDBEN Nº 9.394/96, tendo como objetivo fazer uma primeira abordagem do tema fundamentada nos pressupostos da perspectiva histórico-cultural.
A Proposta Curricular de SC (1998, p. 39) destaca que a modalidade da Educação de Jovens e Adultos está ancorada na perspectiva histórico-cultural e que “melhorar a qualidade de vida do homem catarinense, assegurando o acesso à cultura erudita e ao conhecimento científico é condição básica para a conquista da cidadania.”
Ainda na década de 1990, ocorreu, em todo país, o estímulo à “formação dos Fóruns Regionais dessa modalidade de ensino”, isto é, os Fóruns da EJA (BRASIL, 2015). No Brasil, a criação dos Fóruns da EJA deu-se no contexto dos encontros preparatórios da V CONFITEA, realizada em julho de 1997, em Hamburgo, na Alemanha. Em Santa Catarina, o Fórum de Educação de Jovens e Adultos (FEJA/SC) iniciou suas atividades em 1998. Na trajetória histórica do Fórum em SC, encontram-se inúmeras atividades que podem ser categorizadas como formação política e pedagógica: Encontros Estaduais, Seminários de EJA e mesmo plenárias ordinárias de discussão e encaminhamentos.
No contexto das atividades realizadas pelo FEJA/SC, destaca-se a participação do Fórum Estadual de Santa Catarina no processo de preparação para a VI CONFINTEA, registrada no Relatório Final, “Encontro estadual da Educação de Jovens e Adultos de Santa Catarina preparatório para a VI CONFINTEA. Educação e Aprendizagem de Jovens e Adultos ao Longo da Vida (2008).”
A partir das discussões internacionais e nacionais, o estado de Santa Catarina firmou compromisso com a modalidade de ensino EJA. Com o compromisso firmado, a Educação de Jovens e Adultos, em 1999, por meio da Portaria E/152/SED, em Santa Catarina, passou a denominar-se Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA), adequando-se à LDBEN/96, atendendo nos níveis de Alfabetização, Nivelamento, Ensino Fundamental e Médio. Os Centros de Educação de Jovens e Adultos de SC são divididos em cinco polos:
Norte, Sul, Vale do Itajaí, Planalto e Oeste, os quais se constituem em espaços importantes para discussões entre as gerências regionais e os CEJAs, de modo que possam unificar procedimentos e estabelecer o consenso por meio do diálogo a partir das políticas estaduais, legislação em vigor e das especificidades regionais, considerando a diversidade e as identidades. (SANTA CATARINA, 2005, p.120).
Considerando a diversidade que compõe a Educação de Jovens e Adultos, a Secretaria de Educação de SC possui 402 Centros de Educação de Jovens e Adultos com projetos diferenciados espalhados por todo o estado. Os CEJAs coordenam as Unidades Descentralizadas (UDs); o Núcleo Avançado de Ensino Supletivo (NAES) e a Educação de Jovens e Adultos (Alfabetização, Nivelamento, Ensino Fundamental e Médio). Coordena, também, o Programa Educação em Espaços de Privação e Liberdade.
Como os professores de um Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA) compreendem a Política de Educação Especial em Santa Catarina
O Estado de SC, com a intenção de efetivar a educação inclusiva e seguir as orientações nacionais, no ano de 2006, por meio da Secretaria de Educação do Estado e da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE)3, com base nos preceitos legais, instituiu o documento que define a Política de Educação Especial do Estado. Tal política é respaldada em âmbito nacional pela “CF/1988; pela Lei nº 8.069, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990); pela Lei nº 9.394/96 e pela Resolução nº. 02 do CNE/CEB 02/2001” (SANTA CATARINA, 2006a, p. 10).
Após a elaboração, a Política de Educação Especial de SC foi ratificada e aprovada pelo Conselho Estadual de Educação (CEE) e instituída pela Resolução Nº 112/2006 (SANTA CATARINA, 2006b), a qual aponta para a adoção de uma perspectiva ligada à educação inclusiva por meio da apropriação de conceitos e ações propostas em âmbito nacional, conforme aponta seu Art. 1°:
A Educação Especial integra o Sistema Estadual de Educação de Santa de Catarina, caracterizada como modalidade que demanda um conjunto de procedimentos e recursos específicos que visam ao ensino, à prevenção, à reabilitação e à profissionalização da pessoa com deficiência, condutas típicas e altas habilidades. (SANTA CATARINA, 2006b).
A partir da Resolução Nº 112/2006, a inclusão escolar no estado de Santa Catarina começou a ser subsidiada pela Política de Educação Especial. Aprovada em 2006, a Política de Educação Especial - SC passou por uma atualização conceitual quando editada e publicada em 2009, tendo como referências as diretrizes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) e a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2006), ratificada pelo Decreto Nº 6.949/2009 (BRASIL, 2009). Desse modo, cabe destacar que o estado de SC atualizou a Política de Educação Especial em 2009, com base nas Convenções Internacionais e documentos nacionais resultantes da mesma convenção.
Com a atualização da Política, a Educação Especial em SC passou a ser concebida como “uma modalidade que perpassa todos os níveis, etapas e outras modalidades de ensino, sem substituí-los, ofertando os recursos e serviços de acessibilidade aos estudantes segundo o seu público” (SANTA CATARINA, 2014, p.71). Considerando o caráter transversal da Educação Especial em todos os níveis e modalidades de ensino, ressalta-se que a inclusão de pessoas com deficiência nas classes comuns e na Educação de Jovens e Adultos em SC está ocorrendo de maneira mais acentuada nos últimos anos, como consequência da ampliação do acesso ao ensino regular. Os dados são apresentados na Figura 2.
Diante dos dados sobre a matrícula de alunos com deficiência na modalidade de ensino, entende-se que a EJA se tornou um espaço de inclusão. Desse contexto surgiu o seguinte questionamento: como ocorre a inclusão de jovens e adultos com deficiência no CEJA?
As professoras que atuam na modalidade de ensino e que participaram desta pesquisa, ao relatarem como ocorre a inclusão escolar no CEJA, referem-se aos serviços da Educação Especial, dando ênfase ao Segundo Professor como o principal responsável pelo processo de inclusão dos jovens e adultos com deficiência:
Então! A gente não faz distinção. Tratamos eles normal. Todos tratam normal na sala, na escola. A inclusão da pessoa com deficiência aqui no CEJA é boa porque alguns alunos com deficiência têm necessidade de alguém do lado deles, para ir trabalhando com eles o que eu ensino para turma, outros não precisam. Com o Carlos, por exemplo, quem trabalha com ele é o segundo professor. [...] essa sempre foi a função do segundo professor desde que eu comecei a trabalhar aqui. (PR1).
A inclusão aqui funciona igual a política do estado de educação especial. Eu, como Segundo Professor, ajudo o aluno com deficiência na sala de aula a entender o conteúdo e fazer as atividades para que ele possa ir acompanhando os outros e a inclusão dele aconteça. (SP1).
Aqui no CEJA a gente segue a política de educação especial. Os alunos com deficiência que precisam de ajuda têm o Segundo professor que fica ali explicando e ajudando nas atividades. E ainda tem o SAEDE, onde eu trabalho com eles. Tem todos os atendimentos necessários para a inclusão destas pessoas aqui no CEJA. (PSRM).
A PR1, ao mencionar “Então! A gente não faz distinção. Tratamos eles normal. Todos tratam normal na sala, na escola.”, evidencia que os jovens com deficiência na EJA são tratados igualmente em relação aos demais colegas. No entanto, as professoras também sinalizam, em suas falas, que a escolarização desses jovens está atrelada ao Segundo Professor, e não ao Professor Regente da turma.
O Segundo Professor é um dos serviços do Atendimento em Classe (AC) instituído nos documentos construídos pela FCEE em parceria com a SED: a Política de Educação Especial do Estado de SC (2009) e o Programa Pedagógico4 (2009). O AC ocorre em paralelo ao Atendimento Educacional Especializado, sendo caracterizado com a “atuação de um professor da área de Educação Especial em sala de aula ou profissional da área da saúde na escola, para atender os alunos de que trata o Programa Pedagógico matriculados nas etapas e modalidades da educação básica (SANTA CATARINA, 2009)”. Esse serviço se articula ao proposto no Decreto Nº 7.611/ 2011, que prevê apoio aos alunos com deficiência devidamente matriculados no ensino regular. Segundo o Programa Pedagógico, o Segundo Professor tem, como função, nas séries iniciais,
[...] contribuir, em função de seu conhecimento específico, com a proposição de procedimentos diferenciados para qualificar a prática pedagógica. Deve junto com o professor titular, acompanhar o processo de aprendizagem de todos os educandos, não definindo objetivos funcionais para uns e acadêmicos para outros. (SANTA CATARINA, 2009b, p.16).
Cabe destacar que a atuação do profissional da Educação Especial junto à sala de aula tem sido tema de pesquisas sobre a organização na escola inclusiva. Capellini (2004); Mendes (2006); Machado e Almeida (2010); Rabello (2012); Vilaronga, Zerbato, Zanata e Lago (2014); e Martinelli (2016), por exemplo, consideram que a parceria colaborativa entre professores da Educação Especial e da sala comum por meio do coensino pode se configurar como uma estratégia de suporte à escolarização do aluno com deficiência em sala de aula. Segundo Rabelo (2012), o coensino constitui
[...] mais uma filosofia de trabalho entre profissionais da educação com conhecimentos e experiências diferenciadas do que em uma metodologia de trabalho. É uma atitude filosófica e crítica de olhar para o colega de trabalho como parceiro e com ele construir uma experiência conjunta de trabalho pedagógico no contexto escolar e da sala de aula. (RABELO, 2012, p. 53).
Na mesma direção apontada por Rabelo (2012), Lago (2014) destaca o coensino como uma estratégia que visa atuar diretamente nas diversas necessidades educacionais dos alunos com deficiência, com o objetivo de melhorar e ampliar o suporte educacional para todos os alunos (LAGO, 2014, p.51).
Concorda-se com os autores citados de que o coensino favorece a organização de novas práticas para a aprendizagem de todos os alunos. Além disso, propicia o desenvolvimento profissional, pois possibilita que os professores reflitam “sobre as suas práticas”, pensem “novas formas de enfrentar as dificuldades” e outras maneiras de ensinar (MACHADO; ALMEIDA, 2010, p. 346).
No entanto, no CEJA, no contexto da prática, o Segundo Professor não exerce a função tal como consta na Política de Educação Especial do Estado de SC (SANTA CATARINA, 2009). Ball, Maguire e Braun (2016) destacam que, no contexto da prática, os textos políticos estão sujeitos a reinterpretações e recriações, produzindo efeitos e consequências muitas vezes traduzidas em mudanças significativas na política original.
A reinterpretação e a recriação na função do Segundo Professor são constatadas nas seguintes falas das professoras: “quem trabalha mais com ele é o segundo professor”. (PR1); “Eu, como Segundo Professor, ajudo o aluno com deficiência na sala de aula a entender o conteúdo e fazer as atividades para que ele possa ir acompanhando os outros e a inclusão dele aconteça.” (SP1) e “Os alunos com deficiência que precisam de ajuda têm o Segundo professor que fica ali explicando e ajudando nas atividades.” (PSRM).
As falas apresentadas permitem perceber que, ao invés de ocorrer a colaboração entre professores para a promoção da escolarização do jovem com deficiência, incide, em sala de aula, a particularização e a segregação, o que impossibilita a inclusão escolar. Sobre este aspecto, vale destacar que a Política de Educação Especial (2009) e o Programa Pedagógico (2009) evidenciam que o Segundo Professor “[...] deve, junto com o professor titular, acompanhar o processo de aprendizagem de todos os educandos, [...]” (SANTA CATARINA, 2009b, p.16), atendendo a todos indistintamente, sendo capaz de incorporar em colaboração com os demais professores práticas inclusivas, o que exigirá a transformação do cotidiano e, certamente, propiciará o surgimento de novas formas de organização escolar.
O atendimento preconizado pela Política de Educação Especial (2009) e pelo Programa Pedagógico (2009) traz, como alicerce, o caráter colaborativo, ou seja, o ensino colaborativo que, segundo Braun (2012, p. 75), tem, como objetivo, “a colaboração entre professores no desenvolvimento de atividades no cotidiano escolar, mais especificamente da sala de aula”. Na perspectiva desse ensino, os professores compartilham as decisões e são os responsáveis pelo processo pedagógico na turma, o qual visa favorecer as ações educacionais inclusivas.
O proposto pelos documentos sobre a função do Segundo Professor e o exposto por Braun (2012) sobre o ensino colaborativo levam ao entendimento de que a função desse profissional foi “[...] traduzida quando colocada em ação” (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016 p. 15). Segundo os autores, a tradução vincula-se à compreensão do texto dentro dos limites da ação, nos quais ocorre um processo de representação, reordenação, que se processa por meio de várias práticas materiais e discursivas. Nesse processo, são produzidos discursos e ações no interior das escolas, como novas relações, novos procedimentos e novas identidades que, por sua vez, materializam novas formas de organização das políticas.
Na materialização de novas formas de organização da política, os profissionais do CEJA, aos quais Ball, Maguire e Braun (2016) se referem como atores políticos, realizaram (re)leituras dos textos políticos. Segundo os autores, é nas releituras que ocorre a interação e a inter-relação entre diversos atores, textos, conversas, tecnologias e objetos (artefatos), e é onde a política é interpretada, traduzida, reconstruída e refeita no interior da escola.
A respeito da reconstrução da política no CEJA, a PR1 menciona que “quem trabalha com ele [o aluno com deficiência] é o segundo professor”, demonstrando a liberdade de recriá-la e reinventá-la, pois a política é “[...] interpretada de diferentes formas, uma vez que experiências, valores e interesses são diversos” (MAINARDES, 2006, p.53). Nesse sentido, entende-se que as políticas são versões sedimentadas de interpretações das interpretações.
Nesse movimento de interpretação, a PR1 também sinaliza que traduz a política a partir das condições histórico-culturais presentes na instituição, ao mencionar que “essa sempre foi a função do segundo professor” (trabalhar com o aluno com deficiência) “desde que eu comecei a trabalhar aqui.” Essas condições histórico-culturais são nomeadas por Ball (1994) como cultura escolar. Segundo Sacristán (1997, p. 34), “[...] a cultura escolar é uma caracterização ou, melhor dito, uma reconstrução da cultura, feita em razão das próprias condições nas quais a escolarização reflete suas pautas de comportamento, pensamento e organização”. Pletsch (2009, p. 72) explicita o exposto pelo autor ao mencionar que cultura “é o conjunto de crenças, valores e normas que orientam as práticas dos diversos agentes escolares [...] envolvidos no processo ensino-aprendizagem [...]”.
Apreende-se, com base no exposto pelos autores supracitados, que cada escola seja uma instituição única, estruturada sobre normas, crenças, valores e formas de pensamento que constituem a sua cultura. No entanto, a base para o entendimento da cultura escolar encontra-se nas concepções e nas práticas dos diversos atores que compõem o ambiente escolar, sendo que são esses atores que interpretam a política, que influenciam os rumos e a dinâmica de cada ação, ao invés de simplesmente implementá-las.
Ainda sobre a inclusão no CEJA, a PSRM mencionou que “O AEE é outro serviço que faz parte do processo de inclusão da pessoa com deficiência aqui no CEJA”. O Atendimento Educacional Especializado, segundo o Programa Pedagógico (2009), foi criado para substituir “[…] as Salas de Recursos e os Serviços de Apoio Pedagógico que foram redimensionados e, em sua especificação pela área de atendimento” (SANTA CATARINA, 2009, p. 24). Com a prerrogativa de um novo serviço,
[…] o Atendimento Educacional Especializado (AEE) foi designado por área de deficiência, com caráter complementar ou suplementar, implantados na rede regular de ensino ou em centros de atendimento especializados mantidos pelas APAEs. (SANTA CATARINA, 2009, p. 6).
No que tange à função do AEE, é perceptível semelhança na caracterização desse serviço com o AEE, proposto na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). A semelhança entre os serviços se encontra especificada na Resolução CNE/CEB Nº 4/2009, em seu Art. 2º, onde consta que
O AEE tem como função complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem. (BRASIL, 2009, p. 5).
Mediante o objetivo de promover a plena participação da pessoa com deficiência, bem como seu desenvolvimento e sua aprendizagem, o AEE mantém quatro atendimentos específicos: AEE/deficiência auditiva; AEE/deficiência visual; AEE/deficiência mental; e AEE/transtorno global do desenvolvimento (SANTA CATARINA, 2009).
No CEJA pesquisado, são ofertados o AEE/deficiência auditiva e o AEE/deficiência mental devido à matrícula de pessoas com as referidas deficiências na modalidade de ensino. Os AEEs ofertados no CEJA são mencionados pela PSRM como um “serviço que faz parte do processo de inclusão da pessoa com deficiência”. A fala da professora vai ao encontro do Programa Pedagógico (2009b), o qual aponta o AEE como aquele que se apresenta “[...] como uma das condições para o sucesso da inclusão escolar dos alunos com deficiência, condutas típicas e altas habilidades” (SANTA CATARINA, 2009b, p.12).
No contexto desse serviço, a Professora Responsável destaca que procura “no AEE, trabalhar considerando as necessidades especificidades de cada aluno”. Observa-se que a relação estabelecida por essa professora segue os preceitos contidos no Art. 13 da Resolução Nº 04/2009, a qual atribui ao professor do AEE a função de “identificar, elaborar, produzir e organizar serviços, recursos pedagógicos, de acessibilidade e estratégias considerando as necessidades específicas dos alunos público-alvo da Educação Especial” (BRASIL, 2009, p. 03). Na mesma direção, o Programa Pedagógico destaca que o profissional que atua no AEE deve considerar
[...] as diferentes áreas do conhecimento, os aspectos relacionados ao estágio de desenvolvimento cognitivo dos alunos, o nível de escolaridade, os recursos específicos para a sua aprendizagem e suas atividades de complementação e suplementação curricular. Deve, também, ser flexível para promover os diversos tipos de acessibilidade ao currículo, de acordo com as necessidades de cada contexto educacional. (SANTA CATARINA, 2009b, p.13).
Vale destacar que as ações do AEE devem ser articuladas com a sala de aula, de modo a favorecer situações que enriqueçam o currículo e viabilizem formas de o aluno participar do espaço da sala e apropriar-se de conhecimentos. Essa articulação é constatada na Resolução Nº 04/2009, Art. 13, inciso VIII, onde consta que o professor do AEE precisa articular com o professor de sala de aula estratégias e recursos para a acessibilidade e promoção da participação do aluno nas atividades escolares. No entanto, a PSRM afirmou que “Não temos tempo para sentar e conversar e muito menos planejar. Cada uma planeja suas atividades”, evidenciando as condições que os professores têm para a efetivação dessa proposta, ficando o trabalho – que deveria ser colaborativo – restrito a ações isoladas.
Além dos aspectos relacionados à atuação no AEE, esse serviço deve ser organizado no turno contrário ao ensino regular (SANTA CATARINA, 2009). Sobre essa organização, a professora do AEE relatou que,
[...] aqui, o AEE acontece no horário que o aluno frequenta o EJA. A gente faz assim!! Tira ele uma meia hora da sala para fazer atendimento. Ele faz o atendimento e volta para sala de aula. A gente faz o AEE, no mesmo período no turno que o aluno tá aqui. Pra que fazerem turno diferente.
Constata-se, pela fala da professora do AEE, que esse atendimento é ofertado no CEJA pesquisado no mesmo período que os jovens com deficiência frequentam a sala comum. No entanto, com a Resolução Nº 04/2009, a inclusão do aluno com deficiência no âmbito da escola regular, assim como o oferecimento do AEE no contraturno escolar, ganhou status de direito constitucional. Em decorrência dessa resolução, a antiga concepção de educação especial (substitutiva à escola comum) deu lugar à concepção vigente na atual Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008). Desde seu advento, a educação especial passou a ser uma modalidade transversal a todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, ou seja, não mais substitutiva à escola. Seu papel passou a ser, em essência, oferecer recursos, serviços e estratégias de acessibilidade para promover a inclusão escolar.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva representa um novo marco teórico e político na educação brasileira. Esse documento define a educação especial como modalidade não substitutiva à escolarização; estabelece o caráter complementar e suplementar do AEE à formação dos estudantes e determina o público-alvo da educação especial, constituído pelos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Frente ao destacado, vale ressaltar que na prática do CEJA, a política foi recriada pelos atores, produzindo efeitos e consequências que representam mudanças e transformações significativas na proposta da Política de Educação Especial. Essa recriação da política aponta que a escola ocupa uma identidade específica, sendo ela lugar concreto de trabalho e “lugar de decisão” (SILVA; LUNARDI-MENDES, 2012, p.180).
Ao realizarem alterações na política, os atores do CEJA do Vale do Itajaí denotam que possuem o controle do processo, não sendo meros implementadores de políticas. Isso permite entender que as políticas são colocadas em ação pelos atores mediante compromissos existentes, valores, experiências, ceticismo e críticas (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016), como mencionou a professora: “A gente faz o AEE, no mesmo período no turno que o aluno tá aqui. Pra que fazer em turno diferente [...].” Isso ocorre porque a escola é organizada por pessoas que, a partir de suas percepções e valores, leem e interpretam as políticas e diretrizes desse e para esse espaço, constituindo-o. Assim, as percepções e os valores são validados pelo contexto social em que vivem esses sujeitos que compõem a escola e pelos sentidos que nele transitam (BRAUN, 2010).
Entende-se que a Política de Educação Especial de SC, em sua configuração, articula serviços para contribuir com o processo de inclusão, mas não significa que os CEJAs tomem a sua orientação tal como foi escrito, pois há, nesse espaço, “redes de relações, outros discursos e práticas que vão delineando de maneira muito própria a autoridade cultural e as respostas às orientações da política” (SILVA; HOSTINS; MENDES, 2016, p.18). Assim, compreende-se que as escolas possuem formas particulares para lidar com as políticas e, principalmente, de incorporar ou não as exigências dessas políticas. Porém, nem por isso a política de inclusão deixa de ser funcional e eficaz.
Perante a compreensão da Política de Educação Especial de SC no CEJA, entende-se que as políticas estatais são construídas e reelaboradas em vários contextos, entre os quais, na prática docente. Na prática, as políticas são ressignificadas a partir de suas concepções e interesses, influenciando e definindo os fins para a escolarização, pois
[...] a concepção do professor [...] pode determinar a ação dele no processo que envolve, principalmente, o aluno. Ela determinaria não só as expectativas do professor, mas também a oferta de oportunidades para desenvolver-se, oferecida aos alunos [...]. (CAPELLINI; RODRIGUES, 2009, p. 363).
Diante do apresentado, considera-se que a Educação Especial se apresenta como um processo imerso em conflitos e contradições evidenciadas na tradução da política de inclusão, dele advindo a necessidade de comprometimento no sentido de superar práticas excludentes herdadas e reproduzidas nas escolas, bem como o caráter exclusivo da Educação Especial em tempos de inclusão.
Considerações Finais
Na pesquisa, foi constatado que as orientações contidas na Política de Educação Especial de SC foram transformadas em modos próprios de conceber a Educação Especial e de desenvolver o trabalho na escola, evidenciando que as políticas são colocadas em ação pelos professores, mediante compromissos existentes, valores, experiências, ceticismo e críticas (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016), ligados fortemente à cultura escolar. A cultura escolar é uma caracterização ou, melhor dito, uma reconstrução da cultura, feita em razão das próprias condições nas quais a escolarização reflete suas pautas de comportamento, pensamento e organização. No entanto, vale destacar que essas ações não são individualizadas, mas um reflexo da cultura escolar que, construída historicamente, permeia e organiza os espaços escolares, bem como normatiza o trabalho docente e, consequentemente, as relações de ensino e de aprendizagem.
Outro aspecto a ser destacado foi a polarização existente nas ações e responsabilidades entre Professor da SRM e Professor da Sala comum, alimentando o discurso de que a SRM não envolve a aprendizagem, sendo essa função da sala comum. Mediante o constatado, considero que a compreensão da Política de Educação Especial de Santa Catarina envolve um processo imerso em conflitos e contradições, o que demonstrou a necessidade de comprometimento no sentido de superar práticas excludentes reproduzidas na escola, bem como promover a superação do caráter exclusivo da aprendizagem de alunos com deficiência na Educação Especial em tempos de inclusão.