Introdução
A literatura é prolixa em demonstrar a intrínseca relação entre planejamento e gestão. Não há gestão sem planejamento e planejamento dissociado da gestão é um exercício inócuo e sem sentido prático. Este artigo parte desta constatação para analisar, a partir da articulação entre planejamento e gestão, os desafios para a garantia do direito à educação, difundidos na produção acadêmica de 1988 a 2022. Trata-se de estudo derivado de pesquisa5 que inventaria a produção científica no Brasil, por meio de consulta no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), com o objetivo de construir o Estado da Arte do Direito à Educação no Brasil desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.
De acordo com Ferreira (2002), pesquisas denominadas Estado da Arte possuem caráter bibliográfico e buscam informar pesquisadores da área sobre quais aspectos e dimensões vêm sendo destacados na literatura em um determinado lugar ou em determinado período de tempo, como, por exemplo, uma década, duas décadas, etc. Este feito é alcançado através do mapeamento e da discussão dos resultados apresentados em pesquisas anteriores e torna-se uma fonte documental para indicar o estágio de desenvolvimento do tema e, também, para outros estudos na mesma temática.
Planejamento e gestão são constitutivos e indissociáveis da materialização do direito à educação que, no limite, é o objetivo precípuo da legislação e da ação educacional estatal. De acordo com Saviani (2013), o direito à educação configura-se como uma condição necessária ao exercício de todos os demais direitos da vida civil e é papel do Estado garantir os meios para a consecução deste direito.
A pertinência do planejamento e gestão como mediadores da materialização do direito de acesso à educação é um tema amplamente discutido na literatura em diferentes perspectivas. Lins de Azevedo (2014), por exemplo, aponta que o planejamento tem desdobramentos que vão desde a esfera macro (sistemas escolares, provisão de profissionais e meios de regulação) até a esfera micro (projeto político pedagógico, planos de ensino e planos de aula); Machado e Ganzeli (2018) ressaltam a importância da gestão como elemento estruturante da ação pela qual a política educacional é operacionalizada para a efetivação do direito à educação, como previsto na Constituição Federal de 1988.
Para este estudo, foram selecionados 41 trabalhos acadêmicos de uma planilha com 2.069 títulos entre teses e dissertações encontrados no site da CAPES, com o tema direito à educação, produzidos entre 1988 e 2022, que citam os descritores planejamento e gestão nas palavras-chave. Destes 41 títulos, 35 foram encontrados para leitura e 6 não estão disponibilizados, nem no site da CAPES nem nos sítios dos programas nos quais foram defendidos. Dentre esses 35 trabalhos, após a leitura dos resumos, separamos para análise 29 trabalhos acadêmicos, 17 dissertações e 12 teses, que relacionam os temas planejamento e gestão com a garantia do direito à educação e excluímos 6 por abordarem temáticas estranhas ao objeto deste artigo.
Após a leitura da parte final (considerações finais e/ou conclusão) das teses e dissertações, com o objetivo de examinar os desafios do planejamento e da gestão na garantia do direito à educação, os 29 trabalhos foram reunidos em 4 grupos de desafios: organização administrativa e pedagógica (12); financiamento (7); intersetorialidade (6) e relação entre os entes federados (4). Ainda que seja possível enquadrar algumas teses e dissertações em mais de um grupo, optamos por dar visibilidade ao desafio mais evidenciado pelos/as autores/as.
Desafios na garantia do direito à educação
Os desafios ligados à organização administrativa e pedagógica dos processos de implementação de políticas educacionais foram apontados por 12 trabalhos, 10 dissertações e 2 teses, e demonstram a dificuldade que o planejamento e a gestão das políticas públicas educacionais para efetivar o direito à educação conforme preconizado na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases nº 9394/1996.
Previsto no inciso VII do art. 208 da CF 88 está o “atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”. Entretanto, a dissertação de Lopes (2009) aborda o despreparo dos municípios no planejamento, gestão e controle do Transporte Escolar Rural, do qual depende o acesso e permanência de tantos alunos do campo à escola.
Outro tema que perpassa vários trabalhos, e que é destaque nas dissertações de Messias (2009) e Toller (2018), tem relação com o direito, garantido pelo parágrafo único do art. 62-A da LDB, de formação continuada para os profissionais da educação. A dissertação de Messias (2009) menciona o caráter precário dado à formação continuada de professores para a promoção da igualdade racial, muitas vezes ofertada de maneira facultativa, ausente do planejamento do calendário escolar e não prevista na carga horária do professor. A de Toller (2018) cita, para além do caráter facultativo das formações propostas aos professores, o grande número de alunos por sala de aula e a inadequação do material didático proposto ao público atendido na rede estadual de São Paulo, entre outros desafios.
As políticas voltadas para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) apresentaram desafios abordados por três trabalhos (SILVA, 2012; FREIRE, 2017; OVÍDIO, 2018), na garantia de educação “gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria” (inciso I do art. 208 da Constituição Federal), qualificada na LDB mediante previsão, para esse público, de “características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola” (art. 4º, inciso VII).
A tese de Silva (2012) explicita as profundas desigualdades geográficas existentes no Brasil ao apresentar o contexto de um município do interior do Pará, potencializadas quando se trata dos alunos da EJA e da extensa zona rural, muitas vezes acessível apenas por barco ou por estradas em situação precária e sem comunicação com a secretaria municipal. O autor denuncia a falta de proposta pedagógica voltada para a EJA por parte do município, que tampouco consegue atender às demandas de material didático específico, transporte escolar, formação de professores voltada para a modalidade e combate à evasão.
A inexistência de planejamento e gestão voltados às especificidades da EJA também foi apontada na tese de Freire (2017), que investigou a oferta de vagas para esse público no Instituto Federal de Goiás. Na dissertação de Ovídio (2018), é possível vislumbrar um panorama de precarização da oferta de EJA em Serrinha-BA, que tem enfrentado a interrupção da modalidade em algumas escolas e fechamento de turmas em outras, além do já mencionado déficit de materiais didáticos e formação de professores.
De maneira semelhante, outros três trabalhos (FERREIRA, 2016; NASCIMENTO, S. S., 2018; HOPPE, 2019) abordaram desafios na efetivação do direito à educação de um público específico, neste caso, tendo como eixo políticas educacionais de inclusão. O inciso III do art. 208 da CF 1988 prevê “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”, porém, a dissertação de Ferreira (2016) apresenta a realidade do atendimento a crianças com deficiência na educação infantil do município de Franca-SP: a falta de acessibilidade de prédios e materiais pedagógicos, bem como a necessidade de formação continuada dos professores voltada para a inclusão ministrada por profissionais da área. A dissertação de S. S. Nascimento (2018) relatou que o Plano Municipal de Educação (2015-2025) de Canavieiras-BA, pela primeira vez, constou em uma lei municipal o planejamento voltado para a educação de pessoas com deficiência, porém observou que as ações previstas ainda não estavam sendo materializadas, bem como a necessidade de formação continuada dos professores para a inclusão. Na dimensão escolar, a autora constatou que o Projeto Político Pedagógico de duas escolas investigadas sequer trazia planejamento voltado para esse público. Já a dissertação de Hoppe (2019) mostrou que a inclusão é também um desafio no ensino superior, apresentando a dificuldade enfrentada por uma instituição em articular seus diferentes setores para fomentar a utilização da educomunicação no atendimento a pessoas com diversidade funcional.
Três trabalhos (CARMO, 2010; CARVALHO, 2013; SANTOS, 2014) abordaram formas de centralismo político como desafio à efetivação do direito a uma educação democrática, alinhada ao inciso VI do art. 206 da Constituição Cidadã, mas não somente a ele. Segundo Gadotti (2014), a gestão democrática não é apenas um princípio pedagógico, mas um preceito constitucional, expresso como cláusula pétrea no primeiro artigo da Carga Magna, que determina emanar do povo todo o poder, exercido por ele direta ou indiretamente. Assim como o autor, essas dissertações denunciam práticas patrimonialistas e autoritárias que, em maior ou menor grau, representam obstáculos à efetivação da democratização da educação e da sociedade.
A dissertação de Carmo (2010) aponta a centralização política do processo de municipalização da educação no município de Breves-PA, que ocorreu sem prévia discussão com os profissionais da educação e se seguiu com a falta de autonomia financeira e de estruturação da Secretaria Municipal de Educação, mesmo após diversas mudanças no governo municipal, bem como a tardia efetivação do Conselho Municipal de Educação. A dissertação de Carvalho (2013), ao pesquisar as escolas com maior e menor IDEB de João Pessoa-PB, evidenciou desigualdades sociais entre os públicos atendidos nas duas escolas que eram reforçadas por diferenças em relação à gestão democrática (ou não) percebida nos relatos dos professores entrevistados, com reflexos também na organização espacial e material da escola e condições de trabalho docente que poderiam ajudar a explicar a diferença nos resultados obtidos. Tendo como lócus a Secretaria Municipal de Educação de Canoas, a dissertação de Santos (2014) aponta a riqueza não valorizada dos conhecimentos daqueles que trabalham na implementação das políticas públicas - no caso pesquisado, profissionais da SME - e o fato de serem vistos apenas como executores.
Por fim, vale assinalar ainda que Ovídio (2018) e Nascimento (2018), além das considerações já expostas, registraram importante lapso da organização administrativa municipal: os Planos Municipais de Educação investigados, ambos situados no estado da Bahia, não estavam articulados às leis orçamentárias aprovadas pela câmara. Uma vez que suas metas não foram incluídas na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual, sua realização foi inviabilizada.
Os trabalhos que abordam o financiamento, 7 no total, sendo 3 dissertações e 4 teses, fazem interlocução com as ações distributivas e supletivas da União aos Estados e Municípios, a falta de recursos financeiros, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), a dificuldade de compreensão dos dados orçamentários, a remuneração dos profissionais da educação, entre outros aspectos.
Segundo Pinto e Adrião (2007), a história do financiamento da educação no Brasil pode ser dividida em três fases, sendo a primeira compreendida entre 1549 e 1759 (época em que os jesuítas eram responsáveis pelo magistério público e seu respectivo financiamento), a segunda entre 1759 (após a expulsão dos jesuítas) e 1934 (promulgação da Constituição Federal de 1934), em que se buscava por fontes de financiamento (como o subsídio literário), e a terceira fase, que permanece até hoje, baseada na vinculação de recursos tributários oriundos de impostos recolhidos pela União, pelos Estados e pelos Municípios.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 (CF 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/1996), vigentes nesta segunda década do século XXI, determinam porcentagens mínimas de recursos a serem destinados à Educação. O artigo 212 da CF determina à União o investimento anual de, ao menos, dezoito por cento e aos Estados, Distrito Federal e Municípios, “[...] vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino” (BRASIL, 1988). O artigo 69 da LDB reitera as determinações da CF 1988.
Soma-se a essas legislações a nova lei do FUNDEB, nº 14.113/2020, que regulamenta e aumenta os repasses financeiros às redes públicas municipais, estaduais ou distrital, que não alcançarem o valor mínimo definido em âmbito nacional, para fins de manutenção da educação pública.
Dentre os 7 trabalhos selecionados, que apresentam como principal desafio o financiamento, constatamos que todos apontam para a necessidade da ampliação de recursos destinados à educação. Couto (2012), Alves (2012) e França (2014) citaram o FUNDEB nas respectivas pesquisas, cada qual com suas particularidades. A dissertação de Couto (2012) e a tese de França (2014) concluíram que, apesar da ampliação da abrangência da política de financiamento da educação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) para o FUNDEB, os recursos não gozaram da mesma amplificação, tornando-se insuficientes para nutrir satisfatoriamente toda a educação básica. Essa percepção pode ser confirmada na tese de Alves (2012), que utilizou um simulador para calcular valores do custo-alunoano para cada etapa da educação básica e demonstrou que os valores estabelecidos pelo FUNDEB, de acordo com essa estimativa, seriam insuficientes para garantir o direito à educação com qualidade. Ampliando a noção de déficit financeiro, a tese de Ribeiro (2014, p. 234) pesquisou sobre as condições de trabalho docente e concluiu que a fragilidade orçamentária impede a efetivação da chamada tríade “carreira, remuneração e jornada de trabalho”, apontando que o valor-aluno estabelecido é insuficiente para a valorização dos professores e para a qualidade educacional.
Outro desafio ao planejamento e gestão educacional apresentado por autores previamente mencionados diz respeito às informações necessárias para o desenvolvimento de políticas ligadas ao financiamento da educação. A forma como são disponibilizados os dados orçamentários municipais, estaduais e federais é problematizada por França (2014), pois exige conhecimentos específicos da área de finanças para sua compreensão, além de carecer de organização dos dados quanto às etapas e modalidades de ensino. A ausência de pesquisas demográficas que produzam estimativas populacionais futuras mais detalhadas e realizadas em nível municipal e estadual também prejudicam o planejamento do financiamento educacional no médio e no longo prazo (ALVES, 2012).
A ampliação da oferta pré-escolar em um município específico do Mato Grosso do Sul foi tema da dissertação desenvolvida por Santos (2018), a qual constatou o entrave da limitação dos recursos na ampliação da oferta de vagas que, além de inviabilizar a universalização da etapa no município, levou à utilização de estratégias que impactam negativamente a qualidade da educação, como utilização de espaços ociosos em escolas de Ensino Fundamental para incluir alunos da pré-escola em condições infraestruturais inadequadas e a redução da jornada escolar da etapa para quatro horas como forma de ampliar vagas nas escolas existentes. Da mesma forma, a tese de Silva (2018, p. 203) também pesquisou a ampliação da oferta de vagas na Educação Infantil em três municípios distintos, e denunciou a ausência de uma tradição de planejamento educacional no Brasil, que faz com que os governos não se comprometam com ações planejadas previamente, exemplificando com a decisão do então presidente Michel Temer de vetar o artigo que previa a priorização do cumprimento das metas do PNE na Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano de 2018, alegando que o mesmo feria “a liberdade do Poder Executivo na alocação de recursos para políticas públicas”.
A dissertação de Carvalho (2009), ao tratar da vinculação entre programas de transferência de renda e frequência escolar, aponta quão limitada é esta visão de que o acesso à escola garantiria a inclusão social e seria capaz de promover mudanças estruturais na sociedade. A autora critica a falta de recursos financeiros, estruturais e humanos “para um encaminhamento satisfatório das pessoas e processos de proteção social” e sua desvinculação de uma política macroeconômica de redistribuição das riquezas (CARVALHO, 2009, p. 108). A pesquisa em questão evidencia que a garantia do Direito à Educação exige cooperação entre diferentes áreas da política pública, dada a interdependência entre os diferentes direitos sociais, explorada pela próxima categoria.
No tema intersetorialidade, 6 trabalhos , 3 dissertações e 3 teses foram agrupados. A intersetorialidade pode ser considerada como um caminho para as soluções integrais aos problemas sociais. Segundo Junqueira (1998), o atendimento de políticas sociais direcionadas aos cidadãos de um mesmo grupo social, de uma mesma localização geográfica, deve ser feito de forma integrada e não fragmentada. Portanto, é necessária a “[...] interação entre as diversas ações setoriais, constituindo o que se denomina intersetorialidade” (JUNQUEIRA, 1998, p. 14).
As teses e dissertações que abordam ações intersetoriais relacionam-se com as mais diversas áreas, demonstrando que a garantia ao direito à educação não se resume aos limites educacionais.
Em sua tese, Motta (2017) analisou a política de assistência estudantil do Instituto Federal do Rio Grande do Norte e constatou movimentos de complexificação e diversificação no atendimento aos estudantes em dois períodos distintos (2009-2015 e 2000-2008). Apesar dos avanços no reconhecimento da assistência estudantil como um direito e da significativa ampliação do acesso de estudantes das classes populares à instituição, os desafios para o planejamento e gestão colocam-se na omissão de atendimento ao público de nível médio e técnico, e na necessidade de que a política focalizadora dos auxílios financeiros seja complementada por uma abordagem universalista que abranja também uma formação integral dos estudantes do IFRN para a inclusão sociodemocrática.
Semelhantemente, a dissertação de Nicácio (2016) aponta a relação entre o nível socioeconômico (NSE) e o desempenho escolar, demonstrando que as escolas que atendem ao público com menor NSE têm maiores taxas de abandono e distorção, além de atender a um número maior de alunos, algo que também influencia o desempenho dos alunos. A autora aponta a necessidade de uma articulação das políticas de educação com políticas sociais de saúde e assistência social que possam “atenuar as carências dos alunos e minimizar a influência do nível socioeconômico no desempenho escolar” (NICÁCIO, 2016, p. 77).
As instituições de ordem Jurídica para a garantia do direito à Educação, como o Ministério Público e o Conselho Tutelar, foram abordadas nas teses de Assis (2012) e J. A. do Nascimento (2018), sendo no primeiro discutidos os limites e as possibilidades do processo de judicialização na garantia do direito à Educação, e questionado o padrão jurídico que em seus instrumentos utiliza a dicotomia autor e réu, X contra Y e que dificulta uma abordagem do Ministério Público que seja coletivista. No segundo, as questões relacionadas à proteção integral da criança e do adolescente o autor destaca a contribuição significativa do Conselho Tutelar, Tribunal de Contas e Ministério Público na realização do Direito à Educação, entretanto, aponta a dificuldade de sua atuação na garantia da qualidade quando esta não foi devidamente definida e é utilizada como justificativa para as mais diversas opções políticas (NASCIMENTO, J. A., 2018). Ambos utilizaram a legislação vigente como embasamento teórico para as discussões acerca do direito à educação, como a Constituição Federal Brasileira de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O ECA também foi abordado na dissertação de Andrade (2016), a qual pesquisou sobre o atendimento socioeducativo de adolescentes infratores. Entre as discussões, a autora pontuou como desafio para as políticas públicas educacionais destinadas a esses jovens - que muitas vezes foram privados de seu direito à educação - a superação de preconceitos segundo os quais são vistos como perigosos e reduzidos apenas a seus atributos negativos como forma de justificar o encarceramento. A pesquisa aponta a necessidade de políticas públicas que promovam parcerias com outras instituições e que promovam “o deslocamento do foco punição para recuperação e proteção” (ANDRADE, 2016, p. 100).
A saúde foi citada na pesquisa de Medeiros (2018), que demonstrou desarticulação com as políticas educacionais em relação às classes hospitalares. Segundo Medeiros (2018), a ausência de diálogo entre a Saúde e a Educação comprometem o direito à educação das crianças hospitalizadas.
Ressaltando a temática da relação entre os entes federados, 4 trabalhos acadêmicos, sendo 1 dissertação e 3 teses, apontam os desafios na garantia do direito à educação.
Segundo Araújo (2010, p. 232), em uma federação ideal existem relações de interdependência entre as unidades subnacionais e o governo nacional, de modo que essas unidades não fiquem na condição de subordinação, tampouco totalmente autônomas. O pressuposto, defende a autora, é que “uma organização territorial e política que vise a garantir, pela via democrática, a repartição de responsabilidades governamentais”, respeitando “a integridade do Estado nacional frente às inúmeras disputas e desigualdades regionais”. Dourado (2013, p. 764), ao explorar o tema, afirma que a relação “[...] entre os entes federados se efetiva na complexa relação de coordenação e autonomia, para garantir, a todos, os direitos sociais, entre eles a educação”.
Este estudo encontrou trabalhos que pesquisaram o processo de municipalização da educação, o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, o Plano de Ações Articuladas do Ministério da Educação e a inexistência da regulamentação do Regime de Colaboração entre os entes federados.
A tese de Silva (2003, p. 223) destaca a posição de ente autônomo da federação conquistada pelos municípios a partir da Constituição Federal de 1988, porém, denuncia que o processo de municipalização, proposto a partir da EC 14/1996, foi realizado de maneira compulsória, num processo imposto e sem consultas e discussões prévias, “motivado por razões de natureza político-econômica, onde se aumentaram as responsabilidades do Poder Público Municipal e, em muitos casos, diminuíram-se-lhe os recursos”.
Já a tese de Marchand (2012) discute o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação e o Plano de Ações Articuladas (PAR) como responsáveis por um processo de remodelação na articulação entre União e municípios, pois a prática clientelista chamada “balcão de negócios”, na qual representantes dos municípios precisavam ir à Brasília barganhar por seus projetos enviados ao MEC, foi modificada a partir da nova política. A autora aponta, entretanto, novas roupagens da antiga prática, agora realizadas por lobistas e parlamentares que favoreciam determinados municípios por meio da orientação do que seria necessário colocar no PAR para conseguir a liberação das ações no MEC (MARCHAND, 2012). Tratando do mesmo tema, a tese de Haiduck (2020, p. 199) evidencia o processo de centralização da política - orquestrada pela União sem a devida participação dos demais entes federados - e descentralização da materialização das ações previstas, expressando uma “contradição em construir, na prática, o regime de colaboração recomendado pela CF/ 1988”. Apesar disso, a autora destaca positivamente o incentivo dado à criação dos Conselhos Municipais de Educação que, no estado de Mato Grosso do Sul, foi de 27 para 39, a partir do PAR.
A dissertação de Gobi (2020) aponta a inexistência de uma regulamentação do Regime de Colaboração entre os entes federados como desafio na ampliação da oferta da Educação Infantil, já que sua pesquisa demonstrou o abandono desta etapa pelos estados, fazendo com que o atendimento prioritário dos municípios previsto na legislação se converta em atendimento exclusivo, considerando a isenção dos demais entes em contribuir colaborativamente.
Considerações finais
Este artigo teve como objetivo analisar os desafios para a garantia do direito à educação, pressupondo a articulação entre planejamento e gestão, tendo como base a produção acadêmica de 1988 a 2022, disponível no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes). Após triagem inicial das publicações disponíveis, foram analisados 29 trabalhos acadêmicos, reunidos em 4 grupos de desafios: organização administrativa e pedagógica (12); financiamento (7); intersetorialidade (6) e relação entre os entes federados (4).
Em comum, as teses e dissertações examinadas demonstram a relevância da articulação do planejamento e gestão nas ações para efetivar o direito à educação, mas, ao mesmo tempo, evidenciam dificuldades de diferentes ordens que podem comprometer a materialização deste direito. Dada a complexidade da educação como direito social, dar concretude do direito à educação consagrado constitucionalmente exige esforços irrestritos, difusos e coletivos.