INTRODUÇÃO
A especialidade de nefrologia encontra-se em uma encruzilhada. Historicamente, foi considerada uma especialidade em crescimento, com um fluxo constante de recrutamento de médicos e pesquisadores de medicina interna qualificados. No entanto, ao longo da última década, o número de graduados das faculdades de Medicina em todo o mundo que ingressaram na nefrologia tem diminuído constantemente, levando ao aumento dos debates sobre o assunto. As causas da baixa atratividade de uma carreira em nefrologia são multifatoriais (baixa rentabilidade financeira, excesso de trabalho, alta demanda de pacientes críticos) e variam de país para país. Esse achado preocupante é ampliado pela realidade de que o envelhecimento da população e o aumento da incidência de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e hipertensão arterial sistêmica, continuam a aumentar a demanda por especialistas, incluindo nefrologistas1.
À primeira vista, alguns nefrologistas podem enxergar esse fenômeno de forma positiva, uma vez que acarreta menor competição no mercado de trabalho. Porém, em uma perspectiva de longo prazo, o interesse reduzido pela nefrologia enfraquece a especialidade, pois diminui a representatividade da especialidade médica e pode reduzir a qualidade da força de trabalho na especialidade, resultado natural de um processo de recrutamento menos competitivo. E, como consequência mais importante, há o risco de escassez de nefrologistas, uma realidade já enfrentada por alguns países2.
No Brasil, o cenário é similar ao de outras nações. Em estudo realizado em 2000, Machado et al.3 estabeleceram um perfil dos nefrologistas no país à época. Naquele ano, contavam-se 1.699 profissionais em todo o território nacional, e 80% de todos os nefrologistas estavam concentrados nas Regiões Sudeste e Sul. A Região Nordeste possuía um número reduzido de especialistas, com maior quantidade de profissionais em Pernambuco (4,1% do total) e Bahia (3,2%). Além disso, observou-se uma alta concentração de profissionais atuando nas capitais. A concentração dos médicos nos grandes centros urbanos acompanha a distribuição de renda nacional, bem como a localização de grande parte da capacidade instalada dos estabelecimentos de saúde e de educação: 78% dos profissionais estão exercendo suas atividades em apenas sete estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia e Pernambuco). Observa-se que essa especialidade é praticada em 70% por profissionais do sexo masculino e que mais de 70% dos profissionais, à época, tinham menos de 45 anos de idade. Cerca de 65% dos profissionais manifestaram-se “satisfeitos” ou “muito satisfeitos” com a especialidade3.
Não há estudos específicos no Brasil sobre a escassez de profissionais na especialidade. Porém, em escala mundial, observa-se que a força de trabalho global da nefrologia encolheu e não está conseguindo atender às crescentes necessidades de saúde dessa população vulnerável de pacientes. Na verdade, a escassez de nefrologistas é vista em muitas partes do mundo. Embora o impacto total não tenha sido claramente articulado, o que está claro é que a prestação de cuidados a pacientes com doença renal crônica (DRC) poderá ser ameaçada em muitas partes do mundo, a não ser que estratégias eficazes de força de trabalho específicas de cada país sejam postas em prática e implementadas4.
Em um estudo recente realizado pela Sociedade Internacional de Nefrologia (International Society of Nephology - ISN), foi levantada a proporção de nefrologistas para a população estimada de DRC por país usando dados da Carga Global de Doenças. A média de nefrologistas por 100 mil habitantes com DRC variou de 0,8 a 23,1. Outro dado relevante é a duração do treinamento profissional. Os nefrologistas passam por uma mediana de 12 anos de treinamento (mediana de seis anos de faculdade de Medicina somada à mediana de seis anos de formação especializada). A duração variou de forma ampla, independentemente do caminho - intervalo médio de 9,0-13,0 anos para acesso direto e intervalo médio de 9,0-12,5 anos para acesso com pré-requisito em clínica médica. Os governos foram os principais financiadores do treinamento em nefrologia (36%-58%). Os médicos em países de renda média baixa e média alta tendem a autofinanciar seu treinamento em nefrologia (33% e 35%, respectivamente). A maioria dos países (66%) certifica nefrologistas usando uma combinação de exames escritos (56% dos países), exames clínicos (51%) e/ou avaliação formal da experiência clínica (50%). No geral, a certificação não foi limitada no tempo (71%), com 24% dos países exigindo recertificação a cada cinco a dez anos. As taxas de proporção de profissionais de nefrologia indicam que os cuidados renais são inadequados em muitas regiões, especialmente porque os nefrologistas são os principais fornecedores de cuidados renais. Quantificar as variações regionais auxilia na formulação de estratégias para a força de trabalho da nefrologia e harmoniza o treinamento, garantindo o atendimento adequado às pessoas com doenças renais5.
Por fim, sugere-se nos estudos que a graduação em Medicina é um momento importante para o estudante se interessar ou desinteressar pela Nefrologia e, portanto, seria um momento adequado de intervenção6. Ainda assim, pouco se sabe sobre as abordagens existentes para o processo de ensino-aprendizagem de nefrologia para estudantes de Medicina. Esta revisão se propõe a analisar as estratégias de ensino-aprendizagem em nefrologia e seus resultados durante a graduação em Medicina.
MÉTODO
A revisão integrativa de literatura consiste em um método de revisão que inclui a análise de pesquisas relevantes que dão suporte para a tomada de decisão e a melhoria da prática clínica, possibilitando a síntese do estado do conhecimento de um determinado assunto, além de apontar lacunas do conhecimento que precisam ser preenchidas com a realização de novos estudos. Esse método de pesquisa permite a síntese de múltiplos estudos publicados e possibilita conclusões gerais a respeito de uma particular área de estudo7.
A construção desta revisão integrativa seguiu o modelo de Mendes et al.7, com seis etapas: 1. identificação do tema e seleção da hipótese ou questão de pesquisa para a elaboração da revisão integrativa; 2. estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos, amostragens e busca na literatura; 3. definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados; 4. categorização dos estudos e avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa; 5. interpretação dos resultados; e 6. apresentação da revisão e síntese do conhecimento.
Questão de pesquisa para a elaboração da revisão integrativa
Para a elaboração da pergunta norteadora de pesquisa, utilizou-se a estratégia PICO, a qual representa um acrônimo para Paciente, Intervenção, Comparação e Outcome (Desfecho), conforme descrito no Quadro 1 8. Esses elementos são fundamentais para a construção da pergunta e busca bibliográfica organizada e eficaz, possibilitando uma maior amostragem de estudos nas bases de dados7.
Acrônimo | Definição | Descrição |
---|---|---|
P | Paciente/população | Estudantes de Medicina |
I | Intervenção/indicador | Ensino da nefrologia |
C | Comparação | Métodos de ensino-aprendizagem |
O | Outcome (desfecho/resultado) | Sucesso de experiência educacional |
Fonte: Elaborado pelos autores.
A pergunta norteadora delimitada foi:
Como se dá o ensino da nefrologia para os estudantes de graduação em Medicina por meio de diferentes metodologias de ensino-aprendizagem?
Com base nesse pressuposto, iniciou-se a busca de evidências.
O levantamento bibliográfico deste estudo foi realizado por meio das seguintes bases de dados: PubMed, Education Resources Information Center (ERIC), SciELO e Lilacs. Primeiramente foi efetuada uma consulta aos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e ao Medical Subject Headings (MeSH) em português, inglês e espanhol, sendo identificados e utilizados os seguintes descritores e seus sinônimos com a utilização do operador booleano AND: “educação médica”, “estudantes de medicina”, “nefrologia”, “métodos de ensino” (em português); “medical education”, “medical students”, “nephrology” e “teaching methods” (em inglês); e “educación médica”, “estudiantes de medicina”, “nefrologia” e “métodos de enseñanza” (em espanhol).
Estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos, amostragens e busca na literatura
Os critérios de inclusão foram artigos publicados nos idiomas português, inglês e espanhol, relacionados com a temática do processo de ensino-aprendizagem de nefrologia na graduação em Medicina, sem limitar ano de publicação. Realizou-se o levantamento em novembro de 2021. Também foram revisadas as referências dos artigos selecionados nessas pesquisas.
Os critérios de exclusão foram resumos, artigos que enfocavam o ensino de nefrologia de estudantes de pós-graduação na área médica, como residentes de clínica médica, ou de subespecialidade e artigos que forneciam comentários sobre o ensino de nefrologia nas escolas de Medicina, sem um estudo empírico de acompanhamento, bem como artigos de revisão de literatura.
Definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados
Na terceira etapa, determinaram-se quais informações seriam coletadas dos artigos para a pesquisa, e as informações-chave foram agrupadas e sumarizadas, utilizando um instrumento com as seguintes informações: título, autores, ano de publicação, revista, país, participantes do estudo, e resumo dos artigos, principais resultados ou conclusões incluídos na pesquisa. A análise dos trabalhos foi realizada, em um primeiro momento, por meio da avaliação do título e do resumo, e, em seguida, pela leitura do texto completo.
Para a realização da síntese do processo de seleção de estudos, utilizou-se o fluxograma conforme a recomendação PRISMA9, conforme a última atualização do instrumento feita em 2020.
Categorização dos estudos e avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa
Realizada a seleção dos artigos identificados, iniciou-se a avaliação, na qual foi feita uma leitura minuciosa dos textos componentes desta pesquisa. Por meio da análise de conteúdo temática10 dos artigos selecionados, constituíram-se categorias que compartilhavam sentidos semelhantes em relação ao objetivo desta pesquisa. Assim, foram construídas três categorias:
Interpretação dos resultados
Em seguida, na quinta etapa, realizou-se a interpretação dos resultados, o que corresponde à discussão dos principais achados da pesquisa, de modo a determinar conclusões e pressuposições acerca do conteúdo abordado na revisão integrativa11.
RESULTADOS
Inicialmente, encontraram-se 94 artigos de acordo com os termos da busca, dos quais 27 foram excluídos por conterem títulos não condizentes com a pergunta norteadora. Outros 50 artigos foram excluídos após análise do resumo, por não estarem de acordo com os critérios de inclusão, por focarem exclusivamente residência médica e fellowships, por serem revisões de literatura e por não possuírem dados empíricos para a análise crítica.
Selecionaram-se 17 artigos para leitura integral e análise que atenderam aos critérios de inclusão, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. As publicações datam de 2001 a 2021. A descrição do fluxograma de acordo com a recomendação PRISMA segue conforme descrito na Figura 1. O Quadro 2 apresenta os 17 artigos incluídos para análise.
Autor, ano, país, periódico e título do artigo | Objetivos | Resultados e conclusões | Limitações e pontos frágeis |
---|---|---|---|
Araujo et al., 200112. Brasil. Revista Brasileira de Educação Médica: “Avaliação do aproveitamento do aluno em nefrologia: estudo comparativo entre o método expositivo tradicional e o método de Aprendizado Baseado em Problemas”. | • Identificar diferenças no aproveitamento de dois grupos de estudantes do curso médico da Faculdade de Medicina de Marília. | • Observado melhor desempenho global dos estudantes do quarto ano. | • Estudo transversal, sem possibilidade de avaliação da intervenção em longo prazo. |
• Dificuldades dos estudantes do segundo ano em questões que avaliavam a profundidade de conhecimento. | • Dificuldade de reprodução do estudo em outros centros universitários, dada a especificidade do modelo de PBL implantado na instituição. | ||
• Falta de feedback adequado foi elencado como principal problema da função do grupo tutorial. | • Uso exclusivo de testes de múltipla escolha como ferramenta de avaliação dos estudantes. | ||
Arriba et al., 202113. Espanha. Nefrología: “La docencia de la nefrología en el grado de medicina”. | • Conhecer a docência de nefrologia na graduação em Medicina na Espanha. | • Distribuição heterogênea de leitos por estudante. | • Por se tratar de uma pesquisa baseada em registros públicos, pode haver informações desatualizadas de profissionais que estejam atuando nas IES. |
• Baixo índice de professores vinculados diretamente às IES. | |||
• Conhecer o perfil dos professores que ensinam nefrologia na Espanha. | • Associação das aulas de nefrologia com as aulas de urologia. | • Por se tratar de estudo de outro país, pode haver categorias de professores que não estão elencados em outros estudos, bem como as formas de contratação de profissionais são díspares. | |
• Aumento da disponibilidade de modalidades de metodologias ativas, notadamente durante o período pandêmico. | |||
Berkoben et al., 201914. Estados Unidos. MedEdPORTAL: “The treatment of metabolic acidosis: an interactive case-based learning activity”. | • Criar uma atividade de aprendizado que utiliza vídeos no estilo quadro-negro seguidos por uma sessão de aprendizado interativa baseada em casos para ajudar o estudante de Medicina a reconhecer, diagnosticar e gerenciar causas comuns de acidose metabólica. | • Em uma avaliação pré/pós de conhecimento médico, observou-se uma melhora significativa nas pontuações do questionário. | • Uma das limitações constatadas foi que os estudantes precisavam obrigatoriamente de acesso a um computador ou celular para responder aos questionários. |
• Houve facilitação da sessão de aprendizagem ativa baseada em casos, permitindo a avaliação de habilidades cognitivas de ordem superior relacionadas ao manejo de pacientes com acidose metabólica. | |||
• Os estudantes de Medicina se sentiram muito satisfeitos e competentes com a conclusão de curso. | • Os resultados observados no estudo podem não ser generalizados para outras IES do mundo. | ||
Bijol et al., 201515. Estados Unidos. Medical Education Online: “Medical student web-based formative assessment tool for renal pathology”. | • Explorar o valor educacional da avaliação formativa usando questionários on-line (quizzes) para aprendizagem de patologia renal em um curso de fisiopatologia renal. | • A maioria dos estudantes considera que os quizzes melhoram sua experiência de aprendizagem no curso de patologia renal. | • Dependência dos estudantes em ter acesso a computador ou celular para realizar o quiz. |
• Esforços para revitalizar o material do curso e promover o aprendizado adicionando avaliações formativas on-line interativas melhoraram a experiência de aprendizado dos estudantes em geral. | • Dificuldade em reproduzir o questionário on-line no mesmo formato em outras IES. | ||
Drew et al., 200616. Estados Unidos. Journal of Rural Health: “The visiting specialist model of rural health care delivery: a survey in Massachusetts”. | • Examinar o modelo de atendimento especializado em visitas a Massachusetts, incluindo os motivos pelos quais os especialistas desenvolvem práticas rurais secundárias e as distâncias que viajam, bem como seu grau de satisfação e intenção de continuar o arranjo de visitas. | • A base de pacientes e a renda foram os motivos mais relevantes relatados que levaram os especialistas visitantes a iniciar uma clínica auxiliar. | • Observou-se que os especialistas visitantes incluídos no estudo não representavam a totalidade dos especialistas visitantes do estado de Massachusetts. |
• Houve uma correlação negativa significativa entre o número de leitos ocupados em um hospital e o número total de especialistas visitantes que ele hospedava. | |||
• O objetivo de compatibilizar a oferta de serviços de saúde com a demanda tem sido evasivo. A visita a clínicas especializadas pode representar um elemento de uma estrutura de mercado que expande o acesso aos serviços necessários nas áreas rurais. | • Os resultados observados nessa pesquisa não podem ser generalizados para outros estados norte-americanos ou outros países. | ||
Elzubeir, 201217. Arábia Saudita. Saudi Journal of Kidney Diseases and Transplatation: “Teaching of the renal system in an integrated, problem-based curriculum”. | • Determinar a efetividade da PBL como uma ferramenta para o ensino de medicina renal na perspectiva de estudantes e tutores de uma nova escola médica em Riyadh e considerar implicações para o desenvolvimento da metodologia. | • Os casos clínicos que foram expostos aos estudantes apresentaram uma forte similaridade com problemas futuros na carreira. | • A pesquisa foi feita com um número pequeno de estudantes (somente 50% do total de estudantes responderam ao questionário). |
• Sugere-se que os casos clínicos foram bons direcionadores de aprendizado. | |||
• A união de várias disciplinas no bloco de doenças renais no método PBL é ilustrativa da autenticidade nesse campo. | |||
Hilburg et al., 202018. Estados Unidos. Advances in Chronic Kidney Disease: “Medical education during the coronavirus disease-2019 pandemic: learning from a distance”. | • Descrever o impacto disruptivo da pandemia no currículo de ensino médico existente e propor adaptações ao distanciamento social e o balanço entre aprendizado e bem-estar durante o período. | - A pandemia desafiou a estrutura vigente e a entrega de conteúdos aos graduandos de Medicina; | • Trata-se de um artigo de opinião, com baixo nível de evidência. |
• Adaptações na educação médica incluíram o uso de softwares de videoconferências, plataformas de redes sociais e ferramentas on-line. | |||
• As experiências presenciais apresentaram dificuldades de ser replicadas pessoalmente, e as experiências perdidas representam desafios futuros no treinamento da futura força de trabalho. | • Existem evidências anedóticas de que as adaptações de atividade de ensino em ambiente virtual possam ser efetivas para adaptar experiência virtuais de ensino de nefrologia. | ||
• Desafios da educação médica na pandemia incluem engajamento nas videoconferências e ferramentas de redes sociais, balanço entre vida doméstica e trabalho, e levantaram preocupações por síndrome de burnout em provedores de cuidados. | |||
Hoenig et al., 201319. Estados Unidos. Clinical Journal of American Society of Nephrology: “Lessons learned from the ASN renal educator listserv and survey”. | • Descrever a experiência da criação da ASN Renal Educators Listserv, utilizada para determinar a demografia e o arcabouço profissional de educadores, estrutura de curso e formatos, métodos de ensino, conteúdo curricular e suporte institucional. | • Dos diretores de curso de nefrologia, 40% são não nefrologistas. | • Somente 50% das escolas médicas contactadas responderam ao questionário (o que corresponde a 46% do total de escolas médicas dos Estados Unidos). |
• Baixa representatividade de diversidade nos cargos de liderança. | |||
• Observou-se que o interesse na nefrologia é sustentado quando os nefrologistas levam os estudantes às enfermarias, induzindo a possibilidade de mentorá-los durante os estágios de internato. | • Foi observada também a ausência de comentários em alguns itens pesquisados. | ||
• Os diretores de curso informaram uma significativa parcela de não apoio institucional para o aprendizado. | |||
• Métodos de ensino que estimulem o aprendizado (incorporando simulação clínica, contato com o paciente e cenários clínicos) são recomendados como meios para estimular o interesse dos estudantes. | |||
Kibble et al., 201620. Estados Unidos. Advances in Physiology Education: “Team-based learning in large enrollment classes”. | • Destacar os elementos-chave necessários para implantar com sucesso a Aprendizagem Baseada em Equipes (TBL) em qualquer classe, mas especialmente em classes com muitos estudantes, onde uma logística suave é essencial. | • Apresentou-se, pela ótica de educadores médicos, a percepção sobre a implantação da TBL como método de ensino. Observou-se a possibilidade de estimular o debate e o discussão em condições de limites profissionais bem estabelecidos. A TBL permitiu a facilitação da discussão e do manejo em classes com maior número de estudantes. | • Por se tratar de estudos de caso, a pesquisa possui um grau de evidência limitado para maiores análises. |
• Notou-se, em alguns momentos dos estudos de caso, um certo desacordo entre estudantes e professores sobre a implementação do método de ensino. | |||
Leehey et al., 201621. Estados Unidos. Clinical Kidney Journal: “Teaching renal physiology in the 21st century: focus on acid-base physiology”. | • Avaliar o ensino dos distúrbios ácido-base na graduação médica. | • As abordagens para o ensino de fisiologia renal incluem aprendizagem colaborativa, aprendizagem baseada em computador e aprendizagem baseada em laboratório. | • Os dados reportados pela pesquisa foram obtidos por meio de questionários, o que limita o grau de evidência da pesquisa. |
• Os aplicativos de aprendizagem baseados em computador estão se tornando cada vez mais populares e podem ser úteis, mas têm mais sucesso quando incorporam componentes interativos. | |||
• Alguns conceitos da fisiologia renal e, em particular, da fisiologia ácido-básica podem ser ensinados por meio da autoexperimentação estruturada, uma prática com uma longa tradição que possivelmente deveria ser revitalizada. | |||
Li et al., 201422. Estados Unidos. BMC Medical Education: “Facilitating the transition from physiology to hospital wards through an interdisciplinary case study of septic shock” | • Descrever um exercício desenvolvido para a parte pré-clínica do currículo da faculdade de Medicina para unir as ciências básicas e o currículo clínico, usando os princípios de integração horizontal e vertical. | • A resposta dos participantes foi extremamente positiva, com muitos indicando que o exercício integrou o material entre os sistemas orgânicos e fortaleceu sua apreciação do papel da fisiologia na compreensão das apresentações da doença e na orientação da terapia apropriada. | • Uma limitação da pesquisa é que o conhecimento dos estudantes foi mensurado por um questionário subjetivo de autoavaliação. |
• A integração horizontal e vertical pode ser apresentada de forma eficaz por meio de um estudo de caso de sessão única, com casos complexos de pacientes envolvendo múltiplos sistemas de órgãos. | |||
• A presença de vários médicos de diferentes especialidades discutindo o caso juntos pode reforçar a questão da integração entre vários sistemas de órgãos e disciplinas na mente dos estudantes. | • Diante da limitação metodológica da pesquisa, torna-se difícil replicar o estudo em outras IES. | ||
Pawłowicz et al., 202023. Polônia. Renal Failure: “‘I hear and I forget. I see and I remember. I do and I understand’ - incorporating high-fidelity medical simulation into the undergraduate nephrology course”. | • Analisar a opinião dos estudantes sobre o modelo de simulação clínica na nefrologia e reação a ele. | • A análise temática revelou que os estudantes consideraram o módulo “interessante”, “útil” e “informativo”, mas julgam o número de aulas insuficiente. | • O foco nas opiniões e impressões dos estudantes é um potencial limitador da pesquisa. |
• Os estudantes pontuaram que, por causa da baixa ênfase do currículo atual em aspectos práticos (vias de administração de drogas e conversão de doses), eles não puderam aproveitar plenamente a simulação clínica. | |||
• A simulação clínica é uma variável consistente do curso de nefrologia. Embutir uma ênfase aumentada nos estágios iniciais do treinamento dos estudantes pode ampliar o benefício deles nos modelos de simulação clínica. | • As afirmações contidas no questionário aplicado poderiam influenciar as respostas dos estudantes, independentemente de suas consciências e intenções. | ||
Peiman et al., 201724. Irã. Acta Medica Iranica: “A case based-shared teaching approach in undergraduate medical curriculum: a way for integration in basic and clinical sciences” | • Apresentar a implementação de uma metodologia de ensino baseada em discussão de casos clínicos nos estágios pré-clinicos do curso de Medicina, promovendo a oportunidade de discussão da aplicação do conhecimento na prática médica. | • A maioria dos estudantes concorda fortemente que a prática clínica contribui positivamente para o seu aprendizado e provê melhor entendimento e aplicação dos materiais apreendidos em sala de aula. | • Trata-se de um estudo transversal, sem condições de avaliação temporal do impacto da metodologia de ensino. |
• Os estudantes acreditam que as sessões de prática clínica afetam positivamente a sua visão sobre a medicina e que devem ser continuadas nas próximas turmas. | • Outro limitador do estudo é não possuir uma ferramenta efetiva para avaliação de competências do estudante. | ||
Rein et al., 202025. Estados Unidos. Advances in Physiology Education: “Tackling acid-base disorders, one Twitter poll at a time”. | • Descrever o uso de pesquisas de uma única pergunta no Twitter para fornecer educação suplementar sobre distúrbios ácido-básicos. | • A maioria dos participantes concordou que as pesquisas eram uma maneira conveniente de aprender sobre os distúrbios ácido-básicos. | • Obrigatoriedade de o estudante possuir um computador ou celular para participar da pesquisa. |
• Demonstrou-se uma ferramenta viável, envolvente e amplamente acessível para ensinar um tópico desafiador para estagiários e médicos. | |||
• As pesquisas e respostas do Twitter ácido-base do NephSIM demonstraram alto grau de engajamento, participação e satisfação entre os usuários. | • Por se tratar de questionários fechados, não havia a possibilidade de comentários abertos dos participantes da pesquisa. | ||
Roberts et al., 201526. Estados Unidos. Advances in Physiology Education: “Exploring student preferences with a Q-sort: the development of an individualized renal physiology curriculum”. | • Avaliação do curso de fisiologia renal por meio de uma pesquisa Q-sort. | • Três fatores dominantes foram fortemente definidos pelas preferências de aprendizagem: “leitores” preferem usar notas, um livro didático, e evitar palestras; “aprendizes socioauditivos” preferem assistir a palestras, interatividade e trabalhar com colegas; e os “estudantes visuais” preferem estudar imagens e diagramas, e visualizar materiais on-line. Um quarto fator menor representou um pequeno grupo de estudantes contrários fortemente à fisiologia renal e nefrologia. | • O uso de uma Q-metodologia implica uma dificuldade de compreensão da aplicação da metodologia, o que pode impactar a análise dos resultados. |
• A pesquisa Q-sort identificou e, em seguida, descreveu em detalhes os pontos de vista dominantes dos estudantes. | • Somente 53% dos estudantes participantes responderam ao questionário. Por conta disso, a análise pode não ser representativa de toda a classe de estudantes. | ||
Shafi et al., 201027. Paquistão. Advances in Physiology Education: “How we teach experience with a theme-based integrated renal module for a second-year MBBS class”. | • Descrever experiência com o módulo renal no segundo ano, em um currículo de graduação em Medicina de cinco anos. | • A maioria dos estudantes concordou que a ciência básica e os conceitos clínicos eram bem equilibrados e integrados. | • Por se tratar de um estudo de caso, o grau de evidência da pesquisa torna-se limitado. |
• Os estudantes acreditavam que questões importantes de aprendizagem podiam ser identificadas e que a participação e o pensamento crítico eram incentivados durante as sessões de pequenos grupos. | |||
• O módulo renal integrado foi bem recebido por estudantes e professores, e pode ser usado com sucesso na educação médica de graduação em países em desenvolvimento. | • Limitações de recursos educacionais, conflitos de agendas e resistência dos estudantes por aspectos culturais foram fatores de dificuldade para a implementação do novo módulo de ensino. | ||
Yang et al., 202128. China. BMC Medical Education: “Flipped classroom combined with case-based learning is an effective teaching modality in nephrology clerkship”. | • Investigar a eficácia da sala de aula invertida (FC) no ensino de nefrologia por meio da comparação com o ensino tradicional baseado em aulas expositivas (LBT). | • Os participantes do grupo FC tiveram melhor desempenho no questionário do que aqueles do grupo LBT com pontuações totais mais altas, particularmente as pontuações das questões relacionadas à análise de caso. | • Uma das limitações do estudo foi não investigar as atividades posteriores à implementação das metodologias ativas. |
• Mais estudantes consideraram a FC benéfica para a compreensão, o pensamento crítico, o gerenciamento do paciente e o trabalho em equipe em comparação com a LBT. | |||
• Há impacto positivo da FC combinada com a abordagem CBL na educação em nefrologia, pois fornece um formato alternativo de pré-aula e em sala de aula para a implementação da FC. | • Outro fator limitante foi avaliar somente os resultados de curto prazo da implementação de metodologias ativas de ensino-aprendizagem. | ||
Lista de siglas: | |||
ASN - American Society of Nephrology | |||
CBL - Challenge-Based Learning | |||
DRC - Doença renal crônica | |||
FC - Flipped classroom | |||
IES - Instituições de ensino superior | |||
IRA - Injúria renal aguda | |||
LBT - Learning Based Technique (ensino tradicional de aulas expositivas) | |||
PBL - Problem-Based Learning | |||
TBL - Team-Based Learning |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Os países com maior número de publicações foram: Estados Unidos (dez publicações), Arábia Saudita (um artigo), Brasil (um artigo), China (um artigo), Espanha (um artigo), Irã (um artigo), Paquistão (um artigo) e Polônia (um artigo). Em relação ao país que mais publicou artigos, observou-se que os autores publicaram uma série de temas correlacionados ao ensino da nefrologia na graduação em Medicina.
Abordagens inovadoras e aplicação das metodologias ativas no ensino de nefrologia para o estudante de Medicina
Cada um dos artigos catalogados teve como objetivo avaliar o sucesso de uma abordagem inovadora para o ensino de nefrologia para estudantes de Medicina. Havia quatro tópicos principais que percorriam as publicações.
Em primeiro lugar, os estudos apresentados nessa categoria apoiam a noção de que o ensino interativo de nefrologia é crucial para o engajamento e aprendizado dos estudantes de Medicina. Por exemplo, Pawłowicz et al.23 observaram que a simulação clínica é uma variável consistente do curso de nefrologia e que embutir uma ênfase aumentada nessa metodologia de ensino nos estágios iniciais do treinamento pode ampliar o engajamento nos modelos de simulação clínica. Um limitador dessa análise é o fato de as constatações dos estudantes derivarem de opiniões e impressões. Shafi et al.27 afirmaram que a aprendizagem integrada é uma necessidade contemporânea, com o uso de sessões interativas em grandes grupos, aprendizagem em pequenos grupos, aprendizagem baseada em problemas, aprendizagem prática e autodirigida para maximizar os esforços para atender a essa necessidade; no entanto, a análise fica restrita por se tratar de um estudo de caso.
Em segundo lugar, muitos autores consideraram o valor da tecnologia da informação de seus estudantes, principalmente no momento da pandemia de Covid-19. Hilburg et al.18 descrevem que as adaptações na educação médica durante a pandemia incluíram o uso de softwares de videoconferências, plataformas de redes sociais e ferramentas on-line de ensino médico; porém, há evidências anedóticas de que as adaptações de atividade de ensino em ambiente virtual possam ser efetivas para o ensino de nefrologia. Bijol et al.15 apontaram que esforços para revitalizar o material do curso e promover o aprendizado adicionando avaliações formativas on-line interativas melhoraram a experiência de aprendizado dos estudantes em geral. Leehey et al.21 destacam que os aplicativos de aprendizagem baseados em computador estão se tornando cada vez mais populares e podem ser úteis, mas têm mais sucesso quando incorporam componentes interativos. Também ressaltam que alguns conceitos da fisiologia renal podem ser ensinados por meio da autoexperimentação estruturada, uma prática com uma longa tradição que possivelmente deveria ser revitalizada.
Terceiro, houve estudos que destacaram a importância da relevância clínica na educação da nefrologia. Peiman et al.24 observaram que a maioria dos estudantes concordou que a prática clínica contribuiu positivamente para o seu aprendizado e proveu melhor entendimento e aplicação dos materiais apreendidos em sala de aula; também se constatou que os estudantes acreditam que as sessões de prática clínica afetaram positivamente a sua visão sobre a medicina. No entanto, Shafi et al.27 relataram que a ênfase exagerada na relevância clínica em seu módulo renal foi percebida como negativa pelos estudantes.
Quarto, Espey et al.29 comentam que tanto estudantes quanto tutores respondem favoravelmente a um modelo de tutorial estruturado, que se trata de um modelo de Problem-Based Learning (PBL) que pode aperfeiçoar a profundidade de aprendizado. O modelo estruturado objetiva sintetizar as ideias conflitantes de estudo autodirigido apreendido pelos estudantes com os objetivos de aprendizagem das instituições de ensino superior (IES). Os elementos de aprendizagem estruturada podem ser incorporados individualmente ou em combinação com outros elementos de aprendizagem: preparação avançada para as sessões tutoriais combinado a um trabalho em casa, crítica formal de artigos de pesquisa científica, apresentações orais de situações-problema e apresentação verbal de tópicos-chave.
Abordagens inovadoras para o ensino da nefrologia são práticas de alto impacto no processo de ensino-aprendizagem. Faz-se necessária a incorporação dessas abordagens nas bases curriculares das instituições superiores de ensino, de modo a ampliar o interesse dos estudantes pela disciplina e facilitar o processo de aprendizado deles. O uso de metodologias ativas de ensino-aprendizagem foi um tópico relevante na tentativa de aumentar o interesse dos estudantes de Medicina pela nefrologia. Inclusive, algumas metodologias mostraram-se promissoras no sentido de promover engajamento dos estudantes na aprendizagem da especialidade.
Em relação ao método PBL aplicado no ensino da nefrologia, Araujo et al.12, em um estudo realizado em uma escola médica no Brasil, compararam dois grupos de estudantes, sendo um submetido ao método tradicional de ensino, e outro, ao método PBL. Em ambos os casos, aplicaram-se questionários de múltipla escolha para avaliar a apreensão do conteúdo de nefrologia. Observou-se melhor desempenho global dos estudantes do método tradicional em comparação àqueles submetidos ao método PBL, principalmente nas questões que avaliavam profundidade de conhecimento. A falta de feedback adequado foi elencada como principal problema da função do grupo tutorial, o que pode ter influenciado no desempenho do grupo submetido ao método PBL.
Conforme Carr et al.30, a definição de feedback é a transmissão de informações avaliativas ou corretivas sobre uma ação, um evento ou um processo para a fonte original ou controladora, ou o retorno à entrada de uma parte da saída de uma máquina, um sistema ou um processo. A definição adquiriu um significado mais específico na educação, especificamente na educação médica. Ao longo das últimas décadas, o feedback na formação médica tem obtido especial atenção por sua crescente importância na educação. Existem muitos estilos de feedback e propostas de aplicação. Há também muitos estudos para apoiar o benefício desses estilos. Para educadores interessados na prática, esse é um recurso útil para consultar quando necessário. Mas para o educador médio pode ser um processo desafiador. A classificação dos tipos de feedback pode seguir vários propósitos. O feedback pode ser classificado em diferentes tipos, dependendo da finalidade, do conteúdo, do processo e do modo de entrega. Nenhuma classificação tem aceitação universal. Diante disso, pelo fato de haver diferentes métodos de ensino-aprendizagem e ferramentas distintas de feedback que podem ser aplicados em contextos diversos de ensino, torna-se difícil a comparação de diferentes métodos de ensino-aprendizagem utilizando apenas uma forma de avaliação como balizadora da comparação.
Conforme as definições de Burgess et al.31 e Saarinen-Rahiika et al.32, a PBL, como implementado nas ciências da saúde, é um método educacional em que o foco da aprendizagem é um tutorial em pequenos grupos em que os alunos trabalham em cenários de assistência à saúde. A aprendizagem é centrada no aluno e não no professor, e a aprendizagem autodirigida é enfatizada. A PBL é uma abordagem de aprendizagem que oferece muitos benefícios, incluindo maior aquisição e retenção de conhecimento, estimulação da resolução de problemas, aprimoramento do interesse intrínseco pelo assunto, aprendizado profundo, comunicação aprimorada, trabalho em equipe, apresentação e habilidades de avaliação crítica, e aprendizagem independente e habilidades clínicas aprimoradas31),(32.
Elzubeir17 defendeu a PBL como um método eficaz para permitir que os estudantes desenvolvam novas habilidades enquanto constroem sobre o conhecimento anterior. O autor ainda pontua que as situações-problema da PBL expostas aos estudantes apresentaram uma forte similaridade com problemas futuros na carreira. Sugere-se que as situações-problema foram boas direcionadoras de aprendizado e que a união de várias disciplinas no bloco de doenças renais no método PBL é ilustrativo da autenticidade nesse campo.
No tocante à metodologia de Aprendizagem Baseada em Equipes/Times (Team Based-Learning - TBL), Kibble et al.20 realizaram um estudo em que se apresentou, pela ótica de educadores médicos, a percepção sobre a implantação da TBL como método de ensino. Observou-se a possibilidade de estimular o debate e o discussão em condições de limites profissionais bem estabelecidos. A TBL permitiu a facilitação da discussão e do manejo em classes com maior número de estudantes. No entanto, notou-se, em alguns momentos dos estudos de caso, um certo desacordo entre estudantes e professores sobre a implementação do método de ensino.
A TBL é uma pedagogia relativamente nova para a educação médica, mas ganhou popularidade recentemente. Semelhante à PBL, a TBL permite a integração de estratégias de aprendizagem ativa, predominantemente no currículo médico pré-clínico. A TBL é distinta da PBL tanto em seu design quanto no formato altamente estruturado. Na TBL, um tutor facilita vários grupos simultaneamente, em uma sala grande, tornando-a adequada para o ensino em turmas grandes. Na TBL é necessária uma pré-leitura individual, e, para garantir que a pré-leitura foi concluída, devem-se aplicar, no início da aula, um teste individual de múltipla escolha (Teste de Garantia de Prontidão Individual - Individual Readiness Assurance Test - IRAT) e um pré-teste de equipe (Teste de Garantia de Prontidão de Equipe - Team Readiness Assurance Test - TRAT)31.
Também se avaliou o impacto da sala de aula invertida (flipped classroom - FC) como metodologia ativa aplicada no ensino da nefrologia, na graduação médica. Vanka et al.33 relatam que a FC é considerada um método de aprendizado misto, no qual o conteúdo é entregue aos alunos, antes da sessão presencial, geralmente por meio de recursos on-line. Os alunos adquirem conhecimento por conta própria a partir desses recursos e usam a sala de aula formal para se envolver em atividades destinadas a promover a cognição de ordem superior. O objetivo principal de uma FC é mudar o aprendizado de um modelo centrado no instrutor para uma abordagem centrada no aluno, envolvendo indivíduos ou equipes no aprendizado colaborativo. Assim, a FC pode ser definida como uma abordagem pedagógica que 1. move a maior parte do ensino de transmissão de informações para fora da sala de aula; 2. usa o tempo de aula para atividades de aprendizagem que sejam ativas e sociais; e 3. exige que os alunos concluam atividades pré e/ou pós-aula para que possam se beneficiar totalmente do trabalho em sala de aula33.
Yang et al.28 realizaram um estudo quantitativo por meio da aplicação de questionários estruturados em que investigaram a eficácia da FC no ensino de nefrologia por meio da comparação com o ensino tradicional baseado em aulas expositivas (Learning Based Technique - LBT). Constatou-se que os participantes do grupo da FC tiveram melhor desempenho no questionário do que aqueles do grupo LBT, particularmente nas questões relacionadas à análise de caso. Mais estudantes consideraram a FC benéfica para a compreensão, o pensamento crítico, o gerenciamento do paciente e o trabalho em equipe em comparação com a LBT. Há impacto positivo da FC combinada com a abordagem Challenge Based-Learning (CBL) na educação em nefrologia, pois fornece um formato alternativo de pré-aula e em sala de aula para a implementação da FC. Um fator limitante foi não investigar as atividades posteriores à implementação das metodologias ativas.
O estilo de aprendizagem é a abordagem única de um indivíduo para compreender e reter informações, com base em pontos fortes, pontos fracos e preferências. A base fundamental da aprendizagem é, em última análise, obter um conjunto específico de habilidades e conhecimentos. Vários modelos e medidas de preferências de aprendizagem foram discutidos na literatura, alguns dos quais incluem o modelo de David Kolb, o modelo de Anthony Gregorc e a teoria de inteligência múltipla de Gardner. O modelo de Kolb tem sido o mais investigado, especialmente no campo da formação médica, tendo sido amplamente aplicado em pesquisas sobre aprendizagem. O modelo divide o processo pelo qual os indivíduos adquirem conhecimento em quatro categorias: acomodar, assimilar, convergir ou divergir, com base nos quatro estágios de aprendizagem: experimentação ativa (active experimentation - AE) ou fazer, conceitualização abstrata (abstract conceptualization - AC) ou pensar, experiência concreta (concrete experience - CE) ou observação e observação reflexiva (OR) ou sentimento34.
O estudo de Roberts et al.26 explorou os interesses dos estudantes de graduação em Medicina em relação às ferramentas de ensino, por meio de um questionário estruturado no método Q-sort, com 47 afirmações sobre o ensino da fisiologia renal. Constatou-se que três fatores dominantes foram fortemente definidos pelas preferências de aprendizagem: leitores preferem usar notas e um livro didático, e evitar palestras; estudantes socioauditivos preferem assistir a palestras, interatividade e trabalhar com colegas; e os estudantes visuais preferem estudar imagens e diagramas, e visualizar materiais on-line. Um quarto fator menor representou um pequeno grupo de estudantes contrário fortemente o ensino de fisiologia renal e nefrologia. Por fim, a pesquisa identificou e, em seguida, descreveu em detalhes os pontos de vista dominantes dos estudantes. Há que se ponderar que o método Q-sort implica uma dificuldade de compreensão dos resultados.
As desvantagens das metodologias ativas no ensino da nefrologia estão principalmente associadas à instrumentalização dos docentes para a aplicação das metodologias ativas (pode ser um fator limitante para o impacto das metodologias ativas), aos custos logísticos da aplicação nas práticas docentes (implicam adaptações logísticas e funcionais das IES) e ao engajamento dos estudantes (muitos estudantes de Medicina não se sentem estimulados a ser protagonistas da sua formação). As vantagens das metodologias ativas residem no fato de possibilitarem um aprendizado mais interativo, com maior protagonismo por parte do corpo discente e, por fim, por franquearem a possibilidade de um aprendizado mais próximo da prática clínica. O fato de os estudantes de Medicina trabalharem em pequenos grupos dentro das metodologias ativas possibilita que haja um maior compartilhamento de responsabilidades, o que facilita uma melhor abordagem de atitudes e uma melhor compreensão dos conteúdos trabalhados.
Perfil dos profissionais envolvidos no ensino da nefrologia na graduação médica
Alguns estudos procuraram elencar e descrever o perfil dos profissionais envolvidos na formação dos estudantes de Medicina na disciplina de nefrologia. Por conta da diversidade de métodos de ensino-aprendizagem empregados e dos diferentes processos de organização curricular, há heterogeneidade de informações na literatura. Além disso, o perfil do profissional envolvido com o ensino da disciplina de nefrologia nas IES também acaba impactando a análise crítica.
No estudo realizado por Arriba et al.13, buscou-se conhecer a docência de nefrologia na graduação em Medicina da Espanha, por meio de uma pesquisa nos bancos de dados de universidades, do Ministério da Educação e do Instituto Nacional de Estatística locais. Por se tratar de bases públicas, há possibilidade de que os dados obtidos não estejam atualizados. Observou-se que havia uma distribuição heterogênea de leitos por estudante, um baixo índice de professores vinculados diretamente às IES, uma associação das aulas de nefrologia com as aulas de urologia, uma concentração das atividades de nefrologia nos tópicos de injúria renal aguda, DCR, síndrome nefrótica/proteinúria e distúrbios hidroeletrolíticos, e, por fim, um aumento da disponibilidade de modalidades de metodologias ativas, notadamente durante o período pandêmico.
Hoenig et al.19, em um estudo quantitativo tipo survey realizado nos Estados Unidos, constataram que 40% dos diretores de curso de nefrologia são não nefrologistas. Observou-se que o interesse pela nefrologia é sustentado quando os estudantes de Medicina acompanham os nefrologistas em visitas às enfermarias, induzindo a possibilidade de mentorá-los durante os estágios de internato; e, por fim, que os diretores de curso informaram uma significativa parcela de não apoio institucional para o aprendizado.
Prasad et al.35 constataram que a importância do engajamento da futura força de trabalho nefrológica é bem reconhecida e que os professores de nefrologia devem concentrar seus esforços em intervenções no currículo, e focar o comportamento futuro, escolhas de carreira e desfechos clínicos. O impacto de um currículo de nefrologia que envolvia clínicas de subespecialidades, palestras didáticas e fóruns on-line fez com que a maioria dos estudantes de Medicina se sentisse mais à vontade com a nefrologia clínica.
Uso de ferramentas on-line como estratégia para aumentar o interesse pelo aprendizado da nefrologia
Dois estudos avaliaram a utilização de ferramentas de interação on-line como estratégia para ampliar o interesse dos estudantes de graduação pelo aprendizado da nefrologia. Bijol et al.15 desenvolveram uma análise quantitativa por meio de quizzes, em que exploraram o valor educacional da avaliação formativa para aprendizagem de patologia renal em um curso de fisiopatologia renal. Observaram que a maioria dos estudantes considerou que houve melhora da experiência de aprendizagem no curso de patologia renal e que esforços para revitalizar o material do curso e promover o aprendizado adicionando avaliações formativas on-line interativas melhoraram a experiência de aprendizado dos estudantes em geral. Rein et al.25, em um estudo quantitativo do tipo survey, descreveram o uso de pesquisas de uma única pergunta no Twitter para fornecer educação suplementar sobre distúrbios ácido-básicos. Constatou-se que a maioria dos participantes concordou que as pesquisas eram uma maneira conveniente de aprender sobre os distúrbios ácido-básicos. Demonstrou-se uma ferramenta viável, envolvente e amplamente acessível para ensinar um tópico desafiador para estagiários e médicos, e, por fim, as pesquisas e respostas do Twitter do NephSIM apresentaram alto grau de engajamento, participação e satisfação entre os usuários. Porém, o uso exclusivo de ferramentas on-line limitava a participação dos estudantes no ambiente virtual de aprendizagem.
DISCUSSÃO
Este estudo representa a primeira análise no modelo de revisão integrativa destinada a avaliar as metodologias de ensino-aprendizagem em nefrologia, no aprendizado de estudantes de Medicina. Nossa pesquisa revela que as pesquisas sobre esse tópico são extremamente incipientes e revelam somente alguns aspectos envolvidos com o processo ensino-aprendizagem.
No geral, observa-se que uma parcela dos estudos coloca as metodologias ativas como iniciativa promissora para aumentar o interesse dos estudantes pela nefrologia. As pesquisas ainda são insuficientes para demonstrar uma superioridade das metodologias ativas em relação às metodologias tradicionais, porém há indícios de que há impacto positivo no interesse dos estudantes pela disciplina36. A utilização da metodologia PBL parece ser a mais consolidada dentro da literatura, o que enseja um maior interesse de publicações futuras no impacto dessa metodologia no interesse dos estudantes de Medicina.
Outra constatação foi a de que uma parcela dos educadores médicos envolvidos com o processo de ensino-aprendizagem da nefrologia na realidade é composta de não nefrologistas13. Infere-se que isso pode de fato ser um fator de dificuldade para o processo de ensino-aprendizagem, pois sabe-se que os não nefrologistas têm maior dificuldade para ministrar conteúdos relacionados à nefrologia, bem como podem apresentar resistência a ampliar o interesse dos estudantes pelo tema13.
Poucos estudos realizados na literatura usaram um desenho de estudo com randomização e um grupo de controle. Esses estudos apontam para a utilidade de metodologias ativas de ensino-aprendizagem para ajudar os estudantes de Medicina a aprender sobre a fisiopatologia da doença renal. Ainda assim, o sucesso dessas abordagens foi medido principalmente por relatórios de estudantes e testes feitos imediatamente após um curso; portanto, o impacto de longo prazo dessas abordagens educacionais permanece desconhecido. Mais importante ainda, os resultados desses estudos não podem atestar a melhora dos resultados dos pacientes como resultado dos métodos educacionais empregados.
Nossos achados reforçam as conclusões de revisão recente sobre o tema, na qual os autores observaram uma escassez de pesquisas em educação médica de alta qualidade em nefrologia em comparação com outras áreas da medicina36. Para efeito de comparação, houve relatos de utilização de ferramentas de simulação clínica com sucesso em ensaios controlados em áreas clínicas36, estratégia que, se empregada, pode ensejar um maior engajamento e aumento de interesse dos estudantes pela nefrologia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que estudos mais rigorosos são necessários no campo da nefrologia para avaliar com segurança a eficácia das metodologias de ensino-aprendizagem para ensinar o assunto a estudantes de Medicina. Os ensaios devem medir as mudanças nos resultados centrados no paciente, além das mudanças no conhecimento do estudante, bem como no interesse pela especialidade. Os resultados de tais estudos fornecerão uma contribuição mais significativa para o campo da nefrologia.
Em suma, falta rigor no desenho dos estudos sobre a formação do estudante de Medicina em nefrologia. Estudos controlados randomizados bem desenhados, bem como o uso de estudos de coorte comparando metodologias de ensino-aprendizagem, são necessários para avaliar a eficácia das técnicas educacionais introduzidas nos currículos das escolas médicas.