Introdução
A Teoria Histórico-cultural concebe o homem enquanto ser histórico. Propõe a construção social do conhecimento entendendo que é na interação com o outro, realizada por meio da linguagem, que ocorre a individualização e a internalização do saber. Aponta para a necessidade de refletir, estruturar e organizar as atividades educativas tendo em vista o desenvolvimento cognitivo dos alunos.
Investigar como o ser humano aprende é o primeiro passo para, posteriormente, desenvolver e aplicar metodologias de ensino que promovam o aprendizado. A Teoria Histórico-cultural percebe que a atividade de estudo é formada por um conjunto de ações mentais e cognitivas e que a aprendizagem possui diferentes graus de apropriação, ordens de execução, níveis de interiorização e complexidade.
Esta proposta pretende ampliar o debate sobre a importância da construção de didáticas de ensino de História fundamentadas na contradição, no conflito, na indagação de situações-problema, na criticidade e na criatividade. Entender o papel da escola, das atividades do estudo e a aplicabilidade do ensino desenvolvimental é visto, neste contexto, como basilar para organizar um ensino de História condizente com nosso contexto de rápidas mudanças sociais, econômicas e culturais.
Educação escolar: conteúdos, conceitos e contextos
A educação escolar tem como objetivo fornecer meios para que os indivíduos se apropriem dos conteúdos, conceitos e saberes produzidos pela humanidade ao longo do tempo. O aprendizado ocorre nas transformações, na análise de elementos e posicionamentos discordantes, na tensão entre novo e antigo, entre permanências e rupturas.
A educação é um fenômeno que se desenvolve dialeticamente em sua base, explicitada na contradição entre ensino e aprendizagem. Portanto, cabe intensificar a pesquisa sobre os elementos que fomentem e instiguem no espaço escolar novas formas de ver e pensar o objeto de estudo, promovendo a criatividade, a capacidade analítica e a criticidade dos estudantes. Conforme Libâneo (2001, p.160):
Educação compreende o conjunto dos processos, influências, estruturas e ações que intervêm no desenvolvimento humano de indivíduos e grupos na sua relação ativa com o meio natural e social, num determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais, visando a formação do ser humano. A educação é, assim, uma prática humana, uma prática social, que modifica os seres humanos nos seus estados físicos, mentais, espirituais, culturais, que dá uma configuração à nossa existência humana individual e grupal.
O ensino de História que proponha uma transformação em nível pessoal e coletivo deve problematizar, indagar, conectar saberes. Contudo, percebe-se no contexto escolar e na abordagem de diferentes propostas governamentais acerca do ensino de História, a fragmentação de conteúdos e a dissociação entre teoria e contexto social. Somando-se a isto, percebe-se tendências pedagógicas que exploram demasiadamente os conteúdos em detrimento da didática ou, ao contrário, enfatizam o método e esvaziam seus conteúdos, fato igualmente prejudicial ao processo de aprendizagem. Portanto, assimilar e interiorizar os saberes historicamente construídos são - e devem ser - a base para quaisquer mudanças educativas, fato que reitera a importância de planejar conteúdos que promovam a reflexão e a criatividade. Candau (2000, p68) faz uma crítica à padronização do ensino:
Parece que o sistema de ensino, nascido no contexto da modernidade, assentado no ideal de uma escola básica a que todos têm direito e que garanta o acesso aos conhecimentos sistematizados de caráter considerado “universal”, além de estar longe de garantir a democratização efetiva do direito à educação e ao conhecimento sistematizado, terminou por criar uma cultura padronizada, ritualística, formal, pouco dinâmica, que enfatiza processos de mera transferência de conhecimentos, quando esta de fato acontece.
A atividade pedagógica precisa incorporar-se de teorias que expliquem o processo de aprendizagem e sejam passíveis de serem aplicadas no cotidiano escolar. Faz-se necessário superar a reprodução e a mera transmissão de conhecimentos. O ensino deve ser valorizado, mas, sobretudo, a aprendizagem e sua aplicabilidade no cotidiano dos estudantes, sendo indispensável compor metodologias a partir de teorias que respondam como o aluno aprende realmente e o que deve aprender para que haja uma transformação em nível pessoal e coletivo, tendo como referência suas necessidades.
para que a atividade do professor se constitua em atividade para os estudantes é necessário que ela parta da identificação de necessidades preliminares dos mesmos, tendo em vista a construção de necessidades coletivas, primeira condição de toda e qualquer atividade. Nesse processo, demanda ainda educar os motivos para que os motivos-estímulos se transformem em motivos formadores de sentido, fazendo com que o que move o sujeito no contexto escolar coincida com o objeto a que essas ações se dirigem (no caso do ensino desenvolvimental, o ensino-aprendizagem-desenvolvimento), segunda condição para que a ação se efetive enquanto atividade. (LONGAREZY; PUENTES, 2015, p. 108).
As propostas pedagógicas devem rumar para a transformação da sociedade e não para sua manutenção, portanto, estudar os métodos e procedimentos para organizar o ensino e relacionar teoria e prática social são percebidos pela Teoria Histórico-cultural como ferramentas para melhorar a aprendizagem dos estudantes. Pensar em educação para o desenvolvimento integral da personalidade humana significa, portanto, pensar em prática social, vista como ação do sujeito na sociedade.
As contribuições de autores russos como Vigotsky, Leontiev e Galperin para a construção de métodos de ensino de História é vista como um dessafio no contexto educacional brasileiro. Por meio da convergência entre Pedagogia, Psicologia e Ensino de História pode-se refletir sobre o processo educativo de maneira abrangente, considerando o tripé: ensino-aprendizagem-desenvolvimento.
Para tanto, o processo de apreensão do conhecimento deve primar para o desenvolvimento conceitual e para a resolução de situações-problema, e não se ater na mera transmissão de saberes e informações. O método investigativo, a busca parcial, a exposição problêmica participativa e a conversação heurística são práticas pedagógicas que desenvolvem o pensamento teórico-crítico dos estudantes. A busca parcial, por exemplo, é um método que parte de uma situação-problema e requer uma organização para sua solução valendo-se de elementos contraditórios. Neste caso, os alunos devem fazer uma busca independente, cabendo ao professor organizar as atividades sistematizadas por meio de problemas formulados pelo docente. Após chegarem à solução do problema previamente exposto, ocorre a troca de conhecimentos entre alunos e professor, seja em conversas, debates, seminários e demais tarefas que exijam explanação.
A prática educacional é um processo de construção, produção e trabalho. Essa compreensão de educação a percebe como uma construção coletiva que promove a educação integral do homem, permitindo que compreenda suas contradições e as dinâmicas sociais realizadas no mundo dos fenômenos materiais. Os seres humanos não se inquietam inutilmente; é necessário que haja um problema, uma contradição, uma dualidade em sua experiência de vida que o instigue.
No planejamento das aulas, pensa-se em detalhes sobre como o conteúdo será exposto, na particularidade do público, na linguagem a ser utilizada, etc., no entanto, há um ponto importante: como problematizar o tema? Como relacionar conhecimentos conhecidos e desconhecidos? Como perceber o que é um elemento essencial para construir um conceito? Como instigar dúvidas e a busca de soluções para a mesma? Para que haja uma mudança educativa, é necessário fazer um caminho inverso: da certeza para a dúvida, da resposta para a pergunta, do individual para o coletivo. Deve-se buscar a solução de problemas, sim, mas de maneira que os estudantes sejam guiados pela criatividade e criticidade. “Os conteúdos são fundamentais para que o aluno aprenda e sem conteúdos relevantes, conteúdos significativos, a aprendizagem deixa de existir, ela se transforma em um arremedo, ela transforma-se numa farsa”. (SAVIANI, 2007, p. 61). A falta de dados, de debates, pesquisas, entre outros, impedem que o aluno reflita criticamente sobre sua temporalidade, resultando em comodismo e indiferença com sua realidade pessoal, profissional e social.
Na relação dialética entre conteúdo e didática, percebe-se na Psicologia Cognitiva uma aliada para a transformação da educação que, muitas vezes, centra-se na didática e perde de vista que o importante é a aprendizagem dos indivíduos. Como os estudantes assimilam os conteúdos? Quais métodos corroboram para sua assimilação? Como organizar as atividades de ensino?
Vigotsky, Leontiev e Galperin: teorias psicológicas no contexto pegagógico
Lev Semenovitch Vigotsky (1896-1934) foi o precursor da Psicologia Histórico-cultural. O autor estabeleceu relações entre pensamento e linguagem, ressaltou a necessidade de avaliar a criança pelo que está aprendendo - e não pelo que já aprendeu - e buscou entender os processos mentais envolvidos na aprendizagem. Reiterou a importância da apropriação dos conceitos científicos no desenvolvimento dos alunos, pois a apropriação de conceitos do tipo superior influenciará sobre os conceitos espontâneos - aprendidos no dia a dia e já internalizados - engendrando dinâmica e dialeticamente uma relação entre conhecimentos científicos e espontâneos.
Vigotsky discorre sobre a necessidade de orientar o desenvolvimento do ser humano por meio da interação social, da experimentação e do uso de ferramentas para que os processos interpessoais se tornem intrapessoais, uma vez que estas estabelecem, regulam, permeiam seu comportamento e sua ação no mundo. Existem quatro conceitos fundantes em sua obra: Interação; Mediação, Internalização e Zona de Desenvolvimento Próximo (ZDP).
Pode-se dizer que o ZDP é a distância entre o nível de desenvolvimento atual e o nível de desenvolvimento potencial. Neste ínterim, o estudante deve ser estimulado e interagir para se desenvolver. O educador, mediador imprescindível no processo de ensino-aprendizagem, precisa valer-se de métodos para elevar seu nível de desenvolvimento, objetivando a internalização do conhecimento.
Para o autor, a estreita relação com a sociedade possibilita ao homem tornar-se humano, mas em função das condições materiais da sociedade na qual está inserido. Sua teoria possui um critério de análise desenvolvimental, uma vez que o ponto de partida deve ser, necessariamente, diferente do ponto de chegada. Segundo suas concepções, o desenvolvimento cognitivo humano ocorre no ambiente social por meio da atividade.
A atividade externa é a base para a constituição da atividade interna, que pode ser potencializada no desenvolvimento das capacidades humanas. O conhecimento seria, assim, tanto o resultado das ações mentais que implicitamente o abarcam quanto o processo pelo qual é obtido. Logo, o conhecimento é visto como um conjunto compreendido pelas ações mentais - por exemplo, abstração e generalização -, pelo procedimento ou processo para se obter determinado resultado, pelo reflexo e demais elementos.
A educação deve valer-se dessas assertivas e aplicar um planejamento pedagógico que aumente o nível de exigência cognitiva dos estudantes. Logo, a organização do pensamento, da didática e do conteúdo proposta pelo professor percorreria um caminho metodológico capaz de incentivar a interiorização dos conceitos trabalhados no ambiente de aprendizagem.
Aleksei Nikolaevitch Leontiev (1903-1979) também desenvolveu estudos tendo como premissa que o desenvolvimento humano e sua relação com o mundo ocorre em função da atividade que o sujeito exerce. Diferentemente dos animais, pautados pelos instintos e características biológicas que os direcionam a tarefas vitais, o homem precisa aprender individualmente, coletivamente, no momento presente e bebendo da fonte do passado, ou seja, entendendo processos já vivenciados por outros homens.
Leontiev firma que o psiquismo humano é histórico e social e que a consciência é construída socialmente. Para compreendê-la, é preciso: “estudar como se formam as relações vitais do homem tais ou quais condições sociais históricas e que estrutura particular engendra dadas relações” (LEONTIEV, 1978, p. 72). Posteriormente, deve-se estudar como a estrutura da consciência do homem se transforma em relação à atividade externa.
A Teoria da Atividade (TA) é considerada uma continuidade das ideias de Vigotsky. Suas pesquisas contribuem para o campo da Pedagogia, sobretudo, por questionar se a educação está voltada, efetivamente, para o pleno desenvolvimento dos indivíduos. “Por atividade, designamos os processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo, como um todo, se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executar esta atividade, isto é, o motivo” (LEONTIEV, 2014, p. 68).
A atividade compreende um sistema que tem estrutura, transições, desenvolvimento e transformações próprios, permitindo a internalização da atividade externa e que resulta num reflexo psíquico da realidade: a consciência. Para que haja atividade, três elementos devem existir: objeto, necessidade e motivo. O objeto, no caso da atividade de estudo, é o conceito, o conteúdo, a teoria a ser assimilada. A necessidade é a primeira condição para haver atividade. Conforme Leontiev (1978), uma vez que a necessidade encontra a sua determinação no objeto (se "objetiva" nele), o dito objeto torna-se motivo da atividade, aquilo que o estimula. O motivo é extremamente necessário e sem ele, a atividade perde sua razão de ser, o que levaria à alienação. Além de necessidade, motivo e objeto, a atividade é constituída por outros elementos: sujeito, operações, meios e produto.
Durante o processo de internalização, o conhecimento vai processando-se e atos mentais como pensamento e linguagem vão cristalizando-se em distintas ações e operações, simples ou complexas. As ações estão ligadas a um fim; já as operações são condições para a existência da atividade. As condições das atividades são variáveis, mesmo que os fins sejam os mesmos. A atividade se enriquece e é transformada conforme o contato que os sujeitos têm com a realidade objetiva.
estudar como se formam as relações vitais do homem tais ou tais condições sociais históricas e que estrutura particular engendra dadas relações. Devemos em seguida estudar como a estrutura da consciência do homem se transforma com a estrutura da sua atividade. Determinar os caracteres da estrutura interna da consciência é caracterizá-la historicamente. (LEONTIEV, 1978, p. 92).
Deve-se ter em conta que a linguagem, enquanto construção humana e portadora de significados atribuídos pelos homens no tempo, é um fator indispensável para a compreensão da realidade social. A TA ressalta que a educação não é a mera transmissão do patrimônio cultural, pois a apropriação da cultura pelo homem o objetiva e o transforma. Os conteúdos culturais e disciplinares são a base para que, a partir da assimiliação e internalização dos mesmos, o homem consiga compreender a si mesmo e a realidade circundante. Contudo, o autor ressalta que:
na sociedade de classes, mesmo para o pequeno número que usufrui as aquisições da humanidade estas mesmas aquisições manifestam-se na sua limitação, determinadas pela estreiteza e carácter obrigatoriamente restrito da sua própria atividade; para a esmagadora maioria das pessoas, a apropriação destas aquisições só é possível dentro de limites miseráveis (LEONTIEV, 1978, p. 283).
Nessa perspectiva, a escola deve estabelecer didaticamente uma mediação da prática social que possibilite ao indivíduo desenvolver sua individualidade e suas potencialidades de modo consciente. Outro autor que colabora para a compreensão do processo de ensino-aprendizagem-desenvolvimento é Piotr Yakovlevich Galperin (1902-1988).
A Teoria da Formação por Etapas das Ações Mentais e Conceitos, formulada por Galperin, critica o ensino em forma de tarefas e pontua a necessidade de selecionar atividades adequadas ao potencial cognitivo dos estudantes por meio de uma sequência de atividades de estudo que possibilite ao estudante alcançar o êxito. O autor pontuou etapas intermediárias e diversos estágios na formação dos conceitos mentais e propôs o modelo de ensino formativo-conceitual, contrapondo-se a práticas educativas dissociadas da realidade dos alunos.
A teoria de Galperin abriu caminho para o estudo psicológico concreto da própria atividade psíquica, convertendo-se em instrumento da estruturação de suas formas e tipos dados. O mérito de Galperin consiste em que não só se limitou a teses gerais sobre a atividade, nem simplesmente destacou a ação como unidade de análise da atividade psíquica, mas também converteu a investigação da gênese das ações mentais (psíquicas) em método de estudo da atividade psíquica, e se propôs a estudar os tipos concretos da atividade psíquica, a partir das ações que o compõem (NUÑES; PACHECO, 1998).
Os conteúdos e os conceitos nutrem-se de procedimentos investigativos e cognitivos oriundos da análise e da reflexão objetivando a cientificidade do conhecimento, pautado na lógica e não na descrição sensorial dos fatos. Ensinar, neste contexto, significa intervir na formação e desenvolvimento das ações mentais dos alunos por meio de conteúdos que objetivem a construção de conceitos ou referências conceituais que, em diferentes níveis de compreensão e apreensão, tornar-se-ão ferramentas a serem aplicadas em diferentes situações de vida. Por meio deste modelo, o aluno deverá compreender, explicar e fazer as atividades a partir de uma situação-problema.
A Teoria de Formação por Etapas das Ações Mentais e Conceitos de Galperin procura capacitar e habilitar os estudantes para que selecionem referências concretas e tomem decisões frente a uma situação-problema. O objetivo é alcançar o real significado do conceito, utilizando-o na resolução de problemas, ao invés de memorizar fórmulas, dados e conceitos e resolver exercícios de maneira mecânica. A atividade de aprendizagem, entendida como “atividade de orientação-investigação”, deve ser orientada para o desenvolvimento do pensamento teórico dos estudantes, sendo organizada por meio de atividades de estudo dirigidas, nas quais o estudante buscará compreender as características essenciais do objeto de estudo dentro de características gerais.
A formação de conceitos científicos é percebida como um processo gradual, possuidor de uma estrutura interna, que difere da transmissão de conteúdos e de conceitos em si, ou seja, de teorias dissociadas das formas materiais onde são aplicadas. Galperin reforça a necessidade de promover junto aos estudantes uma generalização conceitual consistente aplicável a outros domínios. O autor também operacionaliza os conceitos de interiorização e mediação de Vigotsky a fim de desenvolver os estudantes como personalidades integrais (LONGAREZI; PUENTES, 2015).
Os conceitos deverão ser vivenciados em situações que exijam sua aplicação prática; e através da contradição entre interno e externo, conhecido e desconhecido, o aluno terá que evidenciar suas dúvidas, compreender e resolver o problema, podendo aplicá-los a outros domínios ou novas situações-problema. Esta lógica difere do modelo de ensino ilustrativo-informativo, pautado na explanação, demonstração e explicação de conceitos, processos e fenômenos como algo pronto e acabado, exigindo uma postura mais ativa do estudante e não a memorização mecânica e dissociada da realidade.
Neste método de ensino, cabe selecionar e organizar as atividades para que ocorra a formação de conceitos mentais que tenham como ponto de partida as formas externas de expressão - ação e linguagem - para, posteriormente, transformarem-se em formas internas de pensamento.
Conforme a teoria de Galperin, quando uma ação completamente nova se estrutura, sua forma é primeiramente material, depois verbal e, por último, mental. Assim, faz-se necessário organizar a aprendizagem, pois os conteúdos planejados potencializariam o desenvolvimento dos processos mentais, ou seja, as funções mentais superiores desenvolver-se-iam. Durante o processo de ensino-aprendizagem o estudante deverá encontrar a forma adequada da ação, sua forma material de representação e a transformação desta ação externa em interna. Ao professor cabe a tarefa de orientar e dirigir as atividades de estudo valendo-se de um esquema de referências conceituais que promova a análise do conteúdo a ser aprendido.
O modelo formativo-conceitual preconiza a aprendizagem por meio da prática, mas pautada em situações-problema. Para resolvê-las, o aluno deverá conjugar todas as características da ação: orientação, execução, situação-problema e contexto. A teoria de Galperin afirma que generalidade conceitual pode ser aplicada a outros domínios, fato que contrapõe o modelo de ensino tradicional baseado na explanação, demonstração, exemplificação e aplicação dos conceitos sem um entendimento mais amplo por parte dos alunos sobre a formação dos conceitos e sua aplicabilidade no contexto social.
Considerando que a organização do processo de ensino (seleção das situações problema; apresentação da base orientadora da ação; acompanhamento e organização do processo como um todo) lida com aspectos objetivos e racionais que, de certa forma, não dependem diretamente dos sujeitos, pode-se afirmar que a aprendizagem é organizada iniciando pelos aspectos externos, objetivos e materiais, para terminar num nível interno, mental e abstrato, no qual as ações sofrem um processo de abreviação, simplificando-se e, de automatização, ganhando agilidade, ao mesmo tempo em que podem ser facilmente monitoradas. (VALDES; REZENDE, 2006, p. 1213).
A atividade psíquica formar-se-ia da atividade prática e alicerçada pela Base Orientadora de Ação (BOA) que operacionaliza a escolha consciente de uma dentre as várias possibilidades de ação. A BOA deve, portanto, habilitar o estudante a selecionar referências concretas para resolver determinadas situações-problema, devendo entender o conceito, empregá-lo e analisá-lo.
A parte orientadora é a instância diretiva e, precisamente, no fundamental, depende dela a qualidade da execução. Se elaboramos um conjunto de situações em que se deva aplicar essa ação conforme o plano de ensino, essas situações ditarão um conjunto de exigências para a ação que se forma e, juntamente com elas, um grupo de propriedades que respondem a essas exigências e estão sujeitas à formação. (GALPERIN, 1986, p.116).
O ensino a partir do modelo formativo-conceitual leva em consideração a orientação, a execução, o sistema de ações e o contexto. O aprendizado consiste no resultado da ação realizada a partir de um esquema de orientação conceitual e não da assimilação do conceito de maneira fragmentada e desconexa. O aluno aprende não só a fazer, mas a compreender e explicar como age em tal ou qual situação-problema. O método formativo-conceitual operacionaliza os conceitos de mediação e interiorização estudados por Vigostsky e busca formar um nível de generalização conceitual aplicável a outros domínios.
O emprego dos conceitos e a observação da influência destes no contexto procura acelerar o processo de assimilação, permitindo que as formas externas de expressão se tornem formas internas de pensamento de maneira mais rápida. A compreensão que o estudante tem do significado operacional do conceito e sua internalização transcenderia o caráter informativo, pois tem um objetivo, uma razão de ser. Para isto, as situações-problemas elencadas pelo professor não podem ser aleatórias, devem partir de uma identificação prévia do ponto de partida dos estudantes e do mapeamento das possiblidades de que estes obtenham êxito na solução, ou seja, é preciso ter ciência dos conhecimentos e habilidades preliminares.
As ações possuem funções importantes a serem abordadas: orientadora, executiva e controladora. A função orientadora direciona o método, o objetivo e as características do objeto; na executiva, as ações são executadas com método orientado e o objetivo atingido de maneira dirigida; já a função controladora instiga as informações durante o processo, a fim de aplicarem-se as correções cabíveis. Seguindo os princípios estabelecidos por Galperin, o aluno não utiliza mais o método de tentativa e erro, apoiando-se nas características necessárias que definem o conceito.
Quanto à Base Orientadora da Ação (BOA), Galperin observou três tipos de orientações, segundo o critério a forma de elaboração, o grau de generalização e o grau de detalhamento. Dentro da caracterização da BOA, há níveis que podemos observar: generalidade (casos particulares e gerais sobre invariantes), plenitude (completa ou incompleta) e o modo de obtenção (preparada ou independente).
Ensino de História e Teoria Histórico Cultural
Ao tratar-se do ensino de História na contemporaneidade, percebe-se a necessidade de buscar métodos que instiguem a criatividade e a criticidade dos estudantes, que ensinem a “pensar demoradamente”, a refletir e, posteriormente, atuar de maneira mais consciente em prol do desenvolvimento pessoal e coletivo. Enquanto disciplina que nos habilita a analisar e compreender a trajetória humana no tempo e que comunica passado e presente, deve instigar questionamentos sobre processos e práticas sociais que os homens criaram, reproduziram ou transformaram em diferentes contextos.
No ensino tradicional, ao professor cabe a tarefa de explanar conceitos, demonstrar os processos e exemplificar os conteúdos abordados, cabendo ao aluno perguntar, tirar dúvidas, memorizar, utilizar formas e aplicar minimamente conceitos. Galperin critica este método ilustrativo-demonstrativo, pois é distante da realidade dos estudantes e promove a passividade. O seu método permite que o aluno se torne mais ativo, pois não realiza quaisquer tarefas escolares, mas resolve atividades pautadas em situações-problema. O aluno, a partir de uma atividade dirigida e organizada deverá observar, compreender e internalizar os conteúdos. O papel do professor passa a ser a condução deste processo, fazendo a verificação da assimilação. Ele torna-se fonte de informação devendo esforçar-se por descobrir conceitos gerais, que estejam presentes em situações particulares ou em situações equivalentes tornando o saber o mais abrangente possível.
Esta metodologia de ensino compreende que a(s) necessidade(s) e o(s) motivo(s) são elementos a serem explorados no processo educativo, exigindo um comprometimento do professor no planejamento e orientação de atividades de estudo. Em contrapartida, o aluno terá que executar, abstrair, generalizar e ser capaz de usar o conhecimento em novas situações.
Ao transferir um conceito, uma teoria, uma explicação ou modelo a novos contextos, o aluno consegue conectar saberes e desenvolver a criatividade e a criticidade, tornando o ensino mais ativo e eficaz. O processo de construir e aplicar o conceito a novas situações colabora para o desenvolvimento cognitivo e criativo dos alunos, pois o conceito não é memorizado, mas tratado com uma abordagem distinta, fato que dever ser explorado no ensino de História.
O professor de História, habilitado a analisar a trajetória da humanidade no tempo, deve fomentar dentro do ambiente escolar discussões e debates que desenvolvam o senso crítico e a capacidade de análise dos alunos, uma vez que “o passado comunica o presente, o presente dialoga com o passado” (OLIVA, 2003, p. 423). Assim, a Teoria Histórico-cultural corrobora com seu ofício e ainda privilegia que a prática social, a contextualização, o uso de conceitos e da cientificidade sejam aplicados na atividade educativa.
Considerações finais
A compreensão do fenômeno educativo relaciona-se com a própria socialização do conhecimento histórico, artístico, filosófico, científico da humanidade. Pensar a atividade pedagógica significa pensar a atividade humana. Pensar sobre a atividade de estudo significa refletir sobre o modo como a educação pode potencializar aspectos afetivos, cognitivos, atitudinais dos estudantes, bem como sua capacidade de analisar e generalizar fenômenos da realidade.
A Teoria Histórico-cultural evidencia que o processo de ensino-aprendizagem tem como tripé fundamental o objeto, o aluno e o professor. Assim como o estudante necessita ampliar sua compreensão sobre si e sobre o mundo para nele melhor atuar, o professor também deve sentir-se um profissional indispensável no processo educativo. Ambos devem adequarem seus saberes e práticas, reafirmar seus projetos individuais e coletivos, e qualificar seus conhecimentos. Sobre o objeto, no caso o conteúdo específico, é o elemento que deve ser compreendido, analisado e internalizado para promover a aprendizagem. Esta concepção exige um equilíbrio didático entre teoria e prática, conteúdo e método, ensino e aprendizagem.
A escola precisa ensinar o aluno a pensar por meio de conceitos científicos, não pode estar alheia a teorias e métodos que desenvolvam as capacidades intelectuais dos estudantes a partir da criatividade, ou seja, fugindo da lógica da memorização e reprodução de saberes construídos historicamente, mas que não abarcam uma apreensão aprofundada por meio de conceitos e compreensões próprias dos estudantes.