Introdução
O movimento da matéria está presente tanto nos fenômenos naturais quanto sociais. Embora estes sejam mais complexos, são explicados pelas mesmas leis daqueles. O desenvolvimento profissional docente é um tipo de fenômeno social cujo movimento pode ser explicado pelas leis gerais do desenvolvimento, as quais são mediadas pelos fundamentos teórico-metodológicos do materialismo histórico dialético neste texto.
Para Engels (1979), quanto mais complexo o fenômeno, mais difícil é a apreensão de seu movimento. Nesse sentido, para apreensão do desenvolvimento profissional docente, é necessário compreender as determinações de seu movimento para além da manifestação fenomênica, isto é, sua aparência. Dessa forma, compreender o desenvolvimento profissional docente para além da ideia de resultados que são manifestados nas relações do professor significa apreender suas determinações. Nesse movimento, a aparência é apenas o ponto de partida, não a explicação!
Objetivando fundamentar o conceito mediado pelas leis gerais do materialismo histórico dialético, no sentido de que o desenvolvimento profissional docente é o movimento histórico e dialético de constituição das maneiras de pensar, de sentir e de agir do professor, e manifesta-se em suas relações pessoais, profissionais e institucionais, desenvolvemos neste texto a discussão sobre os fundamentos dialéticos do desenvolvimento profissional docente.
Este texto é produto dos estudos realizados na tese doutoral de Araujo (2019) e promove uma discussão teórica que se estrutura da seguinte forma: revisão de literatura, com base em ideias relevantes de alguns autores para a discussão sobre o desenvolvimento profissional docente; discussão teórico-metodológica, que fundamenta o conceito de desenvolvimento sob uma perspectiva dialética; apresentação e discussão dos três fundamentos dialéticos do desenvolvimento profissional construídos na pesquisa realizada: 1) O desenvolvimento profissional como unidade da continuidade e dos saltos; 2) O desenvolvimento profissional como unidade e luta de contrários; 3) O desenvolvimento profissional como espiral de negações dialéticas.
O que dizem os autores clássicos sobre o desenvolvimento profissional docente?
Na base das discussões sobre desenvolvimento profissional docente é frequente a referência aos termos profissionalismo, profissionalização, profissionalidade e professoralidade (NÓVOA, 1991; DAY, 2001; MOROSINI, 2006; CONTRERAS, 2012; PIMENTA; ANASTASIOU, 2014).
Para Morosini (2006), tais termos estão ligados à relação que envolve o desenvolvimento da profissão e o trabalho docente, daí porque se concebe a necessidade de compreensão sobre eles, antes de prosseguirmos com a discussão das ideias de alguns autores clássicos sobre o desenvolvimento profissional docente.
Acerca da compreensão do termo profissionalismo, Contreras (2012, p. 45) destaca que a sua constituição se deu como forma de resistência dos professores à precarização da profissão docente na contemporaneidade, e relaciona-se ao movimento ideológico que buscava determinado status profissional por meio da definição de atributos necessários à profissão docente.
Conforme o referido autor, “[...] a ideia do profissionalismo como representação de habilidades especializadas, responsabilidade e compromisso preenche perfeitamente as necessidades de diferenciação e reconhecimento social” (CONTRERAS, 2012, p. 45).
Aliás, Contreras (2012) menciona que o profissionalismo se converteu de movimento de resistência dos docentes à forma de controle do estado na definição daquilo que deveria ser necessário à profissão docente. Já o termo profissionalização resultou da ação dos professores, do estado e das instituições educacionais para a “qualificação” docente nas condições definidas pelo profissionalismo.
Para o supracitado autor, o processo de profissionalização foi utilizado como forma de estabelecer sistemas de
[...] racionalização no ensino, de tal modo, que o fruto foi a homogeneização da prática dos docentes, a consequente burocratização e perda da autonomia dos professores e o banimento da participação social na educação cada vez mais justificado como um âmbito dos profissionais e da administração. (CONTRERAS, 2012, p. 68).
De acordo com o que foi definido por Contreras (2012), os termos profissionalismo e profissionalização relacionam-se ao controle sobre o conhecimento e a profissão docente.
Em substituição ao profissionalismo e à profissionalização docente, Contreras (2012, p. 82) sobreleva outra forma de resistência à precarização do trabalho docente. Em consonância com ele, essa nova forma de resistência não está presa às ideias definidoras do ‘professor ideal’, do ‘ensino de qualidade’, mas nas ideias relacionadas à prática do professor. Assim, o termo profissionalidade “[...] se refere às qualidades da prática profissional dos professores em função do que requer o trabalho educativo”. Entendemos com isso que a profissionalidade se relaciona à epistemologia da prática ou performance do professor no desenvolvimento de sua atividade docente.
Sobre o termo professoralidade, Morosini (2006, p. 400) afirma que ele se relaciona à subjetividade do professor:
[...] construção do sujeito-professor que acontece ao longo de sua vida; processo que o professor experimenta enquanto se pensa e se experimenta, produzindo um modo de ser singular. A professoralidade é uma marca produzida no sujeito, ela é um estado, uma diferença na organização da prática subjetiva, uma diferença que o sujeito produz em si. Vir a ser professor é vir a ser algo que não se vinha sendo, é diferir de si mesmo. E, no caso de ser uma diferença, não é a recorrência a um mesmo, a um modelo padrão. Por isso, professoralidade não é uma identidade: ela é uma diferença produzida no sujeito.
Pela apreensão dos termos apresentados e produção de relações com a discussão de Morosini (2006) sobre o conceito de desenvolvimento profissional, constatamos que eles não podem ser utilizados como sinônimos para a definição do conceito de desenvolvimento profissional docente, porquanto aludem apenas às relações profissionais do professor, e o desenvolvimento profissional não está relacionado somente à profissão.
Na gênese das discussões mais atualizadas sobre o desenvolvimento profissional docente estão os estudos de Oliveira (1997), Garcia (1999), Day (2001), Oliveira-Formosinho (2009), Pimenta e Anastasiou (2014).
Objetivando apreender as discussões de cada autor e identificar no que um supera o outro, constatamos que eles se complementam, pois partem da ideia de desenvolvimento profissional como processo de aprendizagem permanente para o exercício da profissão, isto é, o desenvolvimento profissional vinculado às ideias de profissionalização ou profissionalidade. Portanto, não deixam de ser significados somente como produto, resultado, conduzidos por visão de causa e efeito. Essa visão é carregada pela ideia de que a formação contínua promove o desenvolvimento profissional e este, por sua vez, representa um processo de aprendizagem permanente dos professores para a profissão.
Para Oliveira (1997, p. 93), a prática profissional “[...] constitui um fórum próprio enquanto fonte de construção do conhecimento, valorizando, assim, as experiências dos profissionais e a reflexão sobre as suas práticas”.
Assim, o desenvolvimento profissional é apenas um produto da formação orientada para a reflexão e investigação sobre a prática. Nessa lógica, Oliveira (1997, p. 95) afirma que o desenvolvimento profissional
[...] reporta-se de uma forma mais específica ao domínio de conhecimentos sobre o ensino, às atitudes face ao ato educativo, ao papel do professor e do aluno, às suas relações interpessoais, às competências envolvidas no processo pedagógico e ao processo reflexivo sobre as práticas do professor.
Na afirmação apresentada pela autora, o desenvolvimento profissional é um processo de apropriação de saberes e competências para o desenvolvimento da prática docente. Conforme Oliveira (1997), o desenvolvimento profissional também está relacionado à ideia de profissionalidade e, com isso, a autora partilha da ideia de que os saberes e as competências não são exteriores aos professores, mas constituídas com base em suas experiências profissionais nas instituições. Nesse sentido, a autora significa desenvolvimento profissional à aquisição de saberes e competências.
Garcia (1999) apresenta avanços em relação às ideias de Oliveira (1997). Para ele, o desenvolvimento profissional dos professores é elemento de integração das práticas curriculares, docentes, escolares e pessoais. Coadunando o autor, as transformações dos professores implicam em suas relações pessoais, profissionais e institucionais. Nessa compreensão, o pessoal, o institucional e o profissional são apresentados como dimensões indissociáveis do desenvolvimento profissional.
Ademais, Garcia (1999) compreende a formação contínua como qualquer atividade que produza aperfeiçoamento pessoal e profissional. Isto é, a formação contínua é compreendida pelo autor como processo que contribui para o desenvolvimento profissional, mas não é sinônimo de desenvolvimento profissional.
Garcia (1999, p. 253) concorda que o desenvolvimento profissional do professor do ensino superior, por exemplo, precisa ser compreendido como teoria e prática, o que, nas palavras do autor, “[...] facilita o aperfeiçoamento na ação do professor numa variedade de domínios”. Conforme o autor, esses domínios direcionam-se para o intelectual, o institucional, o pessoal, o social e o pedagógico. E acrescenta que essa ideia de desenvolvimento profissional “[...] se aproxima mais da proposta que temos defendido no sentido de inter-relacionar o desenvolvimento do professor com o desenvolvimento da instituição”. Ou seja, para ele, o desenvolvimento profissional do professor do ensino superior concretiza-se em articulação com o desenvolvimento da instituição.
Embora apresente contribuições relevantes à discussão do conceito de desenvolvimento profissional, Garcia (1999) propõe modelos pragmáticos a serem desenvolvidos pelas instituições com vistas à promoção do desenvolvimento profissional dos professores. Nessa lógica, as ideias do autor continuam relacionadas ao desenvolvimento profissional como profissionalidade:
As relações que acabamos de referir entre o desenvolvimento profissional e o desenvolvimento da escola, do currículo, do ensino e do professor devem, necessariamente, ser concretizadas em propostas que permitam estruturar e dar uma configuração conceptual e pragmática ao desenvolvimento profissional dos professores. [...] Talvez a classificação mais simples de modelos de desenvolvimento profissional seja a que assume basicamente a existência de dois tipos de atividades: em primeiro lugar, aquelas cujo objetivo consiste em que os professores adquiram conhecimentos ou competências a partir da sua implicação nas atividades planeadas, e desenvolvidas por especialistas, e, em segundo lugar, as outras cujo objetivo excede o domínio de conhecimentos e competências pelos professores e afirma a necessidade de uma verdadeira implicação dos docentes no planeamento e desenvolvimento do processo de formação. (GARCIA, 1999, p. 146, grifo nosso).
As ideias de Garcia (1999) apresentam avanços, mas não trazem a compreensão do caráter histórico do desenvolvimento profissional, de suas determinações e mediações para além de modelos produzidos pelos especialistas da educação.
O avanço nas discussões de Day (2001) deu-se justamente na proposição de determinações ao desenvolvimento profissional. Em suas ideias, os modelos, os processos de formação contínua, as mais variadas relações desenvolvidas pelos professores, suas condições objetivas e subjetivas são determinações ao desenvolvimento profissional.
No entanto, o susodito autor considera o desenvolvimento profissional como processo de aprendizagem permanente, e salienta que o sentido do desenvolvimento profissional docente:
[...] depende das suas vidas pessoais e profissionais e das políticas e contextos escolares nos quais realizam a sua atividade docente. [...] abordamos os contextos, os propósitos e as vidas dos professores, bem como sua capacidade investigativa, o desenvolvimento das suas competências e do seu saber-fazer profissional, as suas condições de trabalho - a sala de aula, as culturas de ensino e a liderança -, a avaliação, o planejamento do seu desenvolvimento pessoal e a sua mudança, a formação contínua, os modelos de parceria e as redes de aprendizagem e aperfeiçoamento. (DAY, 2001, p. 15).
Com base nessa afirmação, o desenvolvimento profissional docente ficou determinado às experiências de vida e à formação dos professores. Em sua conceituação de desenvolvimento profissional, o supracitado autor afirma que
o desenvolvimento profissional envolve todas as experiências espontâneas de aprendizagem e as actividades conscientes planificadas realizadas para benefício direto ou indireto, do indivíduo, do grupo ou da escola, e que contribuem, através destes, para a qualidade da educação na sala de aula. É o processo através do qual os professores, enquanto agentes de mudança, revêem, renovam e ampliam, individual ou colectivamente, o seu compromisso com os propósitos morais do ensino, adquirem e desenvolvem, de forma crítica, juntamente com as crianças, jovens e colegas, o conhecimento, as destrezas e a inteligência emocional, essenciais para uma reflexão, planificação e práticas profissionais eficazes, em cada uma das fases das suas vidas profissionais. (DAY, 2001, p. 21).
Com esse conceito, o referido autor reforça que o desenvolvimento profissional se constitui por meio do movimento que envolve a reflexão, a investigação e o pensamento crítico sobre a prática profissional. E, com isso, desenvolve a ideia de desenvolvimento profissional contínuo como sendo todo ou qualquer tipo de aprendizagem profissional dos professores.
Ao estabelecer a ideia de desenvolvimento profissional contínuo, Day (2001) tentou dissociar desenvolvimento profissional de formação contínua, mas só aproximou esses conceitos. E afirma que a formação contínua é “[...] definida como um acontecimento planeado, um conjunto de eventos ou um programa amplo de aprendizagens acreditadas e não acreditadas, de modo a distingui-la de atividades menos formais de desenvolvimento profissional” (DAY, 2001, p. 203).
Para caracterizar esse tipo de formação, o susodito autor reforça que
[...] tem geralmente um líder nomeado cuja função consiste em facilitar, mas também estimular, a aprendizagem de uma forma activa. Sendo concebida para “encaixar” nas necessidades dos professores em relação ao seu grau de experiência , à etapa de desenvolvimento da sua carreira, às exigências do sistema e às necessidades do ciclo de aprendizagem ou do próprio sistema, é provável que a formação contínua resulte num crescimento acelerado, quer se trate de um crescimento aditivo (aquisição de conhecimentos destrezas e compreensão mais profunda de determinados aspectos), quer se trate de um crescimento transformativo (que resulta em mudanças significativas nas crenças, conhecimento, destrezas e modos de compreensão dos professores). (DAY, 2001, p. 204).
Pelo que constatamos, as diferenças entre desenvolvimento profissional e formação contínua, propostas pelo autor em apreço, são mínimas, e as semelhanças, amplas. No que se refere às diferenças, ele apenas afirma que formação contínua é um processo de aprendizado isolado, voltado para a aprendizagem de determinada competência ou saber pelos professores no processo de profissionalização, enquanto o desenvolvimento profissional relaciona-se à ideia de profissionalidade.
Entretanto, ao definir que o desenvolvimento profissional é um processo mais alargado de aprendizagem profissional (aqui já em aproximação com a formação contínua), e destacar que isso se dá pela experiência - tanto pelas oportunidades informais, dadas na instituição, quanto formais, por meio de atividade de treinos ou formação contínua, isto é, os modelos de desenvolvimento profissional -, o supracitado autor não dissociou o conceito de desenvolvimento profissional em relação à formação contínua. Isso foi prejudicial para as discussões envidadas por ele, uma vez que continuou relacionando o desenvolvimento profissional somente à ideia de resultado, semelhante ao que acontece em práticas de formação contínua.
Na revisão de literatura sobre o desenvolvimento profissional docente, Oliveira-Formosinho (2009) explicou as diferenças entre desenvolvimento profissional e formação contínua da seguinte forma:
a nossa conceptualização de formação contínua leva-nos a considerar que, mais do que um subsistema, formação contínua e desenvolvimento profissional são perspectivas diferentes sobre a mesma realidade que é a educação permanente dos professores num processo de ciclo de vida. A designação formação contínua analisa-a mais como um processo de ensino/formação e o desenvolvimento profissional mais como um processo de aprendizagem/crescimento. Estas duas perspectivas sobre a mesma realidade têm preocupações e enfoques diferentes. O desenvolvimento profissional é um processo mais vivencial e mais integrador do que a formação contínua. Não é um processo puramente individual, mas um processo em contexto. (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2009, p. 225, grifo da autora).
O que ficou compreendido nas ideias da autora em epígrafe é que ambos os processos são direcionados para a aprendizagem docente. Na formação contínua, o professor ‘recebe’ uma formação externa para o desenvolvimento da atividade docente. Já no desenvolvimento profissional, a formação dá-se em determinado contexto em que o professor desenvolve suas relações profissionais. Mesmo que não tivesse sido afirmado pela autora, sua discussão não se distanciou da ideia de formação pelos saberes da experiência.
Em nossa compreensão, a formação contínua não pode ser colocada em uma relação lado a lado ao desenvolvimento profissional, tendo em vista que os processos de formação contínua estão relacionados ao contexto que engloba as várias determinações constitutivas do desenvolvimento profissional docente, enquanto que o desenvolvimento profissional é a totalidade constitutiva do ser professor. Não é resultado, mas movimento, como explicaremos no tópico seguinte.
Fazendo relações com as discussões de Day (2001), compreendemos que a autora se associa ao mesmo conceito de desenvolvimento profissional, que aparentemente se apresenta como sinônimo de formação docente:
[...] o desenvolvimento profissional como um processo contínuo de melhoria das práticas docentes, centrado no professor, ou num grupo de professores em interacção, incluindo momentos formais e não formais, com a preocupação de promover mudanças educativas em benefício dos alunos, das famílias e das comunidades. Esta definição pressupõe que a grande finalidade dos processos de desenvolvimento profissional não é somente o enriquecimento pessoal, mas também o benefício dos alunos. Pressupõe a procura de conhecimento profissional prático sobre a questão central da relação entre aprendizagem profissional do professor com aprendizagem dos seus alunos, centrando-se no contexto profissional. (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2009, p. 226).
Não muito diferente dos demais autores apresentados, Pimenta e Anastasiou (2014) discutem o desenvolvimento profissional do professor do ensino superior. No entanto, as susoditas autoras afirmam que a ideia de desenvolvimento profissional supera a aquisição de saberes ou mudanças de atitudes à atividade docente, e definem a ideia de processo de profissionalização continuada como meio de desenvolvimento profissional. Para elas, o desenvolvimento profissional é objetivo de propostas de formação docente, o que aproxima seu conceito somente à ideia de resultado:
[...] tem constituído um objetivo de propostas educacionais que valorizam a formação docente não mais baseada na racionalidade técnica, que os considera meros executores de decisões alheias, mas numa perspectiva que reconhecem sua capacidade de decidir. Ao confrontar suas ações cotidianas com as produções teóricas, impõe-se a revisão de suas práticas e das teorias que as informam, pesquisando a prática e reproduzindo novos conhecimentos para a teoria e a prática de ensinar. Assim, as transformações das práticas docentes só se efetivam à medida que o professor amplia sua consciência sobre a própria prática, a da sala de aula, a da universidade como um todo, o que pressupõe os conhecimentos teóricos e críticos sobre a realidade. Tais propostas ressaltam que os professores colaboram para transformar as instituições de ensino no que diz respeito a gestão, currículos, organização, projetos educacionais, formas de trabalho pedagógico. Reformas gestadas nas instituições, sem tomar os professores como parceiros/autores, não transformam as instituições na direção da qualidade social. (PIMENTA; ANASTASIOU, 2014, p. 88-89).
As autoras em apreço apresentam em suas discussões uma particularidade que constatamos nos demais autores citados: a concepção ecológica de desenvolvimento profissional. Ao propor vários pontos de partida para o desenvolvimento profissional do professor, mediado pela perspectiva ecológica, Oliveira-Formosinho (2009, p. 262) apresenta a seguinte síntese:
o reconhecimento dos contextos profissionalizantes significativos;
o reconhecimento da importância do alargamento das atividades em contexto e da recordação e da renovação no desempenho de papéis ou mesmo do desempenho de novos papeis;
o reconhecimento da importância das interações e da comunicação entre esses contextos profissionalizantes;
o reconhecimento da importância da influência doutros contextos culturais e sociais mais vastos nesses contextos profissionalizantes mais próximos e nos próprios professores;
o reconhecimento da importância para o processo de desenvolvimento profissional do apoio aos professores nos momentos de transição ecológica.
Aparentemente, a ideia de que o professor se desenvolve pelas relações produzidas nos contextos em que realizam a atividade docente pode parecer que se refere à concepção ontológica de desenvolvimento humano. Entretanto, o distanciamento ocorre quando se insere no processo desenvolvimental uma concepção sistêmica de desenvolvimento como parte de processo de interação e adaptação do indivíduo a determinado contexto.
Nossa primeira crítica em relação à concepção ecológica que fundamenta os autores discutidos é que ela fragmenta e reduz a realidade social à ideia de contextos. A realidade social do professor é mais ampla que o contexto da instituição, pois abrange a dimensão de suas relações pessoais, profissionais e institucionais, e sua própria história.
Outra crítica é o fato de essa concepção ecológica fundamentar a ideia de desenvolvimento profissional como efeito de relações comportamentais e adaptação do professor aos ambientes formativos ou de atuação profissional. Isso justifica o fato de esses autores relacionarem o desenvolvimento profissional aos termos evolução e continuidade, e significarem um certo pragmatismo do professor diante da transformação de suas maneiras de pensar, de sentir e de agir. Nesse movimento, essa concepção ecológica não considera a relevância das necessidades, dos motivos, das significações, da realidade e das possibilidades como determinações ao desenvolvimento profissional do professor.
Embora considerem que o desenvolvimento profissional docente não é sinônimo de formação contínua, os autores citados desenvolveram a ideia de que o desenvolvimento profissional é um processo mais amplo que a formação contínua, já que seu movimento é permanente, enquanto a formação contínua é temporária.
Em nossa compreensão, o conceito de desenvolvimento profissional utilizado pelos autores apenas transforma a ideia de formação contínua em formação ‘permanente’, atribuindo-lhe a denominação de desenvolvimento profissional. Isso só reforçou a ideia de que mesmo estendendo a dimensão da formação contínua e dando a ela nova denominação, o desenvolvimento profissional docente não deixou de ser significado apenas como processo que produz resultados ao desenvolvimento da atividade docente.
Consideramos que o desenvolvimento profissional está ligado ao movimento histórico do professor, movimento esse que não pode ser compreendido com a ideia de finalidade, tampouco como produto de modelos direcionados para o aprendizado docente. Em nossa compreensão, todo o processo formativo de desenvolvimento do professor pode ser vislumbrado como atividade.
A formação contínua, por exemplo, pode ser compreendida como processo formativo que representa uma atividade ou um conjunto delas. Se constituída em atividade, seu fim é a satisfação das necessidades formativas do professor, e quando elas são satisfeitas, o que se tem é o movimento nas maneiras de pensar, de sentir e de agir do professor - o que não representa o fim na formação do professor, apenas um novo momento de sua vida, evidenciado pelas transformações em suas relações pessoais, profissionais e institucionais. Mas também representa a constituição das bases para o aparecimento de novas necessidades formativas.
Isso que acabamos de apresentar é movimento, é dialético, é histórico! O que não constatamos nas discussões produzidas pelos autores apresentados. No entanto, essa afirmação só é possível mediante a compreensão dialética da ideia de desenvolvimento, discussão desenvolvida no tópico a seguir.
Compreensão dialética de desenvolvimento para a compreensão dialética de desenvolvimento profissional docente
Conforme as ideias de Krapívine (1986, p. 140), os objetos e fenômenos da realidade estão em constante mutação, não são acabados. Com isso, o autor afirma que o desenvolvimento é identificado como “[...] um tipo de movimento no qual muda a estrutura interna do objeto ou processo”.
Seguindo essa compreensão, o desenvolvimento profissional docente é um movimento histórico, dialético e permanente. Portanto, para a produção do conceito de desenvolvimento profissional docente, é necessária uma discussão mais complexa sobre o conceito de desenvolvimento como processo dialético, em que “[...] toda mudança é uma transformação de quantidade em qualidade, consequência de mudanças quantitativas da quantidade de movimento, sob uma forma qualquer, própria do corpo” (ENGELS, 1979, p. 36).
Como parte dessa discussão mais complexa, Konstantinov (1974, p. 174) afirma que o desenvolvimento
[...] é uma cadeia de negações dialéticas, cada uma das quais não só rejeita as fases precedentes, como também conserva o que eles continham de positivo, concentrando cada vez mais nas fases superiores a riqueza do desenvolvimento no seu todo. O caráter infinito do desenvolvimento não se pode, portanto, compreender como uma cadeia a perder de vista, na qual aos objectos existentes se vêm simplesmente juntar outros objectos, e isso interminavelmente. O desenvolvimento não consiste na adição aritmética à unidade existente de outra unidade, mas sim no aparecimento de formas novas e superiores, que criam as condições para o desenvolvimento ulterior. Daí a necessária tendência geral do desenvolvimento que vai do simples para o complexo, do inferior para o superior, a tendência do movimento do progresso ascendente.
Partindo dessa compreensão mais complexa de desenvolvimento, assimila-se que o desenvolvimento profissional docente não pode ser compreendido somente pela ideia de finalidade, evolução e continuidade de processos de aprendizagem. Mas é movimento, porque é continuidade e ruptura.
A cada momento de sua história, o professor constitui-se como síntese de múltiplas determinações. Sua qualidade anterior é superada por outra qualidade mais rica e complexa, e isso é o que caracteriza o seu desenvolvimento, e não somente a aquisição de saberes, competências como fragmentos adicionados a supostas ideias de ‘repertório profissional’.
Nesse movimento, transforma-se a pessoa e o profissional. Em face disso que afirmamos, propomos que o desenvolvimento profissional docente é o movimento histórico e dialético de constituição das maneiras de pensar, de sentir e de agir do professor, e manifesta-se em suas relações pessoais, profissionais e institucionais.
O desenvolvimento profissional docente não pode ser compreendido apenas como resultado, pois é o movimento, a história do professor em movimento. A transformação não é o desenvolvimento profissional em si, é a sua manifestação, a forma de sua expressão no movimento histórico do professor. Sendo movimento histórico e dialético, o desenvolvimento profissional relaciona-se à vida de cada professor, às suas experiências e vivências.
Essas transformações não são o desenvolvimento profissional docente pronto e acabado, mas a sua expressão em determinado momento histórico do professor. Elas representam, nesse contexto, uma síntese do professor diante de seus processos constitutivos, envolvendo, com isso, a pessoa e o profissional.
Como forma de aprofundar essas discussões, nos tópicos seguintes, apresentamos a nossa produção teórica sobre os fundamentos dialéticos do desenvolvimento profissional docente.
Fundamento 1: o desenvolvimento profissional como unidade da continuidade e dos saltos
Este fundamento baseia-se na lei da passagem das mudanças quantitativas em qualitativas, a qual define o desenvolvimento como movimento de continuidades e rupturas. Como processo, as transformações que caracterizam o desenvolvimento se realizam por meio da passagem das mudanças quantitativas às qualitativas. Para compreender esse fundamento, é necessário apropriação dos conceitos de qualidade, quantidade, medida e salto.
A qualidade é o que determina o objeto ou fenômeno como eles são, ligando-se à sua estrutura. As qualidades de determinado fenômeno ou objeto também constituem modificações de sua substância material.
Sobre isso, Lefebvre (1991, p. 124) destaca que as modificações qualitativas apresentam “características bruscas, tumultuosas; expressam uma crise interna da coisa, uma metamorfose em profundidade, mas brusca, através de uma intensificação de todas as contradições”.
O conteúdo da qualidade é representado por várias propriedades, aspectos particulares dos objetos e fenômenos da materialidade. Conforme Podossetnik e Yakhot (1967, p. 54), “[...] uma propriedade é uma feição de uma coisa, uma faculdade para caracterizar a coisa, uma peculiaridade. A soma total dessas peculiaridades interiores da coisa é a sua qualidade. Isto quer dizer que a qualidade se revela através das propriedades”.
Esse conteúdo é o que define as relações de semelhança e diferença entre os objetos e fenômenos, ou seja, suas particularidades. Nessa compreensão, uma qualidade possui várias propriedades ou aspectos que a determinam.
No desenvolvimento profissional docente, a qualidade representa as sínteses do professor em cada estágio desenvolvimental, ou seja, a qualidade do professor é aquilo que ele é em determinado momento histórico. Essas qualidades são constituídas das propriedades que envolvem suas relações com a formação, o ensino, a extensão, o desenvolvimento de suas práticas educativas, a instituição, entre muitas outras que caracterizam o que nós identificamos como próprias ao professor no exercício da profissão.
Muitas vezes, de modo habitual, acabamos adjetivando essas propriedades para representar determinada qualidade no professor: o professor comprometido com a instituição; o professor crítico; o professor pesquisador; o professor politizado; o professor conservador; o professor intelectual etc.
Mas, para além dessa adjetivação, a qualidade do professor tem seus aspectos gerais, particulares e singulares. Os aspectos gerais dizem respeito às propriedades necessárias para que cada professor seja reconhecido como profissional da educação. As propriedades relacionadas aos processos formativos, por exemplo, são gerais à docência. Isso implica conhecimentos, habilidades e competências necessárias, e ações dos professores em relação à sua formação.
Os processos formativos também podem evidenciar aspectos particulares aos professores, pois esse tipo de aspecto se relaciona com aquelas propriedades consideradas específicas a determinado grupo de professores. Quando definimos, por exemplo, as propriedades necessárias ao professor do ensino superior, estamos particularizando determinado grupo de professores e inserindo o necessário para que eles sejam inclusos nesse grupo, afinal, a docência no ensino superior tem suas particularidades em relação a outro nível de ensino.
Os aspectos singulares são representados pelas propriedades exclusivas de cada professor: aquilo que diferencia ou iguala um professor em relação a outro. Essas propriedades são mediadas pelo modo como cada professor vivencia seus processos formativos e a docência. Nessa mediação, inserem-se: as significações produzidas sobre a docência; a formação e os contextos educativos; os motivos e as necessidades do professor.
Esses aspectos singulares da qualidade são essenciais para justificar a ideia de que o desenvolvimento profissional docente é um processo geral e, também, singular a cada professor. Assim, as sínteses gestadas constituem-se como um estágio desenvolvimental e estão diretamente relacionadas com a história de cada um. Daí a necessidade de compreender o desenvolvimento profissional docente para além de seus aspectos gerais, produzindo uma investigação com base na vivência dos professores, de modo a analisar, na nova qualidade, seus aspectos gerais, particulares e singulares.
Além da qualidade, os objetos e fenômenos são representados também por suas propriedades quantitativas. Conforme Krapívine (1986, p. 168), a quantidade “[...] caracteriza o objeto sob o aspecto do grau, da intensidade, ou do nível de desenvolvimento de uma qualidade. Em regra, a quantidade se expressa em números”.
Assim, o desenvolvimento profissional docente não se caracteriza apenas pelas diversas sínteses da qualidade dos professores, mas também pelo quantitativo de ações que ele desenvolve em seus processos formativos e profissionais.
Tomando como exemplo o estudo realizado pelo professor do ensino superior na Pós-Graduação em Educação, a quantidade é representada pelo nível das relações acadêmicas que ele desenvolve nas ações do estudo. Logo, esse quantitativo de envolvimento pode ser representado, por exemplo, pelo desenvolvimento do professor em relação ao seu aprendizado; pela grandeza sobre a quantidade de livros lidos; pelos textos publicados; pelos eventos de que participa; da quantidade de aulas assistidas; do nível de compromisso com os estudos; do nível de reflexão sobre a atividade, entre outros.
Em Konstantinov (1974, p. 150), “a qualidade duma coisa está indissociavelmente ligada a uma determinada quantidade. Esta conexão e dependência entre qualidade e quantidade chama-se medida duma coisa”. A medida, portanto, é a unidade das transformações qualitativas e quantitativas.
Sobre isso, Cheptulin (2004, p. 212) considera que
[...] os limites nos quais as mudanças quantitativas não acarretam mudanças qualitativas exprimem a medida. Assim, as mudanças qualitativas aparecem apenas no momento em que as mudanças quantitativas saem dos limites de uma medida dada. A destruição de uma medida, em decorrência da ultrapassagem, pela quantidade, dos limites rigorosamente determinados em cada caso preciso, não significa, entretanto, que uma coisa dada (ou fenômeno dado) tenha entrado em um estado incomensurável. A quantidade e a qualidade, fora dos limites de uma medida, não se comportam de forma caótica, mas, pelo contrário, mostram-se ligadas uma à outra, interdependentes, e constituem uma nova medida.
O conceito de medida reforça rigorosamente que toda qualidade possui determinada quantidade. A propósito, Podossetnik e Yakhot (1967) concluem que as mudanças quantitativas que ocorrem nos objetos ou fenômenos só produzem transformações na qualidade deles se elas atingirem sua medida determinada. Então,
dentro desses limites, os objetos parecem se comportar com indiferença às mudanças quantitativas, parece não levá-las em consideração. Logo, porém, que a medida é ultrapassada, as mudanças quantitativas começam a se refletir no estado qualitativo do objeto. A quantidade transforma-se em qualidade. (PODOSSETNIK; YAKHOT, 1967, p. 56).
Os autores destacam, ainda, que toda qualidade possui determinada medida quantitativa, e que no momento em que essa medida é superada, ocorre alteração na qualidade do objeto ou fenômeno. Essa compreensão sugere um questionamento: qual a medida a ser superada para que ocorra uma nova síntese de desenvolvimento profissional docente?
Sendo o desenvolvimento profissional docente um processo que é geral, pelas suas qualidades essenciais, e singular, pelo modo como cada professor se desenvolve, constata-se que é impossível o estabelecimento de padronização de uma medida geral para o desenvolvimento profissional docente.
Conforme destacamos no tópico anterior, o processo desenvolvimental de cada indivíduo é particular às suas vivências. Cada professor tem um percurso histórico próprio. Em relação ao exemplo dado sobre o estudo na Pós-Graduação em Educação, o professor do ensino superior relacionará e vivenciará esse estudo de maneira diferente.
Pensando dessa forma, a melhor alternativa para resolver essa problemática é a análise dos momentos que contribuíram para a superação de determinada medida, identificando, por exemplo, os momentos que foram significados pelos professores como transformadores para o estudo realizado e para as suas relações pessoais, profissionais e institucionais.
Os momentos em que as transformações ocorrem, por sua vez, são representados por saltos, que “[...] é uma forma geral obrigatória de passagem das mudanças quantitativas às qualitativas, sob determinadas condições” (AFANASIEV, 1985, p. 105).
Sobre isso, Lefebvre (1991, p. 239) considera que “[...] o salto dialético implica, simultaneamente, a continuidade (o movimento profundo que continua) e a descontinuidade (a aparecimento do novo, do fim do antigo)”. O salto caracteriza, assim, o momento em que a medida quantitativa é superada, ou seja, é o ponto de ruptura e de uma qualidade à outra.
Seguindo esse raciocínio, consideramos que o desenvolvimento profissional docente é continuidade, porque ele não cessa em um único processo de transformação do professor. Cada síntese estabelece uma nova quantidade, uma nova medida a ser superada, um novo salto a ser realizado e uma nova qualidade a ser desenvolvida. Isso evidencia o movimento contínuo e permanente do desenvolvimento profissional docente.
Ele também é ruptura pelos mesmos motivos apresentados em relação à sua continuidade. Sendo constituído de diversos estágios desenvolvimentais, o desenvolvimento profissional docente é sempre a ruptura de um antigo professor por um novo professor. Isto é, o desenvolvimento é sempre a substituição de uma qualidade superada por outra mais desenvolvida. Entretanto, esse movimento só é possível com a superação das contradições presentes no desenvolvimento do professor.
No tópico seguinte, apresentamos o fundamento que define o desenvolvimento profissional como unidade e luta de contrários, destacando, com isso, a função das contradições no processo desenvolvimental.
Fundamento 2: o desenvolvimento profissional como unidade e luta de contrários
No tópico anterior, apresentamos a discussão que fundamentou a ideia do desenvolvimento profissional como unidade que contém, indissociavelmente, a quantidade e a qualidade, a continuidade e a ruptura que produzem saltos, transformações, o novo. Esse fundamento explicou como o desenvolvimento profissional docente ocorre como unidade da continuidade e dos saltos.
Neste tópico, nosso objetivo é explicar cientificamente a força motriz de todo desenvolvimento profissional docente, fazendo uso da lei da unidade e luta dos contrários. Ao destacar a essência da lei da unidade e luta dos contrários, Konstantinov (1974, p. 166) produziu a seguinte síntese:
segundo esta lei, a todas as coisas, fenômenos e processos são inerentes contradições internas, aspectos e tendências contrários, que se encontram em estado de interconexão e negação recíproca; a luta de contrários dá um impulso interno ao desenvolvimento e leva a maturação das contradições, que são superadas numa determinada etapa pelo desaparecimento do velho e surgimento do novo.
Essa lei é o núcleo da dialética e, por meio dela, identificamos o movimento que produz o desenvolvimento dos objetos e fenômenos. Para tanto, fundamentou-se na compreensão dos conceitos de ‘contrários’ e ‘contradição’.
Para compreender o que caracteriza a ideia de contrário e de unidade dos contrários, apropriamo-nos das contribuições de Afanasiev (1985, p. 82), ao definir que
[...] os contrários são precisamente os aspectos, tendências e forças internas do objeto que excluem e ao mesmo tempo pressupõe a existência uns dos outros. A relação mútua indissolúvel entre esses dois aspectos constitui a unidade dos contrários.
Essa unidade é temporária e relativa. Também é condição indispensável para que a luta exista, luta essa que é absoluta.
Quando tomamos como referência a ideia de professor em sua generalidade e diante de suas singularidades, identificamos que cada uma dessas ideias possui uma tendência oposta em relação a outra. Essa tendência diz respeito ao movimento de cada contrário.
O professor, no geral, é representado pelas propriedades fundamentais que constituem a essência do ser professor, o necessário a todo professor, cuja tendência é se manter estável e se repetir. Enquanto o professor no singular é representado pelas propriedades que são próprias a cada professor, distintamente, e a tendência desse caráter singular é estar em constante processo de transformação, pois o singular não se repete e disso resulta a constituição do ser professor.
Dessa compreensão, consideramos que enquanto contrários, os aspectos gerais e singulares do professor são divergentes, excluem-se, mas não se destroem mutualmente: um necessita do outro para garantir a sua existência. Sobre isso, Cheptulin (2004, p. 287) afirma que “[...] a unidade de contrários é, antes de tudo, seu estabelecimento recíproco, isto é, os aspectos ou tendências contrários não podem existir uns sem os outros”.
Isso significa que as propriedades singulares do professor não existem independentemente das gerais, e vice-versa. Ademais, que o processo constitutivo de cada professor sempre vai ter como referência a essência daquilo que significa ser professor. Do mesmo modo, o sentido de docência para cada professor não existe sem o seu significado.
Essa relação entre o geral e o singular como contrários também pode ser explicada da seguinte forma: a sociedade, em cada momento histórico, estabelece uma base conceitual sobre o significado de docência e o essencial a todo professor, entretanto, cada professor, diante de suas experiências e vivências com a realidade social, produz novas significações com base nesse conceito.
Nessas novas significações, insere-se o sentido de docência, as novas necessidades que o professor identifica em sua constituição profissional. E diante desse processo de significação, estabelece-se uma relação de contrários identificada pelo professor. Por isso, o sentido e o significado de docência também representam uma unidade de contrários. Ao coexistirem, esses contrários representam uma unidade, constituem uma mesma formação material e possuem uma série de propriedades essenciais comuns.
Mas essa unidade é relativa, pois ao identificar uma nova necessidade formativa, o professor estabelece uma relação inédita diante da situação vivida. A conscientização de nova necessidade pelo professor produz novos motivos para o movimento de luta de contrários. Isto é, a nova necessidade estabelece um conflito entre os contrários, caracterizando um indicativo da contradição.
A contradição é a força motriz da unidade e luta dos contrários. Sobre isso, Cheptulin (2004, p. 301) afirma que as contradições são “[...] a luta dos aspectos e das tendências próprios da formação material como origem do movimento e do desenvolvimento”.
Afanasiev (1985) corrobora esse pensamento, porque considera a contradição como a fonte básica de desenvolvimento da matéria e da consciência. Burlatski (1987, p. 85) contribui ao mencionar que “a contradição dialética dá a expressão mais geral e abstrata da estrutura interna dos objetos”. Com isso, compreendemos que a contradição não é uma coisa em si, ela é sempre representada por uma relação em que ocorre uma luta de contrários.
Digamos que dado professor, no desenvolvimento de sua atividade docente, identifique a necessidade de formação sobre os fundamentos pedagógicos da docência no ensino superior. Essa nova necessidade, originada da relação entre o que o professor sabe (qualidade) e o que a realidade exige - portanto, da contradição -, movimenta o professor pela busca de uma nova propriedade que ele precisa dispor para atender a essa necessidade. Esse movimento simboliza o indicativo de uma contradição porque produz um rompimento de satisfação do professor com a sua realidade profissional.
Enquanto o professor está satisfeito com a sua realidade profissional, tudo permanece estável em sua relação com a docência. Entretanto, a partir do momento em que ele identifica nova necessidade, desenvolve-se um movimento em que aquilo que era estável agora é conflito, e o conflito motivará a mudança.
A nova necessidade representa um conflito entre a realidade de um professor e a possibilidade de outro professor mais desenvolvido, e em condições de desenvolver sua atividade docente de modo diferente. Ao ter consciência dessa necessidade, e se estiver disposto a satisfazê-la, o professor realizará ações que lhe possibilitarão superar o conflito e, consequentemente, a contradição estabelecida.
Essas ações colocarão o professor em atividade de formação. Orientado pelo motivo de satisfazer uma necessidade formativa, ele significará essa atividade como meio para atingir seu objetivo. Ao atingir o objetivo, a contradição é superada e esse professor desenvolve uma nova qualidade.
Assim, no que diz respeito ao desenvolvimento profissional docente, o indicativo para identificar a manifestação da contradição está no aparecimento de necessidades significadas pelo professor como formativas. A superação dessa contradição é o motor do desenvolvimento profissional e, consequentemente, a transformação desse professor.
A transformação é caracterizada pelo aparecimento do novo, o que explica a inovação como uma das características fundamentais da contradição. A luta dos contrários ocorre no tempo, e as “[...] mudanças qualitativas põem, assim, em evidência, em dado momento do processo histórico, aspectos novos que são resultantes da vitória sobre o que é velho” (POLITZER; BESSE; LAVEING 1970, p. 74).
Com base nesse fundamento, e utilizando como exemplo as ações que o professor do ensino superior desenvolve no estudo realizado na Pós-Graduação em Educação, compreendemos que elas são possibilidades para a mediação de sínteses ao seu desenvolvimento profissional. Essas sínteses representarão ao longo de todo o desenvolvimento profissional desse professor uma espiral de negações dialéticas, discussão que apresentamos no tópico seguinte.
Fundamento 3: o desenvolvimento profissional como espiral de negações dialéticas
Afirmamos que o desenvolvimento profissional docente se estrutura por meio de uma espiral de negações dialéticas, sendo cada uma dessas negações sínteses que caracterizam as propriedades do professor em seu processo constitutivo. Essas sínteses simbolizam a superação das contradições que foram essenciais ao desenvolvimento profissional do professor.
O fundamento que discutimos neste tópico está orientado pela lei da negação da negação. Essa lei reforça a ideia de que o desenvolvimento não cessa com a superação do antigo pelo novo, mas se caracteriza pela sequência infinita de negações e superação infinitas do antigo pelo novo, e a negação dialética é o elemento fundamental dessa lei.
Em Krapívine (1986), identificamos que a negação dialética é representada pelas seguintes características: a negação tem caráter universal e é interna ao processo de desenvolvimento; a negação é a substituição do elemento velho pelo novo, como resultado da superação das contradições; a negação não destrói a formação material antiga, ela conserva as suas propriedades positivas na nova formação material.
O caráter universal da negação dialética está no fato de que ela é inerente a todo tipo de desenvolvimento, seja na natureza ou na sociedade. Sua existência é interna ao desenvolvimento porque ela é determinada pelo movimento.
Vejamos, então, o professor do ensino superior que identificou necessidades formativas no desenvolvimento de sua atividade docente. Seguindo o movimento de seu desenvolvimento profissional, a sua transformação pode ocorrer por meio da superação das contradições que produziram essa necessidade ou por influências externas (problemas de saúde, acidente etc.) esse professor poderá abandonar a docência e se dedicar a outra atividade profissional.
No primeiro caso, identificamos que a negação não só representou a nova qualidade no professor, como também possibilitou condições para novas transformações, enquanto no segundo caso, a nova qualidade estabelecida eliminou toda e qualquer possibilidade de desenvolvimento profissional docente, pois essa negação não foi produzida no processo que originou suas necessidades formativas, então não houve superação das contradições que eram internas ao processo desenvolvimental.
Ao abandonar a docência, esse professor rompeu o movimento dialético de sua constituição como profissional da educação, e permanecerá desenvolvendo-se como pessoa e profissional em outra área de atuação. Por isso, essa segunda negação não é interna e, portanto, não é dialética. Ao destacar o caráter interno da negação dialética, Krapívine (1986, p. 176) reforça que a negação “[...] é uma característica interna, íntima de um processo ascendente e, portanto, não pode ser um elemento de fora, exterior”.
Sendo a substituição do velho pelo novo, a negação dialética resulta da superação das contradições que surgiram no processo desenvolvimental. Assim, o desenvolvimento expressa-se como síntese, por meio da nova qualidade produzida. Articulamos essa afirmação com o desenvolvimento profissional docente, explicando o seguinte questionamento: como um professor nega aquilo que é e, ao mesmo tempo, constitui-se nesse processo?
Em primeiro lugar, o ponto fundamental para esclarecer essa questão é a compreensão de que em uma perspectiva dialética, negar não significa simplesmente dizer não. Ao negar dialeticamente a sua realidade atual, o professor também estará pensando em possibilidades para o futuro. Nesse sentido, integram-se passado, presente e futuro em sua formação profissional. Por isso, negar dialeticamente não significa recomeço, mas ruptura e continuidade.
Considerando as experiências e vivências profissionais, objetivando transformar suas práticas e realizar melhor sua atividade docente, esse professor identifica a necessidade de mudança. Isso significa um momento de ruptura do professor consigo mesmo. Com isso, estabelece-se o conflito por meio do qual o professor coloca em xeque suas características ou propriedades que precisam ser modificadas, e reflete sobre novas possibilidades. É o prenúncio do novo professor como possibilidade.
Nesse pensamento, ao negar sua realidade, o professor estará manifestando a primeira negação dialética que produzirá uma contradição. Diante das condições determinantes, a contradição é superada: ele transforma-se e uma nova qualidade estabelece-se, representando uma síntese desenvolvimental. Essa síntese é a segunda negação, a negação da negação. Ela não só representa o novo professor, com suas novas qualidades profissionais, mas também ocupa o lugar do velho, criando condições para novos processos desenvolvimentais, o que caracteriza o movimento permanente do desenvolvimento profissional docente.
Quando identificamos a necessidade de mudar a forma como desenvolvemos nossa prática educativa, não estamos nos autodestruindo, nem rompendo com o nosso percurso histórico, mas tomando consciência da necessidade de nos transformarmos em benefício da melhoria do aprendizado dos alunos, da instituição e da profissão. Por isso, negar a si próprio é parte do processo em que o professor precisa superar para se desenvolver.
Outra característica da negação dialética é o seu caráter histórico. Ao desenvolver-se profissionalmente, cada professor estabelece vínculos com o seu percurso formativo, com aquilo que foi de mais positivo em sua história. Logo, traços e características essenciais para o desenvolvimento de sua atividade docente permanecerão preservados.
Quando afirmamos que o desenvolvimento profissional docente é constituído de um conjunto de negações dialéticas, essa afirmação não só reforça o caráter histórico desse desenvolvimento, como também contribui para compreendermos que estamos sempre nos desenvolvendo, e que o desenvolvimento profissional não é o simples efeito estático de processos de formação docente: ele constitui-se da história do professor, mediado por suas vivências em processos formativos e profissionais.
Nesse contexto, o desenvolvimento profissional docente é o professor em movimento diante da realidade social em movimento. O novo professor não apenas se integra ao seu passado, como também se projeta no futuro. As experiências e vivências com a realidade social na qual ele se desenvolve são as mediações necessárias para o surgimento de novas necessidades e motivos que prepararão as bases e as condições determinantes para novas transformações.
O novo volta a ser velho e segue o movimento. E qual a direção e o formato desse movimento? Esse questionamento sugere compartilharmos da ideia de que o desenvolvimento é sempre um movimento para frente, seguindo um percurso espiralado.
Para Podossetnik e Yakhot (1967, p. 72), o desenvolvimento expressa-se em forma de uma espiral:
o desenvolvimento progressista da natureza e da sociedade faz lembrar uma espiral. Tem um grande número de anéis, mas eles não se encontram, não se repetem. O leitor já observou como sobe uma escada em espiral? Tem-se a impressão de que o homem está se movendo em círculos, está rodando em torno do mesmo ponto, mas, na realidade, ele está indo cada vez para mais alto, porque se move dentro de uma espiral. A lei da negação da negação é explicada nessa comparação. Assim, o desenvolvimento avança formando uma espiral e em cada novo anel, isto é, em cada nova negação da negação, surge algo qualitativo, que eleva o desenvolvimento a uma fase mais elevada.
Com base na afirmação dos referidos autores, compreendemos que o desenvolvimento profissional docente também segue a forma em espiral, a partir da qual cada negação (estágios desenvolvimentais do professor) se nega dialeticamente uma após a outra, formando uma ampla e interminável cadeia espiralada. O professor do presente é a negação do professor no passado, que será negado futuramente, e sucessivamente, essa cadeia de negações dialéticas vai se constituindo.
Tomando por base as explicações desse fundamento, refletimos sobre como o que somos hoje é um pouco de cada momento do nosso passado. Sempre nos renovando, avançamos em planos cada vez mais elevados, negando-nos e reconstruindo-nos ao mesmo tempo. Sem perder os elos que nos ligam ao passado, tornamo-nos artífices de nossa própria história.
Nossa história constitui-se desses momentos em que as experiências e vivências que desenvolvemos por meio de nossas relações com a realidade social se tornam mediadoras da transformação. Essas relações transformam a nossa maneira de pensar, desentir e de agir sobre as nossas práticas, resultando em transformações na própria realidade.
Considerações finais: notas em movimento
Os fundamentos dialéticos explicados de modo teórico não se esgotam nesta discussão, apenas produzem as bases de uma nova negação ao conceito de desenvolvimento profissional docente proposto pelos autores apresentados, cujas ideias são importantes para o estudo, mas carecem de aprofundamentos para explicar a complexidade e como o desenvolvimento profissional docente se realiza.
Ao realizarem a discussão sobre o desenvolvimento profissional somente como processo de constituição do ser professor relacionado à aquisição de saberes e competências necessárias ao desenvolvimento da profissão, os autores examinados desconsideram as determinações do geral, do particular e do singular nesse processo. E com isso, não evidenciam as particularidades do desenvolvimento profissional docente na constituição de cada professor, individualmente. O geral, o particular e o singular são demonstrados por esses autores como uma coisa só.
Determinações como as necessidades, os motivos, as significações e as vivências dos professores, embora sejam citadas de modo superficial em algumas discussões, não aparecem como mediações essenciais ao desenvolvimento profissional de cada professor. É preciso compreender que essas determinações, aliadas aos processos de formação contínua, não só produzem as condições internas do desenvolvimento profissional docente, como também nos permitem analisar e desvelar a luta e unidade dos elementos contrários, o movimento, as novas qualidades e a história do professor.
Nas discussões que produzimos neste texto, explicamos nossas contribuições sobre os fundamentos dialéticos do desenvolvimento profissional docente para explicar os processos internos que constituem essa forma particular de desenvolvimento. Entretanto, é indispensável ter consciência de que os aspectos externos - aspectos externos materializam-se por meio do desenvolvimento de políticas públicas de valorização dos professores e dos incentivos das instituições à formação de seus docentes - são igualmente importantes para que as condições determinantes surjam e o processo desenvolvimental se realize.