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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.60 São Paulo ene./mar 2022  Epub 08-Feb-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n60.18893 

Artigos

GORDOFOBIA, BULLYING E VIOLÊNCIA NA ESCOLA: UM ESTUDO EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COM PRÉ-ADOLESCENTES

FATPHOBIA, BULLYING AND VIOLENCE AT SCHOOL: A STUDY IN SOCIAL REPRESENTATIONS WITH PRE-TEENAGERS

GORDOFOBIA, ACOSO Y VIOLENCIA EN LA ESCUELA: UN ESTUDIO EN REPRESENTACIONES SOCIALES CON PRE-ADOLESCENTES

Valdelice Cruz da Silva Souza, Mestre em Educação1 
http://orcid.org/0000-0002-3987-5256

Josiane Peres Gonçalves, Doutora em Educação2 
http://orcid.org/0000-0002-7005-849X

1Mestre em Educação - UFMS, Universidade Federal do Mao Grosso do Sul - UFMS, Sidrolândia, Mato Grosso do Sul - Brasil

2Doutora em Educação - PUCRS, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, Naviraí, Mato Grosso do Sul - Brasil


Resumo

O presente artigo apresenta os resultados parciais de uma pesquisa de mestrado referente as representações sociais e as experiências vividas por pré-adolescentes a respeito da gordofobia, relacionando-a com o bullying, a violência e as dificuldades escolares. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, o qual teve como eixo norteador a Teoria das Representações Sociais, a partir de Serge Moscovici. Foi desenvolvida em 3 (três) escolas públicas de Sidrolândia/MS, com 16 (dezesseis) alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, por meio de grupos focais, sendo um em cada escola. Os dados foram transcritos e analisados a partir da perspectiva de análise de conteúdo de Bardin. Os resultados revelam que o corpo pode ser visto como dispositivo de diferenças e intimidações por conta de sua estrutura. Para os alunos, a gordofobia é retratada como bullying. Praticas sistemáticas que provoca desconforto e desânimo para frequentar a escola devido aos maus tratos e a violência, o que afeta diretamente o seu desenvolvimento acadêmico. Ficou clara a demonstração de sentimento, dor e sofrimento por aqueles que estão fora do padrão exigido socialmente. Com isso, os alunos internalizam as representações negativas sobre seus próprios corpos e exteriorizam seu sofrimento de forma agressiva, fazendo com que a violência ocorra diariamente na escola. O que faz dessa instituição um local inseguro e totalmente despreparado.

Palavras-chave: gordofobia; bullying; violência; pré-adolescentes

Abstrat:

This article presents part of the results of a master's research regarding social representations and feelings of pre-adolescents about fatphobia, relating it to bullying, violence and school difficulties. It is a qualitative research that had Serge Moscovici's Theory of Social Representations was guiding axis and was developed in 3 (three) public schools in Sidrolândia - MS with 16 (sixteen) students from the 5th year of Elementary School, for through focus groups, one in each school. The data were transcribed and analyzed from the perspective of Bardin's content analysis. The results reveal that the body can be seen as a device of differences and intimidation due to its structure. For students, fatphobia is portrayed as bullying, which causes discomfort and discouragement from attending school due to abuse and violence, directly affecting their academic development. It was clear the feeling of pain and suffering for those who are outside the socially required standard. With this, the students internalize the negative representations about their own bodies and externalize their suffering in an aggressive way, causing violence to occur daily at school, which makes it an unsafe and totally unprepared place.

Keywords: fatphobia; bullying; violence; pre-teens

Resumen

Este artículo presenta parte de los resultados de una investigación de maestría sobre las representaciones sociales y los sentimientos de los preadolescentes sobre la gordofobia, relacionándola con el bullying, la violencia y las dificultades escolares. Se trata de una investigación cualitativa que tuvo como eje rector la Teoría de las Representaciones Sociales de Serge Moscovici y se desarrolló en 3 (tres) escuelas públicas de Sidrolândia - MS con 16 (dieciséis) alumnos de 5º año de Primaria, por a través de grupos focales, uno en cada escuela. Los datos fueron transcritos y analizados desde la perspectiva del análisis de contenido de Bardin. Los resultados revelan que el cuerpo puede verse como un dispositivo de diferencias e intimidación debido a su estructura. Para los estudiantes, la gordofobia se retrata como bullying, que provoca malestar y desánimo para asistir a la escuela debido al abuso y la violencia, afectando directamente su desarrollo académico. Fue evidente la sensación de dolor y sufrimiento de quienes están fuera del estándar socialmente requerido. Con esto, los alumnos internalizan las representaciones negativas sobre su propio cuerpo y exteriorizan su sufrimiento de manera agresiva, provocando que la violencia se presente diariamente en la escuela, lo que la convierte en un lugar inseguro y totalmente desprevenido.

Palabras clave: gordofobia; bullying; violência; preadolescentes

Introdução

Este artigo, fruto de uma pesquisa de mestrado em educação, tem como objetivo apresentar o resultado parcial de um estudo maior sobre as representações sociais e as experiências de pré-adolescentes que estudam em escolas públicas de Sidrolândia/MS sobre a gordofobia, relacionando-a com o bullying, violência e as dificuldades escolares causadas por tais atos.

Esta questão se faz necessária discutir por entender que nos últimos anos, a pessoa gorda vem sendo assolada drasticamente pelos discursos gordofóbicos que difamam sua imagem, considerando-a como indisciplinada e sem autocontrole. A ideologia de corpo perfeito que impera e se constitui nos pensamentos dos indivíduos, corresponde a representações sociais voltadas a estética disfarçada como preocupações com a saúde (RANGEL, 2018).

Neste estudo recorremos à Teoria das Representações Sociais desenvolvida por Moscovici, pela sua disposição em entender os indivíduos e os fenômenos sociais a partir da perspectiva grupal em um determinado contexto histórico e social. A partir disto, entendemos que ao reconhecer tais aspectos, é possível analisar os comportamentos, a percepção social, os preconceitos, grupos e a comunicação (MOSCOVICI, 2000) garantindo uma interpretação profunda do pensamento coletivo sobre a gordofobia entre os pré-adolescentes.

Isso porque partimos do pressuposto de que a pré-adolescência se caracteriza por uma fase peculiar do desenvolvimento humano que é pouco explorada no meio científico (LIMA, 2013) e à medida que os pré-adolescentes são submetidos aos pensamentos gordofóbicos, eles internalizam e reproduzem as discriminações por meio do bullying, estimulando a violência e gerando transtornos na vida e no desenvolvimento acadêmico daqueles que são considerados gordos.

Desta maneira, este estudo traz discussões sobre as consequências da gordofobia no ambiente escolar, apontando os mais diversos prejuízos causados pelo bullying e a violência. Temos como expectativa, proporcionar maiores conhecimentos na área, contribuindo para aqueles que dividem inquietações sobre o assunto, além de promover reflexões que colaborem para um clima saudável nas escolas e uma formação integral dos estudantes.

Gordofobia e a pré-adolescência

O fato de uma pessoa não possuir o padrão de beleza exigido pela sociedade, no caso, o corpo magro, significa ser alvo de discriminações, exclusão social e desprezo devido a sua aparência corporal. Tais atitudes de caráter discriminatório, são entendidas como gordofobia, que é considerada um preconceito pautado no peso (SUDO; LUZ, 2007). Trata-se de um fenômeno que ganha força na sociedade por meio da padronização social em relação a estrutura corpórea, originando aversões contra a pessoa considerada gorda.

O emprego da nomenclatura em questão, aconteceu por meio de manifestações levantadas pelo movimento feminista entre os séculos XIX e XX, com mais evidência no ano de 1960, na intenção de reivindicar os direitos das mulheres. Estas reivindicações, correspondem ao que se considera como a segunda onda do feminismo, que se preocupou, dentre outras questões, com o fato de as mulheres serem libertas de exigências sociais em relação ao próprio corpo, destacando as questões de desigualdade de gêneros existentes nesse período (PEREIRA; OLIVEIRA, 2016).

A gordofobia se inscreve como uma repulsa contra o suposto excesso de peso e está interligada estritamente no contexto oriundo das relações sociais por meio de representações que abarca o corpo humano na contemporaneidade (RANGEL, 2018). Nesse contexto, o corpo se torna um mecanismo de controle social, recebendo constante inspeção quanto sua aparência (SOUZA; GONÇALVES, 2020).

Na visão da Teoria das Representações Sociais, o corpo vincula-se as experiências individuais com as imagens difundidas socialmente, as quais são objetivadas e corroboram, ao mesmo tempo, na produção de mais representações (JODELET, 1984). Logo, pode-se considerar que o corpo, no contexto das representações, está relacionado à beleza e à aparência física (SECCHI; CAMARGO; BERTOLO, 2009).

Por este caminho, Rangel (2018) explica que as concepções de enaltecimento da magreza são característica da sociedade ocidental contemporânea, contexto social em que o corpo humano em sua constituição física e biológica faz parte de um mecanismo estritamente social devido a simbologia que lhe é atribuída e a forma em que o indivíduo se situa, age e interage no meio em que vive.

Vale ressaltar que as prescrições que definem a padronização dos corpos são disseminadas mundialmente sem restrições ou limitações geográficas por meio da mídia (SANTOS, 2008). Observamos também que a obsessão em massa de evitar desesperadamente o corpo gordo está pautado no binômio magreza/saúde, o qual se ancora nas afirmações da medicina e inclina-se a coagir os indivíduos gordos a se modelarem. Tal fato ocorre porque o “[...] discurso da obesidade como conjuntura pandêmica tem impelido as pessoas ao controle rigoroso dos seus corpos” (ARAÚJO et. al., 2018, p. 3), sendo as representações sobre o corpo gordo relacionadas a falta de saúde.

É importante destacar que este texto não tem a preocupação de trazer questionamentos referentes a obesidade, contudo, não é descartado que são justamente os obesos, o público que mais sofre gordofobia. Outrossim, quanto maior a massa corporal do sujeito, maior será o preconceito para com ele.

É necessário salientar que a formação de conceitos ocorre a partir de representações contidas na cultura, as quais influenciam a subjetividade do indivíduo. Tendo em vista essa afirmação, acreditamos que a objetivação de conceitos e representações acontece desde a infância, por meio de experiências e relações sociais, isto é,

A criança aprende e internaliza um conjunto de valores, a linguagem e as atitudes sociais; ela modela seu comportamento pelo comportamento dos adultos e pelo de seus colegas. Finalmente, quando ela mesma se torna um adulto, se integra ao grupo que a preparou adequadamente para sua pertença a ele. Quando esse estágio é alcançado, dificuldades de ajustamento podem surgir somente se a pessoa não teve sucesso nessa assimilação apropriada, ou na aplicação adequada dos princípios que lhe foram ensinados (MOSCOVICI, 2011, p. 156).

Tal afirmativa evidencia que o indivíduo se constrói por meio da interação social, internalizando as representações já estipuladas e que regerão suas atitudes e pensamentos já estabelecidos por um grupo feito, aparentemente estável, ao qual deverá se adequar. É preciso considerar o fato de que os pré-adolescentes, como qualquer outro ser social, está imerso ao dinamismo grupal, o qual norteará as compulsões e ansiedade perante seus corpos. Por intermédio dos grupos, a identificação de si e os empasses emocionais são desenvolvidos e os sujeitos se submetem a conformidade do grupo, o qual intervém na constituição de gostos, valores, crenças e preferências (FARIAS, 2004).

Para Farias (2004), a pré-adolescência abrange as idades entre 9 a 12 anos e se caracteriza como uma fase sem encantos para os indivíduos, pois, nesta instância, o ser humano não se vê mais criança e tampouco alcançou a mocidade para expor sua sensualidade. Esta etapa do desenvolvimento é indiciada como “ocultamento social”, devido à pacificidade em aguardar a mocidade e obter participação social.

As experiências desses indivíduos são estritamente desenvolvidas a partir das relações sociais entre seu próprio corpo e o do outro, sendo a imagem corporal algo levado em grande consideração. Com isso, a “aparência é visualizada pela via problema, ou seja, problemas do corpo, que tem como contraponto o corpo ideal ou perfeito” (STENZEL; GUARESHI, 2002, p. 187, grifo dos autores).

Pode-se afirmar que a tendência que constrói as concepções dos sujeitos é também prevalente nas escolas e “[...] estar acima do peso numa sociedade que valoriza a aparência física e o corpo ideal, significa poder fazer do indivíduo um alvo para discriminações em diversos contextos, sobretudo em idade escolar” (SCUTTI et al., 2014, p. 130).

Deste modo, os escolares que não atendem ao protótipo da magreza, possivelmente serão alvo de discriminações e perseguições, devido a sua massa corporal, sofrendo exclusão social, agressões, apelidos ofensivos que causam desmotivação quanto a realização pessoal. Estas manifestações preconceituosas podem ser consideradas como ações oriundas do bullying que se elevam a problemas mais sérios como a violência.

Bullying, violência e gordofobia na escola

No domínio das relações sociais, a violência tem se destacado devido a sua complexidade quanto aos problemas causados na vida em sociedade e ao desenvolvimento social e psicológico dos sujeitos. Entre os atos violentos, o preconceito específico denominado bullying tem sido considerado uma grave ameaça inclusive no campo escolar.

Conforme reporta Silva et al. (2017), o bullying está posto em evidência, por se tratar de um problema estarrecedor, pela proporção em que acorre na escola. De acordo com o Ministério da Saúde e Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE), uma pesquisa evidenciou que 7,4 % dos estudantes atestaram que foram vítimas de desacatos e transtornos e 19,8% estudantes, confirmaram sua participação em prática de bullying (BRASIL, 2015). Essa investigação ainda ressalta que 10,9 % das vítimas do bullying responderam que entre as provocações, as que envolvem a aparência corporal, foram os principais motivos de maus tratos.

Em seu texto, Silva (2017) discorre que na legislação brasileira não há uma lei que vigore a gordofobia como crime. As reivindicações efetuadas se relacionam aos cuidados igualitários aos cidadãos pela Lei Nº 10.048, a qual inclui o obeso ao direito prioritário. Entretanto, essa manifestação não respalda as pessoas que sofrem gordofobia, não havendo punição aos agressores e a maneira de obter algum tipo de proteção e apoio legal contra o preconceito, é por intermédio da Lei n. 13.185 que foi promulgada com o intuito de combater as práticas de intimidação sistemática (bullying).

Dentre os males causados por esse ato, destacam-se as “consequências a médio e longo prazo pode-se citar maior risco de desenvolver transtornos emocionais como ansiedade, depressão, transtornos alimentares, abuso de drogas e até suicídio” (BRASIL, 2015, p. 70). Vale ressaltar que tais malefícios não são uma característica exclusiva dos problemas ocorridos na infância e adolescência (SILVA et al., 2017), mas é nessa faixa etária que o sujeito se localiza numa fase de vulnerabilidade das alterações psicológicas e por isso, os danos tendem a serem mais intensos (FANTE, 2006).

Nestas circunstâncias, Araújo et al. (2012) argumentam que é preciso tomar nota sobre as consequências do bullying e das ações violentas especificamente sob os indivíduos em formação. Para Batista et al. (2019), definir o conceito de violência não é uma tarefa tão fácil, uma vez que para o senso comum, violência se refere as agressões contra os sujeitos, gerando dores, infortúnios e aflições. Entretanto, seu real significado poder ir além do próprio termo, quando se considera as intenções do praticante e dos prejuízos psicológicos de quem recebe as agressões.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), em seu relatório mundial sobre a violência em 2002, toma nota de que os motivos que acarretam a violência, estão vinculados a fatores tanto biológicos quanto individuais, pressões sociais, culturais, econômicos e pode ser conceituada como:

O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação (OMS, 2002, p. 27).

De acordo com Toninato (2013), entre os casos mais sérios e facínoras da violência está o preconceito, o qual a gordofobia se enquadra. Considerado uma violência simbólica e sutil, o inimigo é oculto e não oferece possibilidades de defesa, afeta a subjetividade de crianças e adolescentes, de maneira invisível, mas enfática. Entendemos que o preconceito condiz a uma das formas mais eficazes artimanhas de controle e exclusão social.

Por conseguinte, se faz necessário analisar as representações sociais para compreender o indivíduo na dinâmica grupal, especificamente o seu comportamento dentro da escola. Pode-se também entender em como as ações violentas se efetivam e definem um público-alvo (no caso, a pessoa gorda), por meio de representações que direcionam o comportamento agressivo e intimidador de um indivíduo contra o outro.

Metodologia

A pesquisa em questão foi desenvolvida segundo a Teoria das Representações Sociais, sob a perspectiva de Moscovici (2011), por entender que as percepções coletivas a partir dos grupos trazem possibilidades de compreender as interpretações e poderio dos fenômenos gordofobia, bullying e violência no espaço escolar.

Em relação ao problema da pesquisa, ressalta-se que o estudo buscou encontrar possíveis respostas para a seguinte indagação: Quais são as representações sociais e sentimentos predominantes entre pré-adolescentes do 5º ano do ensino fundamental sobre a gordofobia?

Deste modo, as categorias retratadas neste texto derivam-se de um escopo maior constituinte da pesquisa de mestrado e teve como objetivo identificar as representações sociais e as experiencias vividas por pré-adolescentes, que estudam em escolas públicas de Sidrolândia/MS, sobre a gordofobia, relacionando-a com o bullying e a violência na escola e as possíveis dificuldades escolares causadas por tais segmentos.

Trata-se de uma pesquisa empírica de cunho qualitativo, levando em consideração a eficácia desta abordagem metodológica, na observação mais aprofundada quanto as verdadeiras expressões dos participantes, o que propicia o entendimento da vivência dos pré-adolescentes no contexto escolar. Segundo Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2000), a pesquisa qualitativa possui relevância para a elaboração de estudos científicos, pois permite uma melhor compreensão das opiniões dos participantes e maior aproximação do pesquisador com os dados obtidos.

Por este caminho, optou-se pela realização de grupos focais como instrumento metodológico para a coleta de dados. Entende-se que este procedimento se faz relevante para pesquisas em representações sociais, uma vez que a teoria busca especificamente analisar o pensamento coletivo por meio dos grupos sociais como explica Alves-Mazzotti (1994). Para Gatti (2005), este instrumento permite uma interação entre pessoas que compartilham um mesmo dilema, as mesmas experiências, mesmas emoções e opiniões o que propicia discussões em que todos os participantes se sintam livres para concordar ou expor críticas e discorram sobre seus problemas.

Assim, após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), iniciou-se os contatos com os representantes de três escolas públicas, escolhidas pela conveniência de sua localização geográfica, abarcando: centro, bairro e uma comunidade indígena que foram identificadas como:

1. Escola “M” - representa a instituição de bairro, que atende, quase que exclusivamente, alunos dos pontos periféricos da cidade.

2. Escola “F” - representa a instituição de ensino localizada no centro de Sidrolândia, cujos estudantes eram moradores da área central da cidade.

3. Escola “C” - representa a escola da comunidade indígena, que atendia também alguns alunos não indígenas, mas que, em sua maioria, os estudantes eram de etnia terena. A referida escola encontra-se localizada em uma área incorporada ao município, com distância aproximada de dois quilômetros e meio do centro da cidade e, embora se trate de um espaço reservado exclusivamente aos indígenas terenas, a escola está situada na área urbana de Sidrolândia.

Os grupos focais (um para cada escola) foram compostos por 16 (dezesseis) participantes ao todo, tendo entre 9 (nove) a 10 (dez) anos, salvo um aluno com 14 (quatorze) anos de idade, repetente do 5º ano do ensino fundamental. Como critério da escolha dos participantes, priorizou-se aqueles que relataram não estar satisfeito com sua aparência corporal, independentemente de seu peso e desejavam participar da pesquisa. Portanto, lhes foram entregues os Termos de Assentimento Livre e Esclarecimento e os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido para seus responsáveis. Os alunos foram identificados por nomes fictícios a partir da letra correspondente a identificação das escolas a qual pertenciam, com 4 (quatro) alunos da escola “M” (Marcelo, Marta, Mirela e Marcos), 6 (seis) da escola “F” (Fernanda, Felícia, Fábia, Flávia, Fabiana e Fabíola) e 6 (seis) da escola “C” (Carlos, Carolina, Catarina, Caetano, Camila e Caio). Utilizou-se um roteiro base para nortear o encaminhamento das atividades desenvolvidas com os grupos focais.

As reuniões duraram aproximadamente entre 40 a 60 minutos, contados após a leitura do livro intitulado “Gorda ou Magra Abracadabra” de Giselda Laporta Nicolélis. Esta estratégia literária possibilitou um momento descontraído e concomitantemente direcionou o rumo da conversação, em que ao comentar sobre a história, as discussões sobre gordofobia foram naturalmente introduzidas.

Para registrar as conversas do grupo focal, foi utilizado a gravações de áudio das reuniões que posteriormente foram transcritas e analisadas. Este processo segue as orientações do método de análise de conteúdo de Bardin, que se trata de sistematizar e organizar os dados a partir das transcrições, em que a “descrição analítica funciona segundo procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens” (2016, p. 34). Tal procedimento, possibilitou a organização dos dados, evidenciando os pontos comuns e recorrentes entre os participantes, corroborando para uma análise clara sobre os pensamentos e sentimentos dos pré-adolescentes.

Resultados e discussões

Neste segmento, as informações coletadas por meio da pesquisa de campo evidenciam as experiências dos pré-adolescentes em contexto escolar referente as experiencias, vivências e representações sociais sobre gordofobia obtidos durante os grupos focais. Estas análises se incluem ao arcabouço de categorias classificadas a partir dos relatos dos participantes.

“Todo mundo me zoa na escola”

Para analisar as representações dos escolares levantamos questionamentos sobre o conceito que os pré-adolescentes tinham em relação a gordofobia. Durante toda a conversa ocorrida nos grupos focais, os alunos relacionaram representações sobre gordofobia e as depreciações quanto a aparência física com o bullying e também admitiram que sofreram agressões verbais em algum momento de suas vidas.

Desta feita, sob a locução: “Todo mundo me zoa na escola” (MIRELA), é possível visualizar as consequências que a gordofobia efetivada como uma modalidade do bullying pode provocar na vida dos pré-adolescentes e sua colaboração para estimular situações mais graves como a violência no espaço escolar.

A aluna, além de expressar os constrangimentos vividos por ela por conta da “zoação” dos colegas, esclarece que no ambiente escolar existe a intolerância e a falta de respeito por meio de nomes depreciativos, o que também explicou Carolina como algo desagradável: “Apelido é que ela não gosta, é não aceitar”.

Enquanto conversavam sobre a Carla e a Rita (personagens da história Gorda ou Magra, Abracadabra) não estarem contentes com sua aparência física, os pré-adolescentes indicaram unanimemente que os motivos eram referentes as meninas receberem nomes depreciativos dos colegas da escola. Os alunos ainda salientaram que os apelidos ocorrem por conta da aparência e estrutura física: “Me chamaram de feia, gorda, me chamaram de boneca do Chucky”, disse Mirela comovida ao ser associada a um personagem do filme de terror “Brinquedo assassino”. Do mesmo modo, Fábia traz situações parecidas: “São diversos apelidos, gorda, balofa...”.

Mediante estas intimidações, Fabiana deixa claro seu sentimento de tristeza: “Eu fico muito chateada com esses apelidos, com esse mal gosto que eles fazem e eu guardo para mim”. Aqui, a aluna expressa que seu sofrimento não é apenas momentâneo, mas que esta ocorrência é repassada em sua mente diversas vezes. A aluna Fabíola ainda faz um apelo: “Eu queria que acabasse os apelidos com nomes, tipo assim, do nosso corpo, de mal gosto”, o que revela o abalo emocional em que os alunos se encontram, demostrado pelos sentimentos de angústia, o que pode acarretar em sérios problemas psicológicos.

Entrelaçados às representações sociais, o bullying e a violência são elementos de características coletiva por ser efetivado em esferas sociais (ARAÚJO-MORAIS; COUTINHO; ARAÚJO, 2017). As autoras advertem que este tipo de violência recorrentes em âmbito escolar sucedem particularmente de maneira grupal, o que fica evidente no relato da Fabiana: “Eu ficava muito sozinha e todas as meninas falavam mal de mim, tipo..., elas falavam no ouvido de outra pessoa e olhava pra mim, tipo..., você já sente que estão falando de você, E também me falavam que eu era gorda”, o que corrobora com a ideia de que “[...] conceitos como estética e beleza fazem parte do dia a dia das pessoas e determinam o acesso/pertença a grupos sociais (BANDEIRA, 2016, p. 146).

Tal eventualidade evidencia em como o indivíduo é dependente de aceitação grupal. Para Fabiana, além dos transtornos originados pelas palavras agressivas, o maior sofrimento parece ser o fato de que as colegas deixavam claro que ela não merecia pertencer àquele grupo. As humilhações grupais em que Fabiana foi submetida podem ser associadas as representações homogêneas estruturadas que estabelecem as relações entre os grupos em que há prevalência das práticas simbólicas e afetivas (SAUL, 2010).

De acordo com Jodelet (2001), estas representações contidas nos grupos são responsáveis por definir a identidade pessoal e social nos sujeitos. Desta maneira, as experiências grupais negativas podem ser degradantes aos indivíduos em formação, visto que, imersos a representações negativas sobre si, pode levar a uma definição deficiente de sua própria identidade, ancorando um sentido deturbado da realidade.

O que se estabelece é a necessidade que os pré-adolescentes sentem em ser desejados, bem quisto e aceitos a um determinado grupo (NETO; CAMPOS, 2010), como fica claro no relato de Fabiana: “No começo do ano eu pensava ‘ah ninguém vai ficar comigo, tô ferrada’”. Porquanto, esta aceitação não ocorre devido a não adequação dos indivíduos perante aos parâmetros sociais exigidos aos corpos. Os alunos que não atendem a estes critérios, são rejeitados pelos colegas da escola, tornando-se improvável sua inclusão a atividades coletivas (SOUZA; GONÇALVES, 2019).

Por este motivo, 81,25% dos participantes consideram que as situações de preconceito ocorrem habitualmente em terreno escolar, contudo, pouco se percebeu acerca da atuação de seus representantes na resolução dos conflitos. Embora terem relatado que os professores tenham sido acionados e mediado alguns dos conflitos, os pré-adolescentes revelaram não terem êxito quando comunicaram as agressões aos diretores atuais que demonstraram “não está nem aí” (CAMILA), “nem liga” (CATARINA), “num tá com nada” (MIRELA), gerando um sentimento de abandono nos alunos.

Neste quesito, Fabiana ressalva que pouco se fala de bullying na escola e por isso é necessário ter “uma espécie de rádio, mas só aqui na escola e fazer um trabalho contra bullying”. O que podemos perceber é que os alunos não se sentem assistidos e ouvidos quando sofrem agressão, o que gera o sentimento de revolta e menos valia.

Em sua pesquisa, Bandeira (2016) destaca que realmente os profissionais da Educação tendem a não se envolver nestes conflitos, fingindo não saber ou ver as agressões e na maioria dos casos, não há intervenção. A autora ainda assevera que estes profissionais admitem que a escola não está preparada, tendo então dificuldade para lidar com estes conflitos e, portanto, se esquivam de se envolver em situações semelhantes.

Durante as conversas nos grupos focais, ficou evidente que a partir dos sentimentos de raiva os alunos demostraram manifestações de violência: “Dá vontade de pegar ele e dar um soco bem na cara dele” (MARTA). Para os alunos, atitudes violentas seriam uma maneira de se defender as agressões sofridas por eles: “Se você mexer, eu vou ficar com raiva e te bater, porque eu já vou na violência, no tapa, no soco” (CAIO). Tais relatos indicam que os pré-adolescentes estão enfadados a tanta crueldade: “Eu não sei porque existe bullying, eu queria saber quem que fez [bullying], para eu mandar para polícia ou matar, alguma coisa tenho que fazer, meu Deus do céu” (FABIANA).

Mediante a estes fatos, foi possível perceber os relatos que exprimem a intensidade de enfurecimento dos alunos perante aos maus tratos que podem se elevar e trazer consequências nefastas aos estudantes. Referente a isto, Bandeira (2016) e Barreto (2017) trazem exemplos instigantes sobre a fúria dos alunos causada pelo bullying, como o Massacre de Columbine ocorrido em 1999, no Colorado nos Estados Unidos, deixando 15 mortos e 24 feridos, o caso brasileiro de Wellington Menezes de Oliveira em Realengo no Rio de Janeiro, em que o ex-estudante atormentado por suas lembranças de intimidações por andar mancando e não ser popular, provocou uma das piores tragédias em escolas públicas do país.

Destacamos também o massacre de Suzano em 13 de março de 2019, em São Paulo, em que dois ex-alunos, Luiz Henrique de Castro e Guilherme Taucci Monteiro, invadiram a escola e assassinaram alunos e funcionários (EVANGELISTA, 2019). Nesta circunstância, as ações dos indivíduos submetidos a qualquer tipo de violência, possivelmente retribuirão com agressividade e ódio. Entendemos que a violência é aprendida e reproduzida socialmente (DAHLBERG; KRUG, 2007), neste caso, os alunos recorrem aos comportamentos agressivos para resolver seus conflitos e diferenças.

Outro ponto instigante, elencado pelos alunos da escola “C”, voltou-se as questões raciais. No desenrolar da conversa, Carolina enunciava sempre na segunda pessoa, sobre o bullying devido a cor da pele: “Ficam xingando por causa da cor dele, por causa da roupa que ele usa”, mais adiante, Carlos revela que fora a própria Carolina que sofria perseguição dos colegas: “xingaram ela de negra”. Por este motivo, Carolina ofendida com o desprezo, desejava ser diferente: “Ah, eu fico muito morena, porque eu também queria mudar a cor, queria ser branca”. A questão surpreendente e que explica o fato de Carolina dar sinais subjacentes de suas experiências com o preconceito foi a descoberta de que Caetano (participante do mesmo grupo focal) fora o autor das discriminações sofrida por ela.

Sem se defender do ato, Caetano confirmou as acusações: “Às vezes eu xingava os outros quando estava brincando”, entretanto, demostrou arrependimento de suas atitudes: “Depois nós conversamos com ela né, começamos a ter mais respeito com ela, nós percebemos que isso fazia mal para ela”. Mais adiante, Caetano revela ser também alvo de preconceito por conta de sua estrutura física, que no caso era ser extremamente magro, segundo a percepção dos demais. Com isso, Caetano, ao sofrer agressões, automaticamente reproduzia práticas preconceituosa com a colega, evidenciando como sugere Saul (2010) de que, em alguns casos, o agressor já sofreu ou sofre violência. Ao ter dificuldade em lidar com seus sentimentos de inferioridade e insegurança, o agressor sente a necessidade de chamar atenção para si, além de dominar e coagir as vítimas que não possuem habilidade de defesa.

Para Araújo-Morais, Coutinho e Araújo (2017), o comportamento de Caetano pode ser definido como vítima-agressora, a qual se estabelece quando o indivíduo apresenta fatores de agressão conjunta a vitimização, isto é, reação aos ataques externos em forma de ações violentas (KIMURA, 2013). Bandeira (2016, p. 46) atesta que “[...] aqueles que estão insatisfeitos com sua imagem corporal apresentam mais do que o triplo de chances de serem ou tornarem-se vítimas e quase o dobro de chances de serem ou tornarem-se agressores”.

Além da demonstração de tristeza e indignação por parte dos alunos quanto as situações humilhantes, o que fica claro é que em todas as instituições de ensino analisadas nesta pesquisa apresentaram elementos que evidenciam a violência e bullying como realidade escolar. É possível afirmar que as situações de preconceito têm diariamente submetido os indivíduos ao sofrimento por não atenderem os padrões sociais quanto a aparência física. Neste contexto, percebemos que as representações sociais sobre gordofobia, para os pré-adolescentes, estão ancoradas ao conceito de bullying e pode levar ao fracasso escolar.

“Aí eles me disseram que tinha que emagrecer”

Neste momento, atentamos para as consequências que a gordofobia, o bullying e a violência podem causar no desenvolvimento dos pré-adolescentes. Vale ressaltar que neste estudo compreendemos a escola como um segmento social e uma instituição voltada para a formação humana, tendo como finalidade o desenvolvimento integral do aluno entendido pelos os aspectos físicos, psicológicos, sociais e intelectuais, os quais fazem parte dos processos formativos incumbidos à escola (BANDEIRA, 2016). Destaca-se aqui o relato de Mirella “Aí, eles me disseram que tinha que emagrecer”, o que possibilitou visualizar e caracterizar os motivos que corroboram para as dificuldades acadêmicas dos participantes.

Diante deste impasse ficou evidente os problemas acarretados pelo preconceito, segundo os depoimentos dos alunos. Ao relatar sobre suas experiências no espaço escolar, especificamente sobre a realização de atividades escolares, de imediato, a resposta voltou-se para os transtornos nas aulas de Educação física.

Para os alunos que são considerados acima do peso, as atividades que exigem mobilidade motora, sincronizada aos exercícios físicos se tornam um tormento devido as piadas e exigências dos colegas, como revelou Mirela. A aluna expôs sua experiência durante uma atividade supervisionada pelo professor de Educação física, em que requeria contato direto entre os alunos: “Era um negócio de erguer o outro para o alto”, porquanto, Mirela se sentiu ofendida pelas alegações de seus colegas, em dizer que estava acima do peso: “A gente brincava de erguer pessoas sabe e eles tinham medo de me erguer porque ninguém me aguentava, porque eu era gorda. Aí eles me disseram que eu tinha que emagrecer um pouco”.

Tal eventualidade representa as ocorrências corriqueiras do ambiente escolar. Para Martins (2006), é justamente nas aulas de Educação física que acontecem as piores situações de constrangimento.

Deste modo, tal episódio foi marcante para Mirela. A partir disto, a aluna decidiu não participar de atividades que requeressem movimentação ou contato corporal: “Aí, no ano passado, eu nem entrei [na brincadeira], eu só ficava assistindo mesmo”. Da mesma maneira, Fábia compartilhou semelhante propósito:

Várias vezes eu queria ficar só sentada, não queria brincar não queria fazer nada com ninguém, as pessoas que faziam bullying comigo, me chamavam pra brincar, aí eu ficava meio estranha, aí eu não ia, porque eu já sabia que elas iam fazer bullying de novo (FÁBIA).

Vale ressaltar que este incidente foi visível nas 3 (três) escolas. Segundo Carlos, em determinados momentos, deixou de realizar atividades habituais das aulas de Educação física: “Ah, não sei, mas às vezes tipo..., jogar bola”. Semelhantemente, Fabíola assume não ter participados das aulas e lamenta: “Eu já deixei, mas eu senti uma tristeza”, reconhecendo que tal atitude lhe causaria um dano maior.

Além das contribuições pedagógicas e aquisições do saber, a escola tem como função “[...] promover atividades ligadas aos domínios motor e cognitivo dos estudantes” (BANDEIRA, 2016, p. 57). Reconhecendo isto, a questão a ser pensada, é que os alunos além de não estarem exercendo seu direito de cidadania, o fato das alunas se isentarem das atividades físicas, pode gerar deficiência em seu desenvolvimento motor e na experiência social, comprometendo seu desenvolvimento integral, uma vez que a aluna ainda se encontra em fase de crescimento.

Nesta circunstância, os problemas emocionais também representam ser um obstáculo quando o assunto é desenvolvimento integral, sobretudo, os de relação cognitiva como captação e assimilação dos conteúdos. Em referência a isto, Fabiana validou tal pressuposto quando revelou ter deixado de realizar 4 (quatro) provas avaliativas. Segundo a aluna, seus colegas a coagiram verbalmente no momento do exame, então, tendo desânimo e tristeza, não teve capacidade de completar a avaliação, o que lhe resultou em um mau desempenho escolar por não haver pontuação exigida pela instituição.

Neste contexto, Marcelo expressa seus problemas com as demandas escolar de modo singular. O aluno afirma ter realizado todas as atividades que lhe foram impostas, contudo, afirmou faltar constantemente na escola por conta do preconceito: “porque falavam mal de mim [...] me chamavam de gordo”.

Vale lembrar que Marcelo apresentava algumas peculiaridades em relação aos outros participantes da escola “M” e também dos demais grupos, pois era o único aluno com 14 (catorze) anos de idade, sendo, portanto, repetente no 5º ano. O fato de Marcelo não estar acompanhando a turma no que diz respeito as atividades cognitivas, pode estar relacionado a quantidade de faltas que o impedem de adquirir total compreensão dos conteúdos. Logo, relacionamos o desejo constante de faltar as aulas, ao fato de Marcelo não se sentir seguro no ambiente escolar, o que culminou em prejuízo na aprendizagem, evidenciando que a gordofobia influência no processo de desenvolvimento cognitivo dos alunos.

Ademais, os problemas emocionais apresentados por Marcelo parece que interferem diretamente em sua condição afetiva, na constituição de si como sujeito social, sobretudo, nas relações estabelecidas com os outros e o mundo que o rodeia, impedindo que crie vínculo com o conhecimento, dado que a emoção, intervém no processo de retenção de informação (MARCANTE, 2017).

Para Kimura (2013), isto ocorre pelo fato de a escola receber representações negativas por ser considerada um ambiente hostil e marginalizada. Uma vez ancorado esta representação, os alunos afetados pelo meio escolar, são diariamente desmotivados e desenvolvem apatia pela escola e dificilmente terão ânimo para frequentá-la.

Considerações finais

Este artigo teve o propósito de identificar as representações sociais as experiências vividas por pré-adolescentes que estudam em escolas públicas de Sidrolândia/MS, sobre a gordofobia, relacionando-a com o bullying e a violência na escola e as dificuldades escolares. A partir disto, inferimos que os pré-adolescentes conceituam a gordofobia como bullying, o qual se eleva a consequência mais graves. Vale destacar que ações violentas, seja ela verbal ou física, foram visíveis em todas as escolas pesquisadas. Ficou nítido que os maus tratos, intimidações e a insegurança, causam o sentimento de raiva que promove ainda mais a violência no espaço escolar e afetam diretamente no desenvolvimento integral, psicológico comprometendo a autoestima dos alunos além de tornar a escola um ambiente hostil e ameaçador.

E é nesse diálogo sobre discriminação que se observou que a escola e os profissionais da educação não estão preparados para agir nas situações de gordofobia ou qualquer outro preconceito, na verdade, pouco se fala acerca do assunto neste espaço, fazendo com que os alunos se sintam inseguros e indispostos a frequentá-lo. O que fica evidente é que os pré-adolescentes submersos a cultura da beleza, ancorada na ditadura da magreza, internalizaram as características determinadas de corpo ideal e reproduzem as representações negativas contra a pessoa gorda. Como consequência disto, os escolares que são considerados fora do padrão são excluídos e intimidados pelos colegas, gerando sérios problemas na autoestima e na aquisição de conteúdo, afetando seu desenvolvimento acadêmico.

Por fim, entendemos que a gordofobia é um fenômeno que está presente no contexto escolar, como também os preconceitos socioeconômicos e de raça. Sugerimos então, intervenções como salientou a aluna Fabiana, isto é, que haja mais diálogo para conscientizar a comunidade escolar dos agravos que ações discriminatórias podem causar na vida dos indivíduos. Nesse caso, é preciso mais investigações e explorações sobre a temática para que os profissionais da educação tenham acesso a estas informações. Com isso, é possível pensar em uma escola acolhedora, capaz de formar sujeitos conscientes, a fim de tornar a sociedade mais empática e que respeita as diferenças.

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Recebido: 09 de Dezembro de 2020; Aceito: 22 de Fevereiro de 2022

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