Introdução
O significativo progresso de globalização vivido pela sociedade contemporânea conduz as organizações a um ambiente que pressiona seus colaboradores por aumento de produtividade e vantagem competitiva. Essa busca faz com que esses trabalhadores se deparem com mudança nos padrões de fluxo de trabalho, gerando um efeito de exigência, no qual a qualidade de vida no trabalho - QVT - se apresenta como indicador cada vez mais presente nos ambientes organizacionais (Boas, et al., 2018).
A qualidade de vida no trabalho remete a fatores ligados à mobilização, ao compromisso social e à preocupação com o bem-estar do funcionário na execução de sua atividade, objetivando uma efetividade profissional. O ambiente organizacional que apresenta uma gestão dinâmica e contingencial dos fatores físicos, sociológicos, psicológicos e tecnológicos do próprio trabalho, torna-se saudável e propício a um aumento de produtividade. Esse ambiente se reflete positivamente no comportamento dos funcionários e na execução de suas atividades (Freitas; Souza, 2009).
A saúde integral do trabalhador está prevista constitucionalmente e sua garantia remete à cidadania plena para o indivíduo. Seu preceito é composto por ações de prevenção e assistência à saúde, por meio de uma abordagem interdisciplinar e intersetorial que pode se materializar no ambiente de trabalho. Tal preceito pressupõe ainda uma ação de articulação com efetiva participação e envolvimento dos trabalhadores, técnicos, pesquisadores, instituições de ensino, sindicatos, sociedade civil, além de outros atores institucionais e sociais, a fim de garantir que as exigências do trabalho e do ambiente não ultrapassem as limitações energéticas, pessoais e cognitivas dos funcionários (Andrade, 2009).
No meio universitário brasileiro constatou-se que, nos últimos anos, os investimentos na educação superior pública federal resultaram num considerável aumento no número de professores nas instituições públicas federais de ensino superior. Entre os anos de 2003 e 2012 houve 40.9581 novas admissões nas diferentes classes, e tal fato tem contribuído exponencialmente para a transformação do ambiente de trabalho (Pizzio; Klein, 2015).
O crescimento do número de professores no ensino superior brasileiro tem causado grande impacto sobre o ambiente de trabalho nas instituições de ensino, pois, instaurou-se uma dinâmica que passa a exigir do professor maior adaptabilidade às condições, de forma que seu desempenho seja medido através do número de publicações, dos recursos captados para projetos de pesquisa ou extensão e de seu envolvimento com as questões institucionais e as comunidades que interagem tanto no ambiente das universidades, quanto em seu entorno (Pizzio; Klein, 2015).
No meio acadêmico, percebeu-se que a categoria docente é pouco lembrada como sujeito das ações e políticas promotoras da saúde ocupacional e tampouco se sabe sobre as suas condições de trabalho, saúde e QVT, sendo necessário um olhar mais criterioso para a categoria (Bicudo-Pereira et al.,2003; Pereira et al., 2014; Barros, 2017; Sanchez et al., 2019).
Em termos de gestão institucional, a literatura sobre as condições de trabalho e saúde do docente se mostra limitada, o que sugere pouco conhecimento sobre o impacto administrativo que os afastamentos por motivo de saúde ocupacional causam na instituição de ensino superior (Lim; Lima-Filho, 2009; Jardim; Barreto; Assunção 2007; Rocha; Fernandes, 2008; Vasconcelos et al., 2012; Pizzio; Klein, 2015). Assim, buscou-se investigar a existência de relação entre a percepção de QVT e os afastamentos ocasionados por doenças ocupacionais dos professores da Universidade Federal de Goiás/UFG.
Contextualização, conceituação e modelos da qualidade de vida no trabalho
Walton (1973) relata que o surgimento da QVT coincidiu com um momento histórico de ordem mundial que tratou das relações trabalhistas caracterizado por fatores como a promulgação de atos legislativos elaborados no início do século 20, como: o regime de trabalho diário e semanal e o afastamento por doenças decorrentes do trabalho; os primeiros passos, nas décadas de 1930 e 1940, para a estabilidade do emprego e remuneração ao trabalhador; a conexão entre os princípios pessoais do funcionário e sua eficiência produtiva no progresso das relações humanas; e a investida de reestruturação ocorrida na década de 1960, com reivindicações dos trabalhadores por condições igualitárias de salário e de trabalho.
Em nível internacional, Walton (1973) define a QVT como uma política relacionada à identificação e ao atendimento das necessidades e pretensões dos funcionários, com base na humanização do trabalho e na responsabilidade social da empresa (Dal Forno; Finger, 2015).
Em nível nacional, Rodrigues (1998), define a QVT como uma política que integra elementos sociais e técnicos, formadores do fluxo de organização do trabalho, com foco no trabalhador, sua satisfação e bem-estar na execução das atividades no ambiente organizacional.
Dal Forno e Finger (2015) nomeiam um restrito grupo de autores internacionais, que figuram constantemente em revisões teóricas de pesquisas sobre a QVT. Suas teorias, consideradas clássicas, e, simultaneamente, modernas e abrangentes, são largamente mencionadas na literatura e seus modelos utilizados em pesquisas sobre o tema. No quadro 1 detalha-se os principais autores e os respectivos modelos de QVT por eles propostos.
Autores | Modelos pressupostos para análise da QVT |
Hackman e Layer (1971) | Indicaram a dimensão da tarefa como significativa para a satisfação no trabalho: variedade de habilidades, autonomia, identidade das tarefas e feedback. |
Walton (1973) | Apontou oito categorias, baseadas em: compensação justa e adequada, segurança e saúde nas condições do trabalho, oportunidade para utilização e desenvolvimento das capacidades humanas, possibilidade para o crescimento contínuo e profissional, integração social na organização, constitucionalismo, trabalho e espaço total da vida e relevância social no trabalho. |
Turner e Lawrence (1973) | Predecessores do modelo de Hackman e Oldham (1979), identificaram os atributos das tarefas, a satisfação e os níveis de absenteísmo no trabalho. |
Hackman e Oldham (1975) | Aspectos psicológicos: significância constatada, responsabilidade constatada quanto a resultados alcançados e conhecimentos do resultado do trabalho. |
Westley (1979) | Política, econômica, psicológica e sociológica. |
Thériault (1980) | Econômica, psicológica, sociológica, política e ética. |
Denis (1980) | Social, psicológica e física. |
Nadler e Lawer (1983) | Participação dos funcionários nas decisões, reestruturação do trabalho pelo enriquecimento de tarefas, inovação no sistema de recompensa e melhoria no ambiente de trabalho. |
Werther e Davis (1983) | Supervisão, condições de execução de trabalho, pagamento, benefícios e projeto de cargos. |
Huse e Cummings (1985) | Fator de participação dos trabalhadores, projeto de cargos, inovação do sistema de recompensa, e melhoria no ambiente organizacional com relação a três variáveis: comunicação, motivação e capacitação dos trabalhadores. |
Fernandes (1996) | Fatores que tornam cargos satisfatórios: condições de limpeza, saúde, moral, compensação, participação, comunicação, imagem da empresa, relação chefe subordinado e organização do trabalho. |
Fonte: adaptado de Araújo, Maduro, Zogahib, Lima e Jesus (2015).
O modelo teórico apresentado por Walton (1973) foi o escolhido para esta pesquisa. Tal escolha ocorreu devido ao fato do modelo apresentar um número satisfatório de variáveis avaliativas da QVT e servir como base para um considerável número de pesquisas recentes na área, com destaque para Vasconcelos et al. (2012), Dechandt et al. (2016) e Silva et al. (2016).
No quadro 2 é apresentado um resumo das oito categorias de conceitos que exploram a QVT, balizado no modelo de Walton (1973), bem como suas principais características influenciadoras.
Categorias de conceitos | Características influenciadoras |
Compensação justa e adequada | Se as responsabilidades e atribuições do trabalho realizado são compensadas financeiramente ao funcionário, de forma se justa e adequada. |
Segurança, saúde e condições de trabalho | Variáveis relacionadas às normas de segurança e saúde no trabalho: carga horária, prevenção de acidentes e condições de trabalho ofertadas. |
Desenvolvimento de capacidades | Desenvolvimento da capacidade humana com base em: autonomia, habilidades, perspectiva, tarefas completas e planejamento. |
Oportunidade futura | Focaliza as oportunidades de desenvolvimento, progresso e segurança que a organização oferece ao funcionário. |
Integração social | Analisa os relacionamentos pessoais nos ambientes organizacionais, relevando características como: ausência de preconceitos, mobilidade, grupos de apoio e interpessoalidade. |
Constitucionalismo | Apresenta os diretos e deveres do funcionário ao ser afetado por decisões de seus superiores. |
Trabalho e vida | Aponta como o trabalho pode afetar a vida pessoal e familiar do funcionário. |
Relevância social | A responsabilidade social da organização está diretamente ligada à autoestima de seu funcionário. |
Fonte: adaptado de Freitas e Souza (2009).
Qualidade de vida no trabalho e sua relação com a saúde ocupacional, categoria docente e administração pública.
No Brasil, a saúde ocupacional foi objeto de preocupação e teve sua adesão pelas organizações tardiamente. No campo de trabalhos acadêmicos, a Universidade de São Paulo foi precursora no desenvolvimento de pesquisas e estudos, com os primeiros registros nos anos 1980, criando uma linha científica para a área da Saúde Ocupacional, servindo como disseminadora dos conhecimentos referentes à área. Outro fato nacionalmente importante no que se refere ao trabalho foi a Consolidação das Leis Trabalhistas, que dispõe de normas regulamentadoras do meio de trabalho (Santo; Freitas, 2009).
Porto et al. (2004) definem as doenças ocupacionais como sendo aquelas que foram enquadradas adequadamente como relacionadas aos fatores do trabalho, podendo tanto ser desenvolvidas em seu ambiente laboral, quanto em outros ambientes e agravadas no trabalho.
A relação entre a saúde e o trabalho pode ser investigada conjuntamente, por meio de aspectos ligados à ergonomia, à toxicologia, à saúde coletiva, à epidemiologia, entre outras ciências que correlacionam o trabalho aos impactos do seu processo sobre a saúde dos indivíduos e da coletividade. As repercussões da relação trabalho-saúde não envolvem apenas os trabalhadores, mas o contexto existente entre as variáveis dinâmicas, históricas, econômicas, sociais, políticas e culturais da sociedade em questão. Sob esse olhar, as transformações e os conflitos ocorridos historicamente, até o presente, também são responsáveis pela evolução dos conceitos e práticas que associam a saúde ao trabalho (Santo; Freitas, 2009).
Na concepção de trabalhar a saúde coletivamente no ambiente educacional, objeto desta pesquisa, a ideia que não se pode perder de vista é a noção de saúde individual, no caso, a saúde dos professores com os quais se pretende trabalhar. Dessa forma, é indicado que uma política promotora de saúde trabalhe o conceito de professor saudável, que é o que possui bem-estar em diversos aspectos, como físico, mental e espiritual (Rocha; Fernades, 2008).
A busca por melhores condições de saúde e qualidade de vida do docente partiu da necessidade de compreender as relações intrínsecas do seu trabalho quanto aos fatores estruturais e psicológicos que regem a relação docente-trabalho. Ao aprofundar o conhecimento a partir das percepções do próprio docente obtêm-se uma importante ferramenta para fomentar políticas direcionadas, vinculadas ao elo existente entre ambiente de trabalho e saúde (Meira et al., 2014).
No Brasil, poucos estudos científicos envolvendo a temática conjunta de saúde do trabalhador e afastamentos por doenças ocupacionais no setor público foram publicados. Todavia, os afastamentos por motivo de saúde ainda oneram os cofres públicos (Cunha; Blank; Boing, 2009).
O impacto financeiro causado pelos afastamentos e aposentadoria por invalidez dos servidores públicos, para o governo federal, no ano de 2005, foi de R$ 300 milhões. Para o governo do estado de Santa Catarina, de seus servidores públicos, no ano de 2001, foi próximo a R$ 12 milhões (Cunha; Blank; Boing, 2009).
Logo, pesquisar o afastamento do trabalho por adoecimento é imprescindível para subsidiar debates sobre a condição de saúde dos trabalhadores e elaborar políticas de promoção, prevenção e reabilitação da saúde a fim de evitar o adoecimento e garantir a saúde plena e também melhorar a aplicação do recurso público (Cunha; Blank; BOING, 2009).
Metodologia
A pesquisa apresenta um estudo aplicado prático, de natureza quantitativa, exploratório, descritivo e com recorte temporal transversal. A população participante da pesquisa foi composta pelos docentes efetivos que laboram na Universidade Federal de Goiás. Conforme dados levantados junto ao seu site no ano de 2021, a instituição contava com 2.447 docentes.
O instrumento utilizado para a coleta dos dados foi um questionário estruturado, aplicado para mensurar a percepção da QVT pelo docente em seu ambiente de trabalho. O mesmo foi formulado, com a devida autorização para tal, a partir da adaptação daquele aplicado e validado na pesquisa realizada por Vasconcelos et al (2012).
O referido questionário foi composto por perguntas de cunho sociodemográficos e econômicos - gênero, idade, tempo de exercício na docência e se já houve afastamento do trabalho por motivo de doenças ocupacionais -, além de 33 questões objetivas de múltipla escolha, baseadas nas oito categorias conceituais do modelo de QVT proposto por Richard Walton (1973). Para as respostas, foi utilizada a escala do tipo Likert de 5 pontos, onde (1) é muito insatisfeito; (2) insatisfeito; (3) nem satisfeito, nem insatisfeito; (4) satisfeito e (5) é muito satisfeito. O questionário aplicado resultou num total de 201 respostas enviadas pelos docentes da UFG.
Em decorrência do objetivo geral desta pesquisa, aliado aos argumentos e debates expostos na revisão da literatura, foram enunciadas as seguintes hipóteses:
H1: quanto maior a percepção de satisfação da QVT pelos docentes, menor o índice de afastamentos por doenças ocupacionais;
H2: as variáveis ‘compensação justa e adequada’, ‘segurança, saúde e condições de trabalho’, ‘trabalho e espaço total de vida’ e ‘relevância social no trabalho’ influenciam a percepção da QVT pelos docentes;
H3: as variáveis ‘desenvolvimento das capacidades humanas’, ‘possibilidade para o crescimento contínuo e crescimento profissional’, ‘integração social na organização’ e ‘constitucionalismo’ não influenciam a percepção da QVT pelos docentes.
A análise dos dados obtidos foi realizada por meio de estatística descritiva, univariada e multivariada de dados, pois proporcionam uma visualização lúcida e abrangente acerca do desempenho dos dados (Fávero, et al., 2009).
Objetivando responder às hipóteses formuladas, foram utilizadas as ferramentas computacionais Microsoft Excel e Rstudio, para processar os testes paramétricos: t de student, análise de variância - Anova - e regressão logística binária. O teste t de student reconhece e compara as variações entre os grupos pesquisados. Já a Anova indica de que forma as variáveis independentes interagem entre si e o efeito que causam na variável dependente (Field, 2009).
A regressão logística binária deve ser empregada quando o fenômeno a ser estudado apresenta-se por meio de variáveis qualitativas, objetivando estimar a probabilidade de ocorrência do fenômeno pesquisado (Fávero; Fávero, 2015).
A aplicação dos três testes teve como objetivo identificar semelhanças e diferenças entre seus resultados, possibilitando maior embasamento para o teste das hipóteses.
A variável dependente da pesquisa foi o afastamento do trabalho por doenças ocupacionais, e as variáveis independentes foram as respostas às questões sociodemográficas e econômicas e às 33 perguntas categóricas de percepção da QVT.
Ressalta-se que para o processamento da regressão logística binária foi necessário transformar as respostas categóricas da escala likert de 5 pontos (muito insatisfeito, insatisfeito, nem satisfeito, nem insatisfeito, satisfeito e muito satisfeito) em escalas métricas correspondente ao numeral representativo de cada ponto - 1 a 5. Tal conversão foi similar à realizada no método de avaliação de QVT, que utiliza o instrumento WHOQOL-bref, validado nas pesquisas realizadas por Pedroso et al. (2010) e Cheremeta et al. (2011).
Resultados
Na tabela 1 são apresentados o perfil sociodemográfico e econômico dos docentes respondentes.
Dados sociodemográficos e econômicos | ||
Gênero | Distribuição | % |
Feminino | 98 | 48,7 |
Masculino | 99 | 49,3 |
Não deseja informar | 4 | 2 |
Total | 201 | 100 |
Faixa etária | Distribuição | % |
21 a 30 anos | 7 | 3 |
31 a 40 anos | 80 | 40 |
41 a 50 anos | 70 | 35 |
Mais de 50 anos | 43 | 21 |
Não deseja informar | 1 | 1 |
Total | 201 | 100 |
Tempo de exercício na docência | Distribuição | % |
Até 3 anos | 38 | 19 |
4 a 10 anos | 93 | 46 |
11 a 20 anos | 38 | 19 |
21 a 30 anos | 25 | 12 |
Mais de 30 anos | 7 | 4 |
Total | 201 | 100 |
Afastamento do trabalho por doenças ocupacionais | Distribuição | % |
Sim | 55 | 27 |
Não | 146 | 73 |
Total | 201 | 100 |
Fonte: autores.
Destaca-se no perfil dos docentes respondentes: a equivalência entre os gêneros: 49,3% masculino e 48,7% feminino; o fato de 75% possuir entre 31 a 50 anos de idade; de 46% estar exercendo a docência na UFG entre 4 a 10 anos; e 73% não terem se afastado do trabalho por doenças ocupacionais.
Com o intuito de atingir o objetivo geral proposto pela pesquisa, as respostas das 33 perguntas relacionadas às oito categorias de QVT, detalhadas na tabela 2, foram tabuladas separadamente entre os grupos de docentes afastados e não afastados do trabalho por motivo de doenças ocupacionais.
Categoria 1: compensação justa e adequada | ||
Percepção | Afastados (55) | Não afastados (146) |
Insatisfação (Muito insatisfeito e insatisfeito) | 38% | 34% |
Neutralidade (Nem insatisfeito, nem satisfeito) | 24% | 27% |
Satisfação (Muito satisfeito e satisfeito) | 38% | 39% |
Total | 100% | 100% |
Categoria 2: segurança, saúde e condições de trabalho | ||
Percepção | Afastados (55) | Não afastados (146) |
Insatisfação (Muito insatisfeito e insatisfeito) | 59% | 40% |
Neutralidade (Nem insatisfeito, nem satisfeito) | 14% | 26% |
Satisfação (Muito satisfeito e satisfeito) | 27% | 34% |
Total | 100% | 100% |
Categoria 3: desenvolvimento de capacidades | ||
Percepção | Afastados (55) | Não afastados (146) |
Insatisfação (Muito insatisfeito e insatisfeito) | 24% | 18% |
Neutralidade (Nem insatisfeito, nem satisfeito) | 20% | 18% |
Satisfação (Muito satisfeito e satisfeito) | 56% | 64% |
Total | 100% | 100% |
Categoria 4: oportunidade futura para crescimento | ||
Percepção | Afastados (55) | Não afastados (146) |
Insatisfação (Muito insatisfeito e insatisfeito) | 51% | 37% |
Neutralidade (Nem insatisfeito, nem satisfeito) | 22% | 32% |
Satisfação (Muito satisfeito e satisfeito) | 27% | 31% |
Total | 100% | 100% |
Categoria 5: integração social no trabalho | ||
Percepção | Afastados (55) | Não afastados (146) |
Insatisfação (Muito insatisfeito e insatisfeito) | 42% | 26% |
Neutralidade (Nem insatisfeito, nem satisfeito) | 20% | 27% |
Satisfação (Muito satisfeito e satisfeito) | 38% | 47% |
Total | 100% | 100% |
Categoria 6: constitucionalismo no trabalho | ||
Percepção | Afastados (55) | Não afastados (146) |
Insatisfação (Muito insatisfeito e insatisfeito) | 34% | 22% |
Neutralidade (Nem insatisfeito, nem satisfeito) | 24% | 26% |
Satisfação (Muito satisfeito e satisfeito) | 42% | 52% |
Total | 100% | 100% |
Categoria 7: trabalho e espaço de vida | ||
Percepção | Afastados (55) | Não afastados (146) |
Insatisfação (Muito insatisfeito e insatisfeito) | 64% | 38% |
Neutralidade (Nem insatisfeito, nem satisfeito) | 13% | 18% |
Satisfação (Muito satisfeito e satisfeito) | 23% | 44% |
Total | 100% | 100% |
Categoria 8: relevância social do trabalho | ||
Percepção | Afastados (55) | Não afastados (146) |
Insatisfação (Muito insatisfeito e insatisfeito) | 20% | 17% |
Neutralidade (Nem insatisfeito, nem satisfeito) | 22% | 25% |
Satisfação (Muito satisfeito e satisfeito) | 58% | 58% |
Total | 100% | 100% |
Fonte: autores.
As médias das repostas das variáveis categóricas indicadoras de QVT apontaram maiores índices percentuais de insatisfação, dominante em quatro categorias, dentre os docentes que se afastaram do trabalho por adoecimento ocupacional. Já os docentes que não se afastaram do trabalho indicaram maior índice de satisfação, predominante em seis categorias. A categoria 7, ‘trabalho e espaço de vida’, obteve maior índice médio de insatisfação (64%) na percepção dos docentes afastados. Em contrapartida, a categoria 3, ‘desenvolvimento de capacidades’, obteve o maior índice de satisfação (64%) na percepção dos docentes que não se afastaram do trabalho.
Test t de student
O teste t de student foi processado para testar a hipótese H1: quanto maior a percepção de satisfação da QVT pelos docentes, menor o índice de afastamentos por doenças ocupacionais.
O resultado apontou que a hipótese não pôde ser confirmada, no entanto, no intervalo de confiança de 95%, proposto por Field (2009), a percepção média de insatisfação de QVT foi significativa (p=0,040<0,05) para os dois grupos estudados: docentes afastados e não afastados do trabalho por adoecimento. Este dado pode indicar que existe relação entre a ocorrência do afastamento por doenças ocupacionais e a percepção de insatisfação da QVT. Já a percepção média de satisfação de QVT não foi significativa nas mesmas condições (p=0,12>0,05), indicando certa igualdade perceptiva e não ocorrência de relação.
Os índices de neutralidade - nem insatisfeitos, nem satisfeitos - não foram testados pelo entendimento de que não influenciaram no resultado comparativo das médias.
Análise de variância
A Anova foi processada para testar as hipóteses H2: as variáveis ‘compensação justa e adequada’, ‘segurança, saúde e condições de trabalho’, ‘trabalho e espaço total de vida’ e ‘relevância social no trabalho’ influenciam a percepção da QVT pelos docentes e a H3: as variáveis ‘desenvolvimentos das capacidades humanas’, ‘possibilidade para o crescimento contínuo e crescimento profissional’, ‘integração social na organização’ e ‘constitucionalismo’ não influenciam a percepção da QVT pelos docentes.
Para intervalos de confiança de 90%, 95% e 99%, propostos por Field (2009), o resultado da percepção dos dois grupos - docentes afastados e não afastados -, representado pela razão F, apontou significância nas questões 9 e 10 - categoria ‘segurança e condições de trabalho’ -, 12, 13 e 15 - categoria ‘desenvolvimento das capacidades humanas’ - e 18 - categoria ‘possibilidade para o crescimento contínuo’ e ‘crescimento profissional’.
A hipótese H2 pôde ser confirmada parcialmente, pois a categoria ‘segurança, saúde e condições de trabalho’ influenciou significativamente a percepção da QVT pelos docentes. As categorias ‘compensação justa e adequada’, ‘trabalho e espaço total de vida’ e ‘relevância social no trabalho’ não influenciaram significativamente a percepção de QVT pelos mesmos docentes.
A hipótese H3 também pôde ser confirmada parcialmente, já que nas mesmas condições relatadas as categorias ‘integração social na organização’ e ‘constitucionalismo’ não influenciaram significativamente a percepção da QVT pelos docentes. As categorias ‘desenvolvimentos das capacidades humanas’ e ‘possibilidade para o crescimento contínuo e crescimento profissional’ influenciaram significativamente a percepção de QVT pelos mesmos docentes. Os demais fatores e questões não apresentaram diferenças médias relevantes na percepção de QVT dos grupos pesquisados.
Regressão logística binária
A regressão logística binária foi processada para testar a hipótese H2: os afastamentos por doenças ocupacionais apresentam relação com a percepção de QVT.
A hipótese H2 pôde ser confirmada, uma vez que a regressão logística binária resultou num índice probabilístico capaz de explicar que 23,6% dos afastamentos do trabalho gerados por doenças ocupacionais apresentam relação com percepção de insatisfação da QVT pelos docentes da UFG.
Discussão dos resultados
Os resultados encontrados apresentaram uma aparente convergência e complementação entre si, visto que os três modelos com testes estatísticos univariados e multivariados de dados processados foram relevantes para responder às hipóteses formuladas. Esse fato possibilitou um aprofundamento metodológico para a área científica, indo além da captação da percepção de QVT pelos docentes, realizada por outros estudos, como o de Vasconcelos et al. (2012), Catapan et al. (2014), Pizzio e Klein (2015) e Araújo et al. (2015), que realizaram estudos quantitativos com estatística descritiva de dados e mistos qualitativo-qualitativo.
A regressão logística binária estimou que 23,6% dos afastamentos causados por adoecimento ocupacional estão relacionados a variáveis que indicam insatisfação com a QVT no ambiente de trabalho dos docentes. Esse resultado indica também que o planejamento e a execução de ações que visem melhorar o ambiente de trabalho docente, proporcionando um maior equilíbrio entre atividade profissional e QVT, pode diminuir a incidência do adoecimento ocupacional e, consequentemente, de impactos administrativos, econômicos e educacionais para a gestão da universidade.
Em relação às médias descritivas de percepção da QVT, os docentes da UFG apontaram predominância de insatisfação nas categorias segurança, saúde e condições de trabalho, oportunidade futura para crescimento e estabilidade continuados e trabalho e espaço total de vida. Desse modo, na percepção dos docentes deste estudo, evidencia-se que há problemas com a estrutura física e recursos disponibilizados para o trabalho. Deduz-se também que a possibilidade de crescimento profissional esteja limitada à atividade da docência e aos cursos para capacitação ofertados, além disso o incentivo para novas pesquisas pode não estar atendendo às necessidades para o desenvolvimento pleno do trabalho docente.
O resultado indicou ainda que as responsabilidades e obrigações da função estão afetando o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional do docente. Os indicadores da categoria ‘trabalho e espaço total de vida’ envolvem lazer e convivência familiar, desta forma, a carga de trabalho para planejar e ministrar as aulas está afetando os períodos de folga para a convivência familiar e o lazer do docente. Uma explicação pode estar na carga excessiva de trabalho e no cumprimento das metas estabelecidas ao exercício da carreira.
De modo geral, os resultados da percepção de QVT pelos docentes da UFG diferem parcialmente do encontrado por Vasconcelos et al. (2012) e Araújo et al. (2015), que indicaram satisfação prevalente em quase todos os indicadores de QVT pelos docentes pesquisados. Possíveis explicações para essa diferença estão no fato de os autores citados terem feito suas pesquisas predominantemente com docentes de universidades privadas e com uma amostra menor de docentes.
Por fim, o resultado da pesquisa indicou um impacto administrativo causado à administração pública federal, quando o docente se afasta do trabalho por adoecimento ocupacional, de ordem financeira.
A lei n. 8.745, de 9 de dezembro de 1993, prevê a contratação de professor substituto por um período de um ano, prorrogável pelo mesmo tempo, nos casos de afastamento ou licença regulamentada do professor detentor efetivo do cargo. A mesma lei prevê que a remuneração desse professor substituto deverá ser equivalente à regulamentada pelo plano de cargos e salário específico de cada categoria profissional.
Em consulta ao site da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas/UFG, foi possível apurar que a remuneração do professor substituto varia de R$ 2.465,32 a R$ 6.902,49, de acordo com a titulação exigida e a carga horária exercida. A partir dessa constatação, é possível afirmar que existe o ônus para a administração pública federal, sendo a estimativa dependente do número de afastamentos gerados. Essa observação corrobora com o estudo realizado por Cunha, Blank e Boing (2009), que estimou os gastos gerados pelos afastamentos do trabalho dos servidores do governo federal e do estado de Santa Catarina.
Considerações finais
O objetivo geral desta pesquisa foi analisar a existência de relação entre a percepção da qualidade de vida no trabalho e os afastamentos ocasionados por doenças ocupacionais dos docentes da Universidade Federal de Goiás. Por meio do teste das hipóteses elencadas, foi possível constatar que uma ou mais perguntas existentes em seis das oito categorias conceituais indicativas de QVT, baseadas no modelo de Walton (1973), obtiveram resposta significativa na percepção dos grupos de docentes afastados e não afastados do trabalho. Além disso, a regressão logística binária estimou que 23,6% dos afastamentos por doenças ocupacionais têm relação direta com a percepção de insatisfação da QVT.
No contexto geral apresentado, pensar na QVT como componente presente na estrutura da organização se mostra como um fato substancial e estratégico. No entanto, parece ideal que seu tratamento não seja entendido de forma assistencial, mas para atender às necessidades conjuntas da instituição e seu funcionário ou servidor.
Quanto ao impacto administrativo identificado pela pesquisa, a estimativa do salário a ser pago ao professor substituto contratado, é um indicador relevante para a administração pública federal. Na atual conjuntura econômica, política e social brasileira, a eficiência e a eficácia com o gasto dos recursos públicos e a qualidade do serviço entregue à sociedade são fundamentais para a defesa do estado de bem-estar social e do serviço e servidor público.