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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versão impressa ISSN 0104-7043versão On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.32 no.69 Salvador jan./mar 2023  Epub 17-Ago-2023

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2023.v32.n69.p59-77 

Artigo

ENTRE TANTAS VIOLÊNCIAS: POLÍTICAS, LUGARES E A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO DA ESCOLA

AMONG SO MANY VIOLENCES: POLICIES, PLACES AND THE CONSTRUCTION OF SCHOOL’S MEANING

ENTRE TANTAS VIOLENCIAS: POLÍTICAS, LUGARES Y LA CONSTRUCCIÓN DE SENTIDO ESCOLAR

1Universidade São Francisco

2Pontifícia Universidade Católica de Campinas

3Secretaria da Educação do Estado de São Paulo


RESUMO

O artigo discute a relação entre o aumento da violência escolar, observado em 2021 e 2022, com a descaracterização da escola como lugar de pertença. Para tanto, tendo como premissa que a organização social capitalista afeta a formação humana, sobretudo quanto a estruturação e organização escolar, recorremos à análise das políticas educacionais recentemente implementadas na rede estadual paulista, juntamente com os dados de violência referentes aos primeiros meses de retorno ao ensino presencial. Trazemos também as escritas narrativas de um educador, atuante na mesma rede, nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, cujos registros possibilitam extrapolar os dados numéricos e adentrar a realidade do que tem sido vivido no cotidiano das escolas. As análises evidenciam que há uma complexidade de fatores que contribuem para o aumento dos casos de violência, dentre os quais destacamos as condições precárias estabelecidas por políticas educacionais que esvaziam a escola de seu sentido e oferecem soluções simples para problemas complexos. Ainda, sinalizamos possibilidades de restituição do sentido da escola como lugar de convívio, produção de conhecimento e combate à violência.

Palavras-chave: violência escolar; narrativas; pandemia da COVID-19; política educacional

AbSTRACT

The paper discusses the increase in school violence, observed in 2021 and 2022, in relation with the mischaracterization of the school as a place of belonging. For that, based on the premise that the capitalist social organization has implications for human development, especially for school structure and organization, we used the analysis of educational policies recently implemented in the São Paulo state network, together with violence data referring to the first months of return to face-to-face education. We also bring the narrative writings of an educator, active in the same network, in the final years of elementary school and high school, whose records make it possible to extrapolate numerical data and enter the reality of what has been experienced in the daily lives of schools. The analyzes show that there is a complexity of factors that contribute to the increase in cases of violence, among which we highlight the precarious conditions established by educational policies that deprive the school of its meaning and offer simple solutions to complex problems. Still, we signal possibilities of restoring the meaning of the school as a place of conviviality, production of knowledge and violence prevention.

Keywords: school violence; narratives; COVID-19 pandemic; educational politics

RESUMEN

El artículo discute la relación entre el aumento de la violencia escolar, observado en 2021 y 2022, con la mala caracterización de la escuela como lugar de pertenencia. Para eso, teniendo como premisa que la organización social capitalista tiene implicaciones para la formación humana, especialmente para la estructuración y organización escolar, utilizamos el análisis de las políticas educativas implementadas recientemente en la red del estado de São Paulo, junto con datos de violencia referentes a los primeros meses de retorno a la educación presencial. Traemos también los escritos narrativos de un educador activo en la misma red, en los últimos años de la escuela primaria y secundaria, cuyos registros permiten extrapolar datos numéricos y adentrarse en la realidad de lo vivido en el cotidiano de las escuelas. Los análisis muestran que existe una complejidad de factores que contribuyen al aumento de los casos de violencia, entre los que destacamos las precarias condiciones establecidas por las políticas educativas que despojan a la escuela de su sentido y ofrecen soluciones sencillas a problemas complejos. Aun así, señalamos posibilidades de restituir el sentido de la escuela como lugar de convivencia, producción de saberes y lucha contra la violencia.

Palablas-clave: violencia escolar; narrativas; Pandemia de COVID-19; política educativa

Introdução

Os relatos docentes da rede estadual paulista acerca do retorno ao ensino presencial, após um longo período de isolamento e atividades remotas1, são diversos e por vezes contraditórios. Em salas de professoras2, corredores, redes sociais e grupos de estudo, escutam-se depoimentos que conflitam a alegria de umas, pelos afetos e afagos, com o cansaço de outras, pela extensa jornada novamente ampliada pelas horas de trânsito. Ao reconhecimento de um espaço pedagógico e de trabalho, é misturada a percepção de sua precariedade e a falta de recursos. Soma-se ao desejo de propor atividades que envolvam discussões em grupo, as cobranças para que seja mantido o foco na transmissão de conteúdos, na tentativa vã de recuperar “o tempo perdido”.

No entanto, há uma prevalência nas falas e percepções que circulam no cotidiano da escola: as coisas estão mais difíceis. São recorrentes os episódios de agressão, violência e incivilidade, as docentes têm adoecido com espantosa frequência. Ao buscar indicativos, os números presentes nas estatísticas oficiais e veiculados pela mídia nos confirmam e preocupam: houve um aumento significativo das situações de violência na escola nos últimos dois anos, envolvendo todos os sujeitos que participam do ambiente escolar.

Eles voltaram com alguns comportamentos muito estranhos e muito violentos, muitas vezes. Eu nunca vi em sala de aula falarem tanto sobre arma, nunca vi em sala de aula falarem tanto sobre querer matar o outro, ameaçar o outro e bater no outro. Eles estão toda vez com essas falas violentas, como se fosse uma terra de ninguém.

Eu digo para vocês, eu sou gente, eu sinto, eu sofro. Agora, eu tenho vontade de chorar, agora eu estou sofrendo, agora minha pressão está alta. Eu não quero mais. Eu desisto. Para mim, é o fim. (ECHENIQUE, 2022).

Sim, temos vivido uma experiência de escola marcada por novos contornos da violência, em diversas das suas possibilidades de expressão, mesmo sabendo que o próprio modelo educativo brasileiro é constituído, historicamente, por relações já muito violentas de opressão, dominação e silenciamento. Confrontamos esta realidade lembrando das palavras de Paulo Freire (1996): o que mais poderíamos esperar de resposta dos indivíduos, ante a exposição a tantas violências que temos vivenciado, e diante de tamanha investida na desumanização como temos testemunhado nos últimos tempos?

Compreendemos que há uma relação da violência que tem sido testemunhada e sentida nas escolas, sobretudo após o retorno às atividades presenciais, com a descaracterização da escola como lugar de pertença. A escola que, nesta perspectiva, deveria ser vista como espaço identitário, de encontros e relações com o outro, com a cultura, memória e ancestralidade, de diálogo e criação de perspectivas futuras, ganha outros contornos, sem encontrar o tom necessário para retomar seus pontos fundamentais. Em consonância com tal afirmativa, observamos que as preocupações da secretaria estadual de educação de São Paulo, ao planejar o retorno, foram de retomada de um projeto educativo supostamente interrompido pela pandemia que, ele próprio, tem sido responsável pela imposição de uma série de concepções que distanciam os sujeitos do conhecimento e promovem o esvaziamento das relações escolares. O que estão fazendo, em síntese, é desumanizar todos os envolvidos no processo educativo.

Com as reformas mais recentemente implementadas, percebemos que pouco resta de profícuo no cotidiano da escola, que passa a ser espaço de passagem, tal como nos questiona Augé (1994, p. 211): “de que forma os não lugares podem provocar uma perda de nós mesmos como grupo e sociedade, prevalecendo agora apenas o indivíduo solitário?”. Transformamonos em espectadores em um espaço vazio de humanidade, lugar profundamente codificado, do qual ninguém faz verdadeiramente parte. No não lugar somos apenas passantes, transitórios. O ritual, a tradição e a alteridade não fazem sentido nestes espaços.

Para Augé (1994), a escola que não é lugar reduz-se a um espaço “onde se coexiste ou se coabita sem vivermos juntos, onde o estatuto de consumidor solitário passa por uma relação contratual com a sociedade” (AUGÉ, 1994, p. 157). Se antes de vivenciarmos uma crise sanitária e experimentarmos o ensino remoto já havia indícios de que era necessário rediscutir a importância de uma escola outra, que reafirmasse o sentido de lugar e oferecesse condições objetivas aos estudantes e professoras que potencializassem o trabalho pedagógico, diante de tudo o que vivemos e temos presenciado, é ainda mais urgente denunciar e pensar alternativas para o vazio que se instaura nas salas de aula e que certamente contribui para o cenário que testemunhamos.

Parecem poucas as alternativas de resistência e reinvenção de um cotidiano que favoreça a superação dos ciclos de violência na escola. No entanto, apegamo-nos à noção de transitividade, assumindo que “o mundo não é, está sendo” (FREIRE, 1996) e que, portanto, há ainda possibilidades de disputar o sentido da escola na direção dos interesses da classe trabalhadora. Uma visão fatalista e totalmente desesperançosa apenas contribuiria para a manutenção do cenário atual, que oprime e tenta convencer da impossibilidade de uma transformação social.

Tendo como objetivo discutir a relação entre o aumento da violência escolar, observada em 2021 e 2022, com a descaracterização da escola como lugar de pertença, o que propomos nesta escrita é justamente lançar olhar para a questão da violência na escola, de modo a discutir o que o aumento destas situações de conflito denuncia, acenando para a necessidade de pensar estratégias que potencialmente alterem este quadro.

Percurso metodológico

Discutimos, a seguir, as políticas educacionais recentemente implementadas na rede estadual paulista, nos ensinos Fundamental e Médio, juntamente com os dados de violência nas escolas nos primeiros meses de retorno presencial às aulas, obtidos junto à Seduc via Serviço de Informação ao Cidadão (SIC). Em diálogo com esses dados, lançamos mão de depoimentos narrativos (auto)biográficos de um educador pertencente à rede estadual de educação, que atua diretamente com estudantes das séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, também autor deste texto, cujos registros possibilitam extrapolar os dados numéricos e adentrar a realidade do que tem sido vivido e sentido no cotidiano das escolas. A escrita narrativa se revela opção política, epistemológica e metodológica que possibilita a produção do conhecimento em estreito diálogo com a comunidade escolar, respeitando e dando maior amplitude às vozes que por vezes são silenciadas ou negligenciadas. Em relação a tal escolha, concordamos com Antonio Nóvoa (2009): “fala-se muito das escolas e dos professores. Falam os jornalistas, os colunistas, os universitários, os especialistas. Não falam os professores. Há uma ausência dos professores, uma espécie de silêncio de uma profissão que perdeu visibilidade no espaço público” (NÓVOA, 2009, p. 23).

No processo de produção de conhecimento, as narrativas mostram-se potentes por trazerem à reflexão situações concretamente vivenciadas que, apesar de remeterem à particularidade do que é compreendido e escolhido para registro por uma única pessoa, colocam em foco dilemas, conflitos e sentimentos que são comuns à classe docente e suscitam memórias e histórias em toda a comunidade. Como já defendemos em publicações anteriores (FERREIRA, 2020), cada narrativa é mais que uma leitura particular, é um fragmento de realidade que é socialmente construída, culturalmente marcada e historicamente localizada. Assim, são construções plurais, que dizem respeito à vida de alguém, mas poderiam muito bem ter sido contadas por outras pessoas que também vivenciam as mesmas situações cotidianamente. Para além das minúcias de uma descrição, interessa-nos olhar para o que os episódios denunciam em relação à experiência social compartilhada, e como nos ajudam a elaborar e pensar alternativas. Neste sentido, vale explicitar que não se pretende analisar a escrita docente, pois já são elas próprias retratos críticos, analíticos e contextualizados da discussão aqui proposta. Assim, os textos compõem o artigo e dialogam com as considerações trazidas, em uma tessitura única e dialógica.

As três narrativas aqui consideradas foram escritas no mês de agosto de 2022 e retratam situações vivenciadas ao longo do primeiro semestre do mesmo ano, momento de retorno às atividades presenciais na rede pública estadual de São Paulo. Foram observados, no momento de produção destes registros, todos os cuidados éticos que orientam a pesquisa que envolve seres humanos, guardando ainda as particularidades do uso de instrumentos (auto)biográficos.

Das tantas violências que temos vivenciado nos últimos tempos

Sabemos que o neoliberalismo estrutura-se na propagação do individualismo como valor social central, do qual decorrem as ideias de mérito pessoal, posse, consumo indiscriminado, objetificação das relações e competitividade. Esses elementos contribuem para a geração de conflitos e para a legitimação da violência como forma socialmente aceita de expressão. Podemos identificá-los em diferentes espaços da vida contemporânea, inclusive no sistema escolar.

Mesmo compreendendo não ser a escola uma mera reprodução em escala das relações estabelecidas de forma mais ampla em outros espaços da sociedade, admitindo a especificidade das relações neste lugar e considerando que a alteridade e formação de coletivos pode possibilitar rachaduras, brechas que viabilizem a circulação de ideias e práticas contra hegemônicas (defesa que faremos com mais profundidade adiante), são inegáveis as marcas de uma racionalidade que naturaliza a desigualdade e as relações de poder hierarquizadas, desconsiderando vínculos e dando margem a alternativas destrutivas dos sujeitos. A violência escolar, neste contexto, tem como um possível fator gerador a violência institucional, ancorada na estruturação da sociedade de classes e de exploração.

Neste sentido, caracterizamos como violenta não apenas a investida dos indivíduos que agem e reagem de forma hostil, que atentam contra a integridade física, moral e/ou psicológica do outro. Encontramos a violência também na forma sistematizada de controle e organização de uma sociedade que se pauta em princípios que legitimam a exclusão, segregam, alimentam a competitividade e desencorajam a produção de bens comuns. Este tipo de violência é praticado, dentre outras maneiras, por meio da gestão pública, quando esta se propõe a criar políticas que subtraem a humanidade dos indivíduos, em nome da preservação de indicadores econômicos.

Na rede pública de ensino do estado de São Paulo observou-se, durante o período da pandemia de Covid-19, a implementação de uma série de políticas educacionais que estão alinhadas com os ideais neoliberais e que acirraram a descaracterização da escola enquanto local de produção de conhecimentos, contribuindo assim para o processo de desumanização apontado por Freire (1996). Medidas que expressam uma visão de educadores e educandos que sejam adaptáveis às demandas, flexíveis ao que possa ser exigido do mercado de trabalho e dispostos a seguir tendências.

Nesta realidade, o acesso aos saberes sistematizados, bem como a promoção de amplo desenvolvimento físico e afetivo, aspectos necessários para a formação de uma identidade alicerçada nos pilares da cultura, da historicidade e subjetividade humanas, dão lugar a práticas esvaziadas de sentido que cada vez mais retiram da escola sua característica de lugar de encontro de culturas e produção de saberes. De maneira lamentavelmente coerente, as soluções apresentadas pelo governo do estado de São Paulo para as situações de violência enfrentadas no contexto escolar também têm sido pautadas pelos mesmos princípios neoliberais que as geram, afastando ainda mais a escola que temos daquela que acreditamos ser possível e aqui defendemos.

Formação na Efape3 sobre o Novo Ensino Médio (NEM). Nesse ano atabalhoado está sendo uma constante, se não me engano essa é a quarta. As pessoas já vão se reconhecendo e os comentários de canto se referem a qual será a presepada e indignação da vez. É quase consensual o despreparo e falta de pauta, pois até os organizadores do NEM estão deslocados e sem saber o que fazer. Para essa formação mudaram a metodologia: PEC4s (a nova sigla que virou motivo de piada entre todos, pois se referem a “PAC, POC, PEC, PCC”, demonstrando que as novas nomenclaturas pouco resolvem diante do abismo que estamos) iriam pra determinadas salas, e supervisores para outras - antes ficavam juntos por diretoria.

Separados, entre os supervisores, a conversa era sobre o “índice de perigo”, a ACG5 da diretoria. Isso porque sou de uma região que é classificada como 5, numa escala [em] que o pior número de violência é o 6. O curioso é que quanto maior o número, maior a violência e também maior é o valor que recebemos, pois estamos em risco. Não bastasse a exposição à violência, que evidentemente não pode ser compensada por algum dinheiro, o mais intrigante é que nossa situação como profissionais sempre pode piorar. Entre os supervisores, os de índice 5 - eu e outra supervisora - estávamos sendo vistos como privilegiados, pois recebíamos mais. Insistiam que “iríamos pagar o almoço”, já que “estávamos ficando ricos”.

Não sei se o adicional se tornou forma de alguns se contentarem com a violência, ou se acabará fazendo com que as outras diretorias pensem na piora dos conflitos entre eles, o que sei é do desconforto e indignação que senti durante as piadas, na recorrência delas, numa outra forma de violência ali legitimada, em forma de chacota, que ocupava o lugar de um debate sério e fundamental que em minha visão deveria acontecer, sobre questionarmos o que tudo isso significava pra realização do nosso trabalho e o impacto de uma violência que já está tão naturalizada que se institucionaliza em forma de política.

Indagado sobre os problemas da diretoria, talvez por terem percebido minha expressão de indignação diante da tônica dos comentários, mencionei que, basicamente, ocorrem todas as semanas e, muito frequentemente, ganham espaço nos noticiários, como o caso de uma estudante que deu uma estiletada no pescoço do professor, ou dos alunos adolescentes que doparam uma estudante, a estupraram e filmaram. Diante das narrativas desse cotidiano, surge um constrangimento, e todos silenciam.

No mais, a formação seguiu tão estranha como todo o resto, em mais um dia normal na estranheza da Seduc-SP6. (Gabriel, também autor deste texto, agosto de 2022).

As palavras de Gabriel, na escrita narrativa acima, convidam a pensar sobre os supostos recursos e estratégias de contenção da violência escolar adotados como política pública. A destinação de um auxílio financeiro aos educadores que atuam em regiões consideradas de maior risco e vulnerabilidade poderia servir, em primeira análise, como atrativo que contrabalanceia a dificuldade de lidar com uma comunidade onde as ocorrências são mais frequentes, evitando a constante troca ou falta de profissionais dispostos a trabalhar em tais localidades. No entanto, questionamos primeiramente a legitimidade de tal iniciativa para o combate efetivo da violência escolar, pois nos parece apenas uma forma de resolver um problema administrativo e silenciar os educadores que atuam nestas áreas, que talvez se sintam desencorajados a reivindicar melhores condições de trabalho para o combate à violência, já que recebem uma gratificação para “suportar” tal cenário.

Depois, também nos perguntamos, ao ler as palavras narradas, se medidas como esta não seriam mais uma forma de validar, institucionalizar e ampliar a violência, que ocorre tanto nas escolas quanto na relação entre as próprias educadoras ao lidar com as diferenças de remuneração e demandas de trabalho. Defendemos que o combate à violência escolar requer amplo investimento e deve ser realizado com a promoção de iniciativas que restituam à escola seu caráter formador, que confiram a todas as educadoras melhores condições de qualificação profissional e remuneração adequada às exigências da profissão, uma vez que o salário das professoras não é e nem pode ser parte de negociata pela conivência com uma situação insustentável como aquelas contidas no relato, e tantas outras que se conhece de perto.

Muito embora sejam conhecidas estas e outras iniciativas do governo estadual para tentar controlar os problemas de violência vivenciados na escola neste momento de retorno, essas ações assumem caráter paliativo, sustentado pela tentativa de conter o comportamento violento de forma individualizada, pensadas nos moldes do discurso empresarial, sem atuar diretamente nas causas que o geram, que sabemos serem da esfera coletiva, social e cultural. Recorrendo novamente a Freire (1996, 2001), entendemos que ainda se faz necessário afirmar a radicalidade do trabalho pedagógico orientado para a formação humanizadora:

O que temos a fazer é repor o ser humano que atua, que pensa, que fala, que sonha, que ama, que odeia, que cria e recria, que sabe e ignora, que se afirma e que se nega, que constrói e destrói, que é tanto o que herda quanto o que adquire, no centro de nossas preocupações. Restaurar assim a significação profunda da radicalidade (FREIRE, 2001, p.14).

Uma escola que se funda na radicalidade é aquela que compreende, na perspectiva por nós defendida, que a experiência educativa deva assegurar a apropriação e produção de conhecimento como imperativo pedagógico. Isso significa dizer que devem ser consideradas estratégias e alternativas que assegurem aos estudantes o acesso aos conteúdos historicamente produzidos pela humanidade e, também, que propiciem condições de desenvolvimento afetivo, físico e intelectual que possibilitem uma relação crítica e propositiva com estes saberes.

Ao longo de todo o período de ensino remoto emergencial, diferentes redes de pesquisa e coletivos de educadores propuseram ampla reflexão sobre a potencialidade do trabalho pedagógico colaborativo, das práticas que envolvem e convocam materialidade, emoções e cognição ao aprendizado, do privilégio de ocupar espaços e pertencer a lugares. Destacamos, neste sentido, os estudos de Furtado et al. (2022), Liberman et al. (2022), Sommerhalder, Pott e Rocca (2022) e Fialho e Neves (2022). Criou-se uma expectativa de que, na ocasião do retorno, estudantes e professoras não seriam os mesmos, e a instituição escolar também não o poderia ser. A escola se mostraria repaginada, tendo aprendido com as lições da pandemia. No entanto, o que encontramos foi uma escola ainda mais desprovida de sentido, que rompe com o seu papel social de espaço de construção de conhecimentos para vestir com ênfase ainda maior o discurso neoliberal de formação por habilidades e competências, uma alternativa que tenta padronizar, didatizar e transformar as relações interpessoais - e o modo como as elaboramos na esfera das emoções - em conteúdo replicável. Descaracterizam-se as relações, subtraem-se os conteúdos.

Neste sentido, discutir a violência na escola e tentar compreender as expressões da violência e seu significado no momento de retorno ao ensino presencial é também enfrentar a discussão do quão violenta tem sido a realidade escolar que nega aos sujeitos o seu direito por uma escola que se mostra como lugar (AUGÉ, 1994) de aprendizado, criação, acolhimento e desenvolvimento. As conduções recentes dos órgãos públicos evidenciam uma concepção teórica clara acerca da educação, o ensino, seus propósitos e meios, sobre os quais já falamos inicialmente e também em outras publicações (FERREIRA; BARBOSA, 2020). Soma-se a isso o aparente desconhecimento das reais condições de realização do trabalho pedagógico nas escolas, que sofrem principalmente com a falta de professores, mas também são reféns de iniciativas assistencialistas e/ou privatistas para manter o funcionamento básico de sua infraestrutura física e material.

Tais considerações levam-nos ao ponto de análise: a violência institucionalizada na escola é um fenômeno que não pode ser tratado como expressão momentânea e passageira. Assim como o ensino remoto trouxe a debate entraves já conhecidos, como a fragilidade da relação escola-comunidade e a força com que as desigualdades sociais se expressam dentro da escola, o aumento da violência escolar convidanos a jogar luz sobre um problema de grande urgência e convoca a pensar como podemos resgatar o sentido da escola para os estudantes e professores que a fazem.

Dizemos isso por compreender que a violência não pode ser reduzida a localidades, indivíduos ou grupos sociais; sua erradicação não ocorrerá por meio de estratégias punitivas ou reforçadoras individualizadas, pois a racionalidade violenta está fortemente instituída em nossa sociedade (a violência impera não apenas nas reações emocionais, mas também nas estruturas hierarquizadas de trabalho, nos domínios sobre corpos, nas práticas de lazer e entretenimento), é um problema coletivo de grande complexidade que exige repensarmos o modo como educamos e nos propomos a conviver social e coletivamente.

Toda relação de dominação, de exploração, de opressão já é, em si, violenta. Não importa que se faça através de meios drásticos ou não. [...] De modo geral, porém, quando o oprimido legitimamente se levanta contra o opressor, em quem identifica a opressão, é a ele que se chama de violento, de bárbaro, de desumano, de frio. É que, entre os incontáveis direitos que se admite a si, a consciência dominadora tem mais estes: o de definir a violência. O de caracterizá-la. O de localizá-la. E se este direito lhe assiste, com exclusividade, não será nela mesma que irá encontrar a violência. Não será a si própria que chamará de violenta. Na verdade, a violência do oprimido, ademais de ser mera resposta em que revela o intento de recuperar sua humanidade, é, no fundo, ainda, a lição que recebeu do opressor. Com ele, desde cedo, é que o oprimido aprende a torturar (FREIRE, 1983, p.62).

Sem a intenção de naturalizar a violência vivenciada nas escolas, reconhecendo que o aumento dos registros é significativo e convida à reflexão, enfatizamos aqui ser necessário esforço maior para compreender os sentidos da violência percebida e propagada neste momento, deslocando olhar das ações individuais e convidando a pensar como as relações de poder e dominação se acentuam de forma praticamente incontrolável na atualidade e se materializam nas políticas educacionais que expressam as disputas existentes na escola.

É preciso falar sobre o caráter formador e humanizador das relações vivenciadas na escola e do quanto assumimos que a educação deve propiciar o desenvolvimento humano em sua dimensão ética e estética, conforme Freire (2001) propõe ao defender a escola como instituição na qual é possível construir noções de coletividade e cooperação, onde se pode viver uma experiência democrática. Sabendo ser este um dos sentidos da existência da escola, entendemos também quão violenta é uma política pública que inviabiliza, “interdita, limita ou minimiza o direito das gentes, restringindolhes a cidadania ao negar educação para todos” (FREIRE, 2001 p. 20). Numa escola onde tudo falta e muito se enfatiza a suposta inaptidão dos que a fazem, nega-se a muitos o direito de uma experiência frutuosa e colaborativa, o reconhecimento da possibilidade de construção de afetos outros, de relações sadias e de desenvolvimento da responsabilidade e compromisso com a vida e o bem comum.

As políticas educacionais paulistas recentes e o fenômeno da violência escolar

Em “A produtividade da escola improdutiva”, publicado originalmente no final dos anos 1980, Frigotto (2001) já sinalizava que apesar de a ampliação do acesso à escola e a extensão dos anos de escolaridade serem resultado da luta da classe trabalhadora pelo direito à educação, também servia aos interesses do capital, sobretudo porque a escola estava organizada de forma a manter o saber sob o poder da hegemonia burguesa. Dessa forma, à medida que à classe trabalhadora vai sendo permitido acessar os níveis mais elevados de escolarização, empreende-se um processo crescente de desqualificação da educação oferecida, fazendo com que a escola torne-se mais produtiva para a manutenção das relações sociais de produção quanto mais “improdutiva” se tornar: “Na escola, a negação do acesso aos instrumentos que facultam a apropriação do saber e a própria visão deformada de formação profissional constituem-se numa disfuncionalidade necessária, uma ‘improdutividade produtiva’. A escola é funcional pelo que nega, e subtrai.” (FRIGOTTO, 2001, p. 209).

Mais de 30 anos após a publicação da primeira edição do texto de Frigotto, a educação na rede pública de ensino do estado de São Paulo parece traduzir para a realidade concreta aquilo que o texto mencionava. A maior rede pública de ensino do país cada vez mais se organiza de forma a reduzir a importância do conhecimento no currículo escolar, comprometendo-se a desenvolver nos estudantes competências socioemocionais e habilidades necessárias à vida em um mundo “em constante transformação”.

De acordo com Laval (2019, p. 41),

[...] são inúmeros os textos segundo os quais o ensino deve armar os estudantes com “competências de organização, comunicação, adaptabilidade, trabalho em equipe, resolução de problemas em contextos de incerteza”. A principal competência, a metacompetência, consistiria em “aprender a aprender” para enfrentar a incerteza alçada a exigência permanente da existência humana e da vida profissional. (LAVAL, 2019, p. 41, destaques do original).

Aliada à premissa de um ensino organizado por competências - à qual ainda caberia o questionamento de quais competências, e por quem foram escolhidas como desejáveis, e o que representam em relação à visão de mundo e de indivíduo que tais políticas expressam - temos que lidar com a descaracterização do papel do educador. Também alvo da mesma formação orientada por habilidades e competências, sua atuação tem sido reduzida a certo caráter de mera reprodução daquilo que não foi debatido, organizado nem pensado pela própria comunidade docente.

A narrativa de Gabriel, abaixo, convida-nos

a pensar esta relação:

Das formações que os PECs recebem na Efape, sempre somos incumbidos de replicar, no efeito cascata, ou, como prefiro, de descida, aquilo que “é passado” nos encontros. A ideia é simples: pegar o que nos foi apresentado em dois dias e sintetizar em um dia de encontro de formação com as coordenadoras.

O problema, nesse caso, residia em conseguir transformar dois dias de formação precária e pouco proveitosa em um dia inteiro de atividades, que justificasse a convocação dos profissionais. Ainda, por orientação, toda formação oferecida por nós deveria ter um caráter de ‘mão na massa’, mesmo quando o objetivo do encontro fosse a apropriação de informações ou o estudo compartilhado. Parece que a explicação não basta, e isso me incomoda bastante. Agora, uma formação inteira de atividades sem nenhuma explanação conceitual seria a cereja do bolo da falta de termos o que fazer.

Assim, vimos necessidade de repensar a proposta, adaptar o material e imprimir nossas características à formação, respeitando também os desafios vivenciados em nossa localidade. O fato é que era fim de semestre, as escolas estavam com um calendário extremamente apertado, com culminância das eletivas, apresentação dos itinerários formativos, fechamento de notas, atividades de recuperação, início do replanejamento, entre outras coisas. Pensávamos também se era uma boa ideia convocar as coordenadoras no meio de todo esse processo, e como fazer isso tentando não prejudicar a escola que já está prejudicada, dados os dois anos de pandemia e a reforma intensa do Ensino Médio, dentre tantos outros problemas que sabemos serem enfrentados cotidianamente.

Enfim, optamos em convocar para fazermos dois estudos de caso. Chegada a semana da formação, uma surpresa: a formadora que conduziria a formação pegou COVID e tive que assumir a formação inteira sozinho. Nessa aflição de conseguir dar conta, mexi no material, mudei a organização das dinâmicas, o que irritou a moça afastada. Ainda assim, a formação transcorreu bem. Os coordenadores indicaram como estão executando os aprofundamentos curriculares em suas escolas e sempre pautando que o maior problema, e que tem gerado mais confusão na rotina escolar, foi o aumento significativo de disciplinas e a falta de professores - citam, por exemplo, ‘os estudantes estão com quase vinte matérias, mas sem ter essas aulas, é uma quantidade absurda de informações, e desencontradas, pois os professores não sabem ainda como agir’.

Ao fim da formação, uma coordenadora comentou: ‘mesmo adorando a formação, eu não tenho para quem replicar tudo isso, pois na minha escola não tenho professores dos aprofundamentos’. Fiquei triste e inquieto: um dia inteiro de formação, que no plano concreto não servirá para nada na rotina da escola dessa pessoa. Quantas coisas poderíamos ter discutido, quanto debate profícuo poderia ser desenvolvido neste tempo, acerca das dificuldades que temos juntos vivenciado na escola? Desolado, conclui a formação sorrindo. (Gabriel, também autor deste texto, agosto de 2022).

A fragmentação, pulverização e reprodução também assolam o trabalho e a formação das professoras e precarizam ainda mais uma estrutura de escola que já sofre com as reformas arbitrárias e as dificuldades de um contexto político, social e econômico conturbado, como o que vivemos na atualidade. As ideias de simplificação e redução do conhecimento a meras instruções de um certo que fazer em sala de aula apartam a atividade intelectual do ofício docente e tentam convencer de que ensinar seria assumir o papel de multiplicadores, o que sabemos ser equivocado.

Com a segunda narrativa de Gabriel percebemos que, em todas as dimensões do trabalho pedagógico, o sentido da escola se altera: “[...] ela não é mais um lugar de assimilação e convívio com grandes narrativas onde se moldam caracteres estáveis para situações sociais bem definidas, mas um local de formação de caracteres adaptáveis às variações existenciais e profissionais em incessante movimento” (LAVAL, 2019, p. 48). Se dos estudantes foi retirado o sentido da escola, tornando-a um espaço oco no qual os anseios das crianças e adolescentes não frutificam e o conhecimento deixa de circular, deparamo-nos com realidade igualmente desafiadora (e desanimadora) quando voltamos o olhar para o trabalho das professoras, sobre as quais muitas vezes recaem injustamente a culpa do fracasso deste modelo de escola, sendo elas também parte de uma estrutura que pratica e reproduz violências difíceis de serem suportadas.

Como já discutimos há pouco, sabemos ser essa uma tendência mundial para a educação no estágio atual do capitalismo e entendemos que as reformas e designações políticas trazem ênfase no desenvolvimento de competências em âmbito nacional, como se observa no texto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). No entanto, voltamos olhar para o estado de São Paulo por entender que o governo tem sido exemplar na implementação dessa racionalidade na organização de sua rede de ensino por meio de parcerias com instituições do setor privado, tanto no que diz respeito às orientações curriculares para a Educação Básica, quanto na organização e condução do trabalho docente. O Programa Inova Educação, estabelecido pelo governo paulista em parceria com o Instituto Ayrton Senna, em 2019, é exemplo disso. Nesse programa, as competências socioemocionais assumem centralidade no currículo oficial, sobretudo por meio da instituição da disciplina “Projeto de Vida”, com duas aulas semanais. Mesmo com a pandemia de Covid-19 e o estabelecimento do ensino remoto, a implementação do Inova Educação prosseguiu, alterando a escola paulista. Goulart e Alencar (2021), ao analisarem o referido programa, destacam, com base nos documentos do Instituto Ayrton Senna, as competências a serem desenvolvidas:

[...] a perspectiva sobre CSE [competências socioemocionais] que é adotada no Programa Inova Educação é a formulação de cinco macrocompetências que organizam as dezessete competências socioemocionais a serem desenvolvidas. São elas: Autogestão (determinação, organização, foco, persistência e responsabilidade), Engajamento com os outros (iniciativa social, assertividade e entusiasmo), Amabilidade (empatia, respeito e confiança), Resiliência emocional (tolerância ao estresse, autoconfiança, tolerância à frustração) e Abertura ao novo (curiosidade para aprender, imaginação criativa e interesse artístico). (GOULART; ALENCAR, 2021, p. 352).

Ao analisarem atividades propostas pelo Instituto Ayrton Senna para trabalhar essas competências durante a pandemia, os autores destacam o caráter conformador das propostas que, com vistas a desenvolver a autogestão, intitulavam-se, por exemplo, “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima” e focavam nas atitudes de resiliência que os estudantes deveriam ter durante a pandemia (GOULART; ALEN- CAR, 2021, p. 358). Um programa que incentiva estudantes (que são crianças, adolescentes e jovens) a relativizar as dificuldades e privações enfrentadas, decorrentes de uma crise sanitária associada a uma econômica, agravada por um contexto político adverso, provoca, no mínimo, estranheza e preocupação. Estudantes esses que, muitas vezes, pertenciam aos grupos mais prejudicados pelo desemprego e pela precarização do trabalho intensificados durante o período pandêmico são convencidos a não se deixar abater e seguir sendo produtivos e úteis à sociedade. Sem saber lidar com o luto, a fome, a violência e a opressão que sofrem, voltamos à pergunta de Freire (1996): o que esperar de resposta quando tudo ao redor inspira e estimula a violência?

Somam-se a iniciativas de parceria com o setor privado outras medidas recentemente implementadas na rede estadual, como o Novo Ensino Médio (NEM), aprovado por meio de lei federal, n. 13.415 de 2017 que, na rede pública de ensino de São Paulo, também teve o início durante a pandemia. Essa lei promove a flexibilização do currículo do Ensino Médio que passa a ser formado por itinerários formativos pertencentes a diferentes áreas do conhecimento que, em tese, poderiam ser escolhidas pelos estudantes (BRASIL, 2017)7.

Como a lei 13.415/2017 previa que os sistemas de ensino poderiam adotar arranjos próprios para organizar os itinerários formativos a serem oferecidos, o estado de São Paulo ousou e adicionou ao pacote da reforma ainda mais novidades. Ao invés de oferecer itinerários formados pelos componentes curriculares tradicionais das áreas de conhecimento, como Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Química e outros, optou por criar onze itinerários (chamados de aprofundamentos curriculares)8 - fora as opções de itinerários técnicos - de caráter pragmático e utilitarista, que receberam nomes chamativos como “#SeLiganaMídia”, “Matemática Conectada” ou “Meu papel no desenvolvimento sustentável”. Cada um desses itinerários, por sua vez, é composto por Unidades Curriculares formadas por novos Componentes Curriculares que congregam conhecimentos de mais de uma disciplina; por exemplo, “Laboratório de produção jornalística”, “Aspectos socioculturais da Alimentação”, “Observatório de redes sociais”, “Conexão empreendedora”, “Como se tornar um resolvedor de problemas” etc. Foi durante o período de ensino remoto que os estudantes da rede estadual de ensino de São Paulo foram chamados a optar por esses itinerários formativos sem oportunidade de discuti-los ou de compreender o tamanho das mudanças que tal reforma traria.

Na rede paulista, os estudantes permaneceram em ensino remoto entre março de 2020 e agosto de 2021. A partir de setembro de 2021 as aulas presenciais passaram a ser retomadas, inicialmente em forma de rodízio e, em outubro, para todos os estudantes. Com as mudanças descritas acima, a escola que os estudantes encontraram ao retornar não era a mesma da qual haviam saído em março de 2020, nem a escola que esperávamos ter sido possível construir após as reflexões possibilitadas durante a pandemia, mas era uma escola que, além da já conhecida falta de recursos e infraestrutura adequada, deixava evidente o rebaixamento da formação oferecida. Ademais, essa não parece ser a escola que os estudantes almejam, como mostrou a pesquisa de Raab e Barbosa (2019) que, ao analisar como os estudantes da rede estadual paulista compreendiam a função da escola, apontou que eles esperavam ter acesso ao conhecimento que os preparasse para o mundo do trabalho e para uma formação mais ampla, ou ainda a pesquisa de Catini e Mello (2016) que, ao tratar do movimento de ocupação das escolas paulistas pelos estudantes em 2015, sinalizou que, embora deixassem clara sua insatisfação com a forma de ensino normalmente adotada nas escolas paulistas, os estudantes reivindicavam formação de boa qualidade.

É neste contexto que observamos com muita preocupação, mas não com surpresa, um crescente aumento das situações de violência nas escolas, que foram notícia em diversos veículos da mídia. Em uma coletiva de imprensa que tratou de competências socioemocionais, realizada em maio de 2021, a Seduc divulgou dados levantados pelo Instituto Ayrton Senna em 2019 ao mapear o desenvolvimento socioemocional dos estudantes e destacou o papel de tais competências como estratégias para melhorar o desempenho escolar, reduzir a evasão, melhorar a saúde mental dos estudantes e reduzir a violência nas escolas, ressaltando que, em função da pandemia, esses pontos necessitariam de ainda mais atenção (SÃO PAULO, 2021).

No pacote de programas destinados ao enfrentamento da violência escolar figura o Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar (Conviva-SP), criado pela Resolução n. 48 de 2019 (SÃO PAULO, 2019a). Desde sua criação, esse programa engloba ações como pesquisa de clima escolar, atribuição de aulas para a função de Professores Orientadores de Convivência (POC), criação do Programa Psicólogos na Educação em parceria com a Startup Psicologia Viva, que prevê atendimentos para professores e alunos, instalação de câmeras de segurança nas escolas, Programa Escola + Segura, em parceria com a Polícia Militar, e criação da Plataforma Conviva (Placon) onde devem ser registrados os dados de violência escolar.

Câmeras, vigilância, sanções, registros de ocorrências. Ações que buscam lidar com os conflitos vivenciados pelos alunos quando estes já estão instalados ou na iminência de acontecerem, sem qualquer possibilidade de intervenção no contexto escolar de forma a evitar que as situações de violência se desenvolvam. São iniciativas pautadas pela tentativa de conter ações e reações manifestas, ou mesmo de coibir a reincidência de atitudes não compatíveis com as esperadas de um estudante no espaço escolar.

Já o Programa Psicólogos na Educação que, resguardadas todas as ressalvas cabíveis, poderia configurar uma forma de oferecer suporte psicológico, também acabou tendo pouco impacto no cotidiano escolar e assumindo função paliativa, pois a parceria prevê que o atendimento dos estudantes das mais de 5 mil escolas paulistas seja feito no modelo de terapia breve, que objetiva apenas lidar com os episódios pontuais que geraram problemas na convivência escolar, sendo que na maioria das vezes esses atendimentos se dão de forma remota ou coletivamente, o que dificulta a formação de vínculo entre os estudantes e o profissional e novamente reduz a experiência da violência ao indivíduo.

Dessa forma, resta o controle e o registro dos casos conflituosos, como forma de transferência da responsabilidade dos casos de violência para órgãos ou autoridades externos à escola e à própria educação. Os registros têm um caráter simbólico maior do que a ocorrência em si, pois são dados compartilhados com a Secretaria de Segurança Pública e que podem ser acessados e compartilhados por mais pessoas do que a comunidade envolvida nos episódios, o que de certa forma transforma toda e qualquer ocorrência escolar em possível “caso de polícia”, se a SSP assim o desejasse / quando quisesse. Há uma inferência de que os estudantes deveriam ser mais temerosos ao registro e, consequentemente, a uma ação de força.

Segundo Comunicado Conviva-SP de 24/10/2019, que tratou da inserção de dados de violência na Placon, “[...] o responsável na Unidade Escolar deverá acessar o Sistema diariamente, seja para o registro das ocorrências diárias, seja para a informação da inexistência de ocorrências” (SÃO PAULO, 2019b). Tais medidas podem tornar mais visíveis os entraves cotidianos, como mostraremos logo abaixo, mas não parecem ter efetividade como estratégia de contenção da violência. Na plataforma há 7 tipos de ocorrências que se desdobram em outros, conforme Figura 1 (abaixo):

Fonte: São Paulo (2019b).

Figura 1 Tipos de ocorrências que podem ser registradas na Placon. 

Dados disponibilizados pela Seduc via Sistema de Informação ao Cidadão (SIC)9 evidenciam o crescimento dos registros de ocorrência na Placon desde o retorno presencial às aulas até o mês de março de 2022:

Tabela 1 Registros de ocorrências na Placon de agosto de 2021 a março de 2022 

NATUREZA DA OCORRÊNCIA AGO/2020 ATÉ DEZ/2020 JAN/2021 ATÉ DEZ/2021 JAN/2022 ATÉ MAR/2022
Bullying/humilhação sistemática 14 334 368
Discriminação 20 191 184
Violência autoinfligida 16 179 110
Episódios de indisciplina recorrente 144 7735 7869
Saída injustificada de atividade pedagógica/sala de aula 5 2557 3401
Utilização indevida de aparelhos eletrônicos 98 876 894
Sinais de alerta comportamentais (Demandam cuidado) 99 589 311
Ausência não autorizada pelos pais e/ou responsáveis 2 98 84

Fonte: Elaboração própria, com base nos dados fornecidos pela Seduc via SIC (Prot. SIC-SP n.45465223001).

É possível considerar que essas ocorrências sejam muito mais frequentes, posto que a despeito da obrigatoriedade de a gestão escolar registrar diariamente a existência ou não de ocorrências desse tipo, sabemos que isso nem sempre é cumprido pelas escolas por conta do grande número de demandas do trabalho cotidiano ou por dificuldades na utilização da plataforma. Importa observar que os números do primeiro trimestre de 2022 equivalem ou superam, em todos os tópicos, os registros acumulados ao longo de todo o ano de 2021.

Como já apontamos, entendemos que esse fenômeno seja, pelo menos em parte, reflexo da perda de sentido da escola para as crianças, adolescentes e jovens. Mendonça (2011) sinaliza que embora os estudantes reconheçam o papel da escola na transmissão de conhecimentos, não identificam na escola atual o cumprimento desse papel, ou seja, os estudantes “apreendem o significado social da instituição, porém não o veem presente diretamente em suas vidas, não lhe atribuem sentido” (MENDONÇA, 2011, p. 351). Assim reafirmamos que as políticas educacionais recentemente implementadas no Brasil, sobretudo no estado de São Paulo, parecem aumentar essa sensação de perda de sentido, posto que tornam ainda mais evidente o distanciamento do significado social da escola enquanto local de produção de conhecimentos.

Restituir o sentido da escola

No início desta escrita defendemos que as expressões da violência na escola são um fragmento do modo como temos nos relacionado socialmente, fortemente marcado por uma concepção de sociedade pautada no individualismo e na desumanização. Na atualidade as situações de violência acentuam-se ao considerarmos o quanto esta tem sido valorizada e amplamente reforçada no processo de implementação de políticas públicas para a educação. É forte o argumento de ser necessário e legítimo que os indivíduos saibam usar e administrar a violência como forma de proteção (não apenas de sua integridade, mas também de suas posses). Contestamos tal premissa entendendo que este discurso tem sido utilizado de forma conveniente para validar as ações de hostilização e segregação daqueles que pertencem a grupos marginalizados e periféricos, a quem os espaços de interlocução, diálogo e formação são por vezes negados. Neste sentido, concordamos com Paulo Freire, quando este defende que a violência é sempre uma ação que busca a negação do outro, sua posse e o estabelecimento do poder sobre o outro. É atitude acrítica, sectária, castradora. Ainda, indaga: “Que ética é essa que só vale quando a ser aplicada em favor de mim? Que estranha maneira é essa de fazer História, de ensinar Democracia, espancando os diferentes para, em nome da Democracia, continuar gozando da liberdade de espancar?” (FREIRE, 1983, p. 33).

Apontamos, ainda, o quanto as políticas públicas implementadas nos últimos anos no estado de São Paulo contribuíram para o esvaziamento do sentido da escola e para a descaracterização deste espaço como lugar de pertença, o que entendemos favorecer significativamente o empobrecimento das relações e o aumento da violência escolar em suas várias facetas. Enfatizamos também que as tratativas em relação ao tema são paliativas, buscam apenas conter os indivíduos, coibir a reincidência e tendem a responsabilizar e sobrecarregar os profissionais da educação, provocando outras formas de violentar. Neste sentido, ainda, é necessário registrar as limitações de atuação impostas por uma infraestrutura precarizada que sofre com a falta de profissionais e recursos. As dificuldades enfrentadas não podem de forma alguma serem reduzidas à ideia de simples despreparo ou falta de vontade das educadoras, pois as expressões da violência vivenciada na escola e aqui narradas / registradas denunciam um sistema que produz, reproduz e legitima a violência como forma de controle, exclusão e justificativa para o insucesso da educação pública.

Fica evidente, pelas narrativas e pelos índices apresentados, que há maior dificuldade para lidar com conflitos entre estudantes, professores e demais membros da comunidade escolar no momento de retorno às atividades presenciais, após os anos de interrupção da convivência comunitária em decorrência do ensino remoto emergencial. Junto à pandemia e ao conjunto de ações para sua contenção, vivemos uma crise política e econômica. Não podemos negligenciar a influência da fome, da insegurança, dos discursos de ódio e da incerteza sobre o comportamento dos sujeitos. Por isso, apontamos para o agravamento de uma situação que já era prevista e sinalizada pela comunidade acadêmica e de educadores desde o início da pandemia da COVID-19, pelo despreparo dos órgãos públicos na elaboração de protocolos que oferecessem subsídios aos educadores para acolher e lidar com as dificuldades dos estudantes, ao mesmo tempo em que pudessem estes serem também acolhidos em suas dificuldades pessoais e profissionais. No entanto, a constatação dos limites e contornos da violência escolar não é suficiente e não significa que devemos nos retirar do debate ou ainda que possamos generalizar a violência a tal ponto que nada seja específico das vivências da escola. Num espaço potencialmente democrático (mesmo que nem sempre a experiência escolar realmente o seja), de convivência entre pares, por vezes são experimentadas liberdades e encontros não possibilitados em outros lugares da vida social. A convivência com o diferente, a confrontação de ideias e valores acontece na escola de forma muito intensa, o que faz colocar em xeque o modo como reagimos a e lidamos com o conflito.

Concordamos com Freire (1996, p. 53) quando este defende que “o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros”. Assim, cabe assumir que é também tarefa da escola lidar coletivamente com a formação para a convivência, de modo a acolher dificuldades e conflitos como parte da vida humana, rejeitando ao mesmo tempo a violência como resposta válida e buscando construir outras formas de relação e linguagem.

A terceira narrativa de Gabriel convoca-nos à reflexão sobre práticas humanizadoras (e por isso transgressoras) que permitem aos estudantes recobrar o sentido da escola como lugar de pertença e como espaço de produção de conhecimento. Num cotidiano marcado pela violência generalizada, fazeres ordinários parecem lembrar que é possível acreditar:

Fui bem recebido numa visita à escola. A estrutura era pequena, toda feita de tijolos, estava ornamentada com bandeirolas para a festa junina. Os estudantes passavam de um lado para outro organizando o que fariam. Fui acomodado na sala de leitura, espaço pequeno, que mal comportaria uma classe inteira. Ali receberia os estudantes do grêmio e as coordenadoras, para uma conversa. O clima era extremamente acolhedor, talvez por ser sexta-feira, talvez por ser a cara da escola, o fato é que me senti bem por lá.

Na conversa com o grêmio, o grupo de alunos registra preocupação com o aumento da violência entre estudantes nos últimos meses, do quanto brigas estão acontecendo sem uma razão aparente: ‘às vezes só da forma que um olha pro outro já começa a confusão’, comenta uma aluna. Outro brinca: ‘já brigaram até por causa de abacaxi’ e todos que estavam ali riram da situação.

Uma das coordenadoras ainda não estava. Depois, em conversa, ela trouxe também o episódio do abacaxi e contou a história: ‘a briga generalizada foi no intervalo. Na merenda tinha abacaxi, mas não deu para distribuir para todos os alunos. Por conta disso, saíram brigando entre eles. Você sabe, não é todo dia que esses alunos comem uma fruta diferente. Aliás, já teve um grupo de alunos que vieram pedir para não dar ovo, pois ovo eles comem em casa’.

Ouvi cada relato, mas não sei se consegui de imediato digerir tudo. Mesmo sendo professor em um bairro periférico, e mesmo passando por diversas agruras financeiras, nunca estive numa situação a ponto de compreender a necessidade real dos estudantes. Nesse aspecto, sempre me pergunto: o que pode a empatia, o se colocar no lugar do outro? Auxilia a tentar imaginar o universo deles, mas estar nele é algo de uma outra natureza que me escapa e sempre me deixa atônito.

Ao fim do dia, comentei com os estudantes e coordenadoras que, apesar dos conflitos relatados, eu enxerguei outras coisas ali, e saí da escola com um sentimento de acolhimento e esperança, sobretudo, pelo carinho com que falavam da instituição. Essa foi uma das poucas escolas que visitei que as pessoas se mantinham acreditando na educação e na escola. (Gabriel, também autor deste texto, agosto de 2022).

Assim como defendido por Certeau (2003), são os afazeres mais simples, e por isso não prescritos nem controláveis pelas políticas e programas, que se configuram como importantes ações de resistência da classe trabalhadora: pendurar bandeirolas, organizar uma festa, limpar as mesas do refeitório, ter tempo para conversar, fazer amizades, habitar os espaços, observar, caminhar. Estes movimentos ordinários devem ser tomados como manifestação de uma cultura que é própria, crítica e resistente à massificação, por isso mantêm a vida e a humanidade no espaço da escola e relembram que apesar de todos os condicionantes, é possível criar meios de subverter a ordem vigente e de produzir sentidos, criar memórias e manter a esperança ativa e crítica.

Entre a disputa por abacaxis e o clima de cooperação da festa junina, encontramos tensões e dificuldades, mas também colaboração e alegrias da escola (SNYDERS, 1993). A busca pelo restabelecimento de uma educação que faça sentido aos estudantes e professoras passa, necessariamente, pelo reconhecimento dessas contradições e pela consciência de que há fortes condicionantes que pretendem convencer que nada podemos contra a cultura e ideologia hegemônica, assim como há possibilidades a serem gestadas e incentivadas nos encontros e na valorização da experiência humana, conforme aponta Freire (1996):

A ideologia fatalista insiste em nos tentar convencer de que nada podemos contra a realidade que, de histórica e cultural, passa a ser “quase natural”. Não tenho raiva de quem pensa assim. Lamento apenas sua posição: a de quem perdeu seu endereço na história. [...] Meu papel no mundo não é só de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Constatando, nos tornamos capazes de intervir na realidade (FREIRE, 1996, p. 77).

Entendemos que o enfrentamento da violência escolar passa, necessariamente, pelo reconhecimento e valorização dos fazeres coletivos, da cultura local que possibilita à comunidade o sentimento de pertença. Também defendemos a necessidade de uma escola que se faça lugar de circulação, apropriação e produção de conhecimento, de modo que ofereça aos estudantes subsídios para um aprendizado efetivo, aliado ao amplo desenvolvimento e à ampliação da consciência de sua condição no mundo. Isso só é possível de ser alcançado se aliarmos a insistência em práticas cotidianas não massificadoras com a elaboração de políticas públicas que fortaleçam e subsidiem o modelo de escola que defendemos.

Para tanto, faz-se necessária a defesa da Educação como ciência da humanidade e campo de conhecimento que tem seus objetivos, metodologias e finalidades diferentes daqueles da racionalidade econômica naturalizada pelo neoliberalismo. Concordando com Freire (1983), também ressaltamos a importância de um modelo educativo que se funde na realidade, nos desejos e na historicidade de nossa cultura e de nosso povo. Que, com isso, seja possibilitado aos estudantes nutrir esperanças num futuro melhor, assim como se reconhecer criticamente na própria história, de modo a serem capazes de enxergar além dos ciclos de violência e opressão.

Considerações finais

Considerar o agravamento do cenário da violência pelo isolamento social, o ensino remoto emergencial e o atravessamento da pandemia, no contexto da crise econômica e política que atualmente vivenciamos, marcada pelos altos índices de desemprego e inflação, assim como o aumento expressivo de brasileiros que voltam a ocupar lugar no mapa da fome, remete à ideia de que o aumento da violência escolar e os problemas nas relações são alguns dos muitos prejuízos com os quais temos que lidar. No entanto, as narrativas denunciam que os problemas vivenciados na escola não são novos nem parecem passageiros. Decorrem, principalmente, das condições estruturais da escola e da própria organização social capitalista, pautada na meritocracia, na competição e na falácia do discurso da eficiência, que apenas reforça o oferecimento de soluções simples para problemas complexos.

Neste sentido, o caso da rede pública de ensino do estado de São Paulo é exemplar uma vez que tanto a análise das políticas recentes implementadas nessa rede, quanto a análise dos relatos aqui apresentados, evidenciam um processo de precarização da formação oferecida aos estudantes que contribui para o esvaziamento do sentido da escola e, consequentemente, colabora com o aumento da violência escolar que, por sua vez, busca-se combater com ações que nem de longe alcançam as causas do problema.

No entanto, sabemos que há muito mais a ser vivenciado e construído nas escolas, além da legitimação de um ciclo ausências, negação e violência. Experiências exitosas de resistência também têm sido testemunhadas e precisam ser partilhadas como forma de restabelecermos a crença numa escola possível, em relações saudáveis de respeito e aprendizado. Reconhecemos nas práticas de diálogo, trabalho coletivo e fortalecimento da cultura local, possibilidades transgressoras da lógica violenta e excludente.

1 Durante o período de março de 2020 a outubro de 2021, a rede estadual de educação de São Paulo ofertou atividades de ensino remoto, em caráter emergencial, como uma das medidas de isolamento e distanciamento social para a contenção da epidemia da Covid-19. Tal período foi marcado pelas dificuldades das professoras em organizar o trabalho pedagógico e manter o contato com os estudantes, sem que houvesse preparo prévio nem oferta de condições mínimas para o desenvolvimento de seu ofício.

2 Fazemos referência à classe docente no feminino por serem as mulheres maioria no exercício da profissão.

3 Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de São Paulo.

4 Professor Especialista em Currículo. Nomenclatura atualizada com a promulgação da Lei Complementar nº 1.374/22, que institui novos parâmetros para a carreira do magistério.

5 Auxílio de Complexidade de Gestão, regulamentado na Resolução 45/2022.

6 Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

7 Tal reforma também aconteceu na proposta curricular do estado, que foi o primeiro da federação a adaptá-lo para a proposta do NEM.

8 Os onze itinerários criados na rede pública de ensino do estado de São Paulo podem ser consultados no link: https://novoensinomedio.educacao.sp.gov.br (Acesso em: 23 dez. 2022).

9 Os dados foram obtidos via solicitação online junto ao Serviço de Informação ao Cidadão (SIC) do estado de São Paulo no link http://www.sic.sp.gov.br/.

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Recebido: 15 de Setembro de 2022; Aceito: 19 de Dezembro de 2022

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Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade São Francisco. E-mail: haddad.nana@gmail.com

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Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. E-mail: andrezab27@gmail.com

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Doutorando e mestre pela Universidade Federal de São Paulo. Coordenador de Organização Escolar (COE) na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: gabrielmbarros@uol.com.br

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