Introdução
As classes dominantes têm se utilizado de diferentes estratégias para impor às classes subalternas o seu projeto societário por meio das ações de hegemonia produzidas pelas Fundações, pelos Institutos e pelas Organizações Sociais empresariais, compreendidos, nesta pesquisa, por Aparelhos Privados de Hegemonia Empresariais (APHEs), a partir dos estudos gramscianos. No campo da educação, a Fundação Lemann é o principal APHE no papel diretivo e formador do consenso, visto que as outras organizações cumprem funções complementares e especializadas. A atuação dos APHEs e dos empresários na educação pública e o processo de ampliação seletiva do Estado não são fenômenos recentes; todavia, as pesquisas concluídas e em curso demonstram o aprofundamento desse fenômeno, no final do século XX e início do XXI, sob várias estratégias (FONTES, 2010). A identificação dessas estratégias e a sua análise são um problema a ser enfrentado, tendo por base a ideia de Estado como a relação social que expressa os distintos interesses das classes e suas frações de classes. Nesta pesquisa, a análise incide sob a sociedade civil na perspectiva da direção de representantes das frações empresariais burguesas (capital industrial, bancário, financeiro, agrário) que ocupam as instâncias dos aparelhos do Estado sem terem de submeter-se aos mecanismos democráticos do sufrágio, tampouco do controle social.
A sociedade civil, em Gramsci (2001), é terreno de disputas de interesses e, ao mesmo tempo, de generalização das vontades particulares burguesas, estrategicamente impostas por meio do convencimento e das práticas de dominação oriundos dos aparelhos privados de hegemonia que são a
[...] vertebração da sociedade civil, e se constituem das instâncias associativas que, formalmente distintas da organização das empresas e das instituições estatais, apresentam-se como associatividade voluntária sob inúmeros formatos. Clubes, partido, jornais, revistas, igrejas, entidades as mais diversas se implantam ou se reconfiguram a partir da própria complexificação da vida urbana capitalista e dos múltiplos sofrimentos, possibilidades e embates que dela derivam. Não são homogêneos em sua composição e se apresentam muitas vezes como totalmente descolados da organização econômica-política da vida social. (FONTES, 2010, p. 133-134).
A autora argumenta que, ainda que se apresentem como desprovidos de comprometimento com interesses de um determinado segmento de classe e apartidários, por exemplo, como será visto em várias descrições de organizações empresariais ao longo deste artigo, os APHEs, na compreensão de Fontes (2010, p. 134), “[...] são formas organizativas que remetem às formas de produção econômica (a infraestrutura) e política (o Estado), embora sua atuação seja eminentemente cultural”. Como explica Gramsci (2001):
Por enquanto, podem-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto dos organismos designados vulgarmente como “privados”) e o da “sociedade política ou Estado”, planos que correspondem, respectivamente, à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo “jurídico”. Estas funções são precisamente organizativas e conectivas. Os intelectuais são os “prepostos” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político. (GRAMSCI, 2001, p. 20-21).
A análise das organizações e dos intelectuais no âmbito da sociedade civil como espaço de luta de classes - portanto de disputa de projetos antagônicos de intra e inter aparelhos privados de hegemonia e contra-hegemonia - é, pois, condição relevante para a atuação prático-transformadora, e, no âmbito das pesquisa, condição para a identificação dos intelectuais orgânicos que integram as organizações, as frações de classe que os representam, e os projetos que estão disputando junto ao Estado restrito, o que permite identificar a unidade, a distinção e a inter-relação entre sociedade política e sociedade civil.
Aspectos teórico-metodológicos da pesquisa
Este artigo tem como objetivos explicar a intervenção direta e indireta dos APHEs no planejamento e na implementação das políticas educacionais municipais e estaduais e expor o funcionamento institucional dos APHEs na seleção de pessoas para a gestão pública educacional para cargos comissionados de alto escalão a partir de três experiências paranaenses.
A pesquisa parte da ideia do Conglomerado de APHEs Lemann e sócios construída por Farias (2021) no estudo acerca de “Institutos, Fundações e Organizações empresariais burguesas na gestão da educação pública” e na sequência dos estudos com o “Empresariamento da Educação Pública no Brasil e no estado do Paraná”1. Neste trabalho, a análise concentra-se em três experiências paranaenses de seleção de gestores públicos realizadas no período de 2016 a 2019, denominadas pelos proponentes de “seleção pública”, “pré-seleção” e “credenciamento” para cargos comissionados na gestão pública educacional, quais sejam: cargo de secretário de educação do município de Londrina, de secretário regional de educação do Consórcio de Desenvolvimento e Inovação do Norte do Paraná (Codinorp) e dos 32 chefes dos Núcleos Regionais de Educação da Secretaria de Estado da Educação e Esportes do Paraná (SEED).
O estudo fundamenta-se nas categorias marxianas do materialismo histórico e dialético, referência teórico-metodológica para a interpretação da realidade em busca da Totalidade, central para o constructo teórico gramsciano. Apoia-se no conceito de Estado Ampliado como conceito gramsciano e como ferramenta metodológica construída por Sônia Regina de Mendonça (MENDONÇA, 1998; MENDONÇA; LAMOSA, 2018). A autora entende que a despeito da matriz liberal simplificadora da concepção de Estado, o essencial para a análise de uma política pública é compreendê-la como “[...] produto e/ou resultado do embate entre forças/grupos sociais diversos, em disputa pela inscrição de seus projetos - visões de mundo - específicos junto a aparelhos do Estado em seu sentido estrito” (MENDONÇA, 1998, p. 24).
O percurso metodológico inspira-se no referencial exposto e inicia com a identificação do funcionamento institucional, isto é: a caracterização geral dos principais APHEs responsáveis pela direção (Vetor Brasil, Fundação Lemann, Instituto República.org, Fundação BRAVA, Instituto Humanize, Grupo de Institutos, Fundações e Empresas - Gife) e pela execução (Vetor Brasil, Publix e parceiros das três experiências) de processos de atração e de seleção de pessoas para a gestão pública; a identificação e a descrição das principais linhas de ação e o funcionamento geral dos projetos e dos programas vinculados ao processo de seleção (Programa Líderes de Gestão Pública, Programas Formar, Programa Aliança/Vamos Transformar Lideranças no Setor Público e Terceiro Setor e o Projeto Gestão de Pessoas no Setor Público); do perfil2 sócio-político e cultural dos principais intelectuais orgânicos dirigentes e operacionais em suas distintas funções nas organizações (direção, direção executiva, coordenação de projetos) e nos aparelhos do Estado responsáveis pelos acordos jurídicos e políticos (prefeitos, secretários, agentes públicos, parlamentares, pesquisadores, empresários) e dos prepostos empresariais (secretários, chefes dos Núcleos Regionais de Educação - NRE e estagiários).
A descrição das experiências é realizada com base na leitura e na interpretação dos Editais de Chamamento e sítios eletrônicos para extração das formas contratuais estabelecidas entre os APHEs e o poder público, fulcrais para compreender a similitude entre os marcos regulatórios e os protocolos instrumentais para a seleção, assim como a definição dos critérios, dos instrumentos e das etapas da avaliação. As matérias jornalísticas confirmam e ou acrescentam informações que não estão presentes nos documentos consultados, além de importante veículo para a análise da divulgação da propaganda ideológica das organizações e do poder público. Nessa fase, trata-se de extensiva leitura e análise documental, em síntese: leis, resoluções, decretos, pareceres, memorandos, editais de chamamento, editais de pré-seleção, estatutos, acordo de cooperação técnica, termos de convênios, atas, relatórios, guias, matérias jornalísticas e publicações dos APHEs em sítios eletrônicos das instituições, todos referencializados ao final do texto.
No início do século XXI, tem se constituído, sob novas formas e velhas ideias, um campo pedagógico prioritário dos empresários para a dominação burguesa (NEVES, 2005). A ofensiva da “nova direita” estudada por Casimiro (2018) dentro e fora do país, apoiada na defesa das ideias liberais do livre mercado associada ao ultraconservadorismo, por meio dos APHEs empresarias, tem convencido as classes trabalhadoras das suas concepções particulares de mundo, de ser humano, das relações de trabalho e de educação. O modelo ideal de educação empresarial encontrou nas contrarreformas educacionais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e das Diretrizes Curriculares Nacionais e Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação) para a formação dos cursos de licenciatura, a resposta/tensionamento à resistência da dominação que os trabalhadores e as trabalhadoras da educação e as organizações sociais e populares contra-hegemônicas construíram ao longo da história educacional brasileira (ANDRADE; MOTTA, 2020).
O Estado político é disputado diretamente pela “nova direita”, que tem a fração empresarial representada na administração dos governos municipal, estadual e federal, neste último ainda que com um governo de coalização (2003-2016), como aponta Casimiro (2018).
A participação da burguesia empresarial no Estado restrito, além do sufrágio, faz-se de outras formas, utilizando-se da introdução de representantes empresariais na administração direta do poder público, em vários postos de trabalho ou de cargos (secretarias, diretorias, coordenações e chefias). Estes, como contrapartida, implementam o projeto estratégico empresarial educacional que inclui o fornecimento “gratuito” e/ou a venda de serviços e de produtos, viabilizada pela trama de influências constituída em torno e a partir dos APHEs.
Contam com a articulação e a chancela política legislativa das frentes parlamentares e jurídicas, considerando o Marco Regulatório para as Organizações Sociais (MROSC) sem fins lucrativos, que flexibilizou as relações de parceria entre poder público e organizações da sociedade civil, facilitando a privatização dos serviços. O Termo de Cooperação constitui-se no principal instrumento jurídico utilizado para firmar os acordos com o poder público (FARIAS, 2021). O poder público, para os empresários, ganha destaque entre seus clientes, isto é, mercado em expansão para novos negócios, considerando que as redes públicas de ensino, por sua vez, oferecem condições de reprodução em escala de produtos e de serviços, processo analisado por Motta e Andrade (2020) como processo de mercantilização e mercadorização da educação pública.
Importante historicizar brevemente o emprego do termo gestão no campo educacional para diferenciá-lo da apropriação do significado empresarial gerencialista (BRESSER-PEREIRA, 2015). O termo “gestão” foi empregado pelos movimentos contra-hegemônicos dos trabalhadores da educação no final dos anos de 1970 e início de 1980, para relacioná-lo à defesa da democratização da escola pública e da ampliação da participação social nas diversas instâncias de gestão dos sistemas de ensino. Na lista de reivindicações, a defesa da educação pública de qualidade incluía a qualidade de ensino associada às condições do trabalho docente. O conceito de gestão, nesse contexto, opõe-se ao de administração que traduzia a despolitização do espaço escolar emplacada pelo modelo autoritário, centralizador e tecnicista dos governos militares-empresariais de 1964 (HELOANI, 2018; OLIVEIRA; FÉLIX, 2002; PARO, 1997).
A reforma do Estado dos anos de 1990, no Brasil, implementada pelo governo Fernando Henrique Cardoso - FHC (1995-2002), para atender às exigências da reestruturação produtiva e ao alinhamento aos ordenamentos dos organismos internacionais, incorporou à gestão educacional a perspectiva empresarial de adesão às teorias pós-fordistas de administração gerencialista e de qualidade total. Isso significa contrapor a educação como formação humana, amparada nos princípios democráticos por meio da participação efetiva da comunidade escolar. Ainda que os princípios da gestão democrática, presentes na Constituição de 1988 e, mais tarde, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, sinalizassem parte da pauta dos movimentos sociais e populares docentes em defesa da escola pública, a gestão democrática foi reduzida, com força nas ações implementadas pela administração pública de FHC, à autonomia relativa da direção escolar na captação de recursos financeiros junto à denominada sociedade civil, para cobrir a lacuna deixada pelo Estado mínimo, em consonância com o ideário neoliberal.
O pensamento hegemônico empresarial, representado pelos prepostos empresariais, nos Ministérios, nos Conselhos e nas Secretarias de Educação, sob bases teóricas liberais, difunde a concepção da empresa como a principal organização social, cujo modelo administrativo ideal deve ser transposto à organização escolar, reduzindo o ser humano a serviço da empresa - evidentemente, no plano do livre mercado, sem a interferência do Estado para que a livre concorrência se encarregue de equalizar a oferta de educação de qualidade em atendimento às necessidades do capital (FREITAS, 2018).
No mesmo ritmo de crescimento do capital financeiro no mercado internacional, cresce o número de APHEs empresariais, na disputa pela hegemonia na aprovação das políticas educacionais. No campo de disputas, o Conglomerado de APHEs Lemann e sócios, com destaque para a Fundação Lemann, exerceu e continua exercendo liderança/direção no plano estratégico do Movimento Todos pela Educação e nas Frentes Móveis de Ação, tais como o Movimento Pessoas à Frente (FARIAS, 2022). O Movimento é uma das principais Frentes de alinhamento das pautas que concernem à administração pública por meio da proposição de reformas e alteração nos marcos regulatórios. Dentre elas, a defesa da Lei Nº 14.204, aprovada em 16 de setembro de 2021 (BRASIL, 2021a) com vetos presidenciais. A proposta inicial (Medida Provisória (MP) Nº 1.042, de 14 de abril de 2021) continha a institucionalização dos processos de pré-seleção por competências, focados em experiência (BRASIL, 2021b). O Guia de Seleção de Lideranças no Serviço Público, organizado pelo Conselho Nacional dos Secretários de Estado da Administração (Consad)3 e apoiado pelo Programa Aliança expõe as bases para a implementação dos processos de seleção, com todos os instrumentos jurídicos e do processo de seleção, além da exposição dos casos de sucesso e dentre eles do estado do Paraná.
A Fundação Lemann ocupa espaço relevante nas ações do Gife, uma das principais organizações que aglutina instituições privadas do denominado terceiro setor, conduz parcerias com outros APHEs que recebem financiamento direto das holdings ou apoio técnico e financeiro dos seus braços sociais, construindo uma enorme trama de organizações com escopo complementar necessário para a implementação dos programas e dos projetos empresariais (FARIAS, 2021).
Ao longo dos relatórios da Fundação Lemann, identificam-se os programas geridos em diversas redes públicas de vários estados, começando pelo Gestão para o Sucesso Escolar, em 2003; depois, o Gestão para a Aprendizagem/Programa Formar4, Talentos da Educação, Programa de Apoio ao Desenvolvimento de Lideranças Públicas com a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, Gestão de Pessoas no Setor Público, são algumas das ações justificadas com a tese central de que o Estado é ineficiente e burocrático; que servidores públicos são desqualificados para os postos de gestão; e que não há transparência dos dados na divulgação dos resultados de desempenho dos alunos pelas escolas (FUNDAÇÃO LEMANN, 2003). Os relatórios consideram a empresa uma organização social eficiente e elegem a capacitação e a seleção de lideranças em seus inúmeros programas como uma das atividades principais, com o objetivo de copiar a “Cultura Garantia” ou a Cultura de Gestão por Resultados5 para a gestão pública escolar e educacional. A articulação, com base nessa premissa e na experiência dos Programas e Projetos mencionados resultou no Programa Aliança.
O Programa Aliança/Vamos: a face empresarial na gestão pública
O Programa “Aliança Líderes de Impacto no Setor Público e no Terceiro Setor”, articulado desde 2017, é um dos investimentos da Fundação Lemann no mercado da gestão pública educacional (FUNDAÇÃO LEMANN, 2020a). A Fundação amplia a sua experiência com formação no campo da gestão educacional para o da atração e da seleção de pessoas, servidores públicos ou não, para os cargos responsáveis pela implementação das políticas governamentais. Para dar amplitude territorial e obter apoio político e financeiro ao Programa Aliança, a Fundação Lemann constituiu parceria com o Instituto Humanize e juntos buscaram o apoio do Gife6, que se materializou no projeto “O que o investimento social privado pode fazer por...”. O Gife apoiou a organização de eventos e de publicações, dentre elas a publicação do Guia: “O que o investimento social privado pode fazer por Gestão Pública?” (GIFE, 2019), financiado e organizado pela Fundação Lemann e pelo Instituto Humanize, com a promoção da Comunitas7 e do Vetor Brasil.
Em novembro de 2018, a Fundação Lemann e o Instituto Humanize publicaram três Guias Práticos para Gestão de Pessoas no Setor Público: “Identificando cargos de liderança”; “Protocolo para a realização de processos de pré-seleção”; e “Gestão de desempenho” (FUNDAÇÃO LEMANN, 2020b). O Guia tinha por finalidade subsidiar a implementação de processos de gestão de pessoas por órgãos públicos. Para tanto, compilaram experiências nacionais (como Minas Gerais) e internacionais (Canadá, Chile, Reino Unido), avaliadas por eles como exitosas, em gestão de pessoas no setor público e em processos de “atração e seleção de talentos”. No mesmo ano, a República.org e a Fundação BRAVA juntaram-se ao Programa Aliança para realizar iniciativas e experiências de melhoria do RH público - investindo na produção de conhecimento, na construção de consensos, na mobilização política para o tema, além da constituição de parcerias com órgãos públicos para a implementação de novos modelos de gestão de lideranças no governo (FUNDAÇÃO LEMANN, 2018).
A ideia é “[...] garantir que os profissionais nomeados possuam as competências e os conhecimentos técnicos necessários para ocupar posições cruciais na máquina pública, sendo possível preservar o elemento político e a afinidade de visão com os candidatos eleitos” (FUNDAÇÃO LEMANN, 2018, n.p.). Desse modo, a ideia dos organizadores é a de que a gestão pública deve focar em resultados e em inovação para responder às demandas da sociedade. Para Weber Sutti:
É pensar em como a gente pode fazer para ter as melhores pessoas, as pessoas mais aptas, em cargos críticos de governo, capazes de promover uma gestão pública focada em resultados, focada na sociedade, que busque a inovação, que busque cada vez mais um Estado que dê conta de responder aos anseios da sociedade (GIFE, 2019, p. 17).
De acordo com as informações disponíveis nos sítios eletrônicos, nos editais e nos relatórios publicados, o Programa Aliança, entre 2018 e 2021, por meio de um dos seus projetos, Gestão de Pessoas no Setor Público, realizou a primeira experiência de processo de seleção para os cargos de coordenadores do Departamento de Atenção Básica da Secretaria Municipal de Saúde, no município de Santos, estado de São Paulo (SANTOS, 2018), e, posteriormente, em oito estados: Sergipe (MARCOS, 2019); São Paulo (SÃO PAULO, 2019a; 2019b); Rio Grande do Sul (RIO GRANDE DO SUL, 2019); Ceará (AUGUSTO, 2019); Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2019); Pará (GOVERNO..., 2019), Pernambuco (PERNAMBUCO, 2019); Paraná (FUNDAÇÃO LEMANN, 2019).
No Quadro 1, é possível encontrar os principais APHEs que fazem parte do Programa Aliança/Vamos envolvidos em muitas das ações realizadas no estado do Paraná e nos estados mencionados anteriormente. O primeiro, Fundação Lemann, é quem dá a direção, assim como patrocina, apoia e é parceira de todas as outras organizações do Programa. A execução das ações fica sob a responsabilidade dos seus intelectuais orgânicos que se revezam e se repetem na direção executiva dos projetos e dos programas. Algumas organizações se especializaram em serviços e produtos voltados à gestão pública, concentradas no treinamento e na seleção de pessoas para o setor público em diversos campos.
APHEs | Direção | Linhas, Programas e Projetos | Patrocinadores/Apoiadores |
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Fundação Lemann (2001) |
Jorge Paulo Lemann (Presidente) Florian Bartunek, Paulo Lemann Peter Graber, Peter Nobel Susanna Lemann, Denis Mizne (Diretor Executivo) Camila Pereira (Políticas e Educação), Weber Sutti, Diretor de Projetos da Fundação Lemann |
Rede de Líderes, Gestão de Pessoas do Setor Público, Universidades. | Fundação Lemann e parceiros. |
Programa Aliança/Vamos | Instituto Humanize, Fundação BRAVA, Republica.org. Contou com o Apoio: Vetor Brasil, RAPS, CLP, CONSAD, CONSED, UNDIME e GIFE e das empresas EloGroup, Instituto Publix, Instituto Gesto. |
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Movimento Pessoas à frente. Grupos de Trabalho: Gestão de Desempenho; Modelos de Carreiras; Matriz de Vínculos e Segurança Jurídica; e Política de Lideranças. |
Direção Executiva: Amanda Moreira e Clarissa Malinverni Fundação Lemann; Diogo Lima - República.org; Rafaella Lopes; Instituto Humanize. Governança: Ana Paula Pellegrino, Adriano Amorim, Carlos Ari Sundfeld, Cibele Franzese, Diogo Godinho Ramos Costa, Fabricio Marques Santos, Francisco Gaetani, Gláucia Macedo, Haroldo Rocha, Humberto Martins Falcão, Joice Toyota, Leonardo José Mattos Sultani, Renata Vilhena, Pedro Pontual, Professor Israel Baptista, Tatiana Ribeiro, Tiago Mitraud, Vera Monteiro e Weber Sutti. |
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Fundação BRAVA (2000) | Carlos Alberto da Veiga Sicupira Letícilia Picolotto Ferreira (presidência executiva) Bruna Mattos (gerente de projetos) | Educação Digital, Transformação e Inovação no Setor Público, Investimento Social Estratégico Projetos apoiados: Fundação Estudar Tech, Alpha Edtech, Escola 42, People in Government Lab, Servidor Público do Futuro, Centro de Gestão e Políticas Públicas (CGPP) e BrasilLab e Masp. Game Cidade em Jogo, Galeria de Estudos e Avaliação de Iniciativas Públicas (GESTA) e Plataforma Meu Município. Plataformas digitais: “Selo GovTech”, Inovação GovTech. |
Patrocinadores: Arymax, Vetor Brasil, Fundação Lemann, Humanize, Itau, Bank of America, Instituto Betty e Jacob Lafer, Republica.org e Amazon. Apoiadores: Banco Previdência, Brasil Lab - Inovação GovTech, Columbia Global Center, Data Viva, Endeavor, Fundação Estudar, INSPER, Instituto Proa, Parceiros Voluntários, Pina, Primeira Chance, Rio Vamos e Vetor Brasil. |
Instituto Humanize (2017) |
José Roberto Marinho Georgia Pessoa |
Uso Sustentável, Empreendedorismo e Negócios de Impacto Socioambiental (NISA), Desenvolvimento Institucional, Gestão Pública, Educação e projetos Especiais. Vamos: Rede Juntos pelo Desenvolvimento Sustentável; Apoio à Estruturação e Governança da Secretaria Executiva do Consórcio de Governadores da Amazônia Legal, Apoio ao MapBiomas 2.0; Campanha “Onde estão os negros no serviço público?”; Columbia Women’s Leadership Network in Brazil 2020, Conexão Pública Meio Ambiente, Formando Lideranças Públicas para os Desafios do Século XXI; Diagnóstico e Plano de Melhorias do Cadastro Ambiental Rural (CAR) - Semas-PA, Plataforma de Teleatendimento para Licenciamento Ambiental “Flora” - Semas-PA. Integra a Iniciativa do Vamos: Movimento Pessoas à frente. |
Apoiadores não divulgado: Instituição Familiar Marinho. Parceiros: Fundação Lemann, República.org., Comunitas, Instituto Clima e Sociedade (ICS), Instituto Arapyaú, Funbio, Catálise Lab, Columbia Global Centers - Rio de Janeiro e Universidade de Columbia (NYC), CLP, Vetor Brasil, Elo Group, Youth Climate Leaders. |
Instituto República.org. (2016) |
Guilherme Coelho, Ronaldo Cezar Coelho e Luciana Cezar Coelho Eloy Oliveira (fundadores) Alessandra Orofino, Carlos Affonso, Eloy Oliveira, Humberto Martins Falcão, Francisco Gaetani, João Domingues, Renata Vilhena, Roseli Farias, Ricardo Henriques, Rudnei Marques, Letícia Piccolttto e Vera Monteiro (Conselho Diretor), Ana Paula Pellegrino |
Programa RH Estratégico no Setor Público, em parceria com a Fundação Dom Cabral. Projeto Consad, Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração Grupo de Trabalho em Gestão e Desenvolvimento de Pessoas, composto pelas lideranças das áreas de RH dentro das Secretarias de Administração e Planejamento dos governos estaduais. Entre os projetos estão: Prêmio Espírito Público8; Onde estão os Negros no Setor Público?; Residência Artística no Setor Público; Webséries pessoas públicas; Bolsas de Mestrado na Hertie School; Lideranças Femininas; Rede República.org; e Residência em Capital Humano; Curso Formação João Pinheiro para equipe de RH de governos estaduais; Curso Dom Cabral para lideranças no RH Público; Integra o Vamos: Movimento Pessoas à frente. | Interamericano de Desenvolvimento, Casa Fluminense, Centro de Liderança Pública (CLP), Columbia Global Centers, Instituto COPPEAD de Administração (UFRJ), Ensina Brasil, Fundação Dom Cabral, Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Hertie School, Humanize, Instituto Brasileiro de Políticas Públicas (IBRAPP), Instituto Clima e Sociedade, Instituto Igarapé, Instituto Ayrton Senna, Laboratório de Ação contra a Pobreza Abdul Latif Jameel (J-PAL), Fundação Lemann, MBA Empresarial, Movimento Brasil Competitivo (MBC), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Sociedade Brasileira de Direito Público, Instituto Sou da Paz, Todos Pela Educação, Vetor Brasil e Intuite.se. |
Vetor Brasil (2017) |
Joice Toyota (Diretora executiva e cofundadora) Lara Barreto e Marco Camargo (equipe) |
Programa Líderes de Gestão Pública, Líderes da Aprendizagem, Trainee de Gestão Pública, Seleção customizado, além do recente projeto Ubuntu e do Programa de Residência em Gestão Pública. Integra o Programa Vamos e o Movimento Pessoas à frente. | Apoiadores financeiros: Haddad Foundation, Instituto Itaú social, Instituto Humanize, Fundação Lemann, Instituto Sonho Grande, Cosan, Confluentes, Itaú Educação e Trabalho, Microsoft, Instituto Gol, Instituto Betty e Jacob Lafer, Fundação BRAVA, Instituto Credit Suisse Hedging Griffo. Parceiros: Fundação Estudar, Sociedade Brasileira de Coaching e Vieira Rezende Advogados, AIESEC, Brasil Júnior, Comunitas. |
RAPS - Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (2012) |
Alexandre Schneider - Diretor Executivo (licenciado do cargo) Mônica Sodré - Diretora Executiva Adjunta (em exercício). | O Jovem RAPS, Líder RAPS e o Empreendedor Cívico. | Instituto Arapya, Fundação Lemann, Instituto Clima e Sociedade, Instituto Galo da Manhã, Siga Lei, Um Brasil, Fundação FHC, Aliança pela Ação Climática (ACA), Coalizão Brasil, Instituto Update, Pacto pela Democracia, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Instituto Alana, Instituto Votorantim, República.org, Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Rede nossa São Paulo, Agência Pública, Centro de Liderança Pública (CLP), Colab, DataPedia, Governos Locais pela Sustentabilidade (ICLEI), Arq. Futuro, Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, Todos Pela Educação, Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER), Revista Problemas Brasileiros, Fecomércio São Paulo, 99 APP, Bússola Tech, Mandato Ativo, Gove, Programa Cidades Sustentáveis, Instituto Ethos, União Amazônia Viva, Columbia Global Centers, Concertação pela Amazônia, Centro Brasil no Clima, Centro Ruth Cardoso, Instituto Alziras, FGV Centro de Estudos em Sustentabilidade (FGVCES), Escola de Economia São Paulo (CEPESP), FGV Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP). |
Comunitas Parcerias para o Desenvolvimento Solidário (2000) |
Regina Célia Esteves de Siqueira (Diretora/Presi-dente), Patrícia Loyola (Diretora de Gestão e Investimento Social Corporativo) |
Programa Juntos pelo Desenvolvimento Sustentável, Rede Benchmarking do Investimento Social Corporativo (BISC), Plataforma Rede Juntos, Encontro de Líderes. | BKR ambiental, Fundação Vale, Instituto CCR, Instituto Coca-Cola Brasil, Itaú, Gerdau, Instituto Neoenergia, Fundação Telefônica Vivo, Santander, Anglo American, Brookfield, Instituto BRF, Fundação Lemann. Governança/patrocinadores: Ana Helena Vicintin, Votorantim; André Street, Stone; Carlos Jereissati, Grupo Iguatemi; Elie Horn, Cyrela; Guilherme Benchimol, XP; José Ermírio de Moraes Neto, Votorantim; José Roberto Marinho, Grupo Globo; Luiz Eduardo Osório, Vale; Luiz Ildefonso Simões Lopes, Brookfield; Jereissati, Grupo Iguatemi; Pedro Paulo Diniz, Instituto Península; Rubens Ometto, Cosan; Solange Ribeiro, Neoenergia. |
Fonte: Elaborado pela autora com base em fontes diversas em meio eletrônico. Para ampliar as informações a respeito da Fundação Lemann, ver Farias (2021).
O Vetor Brasil e o Instituto Publix foram contratados pelo Programa Aliança na qualidade de “parceiros especialistas”9, considerando suas experiências pregressas. Vetor Brasil é um Aparelho Privado de Hegemonia Empresarial, criado em 2015, com apoio da Fundação Lemann, que concentrou suas experiências no treinamento de pessoas para atuar na gestão pública e integrou vários projetos da Fundação Lemann (FARIAS, 2021). Por sua vez, o Instituto Publix10 é uma empresa que foi contratada para assessorar o Programa Aliança no processo de seleção entre outras ações. Todos eles estarão presentes nas três experiências analisadas a seguir.
Seleção para o cargo de secretário de educação
O estado do Paraná (PR) foi laboratório para a primeira experiência estadual do Programa Aliança, assim como para os Programas e os Projetos da Fundação Lemann e seus parceiros. As três experiências elegidas para análise e que se complementam são: a seleção para o cargo de secretário de educação do município, em 201611; na sequência, para o cargo de secretário regional de educação, Codinorp, em 2018, ambas conduzidas pelo Vetor Brasil; e, no ano seguinte, em 2019, para os cargos de chefe de NRE, com a participação direta da Fundação Lemann em parceria com a SEED e parceiros do Programa Aliança, com execução do processo pela empresa Instituto Publix.
A inserção do Conglomerado de APHEs Lemann estava em curso no estado, anterior ao anúncio na mídia, em 2016, do inédito “concurso para secretário municipal de educação” da cidade de Londrina. A Fundação Lemann, desde de 2013, de acordo com a documentação consultada, estava presente no interior da administração pública de Londrina, no governo do prefeito Alexandre Kireeff (Partido Social Democrático, 2012-2016)12, quando a Secretaria Municipal de Educação (SME) foi premiada por meio do Programa Talentos da Educação pelo mérito da realização do projeto de formação continuada “presencial e semipresencial”, que se desenvolvia na Escola de Servidores da Prefeitura de Londrina, “[...] destinado aos servidores públicos municipais utilizando plataformas virtuais, Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA)” (LONDRINA, 2016, n.p.). Na sequência, em 2014, a Escola de Gestores promoveu palestra para “[...] 400 profissionais da educação entre diretores, auxiliares de direção, supervisores, auxiliares de supervisão e professores ou representantes das unidades escolares, dos Centros Municipais de Educação infantil (CMEIs) e dos Centros de Educação Infantil Filantrópicos (CEIs)” (LONDRINA, 2014, n.p.) com as convidadas Claudia Zuppini Dalcorso13 e Priscila de Giovani, respectivamente da Fundação Lemann e consultora da empresa Elos Educacional. O curso era requisito para a candidatura de servidores públicos à direção escolar, cargo ocupado mediante indicação da SME. No mesmo ano, a SME anunciou parceria com a Fundação Lemann, para a implementação do Programa Khan Academy14, em quatro escolas do Ensino Fundamental.
No conjunto dos acordos firmados, em 2014, com a Fundação Lemann, foi instalado, em Londrina, o Pólo de “Gestão para a Aprendizagem”, do Programa de Formação de Gestores da Fundação Lemann, voltado à formação continuada dos diretores, dos coordenadores e dos pedagogos de escolas municipais. O planejamento para a implementação de novos projetos foi realizado com a imersão na SME de técnicos da Fundação Lemann com a finalidade de coleta de informações junto à secretaria e às escolas da rede pública de ensino, acerca dos procedimentos administrativos, financeiros e pedagógicos para que a Fundação pudesse organizar e aplicar projetos pilotos. Por fim: “Foram aplicados junto aos diretores e supervisores cursos de empreendedorismo, inovação, políticas educacionais e de estratégias para melhorar o aprendizado dos alunos” (HEDLER, 2016, n.p.). O resultado dos projetos implementados rendeu, ao final da gestão, ao prefeito Alexandre Kireeff, o título de líder da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), ao lado do deputado federal Alex Canziani (PTB-PR), presidente da Frente Parlamentar de Educação do Congresso Nacional - a ele “[...] é imputada a iniciativa dos projetos e programas Lemann” no estado (HEDLER, 2016, n.p.).
O prefeito Marcelo Belinatti (Partido Progressista/2017-2020), antes mesmo de assumir o cargo, ao lado do parlamentar Alex Canziani15 e da representante do Vetor Brasil Joyce Toyota16, em outubro de 2016, em Brasília, assinaram o Memorando de Entendimentos, cuja intenção
[...] é de colaborar com o prefeito eleito, de modo não remunerado, com o aumento da tecnicidade e meritocracia das nomeações para cargos de alta gestão na Administração pública, mediante recrutamento e a seleção de profissionais experientes, com perfil de liderança e alta qualificação técnica na respectiva área de atuação, a serem indicados para livre nomeação em função de Confiança na Administração Pública Municipal, sem que isso represente qualquer compromisso de contratação dos candidatos indicados. (VETOR BRASIL, 2016b, n.p.).
O Memorando firma o compromisso entre poder público e o Vetor Brasil com a execução de todo o processo de seleção, conforme relata o documento disponível na página virtual do Vetor Brasil, “Case Londrina”, executado no âmbito do Programa Líderes de Gestão Pública, recém-lançado pela organização. Em artigo publicado por Lamelo et al. (2017, p. 236) acerca do “[...] sucesso do estabelecimento de um modelo de seleção baseado na aferição prévia das competências de gestão como insumo para subsidiar nomeações políticas de natureza discricionária”, os autores expõem as bases teóricas da Nova Administração Pública incorporadas pelo Vetor Brasil para a formação de líderes para os altos cargos da administração pública. Nesse bojo, ganha destaque a reforma gerencial chilena que tem sua origem no governo militar de Pinochet e dos Chicago Boys, com sequência nos governos de transição democrática, e na experiência de seleção de dirigentes públicos, implementada em 2003, denominada de “Sistema de Alta Direção Pública (SADP)”. Bresser-Pereira (2011) aproxima a experiência chilena ao Brasil com a reforma gerencial do Estado dos anos de 1995, no que se refere à seleção para os cargos públicos. O autor defende que, ao lado da diminuição do Estado, se deve reduzir o número de servidores públicos e entregar o grande serviço social e científico para as organizações sociais. Abruccio (2011, p. 138) afirma que é “[...] preciso não só melhorar a qualidade das indicações aos cargos públicos, mas, sobretudo, convencer os políticos de que o aprimoramento da qualidade das políticas públicas sob critérios meritocráticos pode ser o grande instrumento de resposta aos eleitores”.
Conforme os dados disponibilizados por Vetor Brasil, das 129 inscrições para a seleção, 54% dos candidatos eram da cidade de Londrina, 22% de outras cidades do Paraná e 24% das demais cidades. A seleção foi dividida em seis etapas a distância, sendo a última com banca presencial.
1.4 1) Análise de Experiências, Progressão Profissional e Motivações; 2) Entrevista assíncrona por Mapeamento de Competências e avaliação de capacidade analítica; 3) Avaliação integrada de competências; 4) Recomendações Profissionais; 5) Sabatina com a sociedade civil de Londrina; e 6) Entrevista com Banca Avaliadora Multidisciplinar, conforme disposto no item ‘3’ deste Chamamento (LONDRINA, 2016, n.p.).
Na segunda etapa, foi feito estudo de caso com mapeamento de competências dos candidatos com base nos critérios: “i. resiliência e resultados; ii. Tomada de decisão; iii. Liderança; iv. Capacidade de engajamento e influência; v. capacidade de comunicação; e vi. Estabilidade emocional” (CANZIANI et al, 2017, p. 4; LONDRINA, 2016, n.p.). Em artigo publicado a respeito do assunto, Lamelo et al. (2017, p. 243) afirmam que o processo seletivo está estruturado em “[...] evidências e dados mensuráveis, a fim de selecionar os candidatos mais aderentes aos perfis e desafios do setor público”. Eles ressaltam que o Vetor Brasil utiliza-se da avaliação por competências. “Para tal, toma como premissa o conceito de competência como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que justificam o alto desempenho do indivíduo” (FLEURY; FLEURY, 2001 apudLAMELO et al., 2017, p. 243).
A banca de avaliação dos candidatos, penúltima etapa do processo, contou com a presença do Deputado Federal Alex Canziani, além do
[...] professor da FGV-Rio, ex-ministro da Educação, Henrique Paim; pelo secretário nacional de Educação Básica do MEC, Rossieli Soares; pela diretora da PUC-PR, campus Londrina e ex-reitora da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Nádina Moreno; pelo vice-presidente do Conselho Estadual de Educação do Paraná, Paulo Schmidt; pela professora e ex-Secretária de Educação de Foz do Iguaçu, Joane Vilela; e pela representante da entidade Todos pela Educação, Priscila Cruz. (TOYOTA, 2016, n.p.).
Os critérios de avaliação, anunciados no Edital de Chamamento, destacaram os “conhecimentos de educação, de gestão, capacidade de comunicação e estabilidade emocional” (LONDRINA, 2016, n.p.). Dos três finalistas, a escolhida para o cargo foi Maria Tereza Paschoal de Moraes17,
[...] professora do ensino básico, tendo atuado de 2000 a 2012 em sala de aula, é advogada. Foi Secretária Municipal de Educação de Ourinhos de janeiro de 2013 até março de 2016. Durante sua gestão o IDEB municipal passou de 5,3 para 6,4, e a fila de espera por vagas em creche, que era de 1.054 crianças, foi reduzida em cerca de 85%. Possui master em Liderança e Gestão Pública pelo CLP/Harvard/EUA e é líder RAPS. (VETOR BRASIL, 2016a, n.p.).
Os acordos firmados em gestão anterior com a Fundação Lemann seguiram com afinco na formação continuada e na parceria com a Google, com a doação de 540 Chromebook’s distribuídos para as 121 unidades, entre escolas municipais e Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs). O programa de formação “Construindo o currículo escolar: um diálogo permeado pelo estudo da BNCC” teve, em sua pauta central, a BNCC. Representando a Fundação Lemann, Henrique Pimentel Filho falou a respeito do projeto já existente em Londrina: “A gente trouxe os produtos, mas o projeto já estava pronto [...]. E vai representar uma mudança para melhor, vai fazer com que a Base Nacional Comum Curricular, efetivamente, chegue no chão da escola” (SAWCZUK, 2018, n.p.). Camila Pereira, da Fundação Lemann, destacou que: “A construção de bons currículos é um dos primeiros desafios para a implementação da Base Nacional Comum Curricular e queremos estar lado a lado com redes, escolas e professores de todo o Brasil neste processo” (SAWCZUK, 2018, n.p.).
Ao final, a seleção de gestores, em cargos de alto escalão, por meio do “[...] processo seletivo norteado por evidências e metodologia profissional, em detrimento de motivações político-partidárias” (SAWCZUK, 2018, p. 238), conforme proposto por Vetor Brasil, cumpre o objetivo principal de introduzir na gestão pública o preposto empresarial para implementar a agenda estratégica da educação sob perspectiva gerencialista e empresarial. Isso também será realizado na seleção para o cargo do secretário regional.
Seleção para o cargo de secretário regional de educação do Codinorp
O Consórcio de Desenvolvimento e Inovação do Norte do Paraná (Codinorp) é resultado da alteração, realizada em setembro de 2017, do estatuto do Consórcio Intermunicipal de Resíduos Sólidos (Cires), destinado à infraestrutura e ao desenvolvimento urbano com regimento existente desde 2014. Ao incorporar a educação como umas das suas principais atividades, vinculou à sua estrutura organizacional a Secretaria Regional de Educação. A tática tinha como objetivo centralizar a administração política e financeira dos dez municípios consorciados, que juntos totalizavam em torno de 90 mil habitantes e mil estudantes das duas etapas da Educação Básica. Os dez municípios do Codinorp são: Cafeara, Centenário do Sul, Florestópolis, Guaraci, Jaguapitã, Lupionópolis, Miraselva, Porecatu, Prado Ferreira e Bela Vista do Paraíso.18 Para ocupar o cargo de Secretário Regional de Educação, em outubro de 2017, o prefeito de Prado Ferreira, presidente do Codinorp, assinou acordo de cooperação técnica com o Vetor Brasil, com apoio da Frente Parlamentar de Educação, com o objetivo de selecionar profissional qualificado para atuar em funções estratégicas para “melhorar as políticas educacionais” com “[...] eficiência, eficácia e efetividade, garantido assim o alcance de metas de atendimento e aprendizagem das redes de ensino dos municípios envolvidos” (VETOR BRASIL, 2017, p. 2).
O Vetor Brasil comprometeu-se novamente com o processo de atração e de pré-seleção de candidato e de acompanhamento e desenvolvimento profissional, por meio do programa Líderes de Gestão Pública, sem ônus financeiro para os municípios e com recursos próprios da organização. Ao todo, registraram-se 367 inscrições de 21 estados e 190 municípios brasileiros. “Dos seis finalistas, cinco tinham formação em Pedagogia ou licenciatura. Quatro eram mulheres. E apenas dois eram do Paraná - mas não dos municípios que integram o Consórcio” (SEMIS, 2018, n.p.).
De acordo com o “Edital de Pré-seleção para sugestão de candidatos ao cargo de Secretário(a) Regional de Educação do CODINORP”, divulgado no sítio eletrônico da Aliança Regional pela Educação (2017)19, o processo foi composto por cinco fases: a primeira, definida como etapa eliminatória, consistia na análise do currículo a partir dos dados pessoais, histórico acadêmico e profissional, atividades voluntárias e proficiência em idiomas e outras conquistas pessoais; a segunda etapa trazia a pesquisa de crença e de referências profissionais. De posse dos resultados da pesquisa de crença, o Vetor Brasil verificaria a existência de “[...] compatibilidade entre os valores dos(as) candidatos(as) e a missão da gestão para a qual eles(elas) buscam ser contratados(as) e os valores do Vetor Brasil” (ALIANÇA REGIONAL PELA EDUCAÇÃO, 2017, p. 4). A terceira etapa, também eliminatória, continha três atividades online: Entrevista de Mapeamento de Competências, Estudo de Caso e Teste Potencial de Integridade Resiliente (PIR). O mapeamento de competência analisaria o candidato de acordo com o seguinte mapa: “i) apresentar suas trajetórias e experiências profissionais, acadêmicas e pessoais e principais conquistas, ii) indicar o momento de carreira em que estão; e iii) explicar como ocupar a posição de Secretário(a) Regional de Educação faria sentido para seu desenvolvimento profissional” (ALIANÇA REGIONAL PELA EDUCAÇÃO, 2017, p. 4). O Estudo de Caso objetivava a avaliação de capacidade analítica e de resolução de problemas. O Teste de PIR é uma avaliação realizada no meio empresarial que objetiva analisar a reação dos candidatos diante de situações que expõem conflitos éticos, dentre os citados, estão situações que envolve subornos, fraudes e corrupção. No Teste de PIR, é analisado o “[...] nível de resiliência que o profissional possui quando exposto a dilemas éticos das organizações no exercício de suas atividades” (ALIANÇA REGIONAL PELA EDUCAÇÃO, 2017, p. 5). Para a Aliança Regional pela Educação, a avaliação
[...] é feita com o uso de ferramenta online com validação científica e análise hermenêutica (com base nas respostas do participante, o qual responderá em três formatos: única escolha, dissertativa e relato em vídeo). A análise seria realizada por profissionais formados e com treinamento específico capacitados na metodologia PIR. (ALIANÇA REGIONAL PELA EDUCAÇÃO, 2017, p. 5).
Além do PIR, as duas últimas etapas foram a sabatina “[...] realizada por Banca Avaliadora composta por especialistas em educação, gestão pública e do terceiro setor” (ALIANÇA REGIONAL PELA EDUCAÇÃO, 2017, p. 6) convidados pelo Vetor Brasil; os selecionados foram entrevistados pelos prefeitos do Codinorp e, ao final, o secretário foi selecionado pelo presidente do Consórcio (VETOR BRASIL, 2016a).
Nota-se que a banca avaliadora foi composta pelos mesmos integrantes da banca avaliadora composta para o processo seletivo de Londrina, com exceção do vice-presidente do Conselho Estadual de Educação do Paraná, Paulo Schmidt, e de Claudia Costin. No geral, os representantes eram do Movimento Todos pela Educação, da Frente Parlamentar da Educação, de Instituições de Ensino Superior e do Ministério da Educação. Entre os membros divulgados pela mídia constavam:
[...] professora da FGV, ex-diretora de Educação do Banco Mundial e ex-secretária municipal de Educação do Rio, Claudia Costin; pelo deputado federal e presidente da Frente Parlamentar da Educação, Alex Canziani; pela professora e Ex-Secretária de Educação de Foz do Iguaçu, Joane Vilela; pela Diretora da PUCPR Campus Londrina, Nádina Moreno; pelo secretário de Educação Básica do MEC, Rossieli Soares e pela presidente-executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz. (TAROBÁ NEWS, 2017, n.p.).
Concluído o processo de pré-seleção pelo Vetor Brasil, o escolhido pelos prefeitos do Consórcio foi Amauri Monge Fernandes. Seu currículo foi divulgado pela Revista Nova Escola/Gestão, em matéria acerca do assunto. Em linhas gerais, ele é graduado em Direito, mestre em Administração, Gestão e Políticas Públicas, doutorando em Políticas Públicas pela Universidade de Lisboa. Em São Paulo (SP), é gerente de merenda escolar e do Programa Escola da Família, “[...] da equipe que implementou o primeiro Fab Lab (laboratórios de inovação) na região da Grande São Paulo” (SEMIS, 2018, n.p.). Na prefeitura de Santana de Parnaíba (SP), foi secretário municipal de Inovação e Juventude e, posteriormente, “diretor de políticas públicas da mesma pasta” (SEMIS, 2018, n.p.). A matéria indagou o secretário acerca da diferenciação entre a função do secretário regional e municipal de educação, ao que ele respondeu:
O secretário municipal cuida das especificidades da sua cidade, principalmente a “área pedagógica”, explica Amauri. Ele articula em nível regional esse trabalho com foco em gestão e pensamento estratégico para os dez municípios. “Nossa proposta é ajudar os municípios a implementar uma gestão moderna para economizar em algumas coisas e gastar melhor em outras. É um plano macro com perspectivas detalhadas para cada município”. (SEMIS, 2018, n.p.).
Os argumentos apresentados expõem o entendimento de que à gestão municipal caberia “cuidar” da área pedagógica, enquanto à gestão regional, do plano estratégico. Trata-se da sobreposição de função, da dicotomia entre quem pensa o plano político e o pedagógico, assim como da terceirização da administração dos recursos financeiros e da implementação da política educacional.
O modelo Codinorp-Educação e a criação da Secretaria Regional de Educação, bem como os gastos com recursos públicos, foram questionados pelo Ministério Público do Paraná, a partir de denúncia da presidência do Conselho Estadual de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). A respeito do assunto, Vetor Brasil, em nota, na página virtual da organização, afirmou: “Apesar de ter participado do processo seletivo, o candidato contratado não foi recomendado pelo Vetor Brasil. Atualmente, o Vetor Brasil não tem participação alguma no Consórcio” (VETOR BRASIL, 2020, n.p.). A investigação para apurar a regularidade da constituição do Codinorp e a legalidade dos Contratos de Rateio firmados com os Municípios de sua abrangência são objeto do Inquérito Civil nº MPPR-0114.19.001605-4, a partir dos dados e informações coletados no Procedimento Administrativo nº MPPR-0114.18.001213-9, oriundos da 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Porecatu. O processo gerou a recomendação da interrupção do repasse de recursos das prefeituras para o Codinorp. Os responsáveis pelas empresas contratadas pelo Consórcio e pelo Instituto Lotus estão sendo investigados. O Secretário Regional de Educação foi exonerado em fevereiro de 2020, em seguida ele assumiu o cargo de secretário adjunto executivo da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) do estado do Mato Grosso e integrou o Conselho Estadual de Educação para o mandato de (2021-2025) representando a Seduc.
A pretensão de que a Secretaria Regional de Educação e da seleção para um secretário regional fossem um modelo replicável de sucesso é colocada sob questionamento por esse desfecho. Pode-se concluir que o longo processo de seleção revestido de critérios técnicos, de Teste Potencial de Integridade Resiliente, entre outros procedimentos, é secundário e falacioso quando o objetivo principal é a gerência privada da educação pública.
Seleção para o cargo de chefia de Núcleo Regional de Educação
O processo de seleção para o cargo de chefe de Núcleo Regional de Educação do estado do Paraná é parte do projeto de Reforma Administrativa do Estado implementada pelo governo Carlos Massa Ratinho Junior (Partido Social Democrático - PSD - 2019-2022) que coaduna com as perspectivas de gestão do Programa Aliança. O governo encaminhou à Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) um projeto de reforma administrativa, elaborado por uma comissão especial composta pela Casa Civil, pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE), pela Controladoria-Geral do Estado (CGE) e pelas secretarias do Planejamento, da Administração e da Fazenda. De acordo com o Governo do estado do Paraná, a redução de gastos e a diminuição de cargos é resultado do trabalho “realizado com base no estudo encomendado à Fundação Dom Cabral” (AGÊNCIA ESTADUAL DE NOTÍCIAS, 2019, n.p.).
A participação da Fundação20, entre outras assessorias, é confirmada pelo governo em evento realizado pela Associação Comercial do Paraná (ACP). Ratinho Jr. “[...] lembrou que a ACP foi uma das instituições que, junto com as demais entidades que compõem o G721, patrocinou o estudo da Fundação Dom Cabral que embasou a reforma administrativa do Estado, que reduziu o número de secretarias e órgãos do governo” (AGÊNCIA ESTADUAL DE NOTÍCIAS, 2020, n.p.). A Fundação esteve presente também no governo Aécio Neves, em Minas Gerais, em apoio técnico à Reforma Administrativa do Estado. Por fim, a Lei Nº 19.848, de 3 de maio de 2019 (PARANÁ, 2019b), não traz mudanças efetivas para o corte de gastos públicos, mas resulta na extinção de secretarias e na criação de departamentos, o que ocorreu com as Secretarias de Educação e Esportes; na redução de cargos comissionados, na segunda fase da reforma; na privatização de serviços e de instituições públicas, sem efetividade. Destaca-se, na reorganização, a incorporação ao governo da “casa militar” com 35 cargos comissionados.
A suposta reforma Administrativa do Estado alcançou a Secretaria de Educação sob a direção do secretário Renato Feder22. Com direção da Secretaria de Gestão e Planejamento e alinhamento com o Conselho Estadual de Educação, a educação é objeto das políticas de privatização e de ordenamento ao modelo gerencialista. Nesse contexto, foi assinado o acordo de cooperação entre a SEED e a Fundação Lemann, com a participação das organizações integrantes do Programa Aliança e a execução da pré-seleção para os cargos comissionados dos NRE, pelo Instituto Publix (FONTES, 2019).
O Núcleo Regional de Educação é instância administrativa da atual SEED23 responsável pela gestão político-pedagógica, financeira e de recursos humanos do sistema de ensino estadual, o que equivale a 2.116 escolas com atendimento ao Ensino Fundamental, ao Ensino Médio e às Modalidades da Educação Básica.24 Conforme o Decreto Nº 8.425, de 7 dezembro de 2017, compete aos NRE:
I. a coordenação, a orientação, o controle, a adoção, a aplicação, o acompanhamento e a avaliação da execução de medidas destinadas a manter e aprimorar o funcionamento do Ensino Fundamental e Médio, Ensino de Jovens e Adultos e Ensino Especial, nas unidades escolares das redes estadual, municipal e particular, observadas as políticas da Secretaria de Estado da Educação; II. a coleta de informações de caráter regional, de interesse para a avaliação e para o controle programático da Secretaria; III. a intensificação dos contatos primários do Governo com as regiões do Estado; IV. a elaboração de perfis socioeconômicos da população, segundo a ótica regional, de interesse da Secretaria; V. o desempenho de outras atividades correlatas (PARANÁ, 2017, n.p.).
Os NRE atendem o território dos 399 municípios do estado do Paraná, por meio dos 32 núcleos, com sede regional em várias cidades. A chefia dos núcleos, ao longo da história do Paraná, foi escolhida pelo Governador do estado por ato discricionário, que tem por base o critério da indicação político-partidária dos deputados estaduais e federais, evidentemente para manutenção do apoio eleitoral das bases regionais e do projeto estratégico em curso.
As inscrições para os candidatos ao cargo de chefe dos NRE iniciaram em janeiro de 2019 e foram concluídas em fevereiro em site aberto pela SEED especificamente para esse processo. As etapas de seleção seguiram o protocolo do Programa Aliança com o alinhamento das orientações presentes nos três manuais: “Gestão de Pessoas no Setor Público”. As cinco etapas do processo de credenciamento25, implementadas pelo Instituto Publix, com equipe constituída na SEED (RH e Gabinete) para isso, foram todas online, embora a última etapa fosse anunciada como presencial a ser realizada em Curitiba - PR. As inscrições realizadas no portal de Credenciamento tinham acesso permitido somente aos “[...] servidores ativos efetivos da rede de educação do estado do Paraná, que tenham exercido o cargo de diretor de escola estadual, diretor auxiliar de escola estadual, chefe de núcleo regional ou assistente de núcleo regional” (CASA DE NOTÍCIAS, 2019, n.p.). As primeiras etapas consistiam na análise de currículo, estudo de caso, teste online de raciocínio lógico e gestão, entrevista e apresentação de Plano de Gestão para uma banca multidisciplinar. Os critérios anunciados na página do Credenciamento foram
[...] visão estratégica, vontade para liderar pessoas e estabelecer um impacto na educação a nível local, regional e estadual, capacidade de mobilizar recursos e alinhar pessoas para o cumprimento de metas educacionais e pedagógicas, interesse em motivar e orientar pessoas, gerando coesão e espírito de equipe, habilidade para construir e manter relacionamentos colaborativos com pessoas chave e redes de escolas para o alcance dos objetivos prioritários da educação, capacidade de gerar respostas inovadoras e facilitar a adoção de práticas de alto valor agregado. (PARANÁ, 2020, n.p.).
Paralelamente a esse processo, em abril de 2019, também foram selecionadas pessoas para cargos de alto escalão das secretarias e dos departamentos. Os cargos comissionados eram para: Chefe do Departamento da Educação Profissional; Coordenador de Educação de Jovens e Adultos; Coordenador de Currículo, Formação de Professores e Conteúdo Pedagógico; Coordenador do Núcleo de Cooperação Pedagógica com os Municípios; Subcoordenador de Formação; Coordenador Pedagógico da Educação Profissional; e Subcoordenador da Célula de Acompanhamento da Frequência e do Abandono, com menor repercussão na mídia e informações a respeito do seu desenvolvimento (PARANÁ, 2019c). Esse processo, de acordo com o relatório da Fundação BRAVA et al. (2020), não seguiu os protocolos e a metodologia para a seleção de empregados pelo parceiro especializado, mas a SEED manteve e internalizou o uso da plataforma tecnológica que deu sustentação ao processo de seleção.
Além do processo denominado de pré-seleção, a Fundação Lemann afirma que colaborou com “[...] o trabalho de desempenho e desenvolvimento na Secretaria de Educação com o desenho da Matriz de Competência para os cargos críticos mapeados; desenho das rotinas de desenvolvimento; levantamento das Diretrizes estratégicas e Priorização; pactuação das metas com as lideranças” (FUNDAÇÃO LEMANN, 2020b, n.p.).
O que esperar da seleção para os chefes dos NRE? De acordo com Scortecci (2019, n.p.), a “[...] maioria dos 32 chefes de núcleos de educação que foram nomeados de forma provisória pelo governo do Paraná no início do ano acabou permanecendo na cadeira mesmo ao final do processo seletivo organizado pela Secretaria da Educação para preencher as vagas”. A matéria afirma que do total de 32 cargos, 18 permaneceram na administração, o que representa 56% dos cargos. Os outros 44% que assumiram pós-seleção não foram necessariamente resultado do credenciamento.
O não preenchimento das vagas a partir da seleção realizada é apontado em documento (FUNDAÇÃO BRAVA et al., 2020) que analisou a experiência de atração e de seleção de pessoas nos estados (Ceará, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, São Paulo, Sergipe). O documento afirma que, no estado do Paraná, “[...] foram alcançados quase todos os resultados esperados de implementação, exceto pela não nomeação de candidatos selecionados para 4 das 33 vagas disponíveis” (FUNDAÇÃO BRAVA et al., 2020, p. 79).
No mesmo documento os integrantes do Programa Aliança consideram, entre vários aspectos apontados, que: o sucesso da seleção depende do apoio e do patrocínio do governador e do nível estratégico do governo; é importante a obrigatoriedade de realização de processo seletivo previsto em lei; deve instituir uma área responsável tática; é fundamental o envolvimento de um órgão central responsável por gestão de pessoas no governo; a implementação é possível com equipes enxutas de três a cinco pessoas integrantes de um núcleo fixo responsável pelos processos seletivos; o esforço político, a mobilização de especialistas externos ao governo como entrevistadores e avaliadores, a equidade de gênero e raça, a articulação com atores políticos da região, tudo isso influi para o sucesso do processo de atração e seleção de líderes (FUNDAÇÃO BRAVA et al., 2020).
Nas recomendações sugeridas, consta a implementação de plataforma tecnológica adequada ao processo seletivo, “[...] formação e desenvolvimento constante do time, inclusive com o apoio de parceiros externos e em rede com outros governos” (FUNDAÇÃO BRAVA et al., 2020, p. 41). Sugere, ainda, que o estado do Paraná, na eventual continuidade do governo, replicará a experiência. Ao final, quantos cargos foram de fato ocupados pelo tal credenciamento? Essa informação não está publicizada. Com divergência de dados, conclui-se que o processo seletivo não ocupou 100% das vagas anunciadas em Edital, a partir do critério de isenção partidária ou critério técnico. Parte delas foi reivindicada pela base governamental do Ratinho Junior e outra parte foi trocada nos últimos dois anos de gestão (2021-2022). O governo do estado mantém uma página de Credenciamento para cargos na gestão da Secretaria de Educação e Planejamento e deve replicar a experiência de seleção nas escolas para os cargos de diretores.
Considerações finais
A análise das três experiências paranaenses de seleção de pessoas para cargos comissionados na educação pública expressa a expansão das práticas de hegemonia do Conglomerado de APHEs Lemann e sócios no interior do Estado restrito e da própria sociedade civil. A unidade-distinção (sociedade civil e sociedade política), da qual se refere Gramsci (2001) para delimitar o conceito de Estado integral ou Ampliado, é mais bem compreendida quando posta em movimento. Nesta análise singular, trata-se da compreensão do modo pelo qual o projeto educacional empresarial para a gestão educacional é planejado, implementado e avaliado pelas organizações empresariais e poder público. A inserção de prepostos empresariais pelos APHEs coletivos, no sentido que Gramsci (2001) atribui para os organizadores da sociedade civil, daqueles que organizam os interesses da burguesia na sociedade política, tem, nas táticas da atração, seleção e formação de intelectuais orgânicos, a condição de ampliar organizada e seletivamente a implementação do Projeto Estratégico representativo da Cultura Garantia, isto é, a Cultura da Gestão por Resultados.
A Cultura Garantia pode ser compreendida como a gestão gerencialista neoliberal aplicada às empresas do Conglomerado Lemann e Sócios replicada à educação pública. Obcecada por resultados, obtidos ao baixo investimento ou custo zero, jornadas extenuantes de trabalho precarizado, colaboradores com a cabeça de dono, discurso justificador da meritocracia, do critério técnico e da isenção político-partidária, a Cultura da Gestão por Resultados reproduz o funcionamento empresarial e seus fins privados nas redes públicas de ensino. Reproduz os procedimentos e os protocolos de seleção de pessoas a partir do perfil de trabalhador/gestor estabelecido para empresas, descaracterizando os mecanismos da gestão democrática e a função social pública da educação.
A pesquisa sinaliza, sem aprofundar o assunto, a fragilidade do MROSC e dos instrumentos de cooperação nas relações contratuais entre poder público e organizações sociais. Sugere que a ausência de controle social e de transparência pública no acompanhamento dos resultados e das etapas do processo de seleção amplifica a ideia de isenção política e da prevalência dos critérios meritocráticos na escolha de uma pessoa para um cargo. Expõe o papel diretivo do Conglomerado de APHEs Lemann e Sócios por meio do Programa Aliança, Formar, entre outros, ao mesmo tempo em que explica a organicidade dos e entre os APHE na realização de várias ações, programas, projetos, assessorias pontuais, efetivados anterior e simultaneamente ao processo de seleção. Assim indica que a depender do escolhido, o pacote de serviços e produtos empresariais será adquirido e implementado pelos aparelhos do Estado.
A descrição das experiências também explicita a similitude entre os procedimentos protocolares para a escolha dos candidatos. O protocolo está registrado no Guia de Seleção Pública produzido pelo Gife, com apoio do Aliança. Dos critérios exigidos às pessoas candidatas, para o alto escalão, evidencia-se que a experiência no serviço público e a trajetória acadêmica e profissional tem menor valor para dar lugar à afinidade com os valores empresariais das organizações, dos APHEs, e a capacidade para cumprir, com resiliência e subserviência, controle e boa comunicação, com a agenda das políticas governamentais, definidas pelo Conglomerado. Os procedimentos padrão são feitos por meio do teste online de conhecimentos gerais e atualidades, da gravação de vídeo, da apresentação do estudo de caso (alguns deles para que o candidato apresentasse soluções para o baixo resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) na região e ou município sob a sua responsabilidade), da arguição com a banca e, ao final, a entrevista com o empregador (SEED e prefeito). A escolha final não atende aos critérios estabelecidos.
Os integrantes da banca avaliadora, os agentes e os servidores públicos, parlamentares, presidente da Frente Parlamentar Mista de Educação do Senado, representantes do Movimento Todos pela Educação e dos aparelhos do Estado, foram os mesmos na seleção que ocorreu na cidade de Londrina e no Codinorp. Observa-se também a repercussão do experimento na mídia respectivamente nos meios de comunicação televisivo, impresso e eletrônico, também pela Revista Nova Escola/Gestão que é amplificadora das ações de hegemonia dos APHEs.
As experiências de seleção, de pré-seleção e de credenciamento, tanto para o Secretário Regional quanto para o chefe de NRE, que, em sua maioria, manteve a escolha discricionária, reitera o estado do Paraná como celeiro da experimentação empresarial. O case Londrina, eleito “case de sucesso” pelo Vetor Brasil/Lemann, não se replicou; todavia, a pré-seleção cumpre com a sua principal finalidade, implementar inúmeros projetos empresariais, realizados desde 2013, e com a reprodução desse processo na rede pública municipal para eleição da direção das escolas públicas. Mecanismo que se anuncia para os 399 municípios do estado e que amplia o mercado educacional no território paranaense.
O case Codinorp, por sua vez, saiu rapidamente das páginas virtuais dos APHEs quando, do processo judicial em curso, expôs as controvérsias da seleção - não poderia ser esse o exemplo de sucesso. Por fim, o papel desempenhado pela presidência da Frente Parlamentar de Educação nas negociações com os governos, cumprindo o papel de articulador da oferta dos serviços e dos produtos, participando de todas as bancas de seleção (ditas com isenção política e apartidária) e de captação de recursos públicos para os municípios envolvidos, foi fundamental para a capilaridade das ações de hegemonia no território e na adesão dos governos municipais.
Os governos do Paraná que participaram das ações do Programa Aliança e dos experimentos de pré-seleção serviram e servem ao modus operandi do empreendimento capitalista educacional, o que nos resta é revelar a trama de influência e organizar o enfretamento àqueles que destroem a educação e se apresentam como “gente boa” dotada de “mérito profissional” para salvaguardar a educação de qualidade, duvidosa. As pessoas que defendem a educação pública de qualidade estão organizadas para enfrentar as formas de introdução dos representantes dos interesses do capital nos aparelhos do Estado e os processos de seleção empresarial que avança sob a gestão pública educacional.