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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.19  Ponta Grossa  2024  Epub 18-Jun-2024

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.19.19312.043 

Artigos

Saberes docentes dos professores de Atendimento Educacional Especializado na Universidade do Estado de Santa Catarina

Teachers’ knowledge of Specialized Educational Service teachers at the Santa Catarina State University

Saberes docentes de los profesores de Atención Educativa Especializada en la Universidad del Estado de Santa Catarina

Patrícia Alves Godinho* 
http://orcid.org/0000-0002-7102-1242

Roberta Pasqualli** 
http://orcid.org/0000-0001-8293-033X

*Pedagoga na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Mestre em Educação Profissional e Tecnológica pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC). E-mail: <patriciaagodinho@gmail.com>.

**Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC). Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: <roberta.pasqualli@ifsc.edu.br>.


Resumo

Este artigo apresenta uma análise dos saberes docentes mobilizados pelos professores do Atendimento Educacional Especializado no Centro de Ciências Humanas e da Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina. O estudo foi realizado, por meio de pesquisa aplicada, qualitativa e descritiva com procedimentos bibliográficos, documental e de campo. Utilizou-se, como técnica de pesquisa, o estudo de caso instrumental e, para a análise dos dados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo. A partir da investigação desenvolvida, foi possível concluir que: (a) a formação para a docência universitária demanda investimento em formação pedagógica e que, para tanto, há necessidade de sensibilidade docente para adquirir novos conhecimentos; (b) existe a necessidade de que os professores adquiram conhecimentos específicos da Educação Especial; e (c) a formação continuada em serviço constitui-se em um espaço importante para a reflexão e a ressignificação da prática docente de modo a favorecer a inclusão.

Palavras-chave: Saberes docentes; Atendimento Educacional Especializado; Educação Superior

Abstract

This article presents an analysis of the teaching knowledge mobilized by the teachers of the Specialized Educational Service at the Center for Human Sciences and Education of the Santa Catarina State University. The study was carried out through applied, qualitative and descriptive research with bibliographic, documentary and field procedures. The instrumental case study was used as a research technique and, for data analysis, the content analysis technique was used. Based on the research carried out, it was possible to conclude that: (a) training for university teaching demands investment in pedagogical training and, for that, there is a need for teaching sensitivity to acquire new knowledge; (b) there is a need for teachers to acquire specific knowledge of Special Education; and (c) continuing education in service constitutes an important space for reflection and re-signification of the teaching practice in order to favor inclusion.

Keywords: Teaching knowledge; Specialized Educational Service; Higher Education

Resumen

Este artículo presenta un análisis de los saberes docentes movilizados por los profesores de Atención Educativa Especializada en el Centro de Ciencias Humanas y de la Educación de la Universidad del Estado de Santa Catarina. El estudio fue realizado, por medio de investigación aplicada, cualitativa y descriptiva con procedimientos bibliográficos, documental y de campo. Se utilizó, como técnica de investigación, el estudio de caso instrumental y, para el análisis de los datos, fue utilizada la técnica de análisis de contenido. A partir de la investigación desarrollada, fue posible concluir que: (a) la formación para la docencia universitaria demanda inversión en formación pedagógica y que, para ello, hay necesidad de sensibilidad docente para adquirir nuevos conocimientos; (b) existe la necesidad de que los profesores adquieran conocimientos específicos de Educación Especial; y (c) la formación continua en función se constituye en un espacio importante para la reflexión y la resignificación de la práctica docente de modo a favorecer la inclusión.

Palabras clave: Saberes docentes; Atención Educativa Especializada; Educación Superior

Introdução

O texto aqui apresentado é oriundo de uma parcela da pesquisa intitulada Saberes docentes dos professores de Atendimento Educacional Especializado na Educação Superior: contribuições para a formação continuada de professores (Godinho, 2021), vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC). O objetivo foi analisar os saberes docentes mobilizados pelos professores do Centro de Ciências Humanas e da Educação (FAED) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).

Segundo o Censo da Educação Superior, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2018, em torno de 43.633 estudantes com deficiência estavam matriculados nesse nível da educação brasileira, o que representa menos de 1% da população declarada com deficiência no Brasil (Inep, 2019). Já, em 2017, havia em torno de 38.272 estudantes com deficiência estavam matriculados na Educação Superior brasileira (Inep, 2019). Se comparados os dados de 2010, quando apenas 19.869 estudantes estavam matriculados na Educação Superior (Inep, 2019), percebe-se um aumento considerável de matrículas.

Esse aumento gradativo do acesso das pessoas com deficiência na Educação Superior mexeu com as estruturas de uma instituição que, até então, era destinada somente para uma minoria financeiramente privilegiada. Como indicam Ferrari e Sekkel (2007, p. 638), em um relato acerca da história das universidades no Brasil:

Cursar a universidade passa a significar status para parcela da classe média brasileira a partir do final da década de 50. Aliada à aquisição de um conhecimento específico, está também a promessa de uma situação profissional bem remunerada e socialmente valorizada graças ao diploma de nível superior […]. Assistimos, ao longo do século XX, o sucateamento da escola pública de ensino fundamental, ao lado da manutenção de um exame vestibular com características fortemente seletivas para a universidade, o que levou a que somente os alunos que tivessem oportunidade de cursar boas escolas conseguissem uma vaga na educação superior [...].

Partindo do indicativo apresentado por Ferrari e Sekkel (2007), conseguimos construir uma imagem do padrão de estudantes que as universidades estavam acostumadas a receber e, a partir do momento em que os estudantes com deficiência conseguiram acessar os cursos de Educação Superior, são impostos novos desafios tanto às instituições de ensino quanto aos professores. Tais desafios trazem, para o exercício da docência, a necessidade de profundas reflexões sobre a diversidade humana e as formas de encaminhar o processo educativo.

Considerando essa diversidade, Braun e Marin (2016, p. 198), ao discorrerem sobre a indissociabilidade entre aprendizagens sociais e acadêmicas, destacam que: “A escola é um ambiente de aprendizagens sociais e acadêmicas que se atravessam, se reforçam, se complementam e geram conhecimentos oriundos desse mesmo contexto composto pela diversidade dos alunos”. Isso impossibilita a escola de se organizar como um ambiente educacional dominado por um outro grupo de pessoas.

Assim como a escola, a universidade constitui-se em um espaço de conhecimento científico, mas também com complexas relações sociais que promovem aprendizados de importante significado. Como instituição que reflete a sociedade, encontram-se nos espaços universitários preconceitos e discriminações, e enfrentá-los faz parte do processo de aprendizagem de qualquer instituição que se propõe a atuar para a construção de uma sociedade melhor. Com efeito, cabe destacarmos:

As mudanças propostas à Universidade pela Educação Inclusiva são de cunho teórico-prático e político visando a, de um lado apresentar novas formas de conceber o ato de planejar, ensinar, aprender e avaliar no ensino universitário e que, frequentemente, revelam desconhecimento, ou mesmo, pré-conceito com relação às possibilidades de formação em Ensino Superior de pessoas com deficiência (Magalhães, 2013, p. 49).

Essas colocações nos mostram desafios como a desconstrução de um “padrão de estudante”, o enfrentamento de preconceitos associados a mudanças em aspectos diretamente relacionados ao processo de ensino-aprendizagem e a atuação pedagógica do professor em sala de aula - em particular, no que diz respeito às estratégias de mediação, das características apresentadas pela turma e pelas individualidades, com o conteúdo apresentado para que este se efetive em conhecimento para o acadêmico.

Enfrentar os desafios apresentados anteriormente, além de colocar a universidade em uma posição de defesa da cidadania, no campo pedagógico, pode colaborar para ampliar os horizontes e as possibilidades na atividade docente, favorecendo não apenas o público-alvo da Educação Especial, mas todos os estudantes. Segundo a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Pneepei), “[...] os estudos mais recentes no campo da educação especial enfatizam que as definições e uso de classificações devem ser contextualizados, não se esgotando na mera especificação ou categorização atribuída a um quadro de deficiência, transtorno, distúrbio, síndrome ou aptidão” (Brasil, 2008, p. 9). O documento considera, ainda, que “[...] as pessoas se modificam continuamente, transformando o contexto no qual se inserem. Esse dinamismo exige uma ação pedagógica voltada para alterar a situação de exclusão, reforçando a importância de ambientes heterogêneos para a promoção da aprendizagem de todos os estudantes” (Brasil, 2008, p. 9).

É possível percebermos que a ação pedagógica, que tem como principal articulador o professor, assume um papel central para a aceitação e respeito às diferenças, bem como nos arranjos necessários ao favorecimento da aprendizagem dos conhecimentos apresentados. Assim, torna-se possível concordarmos com a ideia de que, “[...] ao estarem diretamente envolvidos com as políticas inclusivas e, especialmente, com estudantes com deficiência que passam a ingressar a escola regular, os professores tornam-se os principais agentes de inclusão da maquinaria escolar” (Oliveira; Weschenfelder, 2017, p. 79).

Tais articulações em sala de aula, que compõem o currículo em sua totalidade, ao transpor a mera categorização dos estudantes, podem provocar maiores possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem efetiva não somente aos estudantes com deficiência, mas a todos que fazem parte do processo. Considerando a centralidade do papel dos professores para a promoção de mudança no olhar sobre as deficiências e o seu espaço nas Instituições de Educação Superior (IES), cabe assinalarmos que:

A construção de uma universidade inclusiva implica na necessidade de o professor desenvolver processos de reflexão na e da prática docente, com vista à organização de estratégias de ensino-aprendizagem adequadas a todos os alunos, inclusive os considerados deficientes. [...]. Pontuamos que os processos de ensino-aprendizagem desenvolvidos na sala de aula na universidade podem colaborar, decisivamente, na democratização da escola, como instituição social (Magalhães, 2013, p. 48).

Considerando a perspectiva apontada anteriormente, pensando em contribuir para uma ação pedagógica inclusiva, percebemos que a sala de aula se constitui como espaço privilegiado para a reflexão sobre as estratégias utilizadas no processo de ensino-aprendizagem que podem ou não favorecer a inclusão na Educação Superior. Entretanto, entendendo que não cabe jogar a responsabilidade do sucesso do processo de inclusão somente sobre as relações estabelecidas no exercício da docência, sendo considerada, nesta reflexão, a necessidade de um olhar cuidadoso sobre o suporte dado pelas instituições aos professores em termos de formação e serviços de apoio, bem como ao processo de inclusão como um todo. Assim sendo, na sequência, apresentamos os procedimentos metodológicos utilizados para a realização da pesquisa.

Caminho metodológico

De natureza aplicada, que, segundo Prodanov e Freitas (2013, p. 126), “[...] procura produzir conhecimentos para aplicação prática dirigidos à solução de problemas específicos”, a pesquisa qualitativa foi ao encontro da pretensão de estabelecer uma aproximação com a situação e os sujeitos da pesquisa, tecendo relações e análises que dessem conta de perceber a dinâmica intrínseca ao objeto do estudo. A mesma abordagem, como apontam Lakatos e Marconi (2004, p. 269), “[...] preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais detalhada sobre investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc.”. Segundo Gatti e André (2011, p. 31): “Todo esse conjunto de possibilidades para o estudo de problemas em educação ampliou o universo epistemológico da discussão dos fatos educacionais e permitiu, pelas novas posturas assumidas, um engajamento mais forte dos pesquisadores com as novas realidades investigadas [...]”.

Esta pesquisa também pode ser definida como descritiva pois, de acordo com Köche (2009), a pesquisa descritiva estuda a relação entre duas ou mais variáveis de um dado fenômeno. Além disso, a execução da presente pesquisa foi realizada por intermédio de pesquisa bibliográfica, de análise documental e de estudo de caso instrumental, tendo por base os trabalhos de Yin (2005). Para o autor, o estudo de caso é um dos caminhos para a realização de pesquisa de ciência social. Em geral, estudos de caso são as estratégias preferidas quando as questões “como?” ou “por quê?” estão presentes, quando o investigador tem um pequeno controle sobre os eventos e quando o foco é em fenômeno contemporâneo no âmbito de alguns contextos da realidade.

O estudo de caso instrumental caracteriza-se como aquele em que o pesquisador toma como referência um caso (instituição, pessoa, programa etc.), quando temos um problema de investigação, uma hesitação, uma necessidade de compreensão do todo que pode ser alcançado, com um conhecimento mais profundo, estudando um caso particular (Stake, 2007).

O local de realização desta pesquisa, como já mencionamos, foi o FAED da Udesc. O levantamento dos sujeitos que se encaixavam na condição de participante, bem como o acesso aos contatos eletrônicos dos professores potenciais participantes foi solicitado ao Núcleo de Acessibilidade Educacional (NAE), espaço institucional que articula as ações de atendimento pedagógico aos estudantes. Tal levantamento foi realizado no mês de julho de 2020 e indicou três professores como potenciais participantes. Os sujeitos da pesquisa foram dois professores que prestam atendimento extraclasse para estudantes que comprovam alguma necessidade educacional específica (NEE). A amostra utilizada nesta pesquisa equivale a 66% do total de professores que realizam esse atendimento. A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário semiestruturado elaborado e aplicado com auxílio da ferramenta de formulários do Google entre os meses de julho e agosto de 2020.

Para a análise dos dados apurados ao longo da pesquisa, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo. Conforme a definição de Barros e Lehfeld (2000, p. 70):

A análise de conteúdo se constitui num conjunto de instrumentos metodológicos, que asseguram a objetividade, sistematização e influência aplicadas aos discursos diversos. É atualmente utilizada para estudar e analisar material qualitativo, buscando-se melhor compreensão de uma comunicação ou discurso, de aprofundar suas características gramaticais às ideológicas e outras, além de extrair os aspectos mais relevantes.

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi enviado anexado ao e-mail, e as orientações indicavam a leitura e a sua concordância prévia como condição indispensável para a devolutiva do questionário respondido. Esta pesquisa foi aprovada com o número CAAE 30472320.4.0000.536, no Comitê de Ética na Pesquisa (CEP) com Seres Humanos do Hospital Infantil Joana de Gusmão, ligado à Secretaria de Saúde (SES) de Santa Catarina.

Análise dos dados: quem são e o que dizem os sujeitos da pesquisa

Esta seção encontra-se dividida em duas partes. Na primeira, apresentamos os sujeitos da pesquisa, os quais são professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Na segunda, discorremos sobre os saberes docentes no AEE, em busca de contribuições à formação continuada.

Apresentando os sujeitos da pesquisa: professores do AEE

Em se tratando da idade dos sujeitos, nas respostas ao questionário, identificamos que um participante tem idade entre 30 e 34 anos e outro entre 50 e 54 anos, o que indica a possibilidade de histórias significativas de vida, maturidade e estabilidade na escolha profissional. Com relação à atuação profissional, eles já atuaram em turmas regulares nos anos iniciais do Ensino Fundamental, em classes comuns, na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e na Educação Superior, também em classes regulares. Atualmente, além do AEE, ambos lecionam também alguns componentes curriculares em IES.

Durante o percurso de atuação como professores, o tempo de atuação em serviços de AEE de um dos participantes é de mais de 15 anos. O outro declarou ter menos de cinco anos, mas o tempo de atuação voltado ao atendimento aos estudantes no AEE na Udesc oscilou de 2 a 5 anos. Ambos atuam somente no FAED.

As motivações dos participantes para a atuação no AEE não tiveram relação direta com a vida pessoal, porém observamos, no relato dos participantes da pesquisa, que a forma de ver as pessoas com deficiência foi diretamente ligada à atuação profissional de familiares junto a essas pessoas. Esse convívio, desde cedo, com profissionais da área, ensinou a enxergarem as pessoas com deficiência como pessoas plenas, permitindo um tratamento de “igual para igual”. Nesse sentido, Tardif (2011) traz como um dos saberes que influenciam a profissão docente o saber pessoal que advém da família, dos convívios da vida privada, os quais se integram no trabalho dos professores por elementos trazidos da socialização primária e das histórias de vida. O autor define esse fenômeno como fonte pré-profissional do saber-ensinar.

Para Tardif (2011), trabalhos realizados a partir da década de 1980, com base em histórias de vida dos professores, indicam que “[...] a prática profissional dos professores coloca em evidência saberes oriundos da socialização anterior à preparação formal para o ensino” (Tardif, 2011, p. 72). Isso mostra que há muito mais continuidade do que ruptura entre o conhecimento profissional e as experiências pré-profissionais que estão relacionadas aos espaços da vida privada e às vivências escolares como estudante. O autor ainda cita, apoiado em outros estudos, que o convívio familiar, sobretudo com pessoas significativas nesse convívio, constitui influências importantes na modelagem da postura profissional com relação ao ensino.

Como parte do processo de constituição da identidade profissional, esses saberes pré-profissionais influenciam e são constitutivos da prática pedagógica docente, um saber vinculado à constituição do sujeito e influenciado por todas as socializações ocorridas ao longo da vida. Sobre essa relação, Nóvoa (2013, p. 17) aponta que “[...] as opções que cada um de nós tem de fazer como professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar e desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser. É impossível separar o eu profissional do eu pessoal”.

Outro fator de influência apresentado nas respostas dos participantes foi uma prévia sensibilidade para temáticas relacionadas ao significado de “sucesso” e de “fracasso” escolar, assim como a visão docente sobre o que se considera um “bom” ou “mau” estudante. Tal sensibilidade pode ser interpretada como uma característica pessoal que favorece o compromisso com uma prática educativa, a qual questiona preconceitos arraigados, mas também pode ser associada à construção da identidade profissional como docente que se constrói, também, “[...] pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus saberes, de suas angústias e anseios” (Pimenta, 2002, p. 19). Ambas as possibilidades aqui apontadas podem ser consideradas como favorecedoras do processo de inclusão, à medida que levam o professor a ressignificar o seu saber e o seu fazer cotidiano da prática educativa.

A participação em pesquisas na área dentro da formação universitária também foi um elemento de reforço para a escolha de atuar no AEE. Esse aspecto traz como reflexão a importância de, nos espaços de formação inicial, haver a possibilidade de participação em estudos voltados à Educação Especial e Inclusiva, os quais estimulem a aproximação dos futuros professores com os conhecimentos necessários a uma atuação profissional que se comprometa com a inclusão. Nozi (2013) contribui para essa visão ao identificar estudos indicando que a qualidade da formação inicial e continuada e a experiência de ensino com pessoas com deficiência influenciam as atitudes dos professores.

Com relação à formação inicial, ambos participantes possuem Graduação no Curso de Pedagogia. Os dois participantes também possuem curso de Pós-Graduação. Um dos participantes possui Doutorado em Educação, e o outro tem Mestrado e está cursando o Doutorado também na área de Educação, com pesquisas realizadas na área de Educação Especial.

No que diz respeito à formação continuada, os participantes possuem ampla formação continuada voltada à Educação Especial Inclusiva, em que foram evidenciadas as temáticas: políticas de atendimento, metodologias de trabalho, currículo adaptado, aspectos específicos das deficiências, tais como: habilitação e reabilitação de pessoas com deficiência visual, sistema braile, técnicas básicas de soroban e escolarização de pessoas com deficiência intelectual na perspectiva histórico-cultural.

Os saberes docentes no AEE: buscando contribuições à formação continuada

Iniciamos a investigação sobre os saberes docentes do AEE trazendo as possíveis contribuições dos conhecimentos gerais adquiridos na formação acadêmica para o trabalho com estudantes com deficiência e NEE. Os participantes foram unânimes em considerar que esses conhecimentos trouxeram contribuições para a sua prática. Suas indagações, em tal sentido, indicam que a formação em Pedagogia é indissociável da formação específica necessária para o trabalho com esses estudantes e também que os estudos gerais da Pedagogia induzem à percepção da aprendizagem e de formas de ensino que levam em consideração as características de todas as pessoas. Podemos observar isso no seguinte relato:

Penso que a pedagogia deva pensar a aprendizagem e o ensino das/para/com as pessoas, sejam elas com ou sem diagnóstico. Desse modo, não desenvolvo o trabalho centrada no diagnóstico, mas, sim, nos/as estudantes, nas pessoas, nas suas identidades, as quais vão além das marcas sociais da deficiência (Docente A).

Nesse ponto, evidenciamos que a formação pedagógica que caminha na direção de uma concepção que entenda a educação para todos sem distinção, seja oferecida invariavelmente em instituições educativas regulares. Compreendemos que, para que isso ocorra, é preciso identificar os diferentes para que suas diferenças sejam evidenciadas e inseridas no currículo. As políticas de inclusão não podem ser pensadas de forma homogênea, sem rosto, cor, classe, gênero etc. Esse parece, pois, ser um ponto essencial para o processo de inclusão das pessoas com deficiência nesses espaços. Mantoan (2015, p. 28) endossa essa ideia na medida em que aponta o sentido da inclusão, que “[...] é não deixar ninguém no exterior do ensino regular, desde o começo da vida escolar”. Assim, o processo educativo, em todas as suas etapas, precisa estruturar sua ação em função das necessidades de todos os estudantes.

Da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, de 1990, publicada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco (1998), destacamos o artigo 3º, que aponta para a universalização do acesso à educação e para a promoção da equidade. Entre outros pontos, o documento define que: “As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas com deficiências requerem atenção especial” (Unesco, 1998, p 4). Consideramos, assim, que é preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo, e que esse acesso precisa estar vinculado à permanência, pois, do contrário, a exclusão continuará vigente.

Como podemos observar, esse documento também traz à tona a necessidade de estruturação de uma educação pensada para a diversidade humana, como também reforça a necessidade de atenção especial às necessidades de aprendizagem das pessoas com deficiência. Outro ponto que trazemos para análise refere-se às experiências acadêmicas vivenciadas por meio de grupos de pesquisa e as leituras e as atividades realizadas nas disciplinas dos Cursos de Graduação em Pedagogia, Mestrado e Doutorado em Educação, que se apresentaram como espaços de reflexão de forma mais aprofundada sobre a complexidade que envolve o fazer docente e as práticas educativas em suas construções históricas, sociais e políticas.

Um dos exemplos citados dessa reflexão propiciada pelos estudos e que contribui para o processo de inclusão das pessoas com deficiência foi o cuidado para não atribuir justificativas simplistas e individuais às desigualdades produzidas no âmbito da educação que, segundo um dos participantes, foi desenvolvido nos estudos do campo da História e da Historiografia da Educação, como podemos observar no relato a seguir:

As experiências acadêmicas que vivenciei e vivencio até hoje por meio desses grupos, assim como leituras e atividades realizadas nas disciplinas dos cursos de graduação, Mestrado e Doutorado, fizeram com que eu passasse a refletir de forma mais aprofundada sobre a complexidade que envolve o fazer docente e as práticas educativas, percebendo-as como construções históricas, sociais e políticas. Entendo que os estudos do campo da História e Historiografia da Educação, por exemplo, têm auxiliado no sentido de me manter sempre atenta e a não atribuir justificativas simplistas e individuais para desigualdades produzidas no âmbito da educação (Docente B).

Esse exemplo mostra que os conhecimentos gerais da área da Educação são fundamentais para uma reflexão mais aprofundada sobre situações da prática educativa que precisam ser desveladas e confrontadas. Esse ponto pode ser identificado como uma fragilidade evidente na docência da Educação Superior, que é identificada no seguinte relato:

Na Educação Superior, há especificidades quanto à formação dos professores, pois são provenientes de áreas distintas; nem sempre estamos diante de um profissional com formação pedagógica e, sim com formação específica de uma área de conhecimento. Isso implica em distintas formas de compreensão da realidade dos/as estudantes, o que produz, na maioria das vezes, processos de exclusão não apenas calcados na perspectiva da deficiência, mas sob diversas formas. Em alguns cursos, as diferenças, sejam quais forem, são motivo para exclusão de estudantes (Docente A).

Para Gauthier et al. (2006), os saberes das Ciências da Educação são aqueles que se referem ao conjunto de saberes produzidos a respeito da escola, seu funcionamento e sua organização escolar, referentes também às aprendizagens e à didática. Tais saberes, de modo geral, são os conhecimentos adquiridos na formação inicial e continuada do professor.

Leite e Ramos (2007) reforçam a evidência da fragilidade de conhecimentos que há na docência da Educação Superior, indicando ser possível constatar que os “saberes pedagógico-didáticos” a que os professores recorrem são quase sempre os que provêm da experiência, seja das lembranças como estudantes, seja das experiências profissionais indiferentes ou alheias aos conhecimentos que as Ciências da Educação lhes têm oferecido. Observamos, assim, que, na docência da Educação Superior, geralmente são privilegiados os conhecimentos científicos das áreas do conhecimento em detrimento dos saberes didático-pedagógicos e da educação, tornando-se ainda mais evidente a necessidade de momentos de aproximação dos professores com esses últimos saberes.

Outros conhecimentos, apontados na pesquisa e que também fazem parte dos repertórios das Ciências da Educação, estão relacionados aos processos de ensino-aprendizagem e ao estímulo à autonomia e ao uso de estratégias e instrumentos para o desenvolvimento dos estudantes, considerando-se suas necessidades específicas, como podemos observar no relato que segue:

Nesse quesito, alguns pontos são fundamentais com este e com todos os demais estudantes: diálogo, planejamento de aulas, atividades e avaliações, levando em conta as particularidades da turma e considerando diferentes linguagens (além de produções escritas, atividades orais e outras, observando o potencial de valorizar as múltiplas formas de se expressar). Além disso, destacaria o papel da avaliação, que deve servir como um elemento que auxilia no processo de construção do conhecimento. Dessa forma, conversaria sobre a importância de que os estudantes tenham um retorno de suas produções, sabendo onde acertaram e quais aspectos precisam ser revistos (Docente B).

Nessa perspectiva, Pimenta (2002, p. 26) traz contribuições ao colocar que “[...] os profissionais da educação, em contato com os saberes sobre a educação e sobre a Pedagogia, podem encontrar instrumentos para se interrogarem e alimentarem suas práticas”. A autora acrescenta que os saberes sobre a educação, em confronto com a prática, contribuem para a elaboração e a reelaboração dos saberes pedagógicos. Para o processo de educação inclusiva, que tem seus pressupostos teóricos fortemente relacionados à Ciência da Educação, sobretudo os que estão relacionados aos conhecimentos didático-pedagógicos, a aproximação dos professores universitários com tais conhecimentos apresenta-se como um importante componente para o avanço nesse processo.

Nozi (2013) e Coutinho (2013) buscaram identificar os saberes que favorecem a inclusão das pessoas com NEE nos espaços educativos e, dentre um repertório amplo de conhecimentos apontado por essas autoras, destacamos, como conhecimentos gerais da área das Ciências da Educação, aqueles relacionados às teorias do desenvolvimento humano e da aprendizagem e aquele relacionado às tecnologias voltadas ao ensino. Sobre este último, Nozi (2013, p. 125) alerta que “[...] o uso das tecnologias no processo de ensino deve estar associado ao conteúdo e aos objetivos da aula [...] o professor precisa reconhecer também que os resultados advindos do uso das tecnologias na aprendizagem dos alunos merecem formas diversificadas de avaliação”.

Acerca dos conhecimentos específicos da área de Educação Especial, adquiridos na formação acadêmica e que contribuem para seu trabalho com estudantes com deficiência e NEE, os professores participantes apontam que:

[...] permitem que tenha conhecimento que auxilia na compreensão diagnóstica e, sobretudo, no reconhecimento de estratégias, metodologias, tecnologias e recursos que possam mediar/auxiliar os processos de ensinar e aprender (Docente A).

[...] compreendendo a inclusão como um processo, entendo que os conhecimentos específicos da área de Educação Especial têm auxiliado nos planejamentos dos atendimentos dos estudantes no apoio pedagógico e para a elaboração de estratégias pedagógicas a partir das especificidades de cada estudante, pois o estudo de teorias e o compartilhamento de experiências de docentes/discentes ampliam as possibilidades em minha prática profissional (Docente B).

A partir das ponderações destacadas anteriormente é possível percebermos que esses saberes, de modo geral, auxiliam na compreensão dos diagnósticos e no planejamento dos atendimentos aos estudantes do AEE. No auxílio ao planejamento, segundo os sujeitos da pesquisa, são incluídos conhecimentos que ajudam na identificação de estratégias metodológicas e de recursos pensados a partir das especificidades de cada estudante e que possam favorecer o processo de aprendizagem.

Ao observarmos as pesquisas de Nozi (2013) e Coutinho (2013) sobre o repertório de saberes que favorecem a inclusão dos estudantes com NEE, podemos apontar, dentre outros, os saberes claramente identificados como sendo específicos da área de Educação Especial Inclusiva, sendo aqueles relacionados: aos pressupostos da Educação Inclusiva; aos tipos de deficiência; à legislação nacional; aos princípios e às orientações que garantem os direitos de aprendizagem das pessoas com deficiência; aos recursos didáticos; e às tecnologias assistivas, que são entendidos como meios auxiliares para a promoção da aprendizagem de estudantes com NEE.

Segundo Nozi (2013), análises acerca da importância dos conhecimentos relacionados aos pressupostos da Educação Inclusiva indicam que os professores somente se propõem, de forma efetiva, a colocar propostas educativas em prática quando conhecem seus princípios e objetivos. A autora acrescenta que, na mesma perspectiva, devem também compreender a relação entre a Educação Inclusiva e a Educação Especial, valorizando os conhecimentos desenvolvidos por esta última, os quais podem ser aproveitados para a melhoria da educação de todos os estudantes.

Com relação à necessidade de conhecimento dos tipos de deficiência, Nozi (2013, p. 118), apoiada por outros estudos apropriados em sua pesquisa, alerta-nos que

[...] o professor do ensino regular não necessita conhecer com profundidade todos os tipos de deficiência e os códigos utilizados na comunicação de alguns grupos de pessoas com deficiência, mas é necessário algum conhecimento sobre eles para que consiga compreender esses alunos e organizar procedimentos de ensino que favoreçam sua aprendizagem (Nozi, 2013, p. 118).

Assim, podemos entender a importância de os professores se abrirem à possibilidade de conhecer as características e as necessidades dos estudantes com NEE a fim de que as mesmas necessidades sejam levadas em consideração em todos os elementos que compõem o planejamento, contribuindo para procedimentos pedagógicos mais assertivos em sala de aula. Todavia, Nozi (2013) alerta que a proposta de ensino não pode ser pautada nas limitações provocadas pela deficiência (geralmente ligada a uma perspectiva clínica), pois isso não favorece o desenvolvimento acadêmico das pessoas com deficiência. Consideramos, então, que é preciso uma atuação pedagógica que não patologize as possibilidades de aprendizagem do público-alvo da Educação Especial.

Sobre os conhecimentos da legislação nacional e dos princípios e orientações que garantem os direitos de aprendizagem das pessoas com deficiência, que também são apontados nos relatos da pesquisa, destacamos os trechos a seguir:

O docente precisa compreender que todos os estudantes, sem exceção, têm direito de acesso, permanência e aprendizagem na universidade […] (Docente B).

[...] é importante que entendam, a partir de um modelo baseado em direitos, que todos os estudantes, inclusive esse aluno com deficiência, têm direito de acesso aos conhecimentos e que, portanto, é nosso dever buscar meios para garantir que esse direito seja efetivado (Docente B).

[...] além de estar a par das políticas públicas relativas à Educação Especial e Inclusiva e os embates/disputas envolvidos em sua elaboração/implementação (Docente B).

Nozi (2013, p. 122) reforça a importância desse conhecimento ao identificar que o professor deve buscar, na interpretação das legislações, a compreensão de que os conhecimentos destas são fundamentais para a luta por seus direitos e dos estudantes com deficiências. A autora acrescenta que

[...] a proposição de uma lei e sua consecução é uma “via de mão dupla”, ou seja, ao passo que as políticas educacionais implicam mudanças na organização escolar e na atividade docente, a atuação docente e o modo de organização da escola também trazem implicações para a convalidação das leis propostas (Nozi, 2013, p. 122).

Assim, é possível percebermos que esse movimento de luta pela implementação das leis voltadas à inclusão das pessoas com deficiência promove a validação e o reconhecimento de sua necessidade para a sociedade, tornando-se, assim, um conhecimento fundamental para uma docência inclusiva.

Quando questionados acerca de quais saberes são importantes para a docência no AEE na Educação Superior, os participantes reforçam a ideia de que é fundamental ter saberes gerais sobre educação e saberes específicos da Educação Especial Inclusiva, como podemos observar nas ponderações a seguir:

A formação em Pedagogia é fundamental. Considero indispensável a compreensão sobre planejamento, metodologias de ensino, organização didática, currículo, alfabetização […] (Docente A).

São vários os saberes necessários para docência no AEE na Educação Superior. Para além dos saberes teóricos, é necessário que o professor do AEE tenha também saberes práticos, metodológicos e didáticos, dentre eles de planejamento e avaliação. [...] é fundamental que conheça conceitos e teorias sobre processos de elaboração conceitual e que esteja por dentro de debates que envolvem conceitos como os de inclusão, acessibilidade, deficiência, ensino e aprendizagem, entre outros. [...] é necessário conhecer diferentes perspectivas de ensino-aprendizagem […] (Docente B).

Mesmo com a identificação da importância dos conhecimentos específicos da área da inclusão, observamos que, nos relatos apresentados, eles são indissociáveis dos conhecimentos gerais que compõem o repertório dos saberes docentes, evidenciando a relevância de o professor ter consciência da necessidade de conhecer, para além dos conteúdos de suas áreas de conhecimento, esses saberes, que são colocados por autores como Tardif (2011), Shulman (2005) e Gauthier et al. (2006) como basilares à constituição da identidade da profissão docente.

Outro elemento identificado é a necessidade de conhecer os estudantes e considerar suas especificidades no planejamento do processo educativo. Sobre essa necessidade, apontamos o seguinte relato:

Além de saber sobre especificidades do trabalho com sujeitos público-alvo da Educação Especial, é importante que o docente entenda que cada estudante é único. Por isso, deve buscar conhecê-lo, observando suas dificuldades e potencialidades, pois cada um possui singularidades que devem ser consideradas durante o planejamento das atividades, dos recursos e das estratégias que visam estimulá-los intelectualmente durante seus percursos na universidade (Docente B).

Dentro desse contexto, Freire (2019, p. 117) assinala, como uma das responsabilidades do professor ou professora comprometido com o processo de aprendizagem dos estudantes, a necessidade de “[...] escutar o educando em suas dúvidas, em seus receios, em sua incompetência provisória”, aprendendo, assim, a dialogar com eles. Ao conhecer o estudante, estabelecendo um processo de diálogo, o professor traz para si uma maior probabilidade de identificação das dificuldades específicas de cada estudante e as possibilidades de cada turma.

As características observadas nesse processo não se restringem ao âmbito acadêmico, mas consideram também os aspectos do desenvolvimento pessoal, os quais podem interferir para a efetivação do processo de aprendizagem. Nessa perspectiva, Freire (2019, p. 120) nos alerta que “[...] respeitar a leitura de mundo do educando significa torná-la como ponto de partida para a compreensão do papel da curiosidade, de modo geral, e da humana, de modo especial, como um dos impulsos fundantes da produção do conhecimento”.

Sob essa perspectiva, destacamos os seguintes recortes de relatos, quando os participantes foram indagados sobre orientações fundamentais para professores que recebem pela primeira vez um estudante com deficiência em classes regulares:

[...] conheça, esteja próxima, dialogue, pergunte a ele/as quem são, qual seus nomes, o que desejam... Esteja presente e permita que as presenças dos/as estudantes se manifestem... No percurso, estude, busque, pesquise, aprenda, dialogue com seus pares (Docente A).

Assim, argumentaria sobre a importância de conhecer todos os seus estudantes (inclusive o estudante com deficiência), pois esse movimento é fundamental para o planejamento de aulas que se constituam verdadeiramente significativas para a turma e para identificar os desafios que precisam ser levados em conta nesse processo (Docente B).

Desse modo, podemos ratificar que a aproximação com os estudantes bem como o reconhecimento das características individuais e da sua realidade são elementos importantes para o planejamento de estratégias pedagógicas que ajudem a superar as dificuldades dos estudantes. Podemos, ainda, acreditar que esse conhecimento contribui para verificar as necessidades e as potencialidades dos estudantes, como também identificar possíveis causas de dificuldades de aprendizagem, de modo a embasar um planejamento que potencialize o aprendizado de todos eles.

Uma percepção importante apontada por Nozi (2013), relacionada à necessidade de conhecer os estudantes, é que não há uma pessoa com deficiência, mas uma pessoa como qualquer outra que possui, como um dos seus atributos, não ouvir, não ver, não andar, entre outras características.

Outro ponto relevante trazido pelas participantes foi observado em uma reflexão sobre as compreensões acerca do que é “ser estudante” na Educação Superior e, mais especificamente, sobre as expectativas atribuídas aos acadêmicos, as quais estão pautadas na meritocracia. Esse ponto, ao influenciar o olhar para esses estudantes, traz muitos outros elementos de reflexão para a mudança de percepção sobre a perspectiva de estudante “ideal” da Educação Superior. Dentre tais elementos, podemos destacar: a padronização de estudantes que podem ter sucesso nos espaços universitários e a questão da ideia de mérito em uma sociedade que não oferece as mesmas oportunidades para todos. Tais ponderações tocam profundamente as iniciativas educacionais que visam incluir os estudantes com deficiência na Educação Superior, pois colocam em xeque a capacidade desses estudantes ocuparem esse espaço.

Outras questões que são identificadas como fundamentais para os/as professores/as do AEE no ensino superior são voltadas às áreas de sociologia, filosofia e política, como podemos observar no extrato a seguir: “[...] também, as questões filosóficas, sociológicas e políticas que envolvem o trabalho e que atravessam todos os fazeres e pensares do ensino e da aprendizagem” (Docente A).

Na perspectiva das questões filosóficas, Santos (2016) realizou investigações sobre as contribuições do saber filosófico para a formação ética dos professores de AEE e aponta que é necessário considerar como a formação ética está presente na atuação prática dos professores, considerando que “[...] o exercício da docência requer atitudes, decisões e ações que têm implicações éticas” (Santos, 2016, p. 19). Em função disso, o professor precisa estar mais preparado para lidar com tais questões, sendo necessário um saber voltado para o “dever-ser”, destacando, assim, a importância da formação ética para fundamentar as concepções e as ações dos docentes (Santos, 2016).

Quando os participantes foram questionados sobre as orientações necessárias para um professor que recebe pela primeira vez um estudante com deficiência, levantamos a necessidade de que o professor identifique o estudante com NEE como seu aluno e que sua aprendizagem seja acompanhada e estimulada pelo professor do componente curricular. Sobre isso, trazemos o relato a seguir:

Explicaria que esse estudante, assim como qualquer outro acadêmico em sala de aula, precisa de sua atenção. Falaria que o serviço de apoio pedagógico oferecido pela instituição tem como objetivo acompanhar pedagogicamente os estudantes visando, de forma sistemática, auxiliar em seus processos formativos e no que se refere à elaboração de recursos de acessibilidade e materiais pedagógicos.[...] em uma perspectiva inclusiva, esse estudante deve ser compreendido como integrante da turma e, consequentemente, como seu aluno e não como um estudante sob responsabilidade exclusiva do núcleo de apoio pedagógico institucional, mas que frequenta sua sala de aula (Docente B).

Contribuindo nesse ponto, Nozi (2013) indica que, apesar de ser evidente que a responsabilidade do processo educacional inclusivo seja, sobretudo, do profissional que atua nas classes regulares, é recorrente encontrar “[...] relato na literatura de que o trabalho pedagógico com os estudantes deficientes ainda tem ficado a cargo dos professores especializados, na ocasião dos atendimentos educacionais especializados” (Nozi, 2013, p. 75). Contemplando esse aspecto, acrescentamos ainda o seguinte relato:

A partir de uma perspectiva inclusiva, é necessário conhecer seus estudantes e planejar aulas a partir de suas necessidades, entendendo que todos têm direito a aprender. Portanto, entendo que, no Ensino Superior, mas não apenas nesse nível de ensino, os professores devem ser pesquisadores e refletir sobre suas práticas, objetivando que sejam acessíveis a todos os estudantes em sala de aula (Docente B).

Podemos acrescentar, nesse sentido, que não se trata de jogar toda a responsabilidade do processo de inclusão nos professores, mas se observa como é fundamental que este saiba e assuma o seu papel nesse processo. Também lembramos que, em qualquer percurso de escolarização, o elemento primordial é a apropriação de determinados conhecimentos historicamente acumulados pela sociedade e que este é um elemento que faz parte do trabalho a ser conduzido pelos professores dos componentes curriculares.

Continuando a busca por elencar alguns conhecimentos essenciais à atuação docente no processo de inclusão das pessoas com deficiência, o recorte que segue indica um deles:

Outro aspecto sobre o qual conversaria com esse profissional seria problematizar um modelo de compreensão da deficiência a partir de uma visão caritativa. Muitos profissionais ainda carregam a compreensão de que estão fazendo um favor ao estudante ao adaptar materiais e/ou processos avaliativos (Docente B).

Sobre o conhecimento e a problematização dos modelos de compreensão da deficiência, Bock e Nuernberg (2018), ao tratar de concepções de deficiência e suas implicações para a prática pedagógica, apresentam três modelos de concepção de deficiência: caritativo, biomédico e social. Sobre a compreensão caritativa, apontada pelo relato, os autores colocam que:

O modelo caritativo, cuja concepção é detentora de grande influência oriunda da cultura religiosa, principalmente a Cristã, tem a caridade como um princípio balizador da relação entre pessoa sem deficiência para com as pessoas que experienciam a deficiência, as quais são consideradas vítimas de infortúnio da vida e, portanto, merecedoras de cuidado e atenção especial (Bock; Nuernberg, 2018, p. 1).

Na educação, os autores indicam a influência desse modelo de concepção, quando se observa que os estudantes com deficiência são menos desafiados nas tarefas propostas, sendo superprotegidos na criação de classes especiais e filantrópicas (Bock; Nuernberg, 2018). Os autores defendem uma educação que esteja fundamentada nos princípios do modelo social, apontando que tal concepção, quando vivenciada nos espaços escolares, incorpora uma prática pedagógica que leva em consideração as diferentes maneiras de construir o processo de aprendizagem, respeitando e antecipando, no planejamento, possíveis dificuldades e construindo estratégias “[...] que contemplem os modos diversos de estar no mundo” (Bock; Nuernberg, 2018, p. 3).

A necessidade de reflexão sobre a formação para inclusão, além da colaboração entre professores e os demais profissionais que atuam na educação, é observada em alguns trechos, tais como:

Não estou, nesse sentido, romantizando a prática docente e falando que esse processo é simples. Mas, defendendo que, por meio de um trabalho colaborativo, seja feito o possível para que o estudante aprenda (Docente B).

Não acredito que haja uma fórmula específica para preparar alguém, mas sim que há contextos de formação necessários para que professores sintam-se em condições de receber todos e todas independentemente de suas especificidades. A formação de professores ainda se volta a determinadas perspectivas de desenvolvimento e de aprendizagem que se distanciam da realidade cotidiana das escolas e instituições (Docente A).

Nesse sentido, Mantoan (2015, p. 81) destaca que o exercício constante e sistemático de compartilhamento de ideias, sentimentos e ações entre professores e demais profissionais nos espaços educativos “[...] é uma das saídas para obter o sucesso almejado na formação emergencial para a inclusão”. A autora acrescenta ainda que:

No questionamento da própria prática, nas comparações, na análise das circunstâncias e dos fatos que provocam perturbações e/ou respondem pelo sucesso escolar, os professores vão definindo, pouco a pouco, suas “teorias pedagógicas”. [...] incentivar os professores a se encontrar regularmente com os colegas de escola a fim de estudarem juntos e elaborarem com seus pares, trocando ideias, dirimindo dúvidas, buscando opiniões com outros especialistas internos e externos à escola. Enfim, descobrindo os caminhos pedagógicos da inclusão (Mantoan, 2015, p. 82).

Podemos perceber, assim, que essa colaboração entre profissionais da educação pode ser um elemento que favorece a resolução de dificuldades no processo de inclusão, ao mesmo tempo que contribui para o desenvolvimento profissional de todos os envolvidos nessas trocas colaborativas, as quais envolvem a inclusão das pessoas com deficiência e NEE.

Com base na experiência dos professores participantes, buscamos elencar quais saberes são importantes para os professores que têm, em suas turmas regulares, estudantes com deficiência na Educação Superior, tentando identificar outros elementos que pudessem surgir de uma reflexão sobre os saberes que emergem da prática profissional. Nessa perspectiva, observamos que os saberes apontados a partir do questionamento sobre a prática se apresentam intimamente ligados aos saberes indicados como essenciais da profissão docente e que devem fazer parte de sua atuação, tais como observamos a seguir:

Para responder objetivamente, resguardando que se trata de observação particular, nesses casos, penso que é necessária formação pedagógica: planejamento, didática, estratégias e metodologias de ensino, avaliação (Docente A).

Para além dos saberes curriculares, específicos da disciplina ministrada, os professores, independentemente de possuírem ou não estudantes com deficiência em suas turmas, devem possuir múltiplos saberes, dentre os quais se podem citar os saberes relativos ao trabalho pedagógico e à pesquisa (como planejar, formas e processos de avaliação, importância do registro, etc.) (Docente B).

Também aparece de forma marcante, nos relatos apresentados, a necessidade de formação pedagógica já indicada anteriormente. Sobre essa formação, os participantes elencam conhecimentos ligados a elementos que devem fazer parte do trabalho docente, tais como: planejamento, metodologias de ensino, registro, avaliação e outros que fazem parte do repertório de saberes da profissão docente, indicados por Pimenta (2002) como saberes pedagógicos que, para além dos processos de formação, devem ser desenvolvidos na articulação com a prática docente.

Para Pimenta (2002, p. 26), “[...] os saberes sobre a educação e sobre a pedagogia não geram saberes pedagógicos. Estes só se constituem a partir da prática, que os confronta e os reelabora”. Nesse mesmo movimento, Cunha (2004), em suas conclusões de uma pesquisa sobre o bom professor e sua prática, identifica que:

A prática é que dá sentido às inquietações do ser humano. É preciso que a formação pedagógica se faça sobre ela. Os significados dos estudos na área da educação dependem da capacidade de auscultar o momento do educando, que transparece principalmente por seu discurso. Nele há a expressão de suas experiências, condições de vida, interesses e aspirações (Cunha, 2004, p. 170).

Gauthier et al. (2006), em um estudo realizado sobre o repertório de saberes mobilizado pelos professores para a atividade de ensino, focam sua pesquisa no que chamam de saber da ação pedagógica, caracterizado como os saberes que emergem da experiência no processo de ensinar e que são legitimados por pesquisas, ressaltando a necessidade de que os mesmos saberes sejam conhecidos e reconhecidos. Também nos é alertado que:

Na ausência de um saber da ação pedagógica válido, o professor, para fundamentar seus gestos, continuará recorrendo à experiência, à tradição, ao bom senso, em suma, continuará usando saberes que não somente podem comportar limitações importantes mas, também não o distinguem em nada, ou quase nada, do cidadão comum (Gauthier et al., 2006, p. 34).

Podemos afirmar, com esse ponto de vista, que os conhecimentos apontados pelos participantes apresentam-se como fundamentais na constituição do repertório de saberes dos docentes em qualquer área de atuação, considerando que estes já aparecem como validados e consolidados na prática e nas teorias da educação. É importante ressaltarmos ainda, que os saberes elencados pelas professoras (planejamento, registro, didática, avaliação), a partir do resgate de suas experiências profissionais, não são exclusivos dos professores que atendem no AEE ou atuam em sala com estudantes com necessidades educacionais especiais, mas são constitutivos da docência e que, quando mobilizados pelos docentes, contribuem significativamente tanto para o processo de ensino-aprendizagem como para o de inclusão.

Ainda sobre as reflexões trazidas da experiência profissional, destacamos o seguinte relato: “[...] entendo que tão importante quanto saber o que ensinar, os docentes devem constantemente refletir sobre suas práticas, pensando no porquê e como ensinar os conteúdos” (Docente B). Além do extrato apresentado, a palavra “refletir” aparece em outros três trechos dos relatos associada à formação, ao olhar para o estudante e a prática vivenciada nas aulas. Nesse caso, destacamos acima o trecho da reflexão sobre a prática, pois é caracterizada por Freire (2019), Pimenta (2002) e Nóvoa (2013) como um elemento essencial para uma prática docente identificada com a consciência do seu papel social.

Para Freire (2019, p. 39), tal reflexão, que “[...] envolve um movimento, dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer” é que vai garantir ao professor um olhar crítico sobre a sua prática e a possibilidade de sua melhoria. Nesse sentido, Freire (2019) acrescenta que é pensando na prática de hoje ou de ontem que o professor pode qualificar suas práticas futuras. O autor ainda ressalta a necessidade de momentos de distanciamento da prática para que, na relação com as teorias, seja favorecido o processo de reflexão e de ressignificação que leve o professor de uma curiosidade ingênua à crítica.

Nóvoa (2013, p. 16), ao discorrer sobre o que chama de “três AAA” que sustentam o processo de construção da identidade docente, quais sejam: adesão, ação e autoconsciência apontam, neste último que, “[...] em última análise, tudo se decide no processo de reflexão que o professor leva a cabo sobre a sua própria ação”, afirmando que, dessa reflexão, dependem os processos de mudança e inovação pedagógicas decisivos na profissão docente.

Nozi (2013) identifica, em sua pesquisa, a necessidade de o professor refletir sobre a sua prática como uma característica pessoal que favorece a inclusão e assinala que, para a compreensão de suas ações ou de algum fenômeno associado à sua prática de ensino, é imprescindível que ele considere os saberes acumulados na trajetória profissional, bem como os saberes científicos apropriados nos processos de formação inicial e continuada. Dessa forma, o professor terá subsídios para dar sentido à reflexão que emerge da prática.

A reflexão sobre o próprio pensamento e as ações provoca nos professores descoberta e conhecimento sobre si mesmos, em um processo que desvela as condições de desempenho da profissão e o compromisso que este tem com o processo de ensino e a educação como um todo (Nozi, 2013).

Como último ponto observado nos relatos dos professores participantes, destacamos a afirmação da necessidade de escuta dos envolvidos (professores e estudantes) para a construção de um processo de formação que seja efetivamente comprometido com a reflexão sobre a prática do ensino. Em continuação, destacamos os trechos a seguir:

Escuta dos envolvidos como fundamental para a elaboração de uma proposta de formação [...]. Sempre parto do pressuposto de que o primeiro passo, em qualquer proposta, deva ser a escuta dos maiores interessados (Docente A).

[...] penso que a formação para professores do ensino superior deveria nascer da escuta dos/as estudantes também. Eles/elas teriam muito a contribuir com seus professores e com a política de formação na universidade (Docente A).

A escuta dos interessados, apontada nos relatos, colabora com as colocações que indicam que a formação deve ter como elemento central a própria prática, sendo por meio dessa escuta que são percebidas as dificuldades e possíveis temáticas que devem ser consideradas nas ações de formação continuada. Desse modo, observamos a necessidade de construção de estratégias de escuta como forma privilegiada de identificação das demandas de formação, de modo que atendam às necessidades dos professores, tragam contribuições para o seu processo de constituição na qualidade de profissional da educação, provoquem reflexões sobre a sua prática e possibilitem o seu aperfeiçoamento.

Partindo dos elementos apresentados na análise das respostas dos professores participantes e a articulação delas com a fundamentação teórica, podemos sintetizar que as categorias de saberes apontadas como importantes e que favorecem o processo de inclusão de estudantes com deficiência são:

  • Saberes das Ciências da Educação, tais como: conhecimentos em áreas como Sociologia e Filosofia.

  • Saberes indicados como essenciais da profissão docente (planejamento, estratégias e metodologias de ensino, avaliação), os quais indicam de forma muito marcante a necessidade de formação pedagógica.

  • Saberes sobre Educação Especial, indicados como: conhecimentos sobre deficiência; legislações que amparam o processo de inclusão educacional; conhecimentos e problematização de modelos de compreensão das deficiências.

  • Saberes oriundos do contato com os estudantes com deficiência e NEE, como exemplo: abertura para o diálogo com esses estudantes; conhecimento das especificidades dos estudantes e responsabilidade pedagógica diante dos diferentes processos de aprendizagem dos estudantes.

Por fim, destacamos a capacidade de refletir dos professores e das professoras sobre a sua prática como característica profissional necessária para a ressignificação das práticas de ensino e favorecedora do processo de ensino-aprendizagem. Nessas reflexões residem as possibilidades de perceber o novo e o diferente com todos os seus desafios e, também, com suas potencialidades de enriquecimento do trabalho pedagógico.

Considerações finais

Investigar os saberes fundamentais à ação docente no AEE em uma instituição de Educação Superior assinalou, de forma marcante, que a base de conhecimentos essenciais ao professor para trabalhar com os estudantes com NEE não se difere, em grande medida, dos conhecimentos que fazem parte dos saberes essenciais à ação docente. Ter consciência de que a docência é uma profissão que mobiliza saberes específicos ligados à atividade de ensino parece ser um passo fundamental para que os professores consigam lidar de forma comprometida com os desafios que a inclusão traz para os espaços educacionais e, especificamente, para a sala de aula.

Esses profissionais, que são profundos conhecedores em suas áreas e têm, de modo geral, uma forte atuação no campo da pesquisa, ao atuarem na área de ensino, buscam em suas memórias, em suas experiências escolares anteriores, os conhecimentos que os auxiliem na tarefa de ensinar. Esse fato, geralmente, é insuficiente e, algumas vezes, um complicador para a solução dos dilemas enfrentados no cotidiano educacional, principalmente quando se trata de dificuldades somadas a preconceitos sobre a educação das pessoas com deficiência, os quais estão fortemente pautados no imaginário do senso comum.

Ao analisar os saberes docentes mobilizados pelos professores do AEE e os elementos teóricos associados, percebemos que é necessário que esses profissionais se reconheçam como professores e saibam o seu papel no processo educativo, bem como estarem abertos a fazer um investimento em conhecimento sobre a área da Educação. Nesse ponto, a pesquisa mostrou ser fundamental que o docente esteja aberto a novos conhecimentos e se disponha à participação em momentos de formação continuada. A importância de conhecimentos específicos voltados à inclusão, dentro do repertório de conhecimentos a serem mobilizados pelos docentes para atuar com estudantes com NEE, foi consistentemente identificada. No entanto, ficou muito marcante a ideia da necessidade primordial de reconhecimento dos saberes essenciais à atuação profissional, em especial, à formação pedagógica, como fomento à compreensão positiva do processo de inclusão.

Outro saber primordial para uma atuação educacional inclusiva, apresentado neste estudo, foi o conhecimento acerca das concepções que norteiam a visão de Educação Especial em uma perspectiva inclusiva. Destacamos, aqui, o conhecimento das leis que garantem o direito à educação desses estudantes; formas de perceber a deficiência e as barreiras que limitam suas vivências; e, na especificidade da ação docente, as adequações curriculares não significativas, que estão diretamente ligadas a essa ação.

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Recebido: 05 de Agosto de 2021; Revisado: 18 de Fevereiro de 2022; Aceito: 14 de Maio de 2024; Publicado: 17 de Maio de 2024

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