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Reflexão e Ação

versão On-line ISSN 1982-9949

Rev. Reflex vol.29 no.3 Santa Cruz do Sul set./dez 2021  Epub 30-Ago-2023

https://doi.org/10.17058/rea.v29i3.16540 

Dossiê temático: Ensino Médio e Educação Integral na América Latina

O ensino médio e o dilema da descontinuidade das políticas

High school and the dilemma of political descontinuity

El bachillerato y el dilema de la descontinuidad de las políticas

Chanauana de Azevedo Canci1 
http://orcid.org/0000-0003-1117-5837

Janaína Raquel Cogo2 
http://orcid.org/0000-0003-2330-2506

Jaqueline Moll3 
http://orcid.org/0000-0001-5465-178X

1 Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI - Frederico Westphalen - Rio Grande do Sul - Brasil.

2 Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria - Rio Grande do Sul - Brasil.

3 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil.


RESUMO

Este artigo aborda o Ensino Médio e de que forma a descontinuidade de políticas públicas educacionais pode significar um impeditivo para mudanças e avanços em termos de escolarização e processos educativos. Propomos uma reflexão crítica quanto aos desafios em universalizar o Ensino Médio com qualidade e com vistas à diversidade de contextos que compõe o país frente ao dualismo que permeia a educação dos jovens. Neste ensaio teórico, defendemos oportunidades de escolha para todos os jovens e a construção de trajetórias significativas, em que a lógica da profissionalização não se sobreponha, almejando a educação integral e a universalização do ensino em todas as etapas da educação básica.

Palavras-chave: Ensino Médio; Políticas públicas; Desigualdades; Descontinuidades

ABSTRACT

This article covers the High School and how the discontinuity of public educational policies could represent a barrier to changes and advances in terms of schooling and educational processes. We propose a critical reflection on the challenges of universalizing High School with quality and with a diversity view of contexts that constitutes the country in front of dualism which permeates the young people’s education. In this theoretical essay, we defend the opportunities of choice for all young people and the construction of meaningful trajectories, in which professionalization logic does not overlap, aiming the comprehensive education and the teaching universalization in all schools’ stages of basic education.

Keywords: High School; Public Politics; Inequalities; Discontinuities

RESUMEN

Este artículo aborda el Bachillerato y de que forma la descontinuidad de las políticas públicas educacionales puede significar un impedimento para los cambios y avances en términos de la escolarización y de los procesos educativos. Proponemos una reflexión crítica en cuanto a los desafíos en universalizar el Bachillerato con calidad y con vistas a la diversidad de contextos que compone el país frente al dualismo que impregna la educación de los jóvenes. En este ensayo teórico, defendemos a las oportunidades de elección para todos los jóvenes y la construcción de trayectorias significativas, en que la lógica de la profesionalización no se sobrepone, con el objetivo de la educación integral y de la universalización de la enseñanza en todas las etapas de la educación básica.

Palabras clave: Bachillerato; Políticas públicas; Desigualdades; Discontinuidades

INTRODUÇÃO

Para falar de Ensino Médio importa pensar que na história da educação brasileira tem sido constante (e infindável) a luta pela democratização do acesso, permanência e conclusão desta etapa de ensino, assim como das demais que compõem a Educação Básica, processo educativo fundamental e essencial; o mínimo aceitável em termos de educação para todos.

A partir desta afirmação, buscamos, neste artigo, abordar o dualismo presente na educação de jovens: de um lado, a escola que encaminha para o vestibular e de outro a que remete ao mundo do trabalho, ou seja, a lógica da profissionalização para os jovens de camadas populares que se contrapõe à lógica propedêutica aos destinados ao Ensino Superior.

Intencionamos desenvolver uma reflexão crítica sobre os desafios enquanto sociedade em universalizar com qualidade, observando a diversidade de contextos no país, e também destacar as recentes alterações na formatação do Ensino Médio, com destaque para a BNCC e os itinerários formativos, que estão na contramão de uma formação mais complexa e integral.

O que fazer para o que o Ensino Médio atenda, de fato, os estudantes e promova efetivamente uma formação humana integral? A política educacional voltada ao Ensino Médio é tardia e permanece lenta, não representando a universalização que se espera, longe de se tornar uma etapa que possibilite escolhas no processo formativo dos jovens. Com a pandemia, essa situação se agrava, pois as desigualdades sociais são reafirmadas e consequentemente também as desigualdades de oportunidades de acesso ao conhecimento para os estudantes do Ensino Médio.

Propomos, por meio de um estudo qualitativo, uma revisão de literatura amparada em autores como Moll (2017; 2020), Ramos e Frigotto (2017), Saviani (1997; 2011), Santos e Almeida Filho (2012) e Saviani e Galvão (2021), que retratam o Ensino Médio e questões de democratização, desigualdade e descontinuidade como fatores impeditivos de mudanças e avanços educacionais e sociais.

ENSINO MÉDIO NO BRASIL: A DESIGUALDADE DE OPORTUNIDADES INTRÍNSECA A SUA HISTÓRIA

O Brasil é um país historicamente marcado pela desigualdade social e pela falta de oportunidades a uma educação de qualidade. No que concerne à etapa escolar do Ensino Médio, apenas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, passou a ser considerada como parte da Educação Básica. Ainda assim, as condições de acesso, permanência e qualidade dos estudos aos jovens de diferentes camadas da população brasileira permanecem desiguais.

De acordo com Moll e Garcia (2020, p. 18), “a história da escola pública na sociedade brasileira além de tardia, desigual e seletiva, caracterizou-se como insuficiente, tanto em termos do tempo educativo, quanto em relação as dimensões formativas contempladas”. O sistema educacional brasileiro nasce com raiz escravocrata, selecionando alguns poucos para a escolarização, destinando outros tantos ao fracasso:

A organização do sistema escolar brasileiro foi uma obra tardia [...]. Assim sendo, o acesso da maioria da população aos bancos escolares, e os diferentes níveis de ensino, percorreu (e ainda percorre) percursos lentos e perpassados por inúmeros obstáculos (MOLL; GARCIA, 2020, p. 17).

Diante da realidade de abertura do governo para interferências empresariais na educação básica pública do país e da preocupação com os indicadores das avaliações de larga escala - caminhando na contramão da preocupação que deveria manter pelo desenvolvimento global de crianças e jovens - a educação tem mais reforçado as desigualdades sociais do que fornecido possibilidades para rompimento de ciclos de desigualdade formativa, que se desenvolvem no Brasil desde sua Independência, no século XIX, quando tiveram início as primeiras organizações de um sistema educacional.

A educação popular se desenvolveu historicamente de forma muito desigual, com avanços históricos em termos de políticas educacionais, mas também com retrocessos e descontinuidades. Embora instituída a educação como um direito de todas e todos, as condições de acesso e permanência continuam mantendo e proliferando as desigualdades de oportunidades entre as diferentes regiões do Brasil e entre as classes sociais, em que a economia dita o acesso à educação e cultura.

Instituiu-se uma certa “cegueira” diante das desigualdades sociais, que está relacionada com todas as formas de desigualdade e com a ausência de vontade política em proporcionar chances iguais diante dos processos educativos formais. Não é possível vencer as desigualdades reais, ainda que de posse de todos os meios institucionais e econômicos disponíveis. O conceito de pedagogia racional evidencia as desigualdades culturais e busca contribuir na redução das disparidades escolares e culturais, mas somente poderia se tornar efetiva e concreta a partir do oferecimento de todas as condições indispensáveis à democratização real do ensino (BOURDIEU; PASSERON, 2014).

Nesse contexto, é importante considerar que é de interesse dos grupos econômicos dominantes manter as desigualdades, que traduzem um país cindido e excludente. É preciso entender o que está implícito nos discursos que defendem a meritocracia, buscando neutralizar as verdadeiras perspectivas de desigualdade para encobrir, perpetuar e reafirmar um projeto educacional que se mostra excludente, sobretudo, para aqueles que mais precisam da educação.

A perpetuação das desigualdades sociais é demonstrada na desvalorização da escola pública brasileira, como ressaltado por Frigotto, Ciavatta e Ramos (2020, p. 64):

É dentro da especificidade de nossa herança histórica que podemos melhor entender porque a universalização do Ensino Médio, como Educação Básica, nunca foi e continua não sendo uma prioridade para a burguesia brasileira. A retórica do seu valor se desmente de forma inequívoca pelas pífias dotações orçamentárias e pela vergonhosa remuneração dos profissionais da educação, expressa, ao contrário da retórica do valor da educação, a sua não necessidade de efetiva universalização como direito social e subjetivo. Também explicita o porquê da resistência ao Ensino Médio Integrado, já que o mesmo foi concebido como uma formação que integra conhecimento, trabalho e cultura na perspectiva da escola unitária.

Há décadas no Brasil se discutem as finalidades e possibilidades do Ensino Médio, debate este que é capítulo importante na histórica luta pela expansão e democratização da escola básica. Alguns dos fatores que contribuem para o cenário de exclusão e seleção social estão relacionados ao acesso e permanência na escola, em que milhares e milhares de jovens em idade escolar, preocupados em garantir a renda familiar, entram para o mercado de trabalho sem exigência de escolaridade e deixam de frequentar a escola. Muitos desistem e outros optam pelo turno da noite, chegando à escola, na maioria dos casos, cansados, mal alimentados e, porque não dizer, desmotivados. Uma grande parcela de jovens abandona a escola e também o possível sonho de seguir estudando e ter uma formação que permita fazer escolhas e superar uma vida de precariedades.

Os jovens que não desistem e optam pelo ensino noturno, passam a cumprir uma verdadeira maratona para dar conta de trabalhar e estudar - fator limitante da aprendizagem e do sucesso escolar -, dando sequência aos círculos viciosos de trajetórias escolares inconclusas vivenciadas por inúmeras famílias. Esse cenário, somado a outras desigualdades relativas ao acesso à moradia, saneamento básico, saúde pública, entre outros meios básicos para a vida, amplia, a cada dia, a vala das injustiças estruturais do país.

Saviani (2011) traz uma concepção muito lúcida sobre o lugar específico do Ensino Médio, que deve estar definido pela relação entre ciência e produção. Diante disso, o papel fundamental da escola de nível médio está em recuperar essa relação, equilibrando a consonância entre conhecimento e prática do trabalho:

Isso significa que no Ensino Médio já não basta dominar os elementos básicos e gerais do conhecimento que resultam e ao mesmo tempo contribuem para o processo de trabalho na sociedade. Trata-se, agora, de explicitar como o conhecimento (objeto específico do processo de ensino), isto é, como a ciência, potência espiritual, se converte em potência material no processo de produção. [...] Portanto, o horizonte que deve nortear a organização do Ensino Médio é o de propiciar aos alunos o domínio dos fundamentos das técnicas diversificadas utilizadas na produção, e não o mero adestramento em técnicas produtivas (SAVIANI, 2011, p. 288-289).

Para que haja a redemocratização do Ensino Médio com qualidade é imprescindível que se reafirme a importância da escola e de seu papel, que está voltado à socialização do conhecimento científico. “O investimento em Educação Básica, tendo a qualidade como parâmetro de suas diretrizes, é um grande desafio para todo o país [...]” (DOURADO, 2007, p. 240).

A Constituição Federal de 1988 representou avanços na direção de garantia do direito à educação. Contudo, a aprovação da LDBEN, embora se tenham envidados esforços para consolidar os conhecimentos científicos, tecnológicos e sociais - e caracterizar o Ensino Médio como etapa da Educação Básica -, não significou uma mudança efetiva na educação e na ordem social. Se mantém a materialização de percursos educativos diferentes para jovens de diferentes origens sociais.

Seguimos com a chamada inclusão excludente, pois ao mesmo tempo em que cria a possibilidade do acesso, as condições de permanência não a acompanham, tampouco se trata de forma igual o conhecimento e a organização do trabalho pedagógico, manifestando um claro recorte de classe social (MOLL; GARCIA, 2020).

O campo da legislação e das políticas educacionais para o Ensino Médio tem sido alvo de inúmeros estudos e debates, destacando-se a Medida Provisória nº 746/2016, que resultou na Lei nº 13.415/2017, conhecida como Reforma do Ensino Médio. Apesar do conhecimento dos condicionantes estruturais históricos que sempre mantiveram a educação brasileira como espaço de seleção social, ainda não temos um sistema educacional que preserve, na prática, a garantia legal de acesso e permanência em condições de igualdade.

As consequências seculares das disparidades de oportunidades educacionais são enormes e não conseguem ser resolvidas com políticas públicas e educacionais descontínuas e sem um projeto de nação que as sustente. A busca pela igualdade de oportunidades e efetivação de direitos requer que as políticas públicas destinadas aos estudantes da Educação Básica sejam garantidas, efetivadas, continuadas.

As políticas públicas são fundamentais para conseguir alterar uma realidade educacional perpetuada na história educacional brasileira, e buscar a promoção da democratização de acesso ao ensino superior, e assim, transformar a realidade social de muitos jovens.

Na última década foram abertas fendas neste desenho social, através de diferentes políticas públicas, entre as quais, a de redistribuição de renda e de acesso popular ao ensino superior, tanto através do sistema de cotas, como através da expansão de vagas públicas ou financiadas pelo poder público. Significativo número de jovens pobres constituíram os primeiros, em gerações e gerações de suas famílias, a concluir o Ensino Médio e a chegar no ensino superior (MOLL, 2017, p. 63).

A falta de perspectiva em enxergar possibilidades para continuar seus estudos no Ensino Superior, ou mesmo ingressar no mercado de trabalho de forma mais qualificada - em conjunto com a falta de políticas que possibilitem alternativas aos jovens para permanência no Ensino Médio conjunta à necessidade de ingressar precocemente no mercado -, fazem com que as taxas de evasão sejam elevadas nesta etapa de ensino.

DUALIDADE ESCOLAR: PROFISSIONALIZAÇÃO VERSUS ENSINO SUPERIOR

Uma das principais críticas à Reforma do Ensino Médio está na proposta de adequação desta etapa da educação ao mercado de trabalho, definindo as proposições de ensino de acordo com as necessidades do setor empresarial. Uma visão pragmática e mercantil sobre a educação e a escola pública não pode resultar em outra coisa senão na limitação ao acesso da Educação Superior. A Reforma do Ensino Médio vem cumprindo um duplo objetivo: “pela natureza pragmática e de adestramento precoce, fecha para os filhos da classe trabalhadora o acesso à universidade e ao trabalho complexo” (RAMOS; FRIGOTTO, 2017, p. 44).

Se para os jovens das classes média e alta, representa uma etapa preparatória para os vestibulares e para o Ensino Superior, enquanto que para os jovens de classes mais baixas, o foco tem sido a preparação para o mercado de trabalho. Tanto no sentido de etapa preparatória para vestibulares como para o mercado, o Ensino Médio perde o sentido de formação própria para a formação humana que deveria assumir.

Mesmo sendo parte da Educação Básica e etapa obrigatória formativa, a desigualdade na formação de jovens é bastante significativa. Enquanto um número reduzido de jovens tem, no Ensino Médio, uma formação contemplada de conhecimentos científicos e possuem maior chance de acesso ao Ensino Superior, muitos apenas concluem o Ensino Médio pelo fato de se constituir em uma etapa educacional de frequência obrigatória e ainda, mais preocupantemente, temos uma parcela bastante significativa de jovens que são excluídos do processo educacional antes de ingressarem nesta etapa, ou durante, pelas repetidas reprovações e/ou necessidade de ajudar no sustento da casa antes de concluir seus estudos.

Quando o Ensino Médio passa a ser contemplado como obrigatório no processo de escolarização da Educação Básica, amparado pela Lei como sendo uma formação comum, com vistas ao exercício da cidadania e ao fornecimento de meios para estudos posteriores à etapa e/ou para progredir no campo do trabalho, busca enaltecer a preparação do estudante para si e também para a sociedade:

[...] Diante das experiências do mundo moderno, nós precisamos mirar o mais possível na preparação do aluno não somente para si mesmo, mas também para entrar na sociedade, se não com a capacidade de ser um produtor de cultura em todos os campos, pelo menos com a capacidade de desfrutar, isto é, de gozar de todas as contribuições da civilização humana, das artes, das técnicas, da literatura (MANACORDA, 2007, p. 21).

Era de se esperar que com o ideal de universalização do Ensino Fundamental, que juntamente se desse a do Ensino Médio, considerando que as etapas da Educação Básica não se excluem e, muito pelo contrário, contam igualmente com desafios de inclusão com qualidade para todos e todas, indistintamente. Os processos educativos devem ser pensados e considerados vislumbrando a “vida em sociedade, para a cidadania, para o trabalho e para a qualificação dos próprios processos democráticos” (MOLL; GARCIA, 2020, p. 36).

A proposta de universalização do Ensino Médio tem consequências no direito social e firma o dever do Estado quanto à garantia de sua oferta e o fornecimento de condições (com qualidade) que permitam o acesso, permanência e conclusão desta etapa. É importante salientar que existe um abismo entre “tornar obrigatório e determinar uma formação” e “apresentar condições para garanti-la”. As trajetórias escolares correspondem também às trajetórias de vida e de trabalho. Atualmente, 60% dos jovens na faixa etária de 15 a 17 anos frequentam o Ensino Médio, explicitando a característica de seletividade e descontinuidade que marca nosso sistema educacional (MOLL; GARCIA, 2020).

Os problemas de acesso ao Ensino Médio demandam mais do que oferta, instigando uma profunda preocupação com as condições de permanência, de avanço dos estudos com qualidade e de conclusão. Certamente que a revolução tecnológica tem uma influência considerável nisso, e a emergência por novos paradigmas científicos e sociais também. A partir dessas percepções é que buscamos refletir sobre os motivos pelos quais o acesso e a permanência no Ensino Médio se tornam verdadeiros desafios.

As questões e inquietações propostas por Moll e Garcia (2020) são fundamentais para se pensar no sistema educacional atual e no caminho que as políticas públicas vêm traçando para os jovens estudantes:

Qual Ensino Médio o país vem destinando para os brasileiros que nas últimas décadas tiveram acesso a essa etapa da educação básica? A que Ensino Médio os jovens brasileiros têm direito? Que formação é necessária para que nossos jovens continuem seus estudos e/ou adentrem o mundo do trabalho de forma emancipada e autônoma? Temos sido capazes de construir uma escola socialmente comprometida com a formação de toda juventude, independente de classe social? (MOLL; GARCIA, 2020, p. 18).

A caracterização de uma escola pública seletiva, desigual e tardia, também se tornou insuficiente na medida em que nunca contemplou, de modo efetivo, os princípios constitucionalmente garantidos de pleno desenvolvimento da pessoa e de formação humana integral. Ao primar pelo interesse economicista da educação, que se submete à lógica de mercado, a Reforma do Ensino Médio reitera a dualidade educacional e afirma a restrição do acesso ao conhecimento sistematizado, fadando a trajetória escolar ao não prosseguimento de estudos de nível superior ou a um Ensino Superior de menor qualidade.

Ramos e Frigotto (2017) explicitam claramente que a proposta de reforma intenciona adequar a formação à requisitos do trabalho simples e, tampouco, tem a pretensão de implementála em conteúdo e observância legal:

As contrarreformas no campo educacional em nossa sociedade aprofundam cada vez mais não somente a negação da educação básica como direito subjetivo e universal dos filhos da classe trabalhadora, mas para aqueles que o frequentam, também uma escolarização e educação cada vez mais pragmáticas e restritas aos ditames e valores do mercado (RAMOS; FRIGOTTO, 2017, p. 29-30).

Para Saviani (1997), a LDBEN apresentou-se de forma minimalista, permitindo que houvesse tantas mudanças e reformas na educação brasileira. Uma das grandes discussões, nesse sentido, está na relação entre Ensino Médio e Ensino Técnico, em que, este último passou a ter uma regulação própria de ensino e independente do primeiro.

O que prometia conferir identidade ao Ensino Médio, desvinculando-o da educação profissional, era completamente diverso do objetivo de formação original, que não era a

formação de técnicos, mas a formação de pessoas que compreendam a realidade ao tempo em que possam atuar como profissionais. A presença da profissionalização no Ensino Médio seria compreendida, por um lado, como uma necessidade social e, por outro lado, como um meio pelo qual o trabalho, em seu sentido tanto ontológico quanto histórico, encontraria espaço na formação, dada a desvalorização conferida pelo pensamento dominante [...] [em] que as DCNEM [Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio] falavam do trabalho somente como um contexto a orientar o currículo do Ensino Médio (RAMOS; FRIGOTTO, 2017, p. 43).

O que se defendia era um Ensino Médio sob os princípios da ciência, cultura e trabalho, em que a profissionalização pudesse ser uma possibilidade. A proposta de um currículo integrado compreendia o conhecimento básico e tecnológico/técnico como unidade. As instituições de ensino passaram então a ofertar o Ensino Médio e os Cursos Técnicos de forma concomitante ou sequencial. O objetivo dessa modalidade de oferta era buscar garantir dois dos princípios fundamentais da educação: a superação da dualidade entre ensino propedêutico para as elites e ensino técnico para as camadas populares, e a perspectiva de se ter o trabalho como princípio organizador do currículo da Educação Básica.

A preocupação em motivar o interesse dos estudantes pela formação profissional de nível médio vislumbrava o futuro esvaziamento dos cursos técnicos, que se apresentam como alternativas às universidades. “Isto porque um dos atrativos das escolas técnicas - o 2º grau de qualidade, que se transformou, paradoxalmente, em sua maldição - não se encontraria mais atrelado ao ensino profissionalizante” (RAMOS; FRIGOTTO, 2017).

A partir desse contexto, muitas foram as experiências que buscaram uma rearticulação entre Ensino Médio e Técnico, o que instigava muitos questionamentos, como se seria razoável que o Ensino Médio de uma mesma instituição fosse desdobrado de acordo com interesses diferentes dos alunos e de que forma seria esse redirecionamento para diferentes áreas ou cursos, por exemplo. Com isso, o grande desafio da escola passou a ser a reconstrução da práxis curricular, que não tratava apenas da seleção de disciplinas, mas de conteúdos e competências que deveriam ser incorporadas pelo Ensino Médio e que servissem também aos Cursos Técnicos.

Alguns percorrem trajetórias profissionalizantes, com foco na preparação para as exigências do mercado de trabalho. Um grupo, ainda bastante reduzido, tem acesso a cursos integrados que permitem uma formação humana geral associada à formação profissional, em tempos estendidos e em condições para levá-los ao mundo do trabalho e para disputar, em condições menos desiguais, o ingresso no ensino superior. Já as camadas médias e altas, que historicamente tiveram acesso a essa etapa de ensino, uma formação humana e científica geral lhes permitiu, de modo invariável, o acesso ao ensino superior. Razão essa que, até hoje, tem sido a lógica estruturante do Ensino Médio (MOLL; GARCIA, 2020, p. 22).

Como superar o risco de um Ensino Médio propedêutico em sua forma e profissionalizante em seu conteúdo? A tal identidade do Ensino Médio nas escolas técnicas reforçava a pergunta mais antiga e essencial, e que segue sem resposta: sobre qual educação e para quem? (RAMOS; FRIGOTTO, 2017).

Na trajetória das mudanças almejadas para o Ensino Médio está, ainda, a valorização dos professores e equipes pedagógicas das escolas, profissionais de participação efetiva nas ações. É imprescindível ouvir e valorizar o pensamento e apontamentos daqueles que estão diretamente ligados ao processo de aprendizagem, que conhecem a realidade da sala de aula e sabem reconhecer potencialidades e fragilidades no processo. A formação e qualificação desses profissionais também merece destaque, afinal nenhuma mudança será efetivada se não estiverem valorizados, preparados, engajados, motivados.

O ENSINO MÉDIO INTEGRADO COMO POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO INTEGRAL

Merece destaque a efetivação do Decreto nº 5.154/2004, marco importante que vislumbrava um Ensino Médio comprometido com a formação humana e também profissional. Nessa perspectiva, a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica foi reorganizada e inúmeros Institutos Federais de Educação inaugurados pelo país, com uma proposta de templo ampliado e de formação humana integral. Mantiveram destaque quanto à infraestrutura, condições de formação e de trabalho aos professores.

Baseado na experiência do Programa Mais Educação, a proposta do Ensino Médio Inovador (EMI) esteve voltada à oferta de atividades pedagógicas e culturais, esportes, artes, comunicação e mídias, vinculadas às atividades e projetos já desenvolvidos na escola, ampliando as possibilidades dos jovens de conhecerem, aprenderem e desenvolverem novos horizontes formativos. O Ensino Médio Integrado/Inovador foi, portanto, uma das iniciativas mais interessantes para esta etapa de ensino. A oferta da modalidade em Institutos Federais possibilitou aos jovens, além de uma jornada ampliada de tempo, maior acesso à cultura e tecnologias, e ainda os qualificou para o ingresso no mercado de trabalho com uma formação técnica.

Infelizmente, esse tipo de iniciativa não tem sido ampliado para que mais jovens possam ter a oportunidade de uma formação em conhecimentos técnicos e científicos, o que, em potencial, poderia lhes possibilitar o desenvolvimento pleno e a inserção digna na sociedade. A qualidade da formação oferecida nos Institutos Federais para o Ensino Médio é ressaltada por Moll e Garcia (2020, p. 41):

Destaca-se a experiência da rede federal de ensino, através dos Institutos de Educação e Ciência e Tecnologia, com o caminho, de mais de uma década, na perspectiva do Ensino Médio integrado que forma e profissionaliza os jovens, permitindo trajetórias significativas no campo das ciências, em variadas áreas, das artes e da cultura, dos esportes e das tecnologias. Escolas de tempo integral e de formação humana integral com professores também em tempo integral, valorizados em seu saber e em seu fazer, com carreiras e salários compatíveis com suas responsabilidades, além das condições de infraestrutura em laboratórios, quadras poliesportivas, bibliotecas, jardins, refeitórios a altura da tarefa de educar a juventude de uma sociedade de homens e mulheres livres e iguais.

Em 2013, em razão do Pacto de Fortalecimento do Ensino Médio, havia a previsão de inúmeras ações para a recuperação e ampliação da infraestrutura das escolas, como o avanço e acesso às tecnologias digitais, incentivo e promoção da pesquisa, aprendizado e domínio de línguas estrangeiras.

Em 2016, com a deposição da Presidente da República e com a alteração de governo, foi proposta a Reforma do Ensino Médio, que representou a disputa socioideológica de um modelo de escola e de currículo que atendesse aos interesses da classe dominante, ancorados na Base Nacional Comum Curricular com foco no ensino de Português, Matemática e Inglês.

Essa tomada de decisão vem desagradando o pensamento da maioria dos professores e de estudiosos que defendem que o problema educacional não se restringe aos componentes curriculares. Além disso, encerra um ciclo promissor que vinha sendo trilhado, que não desacredita da fundamental importância dos conteúdos curriculares, mas que vislumbra para além da determinação destas habilidades e competências, um conjunto de projetos educacionais densos, propositivos e qualificados, que valorize as vivências e as relacione, dando coesão àqueles conteúdos curriculares.

Os dados estatísticos da educação brasileira apresentam aquilo que Anísio Teixeira denominava de “fluxo perverso”, em um sistema que sempre esteve projetado à exclusão, em que as prerrogativas de não democratização na universalização da educação escolar pública caracterizam o país pelo lento processo de desenvolvimento e expansão. Isso perpetuou a concentração de esforços educacionais voltados às camadas sociais mais altas, limitando sua presença aos grandes centros das cidades.

O ambiente escolar pode ser uma alternativa propícia para produzir transformações, oportunizando mudanças nos contextos sociais e desiguais brasileiros, oferecendo aos filhos das camadas mais pobres o acesso a saberes e experiências, significando em desestabilidade de uma estrutura rígida e instransponível. A trajetória de organização escolar brasileira é marcada pelo atraso e se dá em um duplo processo, no qual a exclusão ocorre pela falta de vagas e dificuldades de acesso, gerando a seletividade, que nada mais é do que a exclusão por meio de mecanismos internos institucionais (MOLL, 2018).

O ENSINO MÉDIO E AS RECENTES ALTERAÇÕES EM SUA FORMATAÇÃO: BNCC E ITINERÁRIOS FORMATIVOS NA CONTRAMÃO DE UMA FORMAÇÃO COMPLEXA E INTEGRAL

A organização curricular do Ensino Médio teve alterações substanciais mais recentemente com a Base Nacional Comum Curricular e através da Lei nº 13.415/2017, que promove a oferta de itinerários formativos para os jovens. As alterações curriculares estão em fase de implementação e geram preocupação acerca de uma formação humana complexa e integral. A intenção das alterações curriculares é de que seja ofertada uma formação geral básica para todos os jovens, composta por até 1.800 horas. Além da formação básica geral, os jovens devem optar por um itinerário formativo, que segundo a BNCC, representa a ideia de acolher as diversidades e respeitar o seu protagonismo.

A BNCC é estruturada nas alterações curriculares definidas pela Lei, e a formação básica geral é composta por aprendizagens essenciais definidas para o Ensino Médio, que estão organizadas por áreas do conhecimento: linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas. A formação do Ensino Médio deve ser composta pela formação básica geral, com as áreas de conhecimento estabelecidas pela BNCC, visando o desenvolvimento de competências e habilidades previstas no documento.

Os itinerários formativos podem ser organizados e oferecidos conforme o definido também em Lei:

Art. 36. O currículo do Ensino Médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber: I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas; V - formação técnica e profissional (BRASIL, 2017a, p. 1).

A proposta dos itinerários, conforme os documentos, é atrair os jovens para as áreas que mais gostam de estudar. No entanto, além da falta de maturidade dos jovens para escolher a área que vão seguir estudando futuramente, a orientação da BNCC é de que para a escolha dos itinerários formativos seja considerada a realidade local e os interesses dos jovens, favorecendo o protagonismo do estudante.

A oferta de diferentes itinerários formativos pelas escolas deve considerar a realidade local, os anseios da comunidade escolar e os recursos físicos, materiais e humanos das redes e instituições escolares de forma a propiciar aos estudantes possibilidades efetivas para construir e desenvolver seus projetos de vida e se integrar de forma consciente e autônoma na vida cidadã e no mundo do trabalho. Para tanto, os itinerários devem garantir a apropriação de procedimentos cognitivos e o uso de metodologias que favoreçam o protagonismo juvenil (BRASIL, 2017b, p. 478).

Como o documento apresenta a nova proposta curricular com a oferta de itinerários que possam considerar os anseios, necessidades e o protagonismo dos jovens, se vende a imagem de que realmente sejam essas as intenções. Contudo, a preocupação está no fato de que a Lei não obriga os sistemas de ensino a oferecerem todos os itinerários formativos. E, como os próprios documentos legais apontam, sabemos que os jovens possuem uma diversidade de interesses, o que não garante que eles possam realmente optar pelo itinerário que escolherem, pois este pode não estar sendo ofertado na escola mais próxima de sua casa, ou até em sua cidade, o que não se encontra presente nas considerações realizadas.

Se as escolas precisam ponderar a realidade dos alunos e não há previsão de recursos destinados à ampliação de professores e infraestrutura, principalmente em se tratando de escolas públicas, infelizmente não será possível atingir o que foi idealizado, tampouco, dar conta do que realmente os jovens necessitam, considerando que terão que constituir suas propostas com o que possuem condições de oferecer.

Os itinerários, se pensarmos analiticamente, representam um prejuízo para a formação dos estudantes, diferente da ideia apresentada pelos documentos legais, ao passo que suas propostas se apresentam como uma busca pela formação integral para os jovens, o que com redução da carga horária geral básica não se efetivará. A necessidade para que tal objetivo, da formação integral, fosse alcançado, seria de uma ampliação da carga horária de formação comum, e não de redução, sendo que a carga horária oferecida anteriormente já era pequena para compreender uma formação propedêutica e complexa.

Com a carga horária de formação geral básica reduzida e sem a garantia da oferta de itinerários formativos que sejam realmente de interesse dos jovens (e que estejam à sua disposição para livre escolha), novamente os jovens das classes populares podem sair em desvantagem, e as desigualdades nos percursos escolares serem reafirmadas, pois as escolas públicas dispõem de menores condições para adequações necessárias à efetivação da oferta de propostas de itinerários formativos com currículos enriquecidos de conhecimentos complexos.

Na contramão da ideia de uma formação integral, que deveria ser o caminho a ser percorrido, com a oferta de disciplinas de todas as áreas em carga horária ampliada para que os jovens possam se desenvolver de forma integral e integrada, as alterações podem fragilizar ainda mais a formação dos estudantes do Ensino Médio.

PANDEMIA DE COVID-19 E A EDUCAÇÃO DE JOVENS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO

Com a pandemia que resultou da Covid-19, que começou a afetar o Brasil em fevereiro de 2020, ocorreu a suspensão das aulas presenciais em todas as escolas do país, buscando minimizar a propagação do vírus. Nesse cenário, as escolas passaram a adaptar suas aulas de forma remota, o que não foi uma ação planejada, mas sim uma reação ao momento histórico e inédito, em uma ação quase que de improvisação.

Porém, a situação não foi melhorando, e as aulas remotas que se pensava, em um primeiro momento, serem passageiras, se tornaram a “solução” para que crianças e jovens continuassem estudando, mesmo distantes fisicamente da escola, visando a preservação da saúde dos profissionais da escola, crianças e jovens e suas famílias.

Em meio à nova realidade imposta pelas aulas remotas, mais evidentes se tornaram as desigualdades sociais em relação ao acesso aos materiais e as aulas on-line, pois muitos jovens de escola pública não possuem computador em casa, e geralmente não contam com acesso à internet banda larga, utilizando apenas aparelhos celulares com pacotes de operadoras de telefone móvel, que para acesso às aulas não são suficientes (SAVIANI; GALVÃO, 2021).

Para o Ensino Médio nas escolas públicas, a suspensão das aulas implicou no afastamento de muitos jovens dos estudos, não somente de forma presencial, mas remota também, em razão de não conseguirem ter acesso às aulas pela falta de internet e dispositivos adequados, como mencionamos. Dessa forma, jovens que já possuíam dificuldades em acompanhar as atividades escolares, acabaram percebendo-se desamparados e se desestimulando em estudar. Além disso, com a pandemia, acentuou-se o cenário de crise econômica, e a via do trabalho para auxiliar no sustento de suas famílias se tornou ainda mais evidente e urgente.

Os jovens de escolas privadas também enfrentaram dificuldades em relação à pandemia e suspensão das aulas, mas em sua maioria não passam por dificuldades no acesso tecnológico e aos materiais disponibilizados pela escola. Outro fator a ser considerado é que jovens de escolas privadas de ensino também têm pais e/ou familiares com maior grau de escolaridade, contando, assim, com auxílio para o desenvolvimento de atividades escolares.

Isso demonstra a acentuada desigualdade social, em que jovens de classes média e alta têm maior possibilidade de acesso ao estudo mesmo em época de pandemia, enquanto jovens das classes baixas, que já encontravam inúmeras dificuldades de acesso, foram ainda mais afetados diante da situação sanitária atual, agravando-se a dificuldade no acesso e continuidade dos estudos, sem mencionar que presenciam diariamente outros fatores, como a preocupação pelo sustento e/ou sobrevivência de suas famílias (SAVIANI; GALVÃO, 2021).

A desigualdade é clara quando a população pobre recebe ensino em condições inadequadas, carecendo de qualidade, fomentando posteriormente a busca pelo Ensino Superior de caráter privado, enquanto as instituições públicas são designadas a estudantes com condições econômicas favorecidas, recaindo sobre o pobre o pagamento para adquirir uma formação profissional (SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2012).

Outra questão que merece atenção na análise das diferenças de condições ao estudo por jovens de diferentes classes sociais é referente a possuir em casa um ambiente propício aos estudos, considerando que a única mesa de muitas casas brasileiras é a de refeições; a questão de barulho e de divisão dos ambientes/cômodos da casa com outros familiares; pais e/ou outros familiares que residem junto com esses jovens, que também começam a desempenhar momentaneamente atividades laborais em home office, ou crianças que muitas vezes também passam a ser cuidadas por esses jovens que se encontram em casa enquanto os demais trabalham.

Uma a uma, essas situações que favorecem a desigualdade de oportunidades, tanto para a conclusão do Ensino Médio sem interrupções como para a continuidade de estudos e acesso ao Ensino Superior, fazem com que os jovens das classes populares - que já vêm sendo historicamente afetados pela desigualdades de oportunidades - sofrem ainda mais, em um contexto social de crise econômica, desempregos aumentando de forma exorbitante e, consequentemente, em um cenário de ainda mais incertezas quanto ao futuro.

CONCLUSÕES

Evidente a necessidade de mudanças, mas mudanças que incluam e que deem a todos e todas as mesmas oportunidades. Mudanças que estejam alicerçadas em um Ensino Médio que integre a formação humana e a educação profissional. Muito além de discutir quais componentes curriculares são mais relevantes do que outros, ou até mesmo quantos períodos de aula são necessários para a efetiva aprendizagem, é importante que se considere para que país, que sociedade, que educação e para que sujeitos é pensada essa formação.

É preciso questionar se um padrão único de escola, de currículo e de práticas será capaz de responder às demandas do Ensino Médio brasileiro. A escola deve permitir e criar espaços e tempos de diálogo com os estudantes, elucidando possibilidades, alternativas, ouvindo e valorizando seus interesses, suas aspirações, valorizando e os orientando para que sejam capazes de fazer escolhas responsáveis e conscientes, de acordo com seus anseios e aptidões, mas que tenham o direito efetivo de escolha.

Uma reforma incoerente para o Ensino Médio, que parte de uma análise que não contempla o todo e a todos, significa incorrer no risco de não atender as reais necessidades das escolas e estudantes, recaindo aos mesmos equívocos do passado, reafirmando o consolidado histórico de exclusões e precariedade, bem como de reprovação, seguido de evasão e abandono escolar.

O que deveria ser buscado, em termos de projeto educacional de nação, é a unificação e integração da Educação Básica, com o objetivo de articular uma educação escolar capaz de superar a dualidade social do país, proporcionando aos sujeitos oportunidades igualitárias na medida de suas diferenças, o que contribuiria para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

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Recebido: 30 de Abril de 2021; Aceito: 05 de Julho de 2021

Chanauana de Azevedo Canci Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI. Bolsista CAPES/Brasil. Mestra em Educação pela URI. Advogada

Janaína Raquel Cogo Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Mestra em Educação pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI. Professora da Rede Municipal de Ensino de Santa Rosa/RS

Jaqueline Moll Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: química da vida e saúde da UFRGS. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI

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