Restaurar e reerguer nossa pátria, libertando-a definitivamente do jugo da corrupção, da criminalidade, da irresponsabilidade econômica e da submissão ideológica (...) daqui em diante nos pautaremos pela vontade soberana daqueles brasileiros que querem boas escolas, capazes de preparar seus filhos para o mercado de trabalho e não para a militância política (...) o Pavilhão Nacional nos remete à ‘Ordem e Progresso’. Nenhuma sociedade se desenvolve sem respeitar esses preceitos (...) vamos unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores. O Brasil voltará a ser um país livre das amarras ideológicas...1.
Assim começávamos 2019.
O “pacto nacional, com o supremo, com tudo”2 - sugerido pelo então Ministro Romero Jucá, em março de 2016, visando estancar as ações da operação “Lava Jato” antes que chegasse “neles” -, levado a efeito através da substituição da presidenta Dilma pelo então vice-presidente, Michel Temer, e materializado pelo impeachment dela em agosto daquele mesmo ano, nos levou a um cenário a todos inimaginável, inclusive para aqueles que engendraram o golpe ao estado democrático de direito brasileiro. Supor, àquela altura, o desfecho aferido no pleito eleitoral de 2018, não passava pela nossa cabeça e nem tampouco pelas dos artífices do golpe...
O Governo Temer pavimentou o terreno para aquele que o sucederia. Feito isso, teve o mesmo destino de Eduardo Cunha, presidente da Câmara responsável por dar celeridade ao processo de impedimento da presidenta, qual seja o de ser descartado por aqueles que, cartilha neoliberal embaixo do braço, ansiavam por reformas palatáveis à sanha da classe social que representavam, a burguesia nacional e internacional.
E Jair Messias Bolsonaro assume a presidência do Brasil.
Não foi preciso mais do que poucos meses de governo para que muitos dos que nele votaram percebessem que mais do que nos vermos “livres das amarras ideológicas”, como ele apregoou em seu discurso de posse, presos estávamos a ideias obscurantistas3.
Segundo o Diário “Folha de São Paulo” de 20 de março deste ano de 2019, em matéria assinada por Rodrigo Borges Bomfim, os números do instituto (Ibope) apontavam que “a avaliação positiva do governo Bolsonaro (34%) era a mais baixa em um princípio de gestão (até março) na comparação com os últimos três presidentes”. “A avaliação positiva do governo de Jair Bolsonaro (PSL) na presidência havia caído 15 pontos percentuais desde o começo do mandato...”.
Dizia a matéria que, “de acordo com o instituto, 34% dos brasileiros consideravam o governo Bolsonaro ótimo ou bom - esse número era de 49% em janeiro e 39% em fevereiro”. E seguia a reportagem: “Ao mesmo tempo, o percentual dos que avaliavam o governo como ruim ou péssimo aumentou 13 pontos percentuais: de 11% em janeiro para 24% em março. Outros 34% consideravam a gestão Bolsonaro regular, enquanto 8% não souberam ou preferiram não responder à pesquisa do instituto” 4.
Isso foi em Março. Em junho, o mesmo instituto de pesquisa trazia números atestatórios da sequência de queda da avaliação do governo: 32% o consideravam ótimo/bom; 32%, regular; ruim/péssimo, 32%; e 3% não sabiam ou não quiseram responder5.
Já a desaprovação pessoal de Bolsonaro em agosto, alcançou o índice de 53,7% ante 28,2% em fevereiro6.
Disposição para explicitarmos nossa compreensão acerca destes primeiros oito meses de governo Bolsonaro, não nos falta. No entanto, não nos cabe fazê-lo neste espaço, e sim focarmos atenção no que vem se passando no campo da sua política esportiva, capitaneada - adjetivo mais do que adequado, vocês verão -, pela Secretaria Especial do Esporte, vinculada ao Ministério da Cidadania e Ação Social.
Sim, o Ministério do Esporte foi extinto.
Mas com ele também se extinguiu a possibilidade da política esportiva se configurar como Política de Estado e não de governo? Pelo menos neste atual governo, tendemos a dizer que sim. Mas isso não significa dizer que entendemos ter sido desenvolvido uma Política Esportiva de Estado nos anos de vigência da estrutura administrativa ministerial, mesmo se considerarmos tão somente os anos de governo petista, extraídos aqueles anteriores ao protagonismo dos megaeventos esportivos, nos quais sinalizações positivas de seus programas de governo e ações alimentaram a expectativa de tê-la - a política esportiva - finalmente elevada ao patamar mencionado.
É sobre esse nosso entendimento que nos propomos a falar doravante. Para tanto, necessário se faz voltarmos nossa atenção para os anos 1980, década da redemocratização de nosso ordenamento societário.
Foi no advento do primeiro processo eleitoral para presidência da república brasileira no período pós-ditadura, em 1989, que o interesse em saber das propostas dos candidatos para as áreas do esporte e do lazer chamou a atenção de setores sociais, ganhando destaque junto à comunidade acadêmica da Educação Física/Ciências do Esporte.
Não que no Governo Sarney (1985/89), conhecido como Nova República, nada tivesse acontecido nesse setor de políticas públicas, muito pelo contrário7.
É desse período a constituição, pelo então Ministro da Educação, Marco Maciel, de comissão de notáveis8 voltada a traçar rumos para o esporte brasileiro. Dessa comissão, presidida pelo militar da reserva (Capitão-de-Fragata) e professor de Educação Física Manoel José Gomes Tubino - que também à época assumira a presidência do Conselho Nacional dos Desportos, CND e, bem ao final daquele Governo, a Secretaria de Educação Física e Desportos / SEED/MEC -, saiu o documento “Esporte - Questão de Estado”, referência central para a formulação do capítulo “Do Desporto” da Carta Magna brasileira de 1988 9.
Um pouco antes, mais precisamente em 1983, a Comissão de Esporte e Turismo da Câmara dos Deputados, à época presidida pelo então deputado federal Márcio Braga, promoveu Ciclo de Debates intitulado “Panorama do Esporte Brasileiro”, realizado nos períodos de 18 a 21 e 25 a 27 de outubro daquele ano10.
Esses acontecimentos, contudo, não foram suficientes para alçar a política esportiva à esfera de política de Estado.
De fato, a Secretaria de Desporto com status de Ministério do Governo Collor; seu retorno ao Ministério de Educação no Governo Itamar; o Indesp, o Pelé como Ministro (sem pasta) Extraordinário do Esporte, e a “dobradinha” ministerial com o Turismo nos governos FHC, ordenamentos administrativos configurados naqueles tempos, longe estiveram de fornecer as condições para se pensar o Esporte como pretendido pela comissão instaurada em 1985.
Iludiram-se, todavia, aqueles que pensaram que a criação do Ministério do Esporte em 2003 e sua permanência na estrutura de governo dos dois mandatos de Lula e um de Dilma - seu segundo mandato, conquistado nas urnas, lhe foi usurpado por ação golpista11 -, daria margem à consolidação de políticas esportivas alçadas ao lugar de política de Estado...
Tentemos explicar o dito no parágrafo acima...
Com o estado democrático de direito voltando a nortear o ordenamento societário brasileiro e, em especial, com a configuração de governos municipais e estaduais de natureza progressista, popular-democrático, vimos o desenvolver do interesse nos estudos de políticas e gestão públicas de esporte e lazer por parte da comunidade acadêmica vinculada - não só, mas preponderantemente - à Educação Física12.
Grupos de estudos e pesquisas se multiplicaram a olhos vistos e sociedades científicas, disciplinares ou não - como é o caso do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, CBCE -, passaram a se constituir espaços privilegiados de produção e difusão de conhecimento sobre o tema em questão13.
Pois foi na conjunção das ações e simetria dos interesses presentes na área acadêmica e no setor progressista da gestão pública de Esporte e Lazer, que nos qualificamos, acadêmica e politicamente, para vivermos momento especialíssimo em nossa vida profissional, quando nos vimos na condição de Secretário Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer, junto ao Ministério do Esporte, por ocasião do primeiro Governo Lula, 2003-0614.
Foi naquela ocasião que coordenamos seleto grupo responsável pela elaboração e desenvolvimento do Programa Orçamentário “Esporte e Lazer Da Cidade”, constituído por dois projetos, a saber, o da “Rede Cedes - Centros de Desenvolvimento do Esporte Recreativo e do Lazer”, e o projeto social com o mesmo nome do Programa15.
Mas se tínhamos expectativa - e tínhamos - de, enfim, determos a hegemonia na definição da política esportiva a ser desencadeada naquele momento histórico, não foi preciso sequer os primeiros 30 dias na Esplanada dos Ministérios para identificarmos nosso engano.
Talvez a “Carta Aberta à Presidenta Dilma” que fizemos circular em páginas virtuais por ocasião do processo eleitoral de 2014, sintetize, mais do que nosso sentimento, o entendimento que construímos sobre as ações do Ministério do Esporte nos governos petistas.
Nada melhor do que reproduzi-la abaixo e, a partir dela, tecermos considerações adicionais que entendemos significativas para a configuração deste Ensaio:
Começo esta carta externando meu respeito a Vossa Excelência, presidenta de meu país, e à sua história de vida.
Diferentemente do que possa aparentar estas linhas, estarei votando na senhora nas eleições de outubro próximo, repetindo gesto realizado em 2010.
Não! Não estou satisfeito com todas as decisões tomadas pelo seu governo, mas tenho clareza de ser o PT - Partido ao qual sou filiado desde 1988 -, no atual contexto político brasileiro, aquele capaz de continuar desenvolvendo esforços para minimizar as desigualdades sociais que nos assolam desde sempre.
Poderia aqui continuar seguindo nessa direção, detalhando pari passu os inúmeros equívocos cometidos pelo governo presidido pela senhora, mas não é isso que me proponho fazer e sim me deter em apenas uma das políticas sociais que, a meu juízo, deve ser merecedora de sua especial atenção em seu próximo mandato.
Refiro-me à Política Esportiva.
Faço isso no entendimento de não podermos deixar passar a oportunidade da recente Copa do Mundo de Futebol - e o insucesso de nosso selecionado -, de enfrentarmos de frente as mazelas que afetam essa política setorial não de hoje e nem tampouco a partir de 2003 com a chegada de LULA à presidência do país. Quem as atribui ao governo petista, ou age de má fé ou é ignorante da história da política esportiva brasileira.
Também não me limitarei ao Futebol, mesmo sabendo ser ele para nós muito mais do que só um jogo... Fato é presidenta, que nesses últimos 12 anos foi perdida rica oportunidade de desenvolvimento de política esportiva que fizesse jus ao nome.
Até que o início em 2003 foi alvissareiro... O Plano Pluri Anual de Governo (2004/07) explicitava equilíbrio orçamentário entre os Programas, reservando lugar de relevo aos projetos sociais esportivos. O documento aprovado pelo Conselho Nacional de Esporte em 2005, autodenominado Política Nacional de Esporte, trazia em seu bojo avanços significativos no entendimento do papel do poder público em relação ao Esporte. As duas primeiras Conferências Nacionais de Esporte, respectivamente intituladas Esporte, Lazer e Desenvolvimento Humano (2004) e Construindo o Sistema Nacional de Esporte e Lazer (2006), davam mostras que o verdadeiramente “novo” estava sendo gestado 16.
Mas tudo não passou de ilusão. O documento da Política Nacional de Esporte, em sua essência, não chegou a sair do papel. Até hoje frequenta a página virtual do Ministério do Esporte, como que avivando nossa lembrança do que ela poderia ter sido17.
O Conselho Nacional de Esporte expressou sua subserviência ao se submeter, docilmente, ao lugar de tabelião das decisões ministeriais, carimbando-as quando solicitado18.
As Conferências derramaram um balde de água fria na esperança daqueles que acreditaram que de suas deliberações sairiam o norte da política esportiva. Não só as viram ignoradas como também presenciaram sua terceira versão (2010) ir no sentido contrário a tudo o que até então havia sido motivo de construção coletiva, explicitando o total comprometimento do governo com os anseios do setor conservador do campo esportivo. Plano Decenal do Esporte e Lazer: 10 pontos em 10 anos para projetar o Brasil entre os 10 mais, seu tema central, quase único, refletiu acima de tudo a infeliz coincidência de interesses dos defensores da visão liberal de “cidade empresarial” - para os quais os megaeventos (não só) esportivos eram, e são, um prato cheio - e os interesses da carcomida elite esportiva...
Em 2014, quando escrevemos essa Carta, cuja leitura interrompemos por conta das reflexões que trazemos abaixo, fazia oito anos que havíamos deixado o Ministério do Esporte e retomado nossas atividades docentes na Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp. Ao longo deles, pudemos dar vazão a estudos acadêmicos materializados em dissertações de mestrado e teses de doutorado de orientandos, ao lado de pequenos ensaios, que possuíam em comum terem a política esportiva como objeto de análise. Tais estudos nos propiciaram construir novas sínteses do vivido, trazendo a mediação da teoria para nos distanciar de entendimentos construídos, muitas das vezes, no calor dos acontecimentos, sem o distanciamento necessário para apreendê-los criticamente.
Alguns desses ensaios vieram a compor coletânea publicada em 201319. Foi o caso dos “O PT, a Política Esportiva brasileira e a Síndrome de Estocolmo”, “III Conferência Nacional de Esporte e Lazer: Risco de engodo e empulhação”, “Da Copa, da Copa, da Copa abrimos mão; queremos mais recursos pra saúde e educação”, “Os senhores dos anéis”, “Divagações sobre heróis e povo” e “Dia do Jogo limpo ou... Doping e hipocrisia” 20.
Ensaio de maior fôlego, publicamos em dossiê elaborado por este periódico em 201421. Sob o título “Megaeventos esportivos no Brasil: de expressão da política esportiva brasileira para a da concepção neodesenvolvimentista de planejamento urbano”22, exploramos, dentre outros, os conceitos de cidades empresariais e cidades de exceção, elaborados pelo professor Carlos Vainer23.
Das dissertações orientadas por nós, listamos as elaboradas por Lia Polegato Castelan (“As Conferências Nacionais de Esporte na configuração da política esportiva e de lazer no Governo LULA [2003-2010]”, 2011). Juliane Cristine Alves Correia ("O Setor Privado não lucrativo e as Políticas Públicas de Esporte e Lazer [2008-2011]”, 2012), Juliana Cristina Barandão ("A Copa FIFA 2014para além da política esportiva: Estudo do dissenso entre os interesses da 'cidade empresarial' e os dos citadinos, através da análise da ação dos movimentos sociais", 2014).
Das teses, elencamos aquelas que se relacionaram diretamente com o tema da política esportiva, como a de Luiz Fernando Camargo Veronez. (“Quando o Estado joga a favor do Privado: As Políticas de Esporte após a Constituição de 1988”, 2005), Roberto Liáo Júnior ("Hegemonia e contra-hegemonia na construção de políticas de esporte e lazer: A Experiência do Consórcio Brasília", 2013), a de Frederico Jorge Saad Guirra ("Os V Jogos Mundiais Militares no Brasil e a reinserção do Esporte Militar na política esportiva nacional", 2014), e a de Wilson Luiz Lino de Sousa ("Em busca do elo perdido: A produção de conhecimentos científicos e tecnológicos a serviço da qualificação das políticas públicas de esporte e lazer", 2014) 24.
Voltemos, então, à Carta Aberta, na qual propusemos solução para o Ministério do Esporte não levada a sério pelos que a leram, talvez por conta do caráter radical da propositura, talvez pelo tom irônico que a acompanha:
... Diante desses fatos, Senhora Presidenta, sugiro a extinção do Ministério do Esporte.
Saiba de antemão que não vai ser fácil fazê-lo, porque contra essa medida se juntarão as forças conservadoras (não só) do campo esportivo brasileiro, nele - assim como também em outras esferas de nossa vida pública - hegemônicas.
Sim! Também no interior de nosso Partido encontrará resistência.
Não! Não defendo tal medida por conta do acontecido na recente Copa FIFA aqui realizada. Apenas peço, em contrapartida, que não se deixe enganar pela forma festiva e entusiasmada pela qual os torcedores estrangeiros foram recebidos e tratados por aqui, pois esse crédito precisa ser atribuído a quem de direito, nosso povo.
Defendo sua extinção pelo conjunto da obra.
Vou mais além. Defendo a extinção do Ministério do Esporte por vê-lo como desnecessário em um cenário político que vê, no Esporte, não a prática social reconhecida como direito social na letra - infelizmente ignorada - de nossa Carta Constitucional, mas sim como produto/mercadoria altamente rentável, com forte impacto em nosso PIB em razão da força de sua cadeia produtiva.
E não só isso, mas também pela ciência de que seu forte apelo popular é permissionário de ações governamentais centradas no conceito de cidades empresariais, acima já mencionado, articulador dos megaeventos como a Copa do Mundo que acabamos de presenciar e com o qual, com as olimpíadas de verão em futuro próximo, continuaremos a nos deparar, abrindo brechas para fazer de nosso aparato legal de ordenamento da vida nas cidades, tal qual o Estatuto da Cidade se caracteriza, exceção à regra.
Nesse sentido, proponho que a senhora desloque tal política para o, digamos... “Ministério dos Grandes Negócios”. Tenho esperança que assim procedendo, as entidades de administração e prática esportivas deixarão, pelo menos, de ser aquilo em certo momento chamado de “feudos esportivos” voltados à “pequena” política25. Já a esperança de que o interesse público prevaleça sobre o privado, dentro da lógica enunciada, não a tenho.
Em relação aos Programas Orçamentários de natureza social, materializados nos comumentemente chamados ‘projetos sociais esportivos’, sugiro que os coloque sob a responsabilidade do “Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome”. Sim, porque penso que se faz necessário acrescentar à cesta do Programa Bolsa Família, produtos que venham alimentar a formação humana dos brasileiros, ampliando e qualificando o conceito de inclusão social hoje presente. Afinal os Titãs já cantavam que a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte.
Nesse particular, estava propenso a sugerir que os recursos do Ministério do Esporte alocados nos seus projetos sociais esportivos fossem canalizados para o de sua nova casa, mas ao me lembrar do volume orçamentário a eles destinados ao longo desses anos, entendi por bem me calar por tão irrisórios, insignificantes e desrespeitosos que foram e são.
Interrompemos novamente a leitura da Carta para convidá-los a buscar (não só26) nas dissertações de mestrado acima mencionadas, notadamente às de Juliane Cristine Correia e de Lia Polegato Castelan, indicativos da execução orçamentária do Ministério do Esporte, neles reparando a exiguidade de recursos efetivamente utilizados nos projetos sócias presentes nos Programas orçamentários da pasta. Quanto a eles, chamamos a atenção para o fato de que o privilegiar de um em detrimento do outro, longe esteve de possuir como critério, a qualidade conceitual dos mesmos.
Concluamos a leitura da Carta:
Resta falar do chamado Esporte Educacional, aquele presente nas instituições brasileiras de educação. Desculpe-me a obviedade do que aqui defendo, mas entendo que deva caber a elas, instituições de educação básica e superior, estabelecerem políticas definidoras de como o Esporte - seja na ótica do conhecimento, na de rendimento / performance ou na perspectiva de fruição do tempo livre de trabalho -, deva compartilhar de seus objetivos institucionais. Com esse proceder, minimizaríamos o risco de ver a presença do Esporte nessas instituições, submetida aos objetivos da instituição esportiva e não aos delas, configurativo do quadro exaustivamente denunciado do Esporte Na Escola e não do almejado Esporte Da Escola27.
Ao me despedir, sei que a Senhora ficaria satisfeita se os problemas que terá que continuar a enfrentar se limitassem ao terreno aqui enunciado. Sei da envergadura dos desafios que enfrenta e continuará enfrentando na condição de presidenta do Brasil. Peço apenas que não descure destes aqui relatado.
Respeitosamente
Lino Castellani Filho
Cidadão brasileiro.
O 2º Mandato da Presidenta Dilma não aconteceu.
Por mais que tenha derrotado seu opositor nas urnas e dado início àquilo que seria a continuidade de sua presença à frente do governo brasileiro, as condições políticas que lhe foram impostas não lhe permitiu exercê-lo de fato.
As referidas circunstâncias políticas, já são de conhecimento público. Fato é que Jair Messias Bolsonaro é eleito presidente do Brasil.
O Ministério do Esporte deixou de existir.
Em seu lugar, uma Secretaria Especial de Esporte, vinculada ao Ministério de Cidadania e Ação Social, ao lado de outras duas, de Cultura e de Ação Social.
Não! Não pensem que o pleiteado na Carta à presidenta Dilma foi contemplado pelo governo Bolsonaro! O ocaso do Ministério do Esporte já estava anunciado no governo Temer.
Tal quadro, todavia, fez por alentar a presença das Forças Armadas no cenário esportivo nacional, presença essa de caráter estratégico.
Em Artigo aqui já citado, buscamos trazer o resultado de nossos estudos sobre o porquê da presença das Forças Armadas no campo esportivo brasileiro.
Em tais estudos, nos dedicamos a apontar
quais seriam as possíveis razões para a escolha de um país sem nenhuma tradição no esporte fardado, em sediar uma competição de tamanha proporção. Sinalizamos que a realização do megaevento militar em solo brasileiro, ao lado de expressar estratégia de reinserção do Esporte Militar no campo esportivo nacional, trazia em suas entrelinhas, objetivos muito bem articulados e definidos para os principais atores envolvidos em sua realização, no Brasil: o Governo Federal, o Comitê Olímpico Brasileiro e as Forças Armadas, tendo então, como meta principal, os Jogos Olímpicos de Verão, em 2016, também no Rio de Janeiro.
E seguimos dizendo,
Dos objetivos alcançados, vistos como legados dos Jogos Mundiais Militares, um material e outro socioeducacional mereceram especial atenção para efeitos deste estudo, pelo fato de entendermos a existência de uma linha muito tênue entre eles: o primeiro foi a incorporação de atletas civis às Forças Armadas, por meio da criação do Programa Atletas de Alto Rendimento - PAAR -, no ano de 2009. Com esse Programa, a realização dos referidos Jogos no Brasil serviu principalmente para colocar o campo militar como importante instância de sustentação dos interesses da comunidade olímpica brasileira, por meio da destinação de suporte logístico, físico e de treinamento dos atletas olímpicos via militarização dos mesmos, sustentáculo esse garantidor de conquista de medalhas por atletas militarizados nas principais competições esportivas mundiais no ciclo olímpico 2012-201628.
Quanto a elas, vejam:
1º lugar nos Jogos Mundiais Militares no Rio de Janeiro (2011);
3º lugar nos Jogos Panamericanos de Guadalajara (2011), no qual 40 das 141 medalhas foram obtidas pelos atletas militarizados;
2º lugar no quadro geral de medalhas na VI edição dos Jogos Militares Mundiais realizados na Coréia do Sul (2015);
05 das 17 medalhas obtidas por ocasião dos Jogos Olímpicos de Verão em Londres (2012) foram obtidas por eles;
67 foi o nº de vezes que os atletas incorporados às Forças Armadas subiram ao pódio por ocasião do Panamericano de Toronto, Canadá (2015).
“Militares atletas (e não atletas militarizados, observem...) conquistam mais de metade das medalhas obtidas no Pan-americano (sic) de Lima, no Peru” estampa a página virtual do Ministério da Defesa29 de 12 de agosto de 2019, mês em que escrevemos este Ensaio.
Sim! Ministério da Defesa e não da Cidadania, onde se localiza a Secretaria Especial de Esporte. “Atletas brasileiros no pódio prestando continência à Bandeira Nacional. Esta foi imagem constante durante os Jogos Pan-Americanos (sic) de Lima, no Peru, encerrados neste domingo, 11 de agosto”. E segue a matéria em estilo a fazer inveja ao antigo DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda do “Estado Novo”:
Muitos se perguntam quem são esses homens e mulheres que projetam o nome do Brasil no cenário do esporte e demonstram patriotismo e determinação, enchendo uma nação de orgulho. São os militares atletas das Forças Armadas que, nesta edição do Pan, conquistaram nada menos do que 54,39% do total de medalhas alcançado pela delegação brasileira. Competiram em Lima pelo Time Brasil 485 atletas. Desses, 138 são integrantes do Programa de Alto Rendimento (PAAR) das Forças Armadas.
E conclui a matéria, assinada por Maristella De Lucca Marszalek:
Com o objetivo de fortalecer a equipe militar brasileira em eventos esportivos de alto nível, o PAAR, junto com o Comitê Olímpico Brasileiro, o Ministério da Cidadania, os Clubes aos quais os atletas pertencem e as Confederações e Federações Esportivas, constitui-se numa engrenagem de sucesso que viabiliza o Projeto olímpico Brasileiro.
Não se iludam. O protagonismo da política esportiva não está na Secretaria Especial de Esporte e sim no Ministério da Defesa.
Também o Congresso Nacional entrou na onda da Militarização do Esporte.
Novamente em matéria veiculada pela página virtual oficial do Ministério da Defesa de 07 de junho de 2019, ficamos sabendo que “Atletas olímpicos do Programa de Alto Rendimento do Ministério da Defesa ministraram palestra motivacional a servidores do Senado, da Câmara dos Deputados e a estudantes do ensino médio e fundamental...”. Soubemos ainda que “o evento ocorreu no auditório Antonio Carlos Magalhães do Interlegis, instituição do Senado Federal localizado em Brasília30. E mais, que “os esportistas, Sargento da Marinha Hugo Parisi, da modalidade saltos ornamentais; Sargento do Exército Welissa Gonzaga, jogadora de vôlei conhecida como Sassá; e o Sargento da Força Aérea Ítalo Manzine, da natação, falaram sobre desafios, superação e também sobre o Programa Atletas de Alto Rendimento (PAAR)”. Por fim, a senadora e ex-jogadora de vôlei, Leila Barros (PSB/DF) “lembrou das dificuldades geralmente enfrentadas por atletas no decorrer da carreira: ‘Vocês não imaginam o que essas pessoas aqui e eu abdicamos para representar o Brasil31’, ressaltou”, diz a autora da matéria Lane Barreto. 32
O fato da palestra dos atletas militarizados ter sido dirigida, para além dos senadores, deputados e servidores do legislativo nacional, a estudantes do ensino fundamental e médio, como nos mostra a matéria acima, ratifica nosso entendimento sobre o processo de militarização da sociedade brasileira em curso, tendo o Esporte, mas não só ele, como um dos carros-chefes para a consecução do projeto.
Matéria veiculada pelo “portal na Hora” em 11 de julho de 2019 comunica que o MEC anuncia a implantação de 108 escolas militares no país. Segundo ela, “o Ministério da Educação anunciou a meta de criar 108 escolas ´cívico-militares’ no Brasil até 2023. O plano - prossegue - “é instalar uma por ano em cada uma das 27 unidades da federação. A ampliação da rede de escolas militares foi uma das promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro”. Jânio Carlos Endo Macedo, Secretário de Educação Básica do Ministério da Educação, disse, conforme a equipe de jornalismo do portal na Hora, que “as novas escolas serão implantadas em regiões carentes”. E explica o motivo: “Se não colocar em locais carentes, vai fazer o que? Vai aumentar a diferença de conhecimento dessa população...”.
Faz-se importante frisar que o processo de militarização das escolas vem ocorrendo desde antes mesmo da chegada à presidência de Jair Messias Bolsonaro33. Entretanto é dele a iniciativa, de promulgar Decreto normatizando a criação e funcionamento das escolas cívico-militares. No dia 02 de janeiro de 2019, o Governo Federal encaminha o Decreto nº 9.465 para publicação no D.O.U. Sua publicação acontece três dias depois, dia 05. Com eficácia prevista, em seu artigo 10, para vigorar a partir do dia 30 do mesmo mês traz, no artigo 16 de seu anexo I34, a criação da Subsecretaria de fomento às Escolas Cívico-militares, detalhando em seus incisos, sua competência35.
Militarização da Educação Básica, militarização da “política esportiva...
Quanto à Secretaria Especial de Esporte e às suas mais recentes ações, duas delas vêm ao encontro do que aqui expusemos, em relação à total e absoluta impossibilidade de visualizarmos, neste governo, horizonte de configuração da política esportiva como política de Estado.
A primeira delas diz respeito ao projeto social Esporte e Lazer Da Cidade. Em nota à comunidade, a UFMG Informa que,
Por decisão do Ministério da Cidadania do Governo Federal, a parceria com a universidade Federal de Minas Gerais, no Programa de Formação, Monitoramento e Avaliação dos Programas de Esporte e Lazer da Secretaria Especial do Esporte não terá continuidade. Neste sentido, as atividades realizadas pela Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia ocupacional nos Programas PELC, Vida Saudável, entre outros, não serão mais realizados a partir de setembro de 2019.
A segunda se refere à Rede Cedes, Centros de Desenvolvimento de Estudos do Esporte e do Lazer, nascida por dentro do Programa Orçamentário Esporte e Lazer Da Cidade como projeto vinculado ao Departamento de Ciência & Tecnologia do Esporte, da Secretaria Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer, SNDEL.
O Repositório Vitor Marinho de Oliveira, lotado no LaboMidia na Universidade Federal de Santa Catarina, fez circular a informação sobre a sua impossibilidade de aceitar novas submissões e tampouco extrair novas senhas para as devidas submissões, pelo fato de estar, há mais de dois anos, sem receber recursos do ainda existente Ministério do Esporte e hoje da Secretaria Especial do Esporte, para sua manutenção, encontrando-se em momento de instabilidade técnica com risco eminente de se tornar não operacional.
Então, ficamos assim. Da possibilidade - frustrada - de possuirmos a política esportiva como política de Estado, chegamos a um estado - deplorável - de política esportiva.
De resto a barbárie, sob a forma obscurantista, parece estar apenas começando.