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Revista Educação em Questão

versão impressa ISSN 0102-7735versão On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.61 no.70 Natal out./dez 2023  Epub 06-Mar-2024

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2023v61n70id33287 

Artigo

Tecnologias em sala de aula e sua relação com a prática docente: representações de professoras de língua inglesa

Las tecnologías en la sala de clases y su relación con la práctica docente: representaciones de profesoras de lengua inglesa

Allessandra Elisabeth dos Santos1 

Ms. Allessandra Elisabeth dos Santos, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Sergipe (Brasil), Grupo de pesquisa Tecnologias, Educação e Linguística Aplicada, Grupo de Pesquisa Multilingual Learners in Schools da Virginia Commonwealth University, E-mail: alle25@academico.ufs.br


http://orcid.org/0000-0002-9057-2955

Paulo Boa Sorte1 

Prof. Dr. Paulo Boa Sorte, Universidade Federal de Sergipe (Brasil), Programa de Pós-Graduação em Educação, Líder do Grupo de pesquisa Tecnologias, Educação e Linguística Aplicada, E-mail: pauloboasorte@academico.ufs.br


http://orcid.org/0000-0002-0785-5998

1Universidade Federal de Sergipe (Brasil)


Resumo

Este estudo objetiva analisar as representações de quatro professoras de inglês acerca dos usos de tecnologias para compreender a relação dessas representações com a prática das docentes participantes. Entendemos os usos de tecnologias permeados por experiências compartilhadas por membros de uma comunidade que, nesse caso, identificamos como professores de línguas adicionais, a partir da Teoria das Representações Sociais (Moscovici, 2010). Esta pesquisa de campo adota princípios de natureza qualitativa. Os dados foram coletados por meio de questionário, observação de aulas e entrevista, e analisados segundo a perspectiva da Pesquisa-Docente (Freeman, 1998) e do processo de codificação de Auerbach e Silverstein (2003). A análise revelou duas representações oriundas de seis temas. Neste artigo, abordamos a representação tecnologias como recursos pedagógicos essenciais na aula de inglês, oriunda dos temas: tecnologias analógicas como um recurso pedagógico essencial na aula de inglês e tecnologias digitais como um recurso pedagógico essencial na aula de inglês.

Palavras-chave: Representações Sociais; Ensino-aprendizagem de inglês; Ensino médio integral; Tecnologias

Resumen

El objetivo de este estudio es analizar las representaciones de cuatro profesoras de inglés en cuanto a los usos de tecnologías, y como estas representaciones están relacionadas con su práctica docente. Se abordan los usos de tecnologías en el contexto de experiencias compartidas entre miembros de una comunidad de profesores de idiomas, fundamentado en la Teoría de las Representaciones Sociales (Moscovici, 2010). Se realizó una investigación de campo de carácter cualitativo, recolectando datos mediante cuestionario, observación de clases y entrevistas. Los datos se analizaron siguiendo la perspectiva del profesor investigador de Freeman (1998) y el proceso de codificación de Auerbach y Silverstein (2003). El análisis reveló dos representaciones en seis temas. Este artículo se enfoca en la representación de las tecnologías como recursos pedagógicos esenciales en las clases de inglés, a partir de los temas: tecnologías analógicas como recurso pedagógico esencial en las clases de inglés y tecnologías digitales como recurso pedagógico esencial en las clases de inglés.

Palabras clave: Representaciones sociales; Enseñanza y aprendizaje del inglés; Escuela secundaria completa; Tecnologías

Abstract

This article aims at analyzing the representations of four English language teachers regarding uses of technologies in order to understand the relationship of these representations and the practice of the teachers. We understand uses of technologies intertwined with experiences shared by members of a community which, in this case, we identify as language teachers, based on Social Representation Theory (Moscovici, 2010). This field research is a qualitative study. Data were collected through questionnaires, class observation and interviews, and analyzed according to Teacher-Research by Freeman (1998) and the coding process by Auerbach and Silverstein (2003). The analysis revealed two representations originated from six themes. In this article, we address the representation of technologies as essential pedagogical resources in English classes, based on the themes: analog technologies as an essential pedagogical resource in English classes and digital technologies as an essential pedagogical resource in English classes.

Keywords Social Representations; English teaching and learning; Ensino médio integral; Technologies

Introdução

A expansão constante do uso de tecnologias digitais e redes de comunicação interativas intensifica uma transformação significativa na relação com o saber. Ao prolongarem determinadas capacidades cognitivas humanas, como memória, imaginação e percepção, as tecnologias intelectuais com suporte digital redefinem seu alcance, seu significado e, algumas vezes, até mesmo sua natureza. As novas oportunidades que o ciberespaço apresenta para a criação coletiva distribuída, a aprendizagem cooperativa e colaboração em rede levantam novamente questionamentos sobre o funcionamento de instituições e os padrões convencionais de divisão do trabalho, em empresas e escolas (Lévy, 2010).

Ao analisarmos o contexto educacional do ensino médio na contemporaneidade, é perceptível um aluno com acesso a uma gama abundante de informações, literalmente, ao alcance dos dedos. Contudo, essa realidade parece distante da realidade escolar, apesar das frequentes alterações nos textos das leis e da criação de documentos oficiais visando melhorias no sistema educacional brasileiro. Nesse cenário, o estudante enfrenta dois mundos: o “real”, externo ao ambiente escolar, recheado de meios de comunicação de massa e digital, possibilitando o acesso à informação a qualquer hora e local; o segundo mundo, a sala de aula, um ambiente plural, caracterizado por constantes transformações ao longo da história e marcado pela dificuldade de refletir, com rapidez. Diversas pesquisas analisam contextos como esse: Boa Sorte (2019), Boa Sorte e Santos (2020), Fuza e Miranda (2020), Monte Mór e Takaki (2017), Paiva (2015), (2019) e Zacchi (2017).

Durante a nossa carreira como professores de inglês nas esferas pública e privada, em escolas regulares, cursos livres e na universidade, vivenciamos as transformações na condução, tanto de nossas próprias aulas como de aulas de colegas professores. Assim como Paiva (2019), compreendemos que, historicamente, é constante a presença das tecnologias digitais e móveis para ensinar línguas. A distância física, há muito tempo, deixou de ser impedimento para a comunicação, o que transforma a visão de conhecimento e gera reflexões acerca da educação escolar e da cultura de ensinar e aprender línguas. Além disso, as tecnologias presentes em nosso dia a dia exigem comportamentos mentais ágeis e alertas ou, pelo menos, impulsionando à adoção de uma postura atuante e crítica de mundo. Isso significa que “[novas] maneiras de processar a cultura estão intimamente conectadas a novos hábitos mentais [...] novos modos de agir. Os desafios apresentados por essas emergências deveriam colocar sistemas educacionais em estado de prontidão” (Santaella, 2013, p. 19).

Compreendemos que os usos de tecnologias por parte dos professores são constituídos por experiências compartilhadas por membros de uma comunidade que, nesse caso, identificamos como professores de línguas adicionais1, a partir da Teoria das Representações Sociais (MoscovicI, 2010).

Essas representações abstraem sentidos do mundo e incorporam ordens e percepções, compreendendo e comunicando o que nos é familiar. O pertencer a uma comunidade está de acordo com o entendimento de Wenger (1998) sobre comunidades de prática, que estão em todo o lugar, inclusive nos ambientes formais de aprendizagem, integram a nossa vida cotidiana e nelas nos identificamos, construímos sentidos e aprendemos.

Representações sociais são geradas por meio de dois processos: a transformação de ideias abstratas em imagens concretas e um conjunto de significações que deixam as coisas conhecidas a partir do que já é familiar, respectivamente, os processos de objetivação e ancoragem. Trata-se, ainda, de um acontecimento da vida social de caráter dinâmico, descrito pelas funções: convencional e prescritiva. A função convencional permite às pessoas controlar o ambiente onde estão via um sistema de valores, ideias e práticas, enquanto a função prescritiva implica em uma tradição, uma forma de pensar que determina códigos para nomear e classificar os vários aspectos de seu mundo e da sua história individual e social, assegurando uma comunicação entre membros de uma comunidade (Moscovici, 2010).

Essas representações podem ser estudadas considerando o sentimento de adesão ou receio de uso das tecnologias pelos professores, buscando estabelecer conexões entre elementos afetivos, mentais e sociais com a cognição, linguagem e comunicação (Jodelet, 2001). Em um contexto de dinamismo perceptível entre indivíduo e sua relação com afazeres nos vários contextos da sociedade, as representações sociais emergem do dinamismo no uso das tecnologias, especialmente aquelas criadas após a internet e marcadas pela comunicação ubíqua, seja dentro ou fora da escola.

Este artigo tem como contexto as escolas com modalidade de ensino em tempo integral, em Sergipe, os Centros de Excelência de Ensino Médio2 (CEEM), escolas que se diferenciam pela alta disponibilidade de recursos tecnológicos. O Programa Escola Educa Mais3 visava implementar o esse modelo em 38 escolas da rede pública estadual até 2018, buscando melhorar a qualidade do ensino, reformular a concepção de escola e diminuir índices de abandono e reprovação. Por isso, o foco no investimento em infraestrutura e recursos tecnológicos é essencial nos CEEM. Assim, o estudo se foca nos usos de tecnologias em aulas de inglês, e delineamos como objetivo principal, analisar as representações de quatro professoras de língua inglesa acerca dos usos de tecnologias para compreender a relação dessas representações com a prática das docentes participantes.

Neste trabalho, não nos preocupamos em definir ou distinguir tecnologias analógicas e digitais, por concordarmos com autores como Cramer (2015) e Santaella (2016) cujas discussões apontam para uma leitura crítica na atualidade frente a uma ideologia da superioridade das tecnologias digitais em relação às analógicas, postura essa denominada de pós-digital. Santaella (2016) relembra ainda que, a compreensão do que é ser digital não apresenta um denominador comum ao se pensar o digital como algo criado no computador, proveniente de um código, o estar em rede. Trata-se de entendimento difícil de se ter, uma vez que as transformações geradas a partir da tecnologia de informação digital já permeiam a nossa sociedade.

A seguir, descrevemos a metodologia deste trabalho. Subsequentemente, apresentamos a fundamentação teórica e a análise de dados, de forma conectada e entremeada com ênfase para a discussão das representações sociais das participantes acerca das tecnologias como recursos pedagógicos essenciais para as aulas de inglês. Nas considerações finais, destacamos que o fato de ensinar em Centros de Excelência não é garantia de acesso a recursos tecnológicos.

Metodologia da Pesquisa

Esta é uma pesquisa qualitativa por considerar uma preocupação maior com o processo em relação ao produto, isto é, há interesse em estudar um problema do ponto de vista de como ele é manifestado em atividades cotidianas, procedimentos e interações (Lüdke; André, 1986). Trata-se ainda de uma pesquisa de campo realizada em dois CEEM cujos critérios de inclusão para as escolas-campo foram dois. O primeiro, o funcionamento dos três anos do ensino médio em tempo integral; e o segundo, a estrutura: acesso à internet, existência de um laboratório de informática e de uma biblioteca. As participantes são quatro professoras de inglês: Angélica, Flora e Maia que trabalham no CEEM B, e Amarílis que atua no CEMM A.4

Para a coleta dos dados5, utilizamos os seguintes instrumentos e técnicas: questionário, observação com tomada de notas e entrevista (Freeman, 1998; Lüdke; André, 1986). O questionário trouxe perguntas para obter um perfil das participantes, levantar dados sobre as tecnologias disponíveis nas escolas-campo, sobre os recursos adotados pelas professoras e as formas de uso em suas aulas (ver quadro 1).

Quadro 1 Questionário 

Para você, o que é fazer uso das tecnologias nas aulas de inglês?

Mencione as tecnologias existentes em sua escola.

Em sua opinião, qual a finalidade dos usos das tecnologias nas aulas de inglês do ensino médio?

Que vantagens você vê em usar tecnologias nessas aulas? Que desvantagens?

Você sente necessidade de aprender a usar tecnologias para a sua prática de ensino de inglês? Justifique.

Como você vê o uso das tecnologias na sua escola?

Fonte: Elaboração dos autores.

A segunda etapa da coleta foi a observação das práticas pedagógicas e tomadas de nota. Dessa forma, com base em Freeman (1998), fizemos um roteiro que determinou e direcionou os aspectos a serem observados: descrição do mobiliário, iluminação, nível de ruído, conforto térmico e ventilação, número de alunos, disposição das mesas e cadeiras no momento da aula, interação das professoras com seus alunos, interação dos alunos com as tecnologias, atividades realizadas no decorrer da aula, tecnologias utilizadas na aula, elementos cognitivos, afetivos, sociais, crenças, atitudes e valores. Foram observadas 10 aulas de cada participante, com 50 minutos de duração, totalizando 40 aulas para que “[...] [à] medida em que o observador [acompanhe] in loco as experiências diárias dos sujeitos, [possa] tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias ações” (Lüdke; André, 1986, p. 26).

A última etapa de coleta de dados foi a técnica de entrevista semiestruturada que, como aponta Freeman (1998), permite ao participante compartilhamento de informações. As perguntas, cuja ordem não precisava ser seguida obrigatoriamente, abordavam questões, como (ver quadro 2):

Quadro 2 Roteiro de entrevista 

Quais tecnologias você fez uso durante a(s) aula(s) observada(s)?

Aos quais recursos tecnológicos você tem acesso aqui na escola?

Você costuma incluir o uso de tecnologias ao planejar as suas aulas?

Houve contribuição do uso das tecnologias para que os objetivos de sua aula fossem alcançados?

Você faz uso de tecnologias no seu dia a dia? De que maneira? Como você se sente em relação a esse uso?

Como você acha que seus alunos fazem uso de tecnologias no dia a dia deles?

Como eles usam tecnologias em sala de aula?

Na sua perspectiva, qual seria a visão de seus estudantes quanto ao uso de tecnologias nas aulas de inglês?

Como você se sente em relação ao uso de tecnologias nas suas aulas?

Quais foram os impactos do uso de tecnologias nas aulas observadas?

Com quais finalidades essas tecnologias foram utilizadas?

Você se sente à vontade em relação ao uso de tecnologias nas suas aulas?

Você respondeu no questionário que gostaria de ter tido em sua matriz curricular alguma matéria que tratasse dos usos das tecnologias do ensino de inglês. Como você imagina que essa disciplina deveria ser?

Como seria a aula X sem o uso de tecnologias?

Como você descreveria uma boa aula de inglês com o uso de tecnologias?

Fonte: Elaboração dos autores.

Inspiradas no guia de Freeman (1998), as perguntas do roteiro abordaram: comportamento e experiência; opiniões e valores; sentimentos e conhecimento. Seguindo Lüdke e André (1986), oportunizamos uma interação com a entrevistada, permitindo-a discorrer sobre o tema proposto, mas fazendo referências ao roteiro com o intuito de assegurar que todas as perguntas fossem realizadas. As quatro entrevistas aconteceram após a décima aula observada, porém, em ambientes distintos: biblioteca ou sala dos professores. As durações variaram entre 36 e 58 minutos.

Para análise dos dados, adotamos a metodologia da pesquisa docente de Freeman (1998). As representações sociais das participantes sobre os usos de tecnologias em suas práticas pedagógicas originaram-se das múltiplas fontes de informações obtidas por meio das respostas do questionário e da entrevista, das observações de aula com tomada de notas. Para a realização desse tipo de análise, executam-se quatro etapas: nomear ou codificar; agrupar; estabelecer relações e revelar. Na primeira etapa, os dados coletados recebem rótulos oriundos das próprias palavras das participantes, identificados como códigos enraizados e não definidos a priori. A segunda tarefa é a reorganização desses nomes em categorias, emergentes e/ou a priori, agrupadas de acordo com os objetivos da pesquisa e os autores que a fundamentam teoricamente. Em seguida, as relações são estabelecidas a partir do reconhecimento de padrões entre os temas reunidos, que revelam respostas oriundas dos dados coletados.

A análise das entrevistas foi ainda guiada pelo processo de codificação de Auerbach e Silverstein (2003) para identificar padrões. O processo inicia via contato com transcrições, seleção de trechos relevantes para atingir os objetivos específicos e compreender as participantes, identificação das ideias repetidas pelas participantes, agrupamento de ideias em comum em temas, o agrupamento de temas em construtos teóricos, até a organização desses construtos em narrativas teóricas, ponte para a compreensão das representações acerca dos usos de tecnologias e a sua relação com a prática de ensino das participantes (ver figura 1).

Fonte: Elaboração de Santos (2020) a partir de Auerbach e Silverstein (2003).

Figura 1 Processo de codificação 

Para Auerbach e Silverstein (2003), as etapas de codificação são comparadas a uma escada de seis degraus, onde cada degrau alicerça para o seguinte e, ao mesmo tempo, permite que o pesquisador se movimente entre os níveis iniciais e os mais abstratos de compreensão. Além da analogia da escada, os autores associam a etapa de identificação das ideias repetidas com blocos de uma construção, fazendo referência à construção civil também mencionada por Freeman (1998).

Na trajetória dos procedimentos de análise, identificamos os temas: tecnologias como facilidade, tecnologias como ameaça, tecnologias como ubiquidade e tecnologias como entretenimento, que convergiram para a representação 1: Tecnologias Compreendidas Como Tecnologias Digitais. Surgiram ainda os temas tecnologias analógicas como um recurso pedagógico essencial na aula de inglês e tecnologias digitais como um recurso pedagógico essencial na aula de inglês, que convergiram para a representação 2: Tecnologias Como Recursos Pedagógicos Essenciais na Aula de Inglês.

A fim de manter as convenções sugeridas por Auerbach e Silverstein (2003), redigimos os temas em itálico e os construtos teóricos, indicativos das representações, em letras maiúsculas. Apesar de não contemplarem o objetivo desta pesquisa, os temas escassez de recursos tecnológicos no ambiente escolar e a necessidade de formação continuada de professores a respeito do uso de tecnologias emergiram das quatro participantes. O revelar desses temas excludentes, termo adotado por Freeman (1998), já era esperado nesse percurso, quando se trabalha em concordância com as etapas da análise, tanto desse autor quanto de Auerbach e Silverstein (2003) por se ter sempre em mente o ato de “escutar” as participantes.

Em virtude do espaço característico do gênero acadêmico artigo científico, exploraremos, neste trabalho, apenas a representação 2: Tecnologias Como Recursos Pedagógicos Essenciais Na Aula De Inglês. Nesse contexto, destacamos como fundamentação teórica a Teoria das Representações Sociais, o ensino de inglês com uso de tecnologias, e documentos e legislações especiais sobre o ensino médio em tempo integral.

Trilhando o percurso teórico e analisando os dados: tecnologias, representações sociais e ensino de língua inglesa

Dentre os temas que surgiram diante do objetivo proposto estão: tecnologias analógicas como um recurso pedagógico essencial na aula de inglês e tecnologias digitais como um recurso pedagógico essencial na aula de inglês, que convergiram para a representação, Tecnologias Como Recursos Pedagógicos Essenciais na Aula de Inglês.

Percebendo uma relação dialética entre esses temas, enfatizamos Moscovici (2010), ao afirmar que os meios de comunicação de massa são uma das razões geradoras dessa postura antagônica, uma vez que aceleraram essa tendência de que as representações sociais precisam se transformar para penetrar a vida cotidiana e se integrar à realidade comum. Os fenômenos que criam representações sociais são novos, provocam estranhamento nas pessoas, gerando necessidade de compreendê-los. As representações são formas simbólicas, mas não neutras e são consideradas conhecimento construído e partilhado entre as pessoas, saberes específicos à realidade social, que surgem na vida cotidiana no decorrer das comunicações. Nessa teoria, valoriza-se o conhecimento popular, e assim, os saberes do senso comum se encontram em uma categoria científica, tornando possível e relevante a sua investigação (Moscovici, 2010).

Segundo a Teoria das Representações Sociais de Moscovici (2010), os processos geradores das representações, ancoragem e objetivação, ocorrem com a função de tornar o não familiar em familiar e partem das informações que nós temos, que coletamos com outros membros de um grupo social, buscando entender o novo ao ancorar-se no conhecimento antigo. No mecanismo de objetivação, procuramos transformar uma realidade em visível e concreta, enquanto aliamos um conceito a uma imagem, um ícone, uma linguagem expressa de maneiras simplificadas.

Comportamento e discurso são suportes de uma representação social. Essa afirmação é corroborada por Pereira e Silva (2021), ao evidenciar a influência de experiências, crenças e interações sociais na formação das representações discursivas de professores de inglês sobre a internacionalização da educação. Ilustramos isso no discurso de Maia, que expõe sua predileção por tecnologias analógicas ou digitais, e das participantes da mesma instituição: “Trabalhamos de formas diferentes. Angélica gosta muito de novas tecnologias, então ela leva muito para a sala. Flora gosta muito de jogos. Eu gosto de texto. Então tento levar interpretação em tudo. E pessoalmente também não sou uma pessoa de muita tecnologia.”

A escolha dessas três professoras sobre recursos tecnológicos analógicos/digitais ancora-se em informações que elas possuem: a ausência de formação continuada sobre a inserção de tecnologias nas aulas, e a escassez de recursos no ambiente escolar, temas excludentes. Dificuldade no manuseio desses recursos e a demora na sua preparação constituem obstáculos para que as professoras se familiarizem com alguns recursos na sua prática de ensino, não somente como tecnologias como entretenimento, mas como tecnologias como recursos pedagógicos sejam analógicos ou digitais.

Seja analógica ou digital, a relação entre o uso de tecnologia e o ensino de línguas adicionais apresenta séculos de história. Na visão de Kelly (1969), assim como a tecnologia influencia o ensino, a relação recíproca é também um fato, pelo domínio que as máquinas exercem sobre a comunicação no mundo moderno e porque o ato de ensinar é essencialmente comunicar. O autor descreve que, gravadores de cassete, projetores de filme e aparelhos de televisão sofreram alterações influenciadas pelas necessidades no processo de ensino, enquanto o professor e o livro são pressionados a se integrarem a esses novos meios de transmissão.

De acordo com Paiva (2015), o sistema de educação sempre sofreu pressão para integrar tecnologias em seu cenário, desde o livro ao computador, e sempre houve essa relação dialética diante do novo, saindo de um comportamento inicial de aceitação ou rejeição, e percorrendo os caminhos da desconfiança/negação, inserção e a normalização.

A história da tecnologia no ensino de línguas não poderia ser linear em um país como o nosso onde as diferenças sociais impedem que tecnologias como o papel, o livro, e até a eletricidade estejam ao alcance de todos. Muitas tecnologias já obsoletas, como o projetor de slides, nunca chegaram a determinadas escolas. O computador já está plenamente integrado no ensino de inglês de algumas instituições e muitos professores já adotam material didático acompanhado por CD-ROM. Já é possível observar uma mudança gradual de muitos que rejeitaram [a] princípio as inovações trazidas pelo computador e pela internet, apesar de que essa tecnologia continua a ser vista por uns como cura milagrosa e por outros como algo a ser temido. É bem possível que o computador não chegue para todos, mas é preciso também ter em mente que nem o livro e nem o computador farão milagres no processo de aprendizagem. O sucesso da aquisição de uma língua estrangeira depende da inserção em atividades de prática social da linguagem e, dependendo do uso que se faz da tecnologia, estaremos apenas levando para a tela os velhos modelos presentes nos primeiros livros didáticos (Paiva, 2015, p. 14).

Os primeiros livros didáticos foram as gramáticas. Ao longo da história, a importância desse recurso sofreu variações não influenciadas pela teoria ou método de ensino da época, mas por razões como custo, disponibilidade para o aluno e seu layout. O livro começou a se tornar mais acessível para o aluno após a invenção da imprensa e a sua importância oscilou ao longo dos séculos. Muito de sua importância se deu também com o desenvolvimento do estudo autodidata de línguas. No decorrer de sua trajetória, gerou divergências, dividindo opiniões entre educadores em relação à sua inserção na escola. A rejeição dessa tecnologia vinha da crença de que na sala de aula o aluno só deveria ouvir e o livro seria utilizado por ele para estudos em casa (Kelly, 1969).

Durante as 40 aulas observadas, percebemos que o livro didático foi utilizado em três, mas as menções que ocorreram a essa tecnologia foram orientações das professoras para utilizá-lo em casa, na realização de tarefas e estudos sobre conteúdo gramatical, como expressa Amarílis:

Havia uma necessidade maior do livro, porque o livro serve para eles como estudo, como orientação dos assuntos que vão cair. A gente sabe que o livro é um instrumento muito bom, uma metodologia muito boa, principalmente em língua estrangeira. Tem uns textos para você trabalhar. Uns trazem música, americana ou de um contexto pop (Amarílis, 2019).

Amarílis reconhece o livro didático como recurso pedagógico essencial para o ensino-aprendizagem com atividades de compreensão escrita com textos. Devido à dificuldade para se ter recursos, a disponibilidade do livro6 é um fato celebrado: “Com a chegada do livro, ficou bem melhor. A gente não tem uma biblioteca tão superequipada, mas já evoluiu bastante” (Amarílis, 2019), e complementa sobre a importância de outros livros, paradidáticos e dicionários, esses últimos também mencionados por Flora no quadro 3.

Quadro 3 Tecnologias analógicas como um recurso pedagógico essencial na aula de inglês 

“Tirar cópias sempre foi problema. Agora tá bom, porque tenho livros, não tinha como os alunos [aprenderem] uma língua sem ter pelo menos uma apostila.” “Se você for dar aula usando tecnologia, você vai ter que preparar a sala horas antes. Na maioria das vezes, uso mais impressão ou livro que facilita para não perder tempo.” (Amarílis)

“Depois das provas, tem recuperação. Eu evito tirar cópia aqui na escola. Então a saída é usar os papeizinhos e eles respondem no caderno e tiram foto para guardar o enunciado?” “Eu já levei os dicionários numa caixa pra sala à disposição deles, ou o monitor pegava os dicionários ou eles mesmos iam na biblioteca.” (Flora)

“Agora a escola tem essa biblioteca. De vez em quando você vê alguns alunos aqui, pra pegar revistas, livros. Não são muitos, mas você vê alguns. Agora em sala, a gente não leva. Quando tem algum texto, a gente não leva os livros e revistas, pelo menos eu, a gente usa impresso.” As minhas normalmente é texto, é caderno, é livro, o quadro, piloto e a minha caixa de som. Eu gosto de levar letra de música.” (Maia)

Fonte: Elaboração dos autores.

Analisando os excertos do quadro 3 e aliando-os aos dados de observação das aulas, identificamos duas tecnologias de uso quase diário por três das participantes: o papel, por meio de apostilas fotocopiadas ou impressas, e o quadro. De acordo com Kelly (1969), o livro, e aqui acrescentamos a apostila, são para uso individual em sala, mas quando o foco é a atenção de toda a classe para um ponto único, o quadro cumpre essa função. Percebemos uma relação entre a frequência de uso desses recursos, em que a falta de um implica no maior uso do outro e vice-versa.

Como o livro é pouco usado em sala, as professoras precisam de apostilas para trabalhar interpretação textual e estrutura gramatical. Quando a solicitação de cópias não é atendida, por falta de tonner, ou porque a quantidade de cópias recebidas é inferior ao número de alunos, algumas estratégias se tornaram habituais, como a escrita da tarefa no quadro para que os estudantes reproduzam em seus cadernos e, em seguida, respondam o exercício. Mesmo nesse contexto de Centros de Excelência, as fotocópias são uma constante e há problemas com o fornecimento de materiais de uso cotidiano, como pincéis para quadro branco, como enfatiza Maia:

O chefe é o Estado. Não posso me queixar, mesmo com dificuldade, imprimo na escola, tiro xerox, que é o que eu uso. Às vezes é difícil, porque ensino público, ninguém é dono, tem cara feia, reclamação, mas, no geral, consigo ter acesso ao que preciso. Não consigo trabalhar com novas tecnologias. Decidi que não quero fazer. Angélica comprou todo material dela, até cabos. Complicado ter cabos nessa escola. Está longe de ser o ideal, mas ainda é melhor do que o que tem em outras escolas. Minha escola é privilegiada, num estado onde os desafios do professor são inúmeros. A escola já reduziu a quantidade das cópias. Piloto falta absurdamente. Não creio que uma escola não receba dinheiro necessário para comprar a quantidade certa de piloto. Por que então não distribui um número certo de pilotos, segundo o uso do professor por mês ou por bimestre, e monitora? Já perdi roupa botando aquela tinta. Tem recursos, mas poderia ser melhor (Maia, 2019).

Maia retoma a precarização do trabalho docente no ensino público (Jesus; Lima, 2016; Nascimento, 2007), além de apontar para o tema excludente escassez de recursos. Ao mesmo tempo em que a participante desabafa, ela reitera Lima (2011, p. 159): “[...] é público e notório o descaso com que o ensino de língua estrangeira sempre foi tratado nas escolas brasileiras, principalmente naquelas da rede pública, apesar das leis, resoluções e diretrizes publicadas no intuito de reverter, ou não, essa situação”.

Angélica, que tem mais imersão nas culturas digitais, como apontou anteriormente a participante Maia, reconhece a importância do livro, mas esclarece os motivos pelos quais não o utiliza em sala e, diante disso, opta por usar seus próprios recursos nas suas aulas:

O livro é terrível! O que eu pensei em escolher não foi aprovado pela rede. Aí o melhorzinho era esse livro. Até ano passado eu trabalhei com o livro, mas não deu certo porque os meninos não conseguiam responder, nem fazer atividade. Com essa apostila, eles conseguem, respondem. Tem a explicaçãozinha em português que facilita bastante (Angélica, 2019).

A professora substituiu o livro didático eleito no PNLD e, pelos motivos expostos no excerto da entrevista, supriu conteúdos, atividades, textos e ampliou o contato do aluno com a língua propondo projetos e, ao mesmo tempo que seguia as orientações do Guia do Livro Didático de Língua Estrangeria Moderna para Ensino Médio 2015 (Brasil, 2015), passou a divergir dele quando fez a opção pelo não uso do material. Angélica está se referindo à apostila digital Bernoulli, cujo acesso se dá por aplicativo em um smartphone. A apostila digital era utilizada com intuito similar de uma apostila fotocopiada, como explica Monte Mór:

Não com pouca frequência, verifica-se que a tecnologia digital e a mecânica são vistas ou tratadas de forma indiferenciada, como se compartilhassem exatamente os mesmos conceitos, como se qualquer noção tecnológica propiciasse os mesmos efeitos. No caso da presença de tecnologia em escolas, verifica-se que, em boa parte das vezes, a menção à tecnologia digital é feita sem haver uma distinção desta para a analógica ou mecânica com a qual se tem contato desde outros séculos (Monte Mór, 2017, p. 267-268).

A autora discute dois momentos tecnológicos no contexto pedagógico. Primeiro, a tecnologia mecânica com quadro-negro, giz, mimeógrafos, projetores de slides etc., com o intuito de expandir seus sentidos e sua capacidade de compreensão. No segundo momento, a tecnologia é produzida mantendo-se o objetivo de aumentar seus sentidos e capacidade de compreensão “[...] ao mesmo tempo em que lhe escapa como areia pelos dedos pelo estranhamento (e encantamento) que lhe causa (computadores, softwares, aplicativos etc. – tecnologia digital)” (Monte Mór, 2017, p. 268). Ainda, comenta sobre a sociedade digital, que expõe e amplia pluralizações e diversidades linguísticas, sociais e culturais encobertas pelas normas da sociedade da escrita. Sua citação remete a falas de Angélica por várias razões. A participante fez comentários sobre a falta de formação continuada acerca da inserção de tecnologias no ensino, além de demonstrar interesse em aprender a usar tecnologias digitais independentemente de os recursos tecnológicos serem providos ou não pela escola. Angélica chama atenção na escola puxando sua maleta com seus próprios recursos, laptop, caixa de som, mouse sem fio e projetor.

Um colega aqui que diz: Eu louvo sua boa vontade de trazer seu projetor, mas projetor é muito caro para eu ficar ligando e desligando. Jamais traria. Eu digo: Mas trago porque facilita meu trabalho. Queria chegar na sala, ter projetor pronto, para eu ligar o computador, e dar aula. Tenho aulas prontas. Acho que facilita bastante a vida. A gente pode entrar em atrito com colegas. Houve casos de eu solicitar, o outro professor também, e um chega primeiro e leva. Rapaz, é uma confusão tremenda e aí pra evitar esse tipo de problema, há muitos anos eu tenho meu projetorzinho e o meu computador (Angélica, 2019).

Angélica atribui a aquisição de seus recursos à baixa qualidade dos dispositivos no trabalho: “[...] pela escola, você tem acesso a projetor faltando peça, projetor cheio de pontinho. Um computador que você não pode colocar nada, cheio de vírus” (Angélica, 2019). As queixas quanto à ausência ou à precariedade das tecnologias por parte das outras participantes que ensinam no CEEM B demonstram insatisfações similares.

Amarílis, única participante que trabalha no CEEM A, também apresenta descontentamento quanto à oferta de recursos tecnológicos para suas aulas de inglês. No quadro 4, Amarílis lamenta o fato de não mais ter uma sala somente para as aulas de inglês e comenta sobre a dificuldade de acesso às duas únicas salas, atualmente equipadas com projetor e computador. O quadro traz, ainda, algumas ideias repetidas, que convergiram para o tema tecnologias digitais como um recurso pedagógico essencial na aula de inglês.

Quadro 4 Tecnologias digitais como um recurso pedagógico essencial na aula de inglês 

“Quando minha sala de aula estava montada, tinha DVD, TV exclusiva, computador, projetor e som. Eu dizia: Hoje será uma aula de música. Quando eu tinha toda estrutura, estudava música, os processos de aquisição de vocabulário, pesquisar. Há duas salas com retroprojetor, mas a sala é muito disputada. Tenho que me planejar dias antes se quiser usar, agendar, até meses.” (Amarílis, 2019)

“Aula eu ainda tinha que pegar equipamento, porque quando é uma aula do meio, às vezes eu deixo o equipamento montado e só peço para trocar de sala, então aí eu prefiro comprar o meu. Só ainda não me encorajo a comprar o Datashow pelo preço e também porque é muito desgaste você ficar usando, desligando, pode danificar sim, mas se fosse mais barato, compraria o meu. Vídeo causa a emoção. Me ajuda a memorizar mais. Facilita para eles também. [...] quando é possível usar a tecnologia melhor, computador, app, chama atenção. Seria legal se eles pudessem montar um jogo usando o conteúdo que a gente está dando. E o que é possível fazer de diferente a gente faz.” (Flora, 2019)

“Quando o aluno não tem o computador em casa ou dificuldade de internet no celular, a escola disponibiliza essa biblioteca. Não são tantos computadores quanto essas cabines aqui, não sei se eles vão colocar novos, mas eram 2 computadores disponíveis para pesquisa.” “Em algumas aulas, surge um tema, peço que pesquisem no celular. Se eu entrego um texto e tem palavras novas, peço que usem o próprio celular pra ajudar com palavras, não para traduzir. Acontece de vez em quando, mas não sempre.” (Maia, 2029)

Fonte: Elaboração dos autores.

Maia aborda o uso do celular para pesquisar palavras na internet. Leffa e Peixoto (2017) chamam a atenção para a potencialidade desse dispositivo móvel como recurso pedagógico no aprendizado de inglês devido ao fato de dar acesso a texto, áudio e vídeo, além de ser considerado atualmente a tecnologia digital mais inclusiva por faixas etárias e classes sociais variadas. Essa potencialidade está também descrita nas palavras de Amarílis:

Um dos objetivos principais do uso da tecnologia é levar ao aluno um conhecimento maior da língua, além da gramática, mais perto da cultura de outros países, abrir horizontes para que eles possam comparar como vivem aqui. Ou quiçá almejar a viver uma outra realidade, tornar a aula mais interativa e dinâmica, e fazer com que o aluno adquira um gosto pela língua. Queria que os meninos, pelo menos, tentassem interpretar textos, entendessem a mensagem, sem traduzir. ‘Ah esse texto repete muito essa palavra, tá falando sobre isso.’ Mas alguns têm preguiça até de ler (Amarílis, 2019).

Ao longo dos anos, vem se ampliando a familiaridade de professores com a tecnologia digital e com práticas docentes que integram o digital (Monte Mór, 2017). Esse movimento reduz o grau de incerteza quanto à integração do mundo digital na aprendizagem escolar. Gradativamente, o professor se reconhece nessas tecnologias, mas ainda se faz necessário ampliar as reflexões sobre as mudanças do digital na aprendizagem.

A autora ressalta, ainda, que há várias pesquisas recentes destacando o interesse nas questões tecnológicas refletidas nos estudos acerca da adequação do uso da tecnologia digital nas escolas, ou mesmo quando a tecnologia digital é tratada com um fator para tornar a escola mais atraente. Na avaliação de muitos estudantes, a inserção da tecnologia digital no ambiente escolar se torna mais interessante. No entanto, a autora aponta incertezas quanto a essa adequação da tecnologia digital, baseando-se em algumas pesquisas de mestrado e doutorado sobre a relação tecnologia digital-escola-educação-ensino de línguas, tais como: possíveis objetivos mercadológicos subjacentes e contrários a objetivos educacionais; a distância existente entre as possibilidades educacionais das tecnologias digitais e seus usos nas aulas de línguas materna e estrangeiras; além da percepção quanto ao uso feito na vida cotidiana dos usuários e nas escolas.

Ao se referir às desigualdades sociais como razões para o impedimento ao acesso a recursos tecnológicos como o papel, o livro, e até a eletricidade, Paiva (2015) nos faz questionar sobre as condições de trabalho relatadas pelas participantes nesses CEEM. Os textos da Lei de nº 13.415, de 16 de dezembro de 2017 (Reforma do Ensino Médio), da Lei estadual de Sergipe de implementação do Ensino Médio em Tempo Integral, a BNCC (Brasil, 2018), além do PNE (Brasil, 2014) apresentam metas e estratégias não somente para o acesso à rede de computadores como também para o provimento de recursos tecnológicos digitais e estrutura necessários para a formação dessa nova concepção de escola, apontada também por Santaella (2013).

“As pesquisas que [estudam] o impacto do conhecimento sobre o digital [na] educação e nos estudos das linguagens alertam que não se trata apenas de introduzir aparelhos tecnológicos e conexão em rede nas escolas.” (Monte Mór, 2017, p. 276). A realidade desses dois CEEM ainda está distante das metas propostas, pois até mesmo a conexão é de velocidade insuficiente para um ambiente escolar desse porte.

O texto da lei PNE (Brasil, 2014) inclui como meta a conexão, mas não faz menção à formação pedagógica nesse cenário de sociedade digital. Monte Mór (2017) também adverte acerca dos resultados de vários estudos ressaltando que as mudanças na sala de aula não implicam em “simplesmente” a introdução do arsenal tecnológico e a conexão em rede nas escolas, precisa-se de nova formação sobre o processo de letramentos.

Com a ampliação da familiaridade e inserção de tecnologias digitais nas aulas de inglês, pesquisadores como Boa Sorte e colaboradores (2019) reafirmam a necessidade de formação de professores para essa nova realidade, incentivando a formação de um aluno crítico, autônomo e capaz de refletir e discutir acerca de questões com um enfoque pluralista, ético e democrático, o que ainda a tecnologia analógica da escrita não normalizou.

Considerações finais

Este trabalho analisou as representações de quatro professoras de inglês acerca dos usos de tecnologias para compreender a relação dessas representações com a prática das docentes participantes. A análise revelou duas representações oriundas de seis temas. Neste artigo, exploramos a representação Tecnologias Como Recursos Pedagógicos Essenciais Na Aula De Inglês, oriunda dos temas: tecnologias analógicas como um recurso pedagógico essencial na aula de inglês e tecnologias digitais como um recurso pedagógico essencial na aula de inglês.

Segundo a Teoria das Representações Sociais (Moscovici, 2010), as representações reafirmam crenças e interpretações preexistentes e concordantes com nossas atitudes e pensamentos mais conectados à tradição. São falas e atitudes que objetivam a sensação de segurança e controle frente a questões conflituosas ou de risco, influenciadas neste trabalho ainda por dois temas excludentes: escassez de recursos tecnológicos no ambiente escolar e a necessidade de formação continuada de professores a respeito do uso de tecnologias.

Apesar de ambas as escolas serem CEEM, a escassez de recursos tecnológicos gera a manutenção da estranheza e do receio frente ao seu uso pelas professoras. Compreendemos, ainda, que, a não familiaridade e/ou as formas de uso das tecnologias em suas aulas sofrem interferências, não somente pela conexão de internet insuficiente para um ambiente escolar como também pela baixa frequência de formação continuada para docentes, como apontado pelas participantes. Segundo as professoras, como as formações focam principalmente nas alterações no programa do ensino médio, especialmente no tocante ao processo de avaliação, não identificamos um planejamento de formação continuada objetivando um processo ensino-aprendizagem mais próximo das transformações sofridas pela sociedade e impulsionado pela presença, cada vez mais constante, das tecnologias digitais de informação e comunicação no dia a dia das pessoas. A intenção das formações deveria focar o desenvolvimento do humano ao invés de ser em aprender a manusear recursos, e trabalhar com o tema avaliação continuada, uma das estratégias propostas no PNE (Brasil, 2014).

Em um cenário de falta de perspectiva pela escassez de recursos nesses ambientes escolares, o smartphone, elemento ubíquo no contexto das duas escolas-campo, pode ser uma forma de trabalhar questões de criticidade com os alunos por meio de textos das mídias também como memes e jogos digitais, recomendados, respectivamente, por Boa Sorte (2019) e Zacchi (2017). Todavia, com a qualidade de conexão oferecida pelas duas instituições de ensino, seriam necessários, além do dispositivo móvel do aluno, seus dados de internet. Vemos as questões de decisão aqui baseadas não somente nas representações sociais de cada professora acerca dos usos de tecnologias, mas pela decisão de imersão nas culturas digitais como um fator motivador para o uso dessas tecnologias em suas práticas de ensino.

Retomando Moscovici (2010), reforçamos que, havendo modificações das condições de trabalho dessas professoras de inglês, a criação de outras representações sociais ocorreria pela necessidade de re-constituir o “senso comum” e de se familiarizar com novas interações e experiências coletivas. As profundas mudanças causadas pela pandemia do coronavírus (SARS-CoV-2), após 2020, afetou as formas de comportamento e relacionamento nas sociedades devido às regras de distanciamento físico implicando na necessidade de criação de novas representações sociais para compreender um cenário tão inédito e sem qualquer referência de tradição de falas e atitudes. Diferentes interações e experiências coletivas estão postas a todos nós. São elas que nos fazem re-construir e des-contruir nossas falas e atitudes, nossas representações sociais sobre as tecnologias e o mundo em que habitamos.

Notas

1Adotamos o termo línguas adicionais, ao invés de línguas estrangeiras, por concordar com Leffa e Irala (2016), quando mencionam as vantagens de seu uso por não discriminar o contexto geográfico e as características individuais do aluno.

2Os primeiros CEEM foram implantados, em Aracaju, por meio da Lei Complementar nº 179, de 21 de dezembro de 2009.

3Programa parte da meta 6 do Plano Estadual de Educação (PEE) (Sergipe, 2015).

4Salientamos que os nomes das escolas e das professoras participantes são fictícios, tendo como intuito ético preservar a identidade de todos.

5Os procedimentos metodológicos desta pesquisa foram aprovados pelo comitê de ética, em parecer consubstanciado de nº 3.248.298.

6O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de Língua Inglesa teve início em 2011, por isso é algo bastante recente se comparado às demais disciplinas.

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Recebido: 18 de Julho de 2023; Aceito: 29 de Novembro de 2023

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