Introdução
O contexto da cultura digital tem sido marcado por sua característica disruptiva, por mudanças abruptas e por sua influência que tem impactado nas formas de interação, de ensino e de construção do conhecimento. Nessa realidade, popularizam-se meios que possibilitam reorganizar e ressignificar perspectivas de tempo e de espaços de ensino e de aprendizagem, a partir, por exemplo, da adoção de tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) em conjunto com novas metodologias e técnicas de ensino em contraponto a algumas perspectivas mais tradicionais.
Se por um lado a realidade atual é marcada por uma maior democratização do acesso às tecnologias digitais, por outro, criam-se tensões inerentes às mudanças ocasionadas pela cultura digital. Por vezes, de modo a contemplar as novas demandas desse contexto, surgem (pseudo)inovações e modismos educacionais que ganham espaço nas instituições de ensino, mas que carecem de embasamento teórico, de cuidados pedagógicos ou até mesmo de condições efetivas para a prática docente.
O ensinar e o aprender em meio à cultura digital demandam cuidados para que não recaiam em práticas vazias ou sem a devida fundamentação, para que, de algum modo, possam contribuir ao contemplarem necessidades do cotidiano do século XXI. Nesse sentido, no desafio de criar contextos mais significativos, híbridos e/ou flexíveis, a mediação e atuação do docente exercem papéis fundamentais no processo de ensino.
Assim, entende-se que a mera incorporação de TDIC não é suficiente para garantir a efetividade do ensino, pois a ação pedagógica do professor exerce importante influência sobre os processos de mediação existentes na prática docente. Traz-se então o questionamento: como os conceitos de mediação pedagógica e mediação tecnológica podem se relacionar com o ensino na cultura digital?
Para isso, buscou-se discorrer acerca dos conceitos de mediação pedagógica e de mediação tecnológica e suscitar algumas reflexões sobre o ensino no contexto da cultura digital. Partiu-se de uma pesquisa bibliográfica, de natureza qualitativa (CERVO; BERVIAN; DA SILVA, 2007; FLICK, 2009), apresentando um ensaio teórico voltado a conceituar, discutir e refletir sobre a temática. Este artigo é fruto da dissertação de mestrado intitulada Aprendizagem Invertida na educação superior:
o processo de mediação pedagógica nas humanidades, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias da Universidade Estadual de Goiás (PPG-IELT-UEG).
Para realizar esta discussão, parte-se de um panorama em relação às definições dos processos de mediação, mediação pedagógica e mediação tecnológica e suas relações com o papel a ser desenvolvido pelo professor.
A mediação: conceitos
No contexto do ensino, as discussões e reflexões ocorridas em diferentes realidades têm resultado no uso de conceitos como os de mediação pedagógica e mediação tecnológica, ambos focos das reflexões desenvolvidas neste texto. Destaca-se a relevância do entendimento desses processos, que são base para a atuação docente, e, de modo a iniciar o debate sobre tais conceitos na cultura digital, tem-se como ponto de partida a compreensão de o que é a mediação.
Para Peixoto e Santos (2018, p. 422), o conceito pode estar relacionado a duas definições: “1) ação intermediária que tem por objetivo a conciliação ou a concordância entre duas partes, ou; 2) relação constante entre fatos, ações e experiências, cuja tensão conduz à mudança do estado original”. Segundo os autores, ambas as definições são base para o desenvolvimento e a utilização do termo “mediação” em diversos campos, adicionando uma diversidade de significados em áreas como educação, comunicação, antropologia, artes, cultura, dentre outras. Dessa forma,
[...] a mediação também pode significar a facilitação da relação de sujeitos com outras pessoas ou coisas, como a tecnologia digital fazendo mediação entre pessoas nas redes sociais, o professor fazendo mediação em sala de aula, o livro facilitando o acesso do leitor ao conhecimento etc. Assim, antes de buscar a conciliação entre duas partes, a mediação busca mudanças, evolução ou separação do estágio atual (CARVALHO; SILVA; MILL, 2018, p. 433).
Assim, a definição de mediação traz aspectos que vão desde a conciliação até a provocação de situações de conflito e tensões, de forma que seja possível gerar movimento, mudanças e transformações. Nesse sentido, compreende-se que, ao mediar, é trazida uma intencionalidade na promoção de avanços a partir do atual estágio no qual o sujeito se encontra.
Conforme discorrem Peixoto e Santos (2018), o processo de constituição do conceito de mediação é permeada pela influência de pensadores como Hegel, Marx e Vygotsky. Na perspectiva hegeliana, a mediação é resultado de um processo dialético, estabelecendo vínculo entre o imediato e o mediato, de forma que os opostos permitem a síntese, guiando para uma alteração do estado que gerou a tensão entre tais contrários. Já a perspectiva marxista traz a compreensão do homem como um sujeito histórico; dessa forma, a mediação é entendida como um processo, e não apenas como o resultado das ações humanas. Por fim, a visão vygotskiana é compreendida como um modo de aproximação da definição de mediação com o contexto da educação.
Essa aproximação está menos conectada aos elementos que compõem as relações ali presentes e mais relacionada à articulação de tais elementos, de modo que o funcionamento mental e a ação humana são mediados por diferentes artefatos, que podem ser tanto materiais – ferramentas ou instrumentos físicos - quanto simbólicos - instrumentos psicológicos ou signos (PEIXOTO; SANTOS, 2018). A mediação, na perspectiva sócio-histórica, está presente em toda a vida humana, e, como defendido por Vygotsky, os instrumentos técnicos e os sistemas de signos, que são construídos historicamente, são os responsáveis pelo processo de mediação dos seres humanos e também deles com o mundo (REGO, 2012).
Tal compreensão possibilita ao professor pensar seu papel de mediador na relação entre o estudante e o objeto de conhecimento na condução do processo educativo. Desse modo, Silva (2013) aponta que, dentro da prática pedagógica, a mediação ocorre de forma plena a partir do momento em que o professor faz uso de outros mediadores culturais. Esses mediadores culturais são os signos e instrumentos, de modo a possibilitar que os alunos se apropriem do objeto de conhecimento e do conhecimento científico.
Assim, abordar a mediação nas práticas educativas requer considerar a relação entre o sujeito e o objeto de conhecimento, o que implica compreender como o indivíduo aprende e como se dá sua apropriação do objeto (PEIXOTO; SANTOS, 2018). Ao tratar sobre a mediação na educação, é relevante frisar o constante diálogo com a área da didática, possibilitando espaços para a busca de melhores estratégias para o processo de ensino.
Conforme apresenta Peixoto (2016), a mediação tem sua complexidade, que envolve o sujeito, o objeto e o intervalo entre ambos, além do contexto no qual se fazem presentes as relações entre esses elementos. Segundo a autora, “[...] a mediação inclui a linguagem, a tecnologia, o professor, o aluno, o momento histórico. [...] Essa abordagem exige pensar a mediação como relação e não como coisa ou objeto” (PEIXOTO, 2016, p. 373).
Nesse sentido, o aprender está relacionado “[...] ao reconhecimento das potencialidades e diferenças dos alunos, à ação do sujeito frente aos desafios lançados pela situação de ensino e à mediação do outro” (NUNES; SILVEIRA, 2009, p. 106). Entende-se que o aprender está vinculado ao aprendiz, assim como às suas possibilidades de aprendizagem, que se criam e são mediadas pelo outro. Ligado ao outro, o aprender está relacionado à mediação pedagógica a ser realizada pelo professor e, em tempos de cultura digital, conta com o auxílio também da mediação tecnológica em uma realidade permeada por TDIC. Essas formas de mediação são apresentadas e discutidas nas seções a seguir.
A mediação pedagógica no processo de ensino e a atuação professor
O simples contato com o professor ou com o objeto de conhecimento não garante que o processo de ensino-aprendizagem se efetive. Compreende-se que as atividades intelectuais do estudante não se dão de forma mecânica, mas sim por situações de interação, de modo que a mera imersão em um ambiente formativo não necessariamente promoverá o desenvolvimento e a aprendizagem com base em metas culturalmente definidas (OLIVEIRA, 1995; NUNES; SILVEIRA, 2009). Dessa maneira, há a necessidade de uma prática pedagógica que facilite e estimule a participação ativa de estudantes e professores e que,
[...] além de ser capaz de criar novas conexões e elaborações no nível de um determinado conteúdo, favorece o desenvolvimento de processos mentais superiores que envolvem análise, sínteses, abstrações e generalizações inteligentes (COUTINHO; MOREIRA, 1992, p. 159).
Compreende-se que a mediação pedagógica é a atitude e o comportamento do professor quanto à forma de apresentar ou tratar determinado conteúdo ou tema, de modo a auxiliar o estudante a compreender e lidar com as informações postas, caminhando para produzir conhecimento e transferi-lo para sua própria realidade (CRUZ, 2018). No contexto atual, as informações estão disponíveis de maneiras distintas, especialmente com a presença da internet, e “[...] cabe ao professor cuidar para que o aluno possa transformar suas informações (adquiridas por transmissão ou construção) em ‘conhecimento’, isto é, o corpo estruturado dos diferentes campos teóricos e práticos” (AMARAL, 2012, p. 261).
Como um processo complexo, a mediação pedagógica demanda planejamento, tempo, organização e conhecimento por parte do professor, além, claro, da existência de condições e estrutura para que possa exercer seu papel docente. Isso é necessário para que possa transpor suas intencionalidades para pensar, estruturar e implementar o seu trabalho pedagógico de forma a alcançar os objetivos de aprendizagem pretendidos.
Desse modo, a mediação pedagógica pode ser compreendida como uma prática em que o professor atua como um “[...] orientador [...], consultor, facilitador, planejador e dinamizador de situações de aprendizagem” (MASETTO, 2013, p. 142). Entende-se que a ideia de mediação pedagógica está relacionada à
[...] promoção das interações, atuando na colaboração e no suporte aos conteúdos, no intuito de estimular a apropriação de conhecimentos e saberes. Refere-se claramente às ações humanas, com preocupações direcionadas à aprendizagem (CARVALHO; SILVA; MILL, 2018, p. 433).
Para que o docente tenha a possibilidade de alcançar suas intencionalidades e os objetivos de aprendizagem, ao atuar como mediador, pode criar um ambiente seguro, acolhedor e propício ao desenvolvimento e ao aprendizado do estudante. Masetto (2013) sintetiza que, nesse conceito, o professor é um mediador que atua na relação entre o aluno e a aprendizagem, que facilita, incentiva e motiva esse processo. Com isso, o profissional que está ali à frente pode fazer o uso de diferentes estratégias de ensino para que a aprendizagem se torne possível para os estudantes, para que ela ocorra de forma significativa, contextualizada e inclusiva. A mediação pedagógica é sobre compreender como se dá a relação entre o aprender, o estudante e o professor. É nesse sentido que a “[...] mediação acontece com o professor e o aluno no seio da relação pedagógica. Professor e aluno medeiam juntos” (PEIXOTO, 2016, p. 374).
A presença do docente é indispensável para que se criem as condições necessárias ao estudante, de modo que este possa atribuir significado às informações recebidas por meio de diferentes fontes, linguagens e mídias. O valor da aprendizagem no contexto educacional está diretamente relacionado à capacidade de “[...] introduzir os alunos nos significados da cultura e da ciência por meio de mediações cognitivas e interacionais providas pelo professor” (LIBÂNEO, 2011, p. 29). Assim, corroborando Peixoto e Santos (2018), compreende-se o saber como fruto de complexas relações, envolvendo interações das pessoas entre si e também delas com a natureza. Nesse sentido, o saber é construído e influenciado por questões culturais, políticas, sociais e históricas de cada época. Assim, o professor pode fazer uso de um espaço propício para que os estudantes possam ser estimulados a se apropriarem dos significados culturais, dos saberes e conhecimentos constituídos social e historicamente.
Para efetivar esse processo de apropriação de saberes, é necessário que a mediação pedagógica seja parte do cotidiano docente. Assim, o professor atua como um mediador, facilitador, incentivador e motivador de situações, experiências, vivências, trilhas e oportunidades de aprendizagem. Ele planeja e dinamiza situações de ensino, trabalha de forma colaborativa com os estudantes e deixa para trás o rótulo e papel de atuar apenas como um mero “transmissor” de conhecimentos sistematizados. Nessa realidade, ressalta-se que, na atuação docente,
[...] o fato de tornar-se um mediador da aprendizagem dos alunos não o libera da responsabilidade de planejar; de preparar aulas bem fundamentadas e ao mesmo tempo atraentes para os alunos; de criar situações problematizadoras e desafiadoras; de acompanhar cuidadosamente o desenvolvimento de seus alunos e registrar seus progressos e dificuldades; de preparar atividades e selecionar materiais adequados à superação das dificuldades encontradas; de programar ampliação dos espaços de aprendizagem, valendo-se do espaço físico da comunidade e das pessoas-recurso nela disponíveis: variando procedimentos e recursos (AMARAL, 2012, p. 259).
Assim, cabe ao professor desenvolver e oferecer um conjunto de estratégias para promover a aprendizagem, de modo reflexivo, crítico e criterioso. Dessa forma, a mediação, como uma atitude pedagógica, pode ser sintetizada como uma
[...] forma de apresentar e tratar um conteúdo ou tema que ajuda o aprendiz a coletar informações, relacioná-las, organizá-las, manipulá-las, discuti-las e debatê-las com seus colegas, com o professor e com outras pessoas (interaprendizagem), até produzir um conhecimento que seja significativo para ele, conhecimento que se incorpore ao seu mundo intelectual e vivencial e que o ajude a compreender sua realidade humana e social, e mesmo a interferir nela (MASETTO, 2013, p. 151).
Compreende-se a mediação pedagógica como a forma pela qual o professor guiará as vivências de ensino e de aprendizagem; a maneira com que irá tratar, abordar e desenvolver os conteúdos e construir o conhecimento com os estudantes. Em outras palavras, traz o modo pelo qual ocorre a ação docente na condução do processo de ensino.
A atuação do professor pode ocorrer por meio de uma variedade de metodologias e estratégias, como: projetos de trabalho, entrevistas, exposições, painéis, dramatizações, resoluções de problemas, trabalhos em equipe, grupos organizados para facilitar a instrução diferenciada ou promover a integração de alunos que se encontram em diferentes níveis de aprendizagem. Nessa atuação como mediador, o planejamento docente perpassa pela seleção de ações e estratégias com base nas intencionalidades pedagógicas e nos objetivos almejados.
Como trazem Neiva e Toschi (2014, p. 126), cabe ao professor “[...] o papel de instigar o pensamento, a dúvida, a elaboração de perguntas, a apresentação de desafios, a vontade de ir além da formação que já está dada”. Ou seja, mais do que fazer uso de diferentes estratégias e ferramentas para a promoção do processo de ensino e de aprendizagem, a atuação do professor visa guiar o estudante para além do estado de conhecimento no qual se encontra. Compreendendo um docente que medeia o ensino e a aprendizagem do conhecimento historicamente construído e a apropriação da produção humana, ressalta-se que o
[...] seu papel no processo de aprendizagem é fundamental, por isso ele precisa refletir continuamente sobre os conhecimentos que se propõe a ensinar, como ensiná-los, quais experiências deve organizar e de que forma ele pode mediar intencionalmente a aprendizagem (SILVA, 2013, p. 39).
[...]
Pode-se dizer que a aprendizagem, como uma experiência social, é um processo mediado pela utilização de instrumentos e pela apropriação de signos culturais, no qual cabe ao professor ajudar os alunos a organizar o pensamento e as ações e a internalizar os conhecimentos historicamente produzidos (SILVA, 2013, p. 39).
Ao adentrar o processo de mediação pedagógica, percebe-se que o docente, nesse contexto cada vez mais permeado pelas TDIC, é confrontado com novas situações, instrumentos e signos culturais, e, consequentemente, surgem novos desafios e tensões típicos da cultura digital. De modo a minimizar parte dos desconfortos desse tempo e poder aprimorar sua atuação, Masetto (2013) sugere a necessidade de o docente conhecer os novos recursos tecnológicos, utilizá-los e compreendê-los para poder planejar e possibilitar um processo de ensino-aprendizagem mais dinâmico e motivador a seus estudantes. Ao mesmo tempo, destaca-se a relevância de uma perspectiva cautelosa e crítica, principalmente acerca dos novos artefatos tecnológicos no que diz respeito às novas tensões deste tempo, como a proteção de dados e informações.
Além disso, ressalta-se que apenas incorporar mídias e tecnologias digitais ao processo de ensino não é suficiente. O uso de tais recursos tecnológicos pode ser voltado a possibilitar processos dinâmicos na relação entre professor, estudante e aprendizagem. Como abordam Masetto (2013) e Libâneo (2011), não se trata de substituir “antigas ferramentas” ou meios tecnológicos para fazer uso de recursos mais atuais e avançados ou privilegiar os meios, com outros recursos audiovisuais, e desprezar os processos de mediação.
É nesse sentido que também se apresenta a relevância de compreender o conceito de mediação tecnológica, intimamente ligado ao processo de mediação pedagógica na cultura digital.
Contexto de TDIC e a mediação tecnológica
No século XXI, cada vez mais se tem buscado compreender questões que unem o uso de TDIC e o processo de ensino e de aprendizagem. Nesse contexto, marcado por novas formas de (re)organizar, estruturar e dinamizar os tempos e espaços de ensino, também surgem tensões e cuidados relacionados ao processo educativo.
Em meio ao aparecimento constante de (pseudo)inovações educacionais, de novas estratégias e metodologias de ensino, retomam-se preocupações sobre a implementação de TDIC de forma ingênua, acrítica ou como mágica solução para questões e desafios tradicionais da docência.
A partir desse olhar, deve-se entender que, como salientou Brito (2015, p. 30), “[...] as tecnologias não podem ser vistas como fins em si mesmas, mas como prolongamentos da relação do sujeito com a realidade por intermédio dos processos de apreensão que elas proporcionam”. Deve-se refletir sobre a complexidade acerca dos avanços das tecnologias no contexto da educação, não as tratando com enfoques extremos e opostos. Dessa forma, concorda-se que
[...] as tecnologias podem ser artefatos de controle, de agregação irrefletida dos valores da modernidade, de massificação e consumo; entretanto, podem ser também instrumentos para a promoção humana e de transformação do conhecimento. As tecnologias digitais são artefatos culturais, simbólicos que se configuram por meio de relações e práticas sociais (BRITO, 2015, p. 17-18).
Compreende-se a necessidade de não adotar uma posição de extremismo acerca do uso de tecnologias e mídias digitais na educação, seja interpretando-as como soluções absolutas ou como causas dos desafios e mazelas vivenciados na prática pedagógica. Corroborando e ampliando esse olhar, vejamos as palavras de Peixoto:
[...] quanto mais tecnicamente sofisticados eles se tornam, mais idealizamos os dispositivos tecnológicos e corremos o risco de lhes dispensar excessiva confiança, numa espécie de idolatria (não vivo sem o meu celular). E, inversamente, quando condenamos estes dispositivos, atribuindo-lhes a responsabilidade pelos males da humanidade (o Facebook está destruindo as relações humanas), podemos cair numa idealização excessiva do humano (PEIXOTO, 2016, p. 375).
As TDIC não devem ser vistas nem como vilãs nem como salvadoras dos desafios vivenciados na sociedade ou na prática docente. É preciso analisar seu uso, suas possibilidades e suas limitações de forma crítica e criteriosa, buscando compreender o contexto, os interesses e fatores que as influenciam e que são influenciados por elas. Mesmo com os dilemas, questões e dificuldades que se fazem presentes com uma maior difusão das tecnologias digitais, tal realidade não pode servir como argumento para ignorar ou ocultar as potencialidades das TDIC quando devidamente incorporadas a partir de um cauteloso planejamento e de uma atuação do docente de forma crítica e consciente.
Para Masetto (2013), parte do polêmico debate sobre a utilização ou não de TDIC no contexto educacional pôde ser superada a partir do resgate de discussões acerca da importância do processo de aprendizagem e de reflexões sobre a integração do uso dessas tecnologias com a atitude de mediação pedagógica por parte dos professores. É levando em consideração esse entendimento de mediação pedagógica e de sua relação com elementos como as TDIC que se discute o conceito de mediação tecnológica.
Conforme descrito por Carvalho, Silva e Mill (2018), a expressão “mediação tecnológica” resulta de um debate contemporâneo no campo da educação, envolvendo a didática e a pedagogia em um processo de aproximação com a área tecnológica. Para eles, a mediação pedagógica, dentro do contexto educacional, conta com a presença de diversas tecnologias, incluindo convencionais e analógicas, perpassando também pelas “[...] tecnologias mais recentes, entre as quais se destacam aquelas de base digital [as TDIC] [...], tais como as novas mídias, os recursos abertos, os objetos de aprendizagem, os ambientes virtuais etc.” (CARVALHO; SILVA; MILL, 2018, p. 433). Para os autores, tais tecnologias perpassam pelo processo de reflexão, seleção e apropriação, de forma a estarem pensadas e direcionadas para que se efetivem as práticas de mediação pedagógica na educação. É nesse sentido que entendem que o termo “mediação tecnológica” se conecta à utilização das tecnologias em sua articulação com objetivos didático-pedagógicos e, ainda, se apresenta associado ou correlacionado ao conceito de mediação pedagógica. Por essa característica, também se usa a denominação “educação mediada por tecnologias”.
Em síntese, a mediação tecnológica pode ser compreendida a partir de um processo de planejamento e organização do ensino, considerando os objetivos e intencionalidades pedagógicas, de modo a pensar a incorporação de tecnologias (digitais ou analógicas) nas ações do professor, em um constante diálogo com o processo de mediação pedagógica. Desse modo, a mediação tecnológica pode ser interpretada como uma espécie de expansão da mediação pedagógica, considerando as tecnologias de determinado contexto.
Assim, ao se efetivar a mediação tecnológica, entende-se que os recursos e artefatos tecnológicos passaram por um criterioso processo de seleção, curadoria, apropriação e reflexão por parte do docente, levando em consideração os objetivos e as intencionalidades pedagógicas. Podendo contar com tecnologias digitais ou analógicas, na cultura digital há o destaque para as TDIC ao se pensar a mediação tecnológica.
Portanto, a mediação tecnológica pode ser entendida como o resultado de uma aproximação entre reflexões acerca da mediação pedagógica e discussões que compreendem práticas e intervenções nos processos educativos por meio do uso de tecnologias (CARVALHO; SILVA; MILL, 2018). O processo de mediação tecnológica não pode ser confundido com uma simples incorporação de mídias digitais ao ensino, um ensino com TDIC. Adotar esse olhar seria “[...] como se as tecnologias digitais se constituíssem em artefatos mágicos que colocassem os sujeitos num meio comunicacional necessariamente favorável aos processos educativos” (PEIXOTO, 2016, p. 368).
Defender essa relação de causa e efeito pode apontar para uma grande ingenuidade. Discursos que se direcionam a essa visão deve ser questionados para se compreender o motivo pelo qual há uma “defesa cega”, situação que muitas vezes ressalta apenas aspectos positivos do uso de determinadas tecnologias nos processos educativos. Questões e reflexões similares também são relevantes ao tratar sobre temas como as inovações educacionais, metodologias inovativas, dentre outros.
Corroborando Sabota (2017), as TDIC não devem ser as protagonistas nas situações de ensino, mas atuar como instrumentos para auxiliar o professor em seu processo de mediação da aprendizagem. É dessa forma que, no meio educacional, a mediação pedagógica e a mediação tecnológica devem ser pensadas em conjunto e voltadas a práticas para a efetivação do processo de ensino. Nesse sentido, também se torna possível ir ao encontro de contextos e possibilidades que levem a inovações ou transformações na educação, com reformulação de práticas e proposição de novas ideias, de forma criteriosa e crítica, para que não se caia em discursos vagos, sem o devido embasamento ou que apenas incorporem tecnologias sem a devida preocupação com aspectos pedagógicos.
De forma a evitar modismos vazios de fundamentação teórica ou que se tornem “pseudo-inovações” educacionais, esses processos de mediação com o auxílio de TDIC devem ser bem planejados e implementados, abrindo caminhos para a promoção de novas possibilidades. E, em meio a isso, com modelos mais tradicionais de educação se tornando obsoletos, criam-se razões e motivações para a adoção de práticas que sejam híbridas, flexíveis e/ou inovadoras (SGOTI; MILL, 2020). Esse contexto, que conta com uma maior democratização do acesso a dispositivos digitais, internet, dentre outros artefatos tecnológicos, contempla ainda espaços mais férteis para a incorporação de TDIC. Além disso, essa realidade pode potencializar metodologias e estratégias que buscam dialogar com o momento atual e apresentar alternativas e novos trajetos para o processo de ensino. Buscando discutir sobre esse cenário, apresentamos algumas reflexões e apontamentos a partir dos processos de mediação na cultura digital.
Reflexões sobre inovação, o uso de TDIC e o ensino na cultura digital
Inovar tem sido uma demanda recorrente na educação, principalmente devido às mudanças que vêm se apresentando no mundo contemporâneo. Para alguns autores do campo do ensino, inovar é uma das ações que podem auxiliar no processo de transformação da educação (CAMARGO; DAROS, 2018). Assim, a inovação pode se apresentar de diferentes formas: seja pela adoção de novos artefatos e mídias que impactam nas relações entre sujeitos ou entre o sujeito e o objeto de conhecimento; seja relacionada aos métodos e técnicas de ensino incorporados na prática docente.
No decorrer das duas últimas décadas, a sociedade tem passado por transformações significativas, geralmente impulsionadas por inovações tecnológicas digitais que surgem em uma velocidade cada vez maior (KENSKI, 2013). Essas transformações afetam diversas esferas da vida social – econômica, política, cultural etc. –, gerando mudanças rápidas que impactam a forma de acessar, mediar e produzir conhecimentos para a educação e para o exercício profissional da docência (LIBÂNEO, 2011; SABOTA, 2017). Além disso, as tecnologias digitais estão cada vez mais presentes no cotidiano da sociedade, desenvolvendo-se como nunca visto antes e tornando-se mais compactas, rápidas e portáteis.
Nesse contexto caracterizado pela cultura digital, surgem inovações técnicas para os mais diversos dispositivos digitais, estes que hoje apresentam uma maior utilidade e funcionalidade do que dispositivos presentes na década de 1990 (BERRIBILI; MILL; MONTEIRO; MARCHETTI, 2019). E dessa forma que se compreende que
[...] a inserção social dessas novas tecnologias tem ocorrido com a mesma velocidade e intensidade com que elas se oferecem, são incorporadas e descartadas pouco tempo depois, substituídas por algo novo, mais poderoso e diferente, em múltiplos sentidos. [...] Ciclos cada vez mais acelerados ocorrem nos processos de criação, industrialização, consumo e superação das tecnologias digitais contemporâneas. E nos acostumamos a esse movimento. Em muitos casos, nem o percebemos mais, porque a velocidade já se incorporou, como valor, ao nosso ritmo de vida (KENSKI, 2013, p. 61-62).
Há de considerar que essas mudanças e a incorporação das TDIC no dia a dia têm refletido na forma como as pessoas têm interagido, rompendo barreiras temporais e geográficas. Para Kenski (2018, p. 140), a cultura digital caracteriza-se por ser prioritariamente virtual, algo que permite ser acessível “pelas interfaces que posicionam os usuários em tempos e espaços distintos dos que seus corpos físicos se posicionam”. Segundo a autora, a mudança ou ruptura é a principal característica dessa cultura, principalmente no que se relaciona aos conceitos de espaço e tempo linear. Isso ocorre porque a cultura digital rompe fronteiras, garantindo a “[...] ubiquidade e a mobilidade, ou seja, condições para se estar virtualmente em qualquer lugar, em qualquer tempo” (KENSKI, 2018, p. 141).
Apesar de as mudanças incorporadas na sociedade por meio da cultura digital chegarem de forma lenta na educação, a partir de uma maior facilidade de acesso à informação, as práticas pedagógicas e também a pedagogia sofrem uma transformação, e, nesse sentido, tornam-se evidentes novas competências na cultura educacional digitalmente mediada (KENSKI, 2018). Para Sabota (2017), isso gera a demanda do desenvolvimento de habilidades e competências relacionadas ao letramento digital, sendo essencial que o professor seja preparado para lidar com o desafio de integrar as tecnologias digitais nos contextos escolares, visto que essas tecnologias já se fazem presentes no modo de vida de uma grande maioria da população urbana. Nesse mesmo contexto, Sgoti e Mill (2020) salientam a exigência de novos comportamentos em relação à aquisição de conhecimentos, sendo necessário o desenvolvimento também da capacidade de acompanhar toda essa complexa evolução que tem ocorrido na comunicação, na informação e nas relações sociais.
Para além do uso e incorporação de tecnologias digitais de forma acrítica ou ingênua, o contexto de cibercultura também gerou outros desconfortos no cenário educacional. Nesse sentido, Moran (2018) apresenta que há inúmeras possibilidades as quais podem ser criadas a partir das TDIC, no entanto, também reconhece a presença de tensões e de grandes desafios. Essa realidade pode ser atribuída a questões como: a velocidade na qual surgem novos artefatos, tecnologias ou funcionalidades; resistência de docentes e até mesmo de estudantes em relação ao uso e à apropriação de tecnologias digitais; novas demandas, como as geradas a partir do ensino remoto para responder à necessidade de isolamento social devido à pandemia de Covid-19.
Kenski (2013) aponta que a cultura tecnológica exige mudanças radicais de práticas pedagógicas e de comportamentos. Para a autora, as mudanças e os avanços tecnológicos têm permitido novas funcionalidades, possibilidades e situações de aprendizagem, com uma maior e melhor vivência, registro e acompanhamento de conteúdos, interações com outros meios, dentre outros aspectos. Mas, para isso, conforme apresenta Sabota (2017, p. 210), espera-se que os professores “[...] tenham autonomia quanto ao acesso e ao uso de ferramentas digitais [...]”, assim podendo explorar seu potencial para aprimorar o processo de ensino-aprendizagem. Para que se alcance tal autonomia, fazem-se necessários preparo, formação continuada e constante atualização. Nesse sentido, é relevante que o docente tenha a possibilidade de dedicar parte de sua jornada de trabalho a tais ações, de modo a se tornar letrado e, dentro do possível, fluente digitalmente.
De acordo com Libâneo (2011, p. 40), alunos e professores precisam “[...] aprender a ler sons, imagens, movimentos e a lidar com eles”. Dessa maneira, é necessário que os professores compreendam as diferentes formas de mídias e aprendam a entender e escrever em códigos verbais e não verbais, visto que essa compreensão encurta as distâncias entre eles e os alunos (SABOTA, 2017). Assim, ao pensar a mediação tecnológica com TDIC no contexto do ensino, é importante que o professor tenha autonomia para seu uso, sendo letrado digitalmente, de modo que consiga se apropriar, selecionar e refletir sobre elas em sua prática docente.
Além disso, o uso de inovações tecnológicas na educação amplia a urgência de compreender as formas de interações que ocorrem no contexto da aprendizagem, levando-se em conta as situações didáticas mediadas (KENSKI, 2020). Há uma educação que vem se reformulando em termos de discursos, roupagens, práticas e ideias, que tem visado atender às demandas que emergem a partir dos novos comportamentos e das necessidades do momento atual. Nesse sentido, para Sgoti e Mill (2020), a inovação é algo imprescindível.
Quando bem planejadas, as TDIC nos processos de mediação podem permitir mudanças, dentre elas, a oportunidade de se ressignificar a forma como se dão as relações de tempo e espaço para o ensino-aprendizagem. Criam-se possibilidades para acesso e interação com as informações e o conhecimento. Nesse sentido, o olhar sobre a mediação tecnológica torna-se mais que fundamental ao refletir acerca do processo de mediação pedagógica no século XXI:
As tecnologias ampliam as possibilidades de pesquisa, autoria, comunicação e compartilhamento em rede, publicação, multiplicação de espaços e tempos; monitoram cada etapa do processo, tornam os resultados visíveis, os avanços e as dificuldades. As tecnologias digitais diluem, ampliam e redefinem a troca entre os espaços formais e informais por meio de redes sociais e ambientes abertos de compartilhamento e coautoria (MORAN, 2018, p. 12).
Com uma maior gama de possibilidades e de espaços de interação e aprendizagem, a aula exclusivamente expositiva e centrada na oratória do docente passa a ser espaço de tensão e questionamento por parte dos estudantes. De certo modo, criam-se expectativas acerca de experiências de aprendizagem que dialoguem com uma maior presença das TDIC no contexto educativo, que apresentem maior dinamicidade, interatividade e que sejam significativas para o aprendizado do estudante.
Sabota (2017) comenta seu empenho em buscar maneiras de as ferramentas digitais poderem ser úteis no processo de ensino, encurtando distâncias, permitindo o acesso de conteúdos e flexibilizando tempos e espaços de aprendizagem. Cabe considerar que, na atualidade, a propagação de informações, publicações e novos conhecimentos é cada vez mais rápida e prática. Trata-se de buscar modos e meios para que as TDIC não se tornem vilãs que atuam para a desinformação e contra o ensino, e sim para que possam potencializar a prática pedagógica.
Apesar das dificuldades que os professores podem ter quanto ao uso de ferramentas digitais, ainda que sejam necessárias a permanente formação continuada e as condições para tal, Lima e Moura (2015) apresentam que o acesso a elas e sua utilização têm se dado de forma cada vez mais simples. O professor não precisa ser um grande especialista do campo da informática para poder usá-las, mas sim “[...] definir como essas ferramentas podem auxiliar positivamente na aprendizagem de seus alunos” (LIMA; MOURA, 2015, p. 94).
Nesse sentido, uma adequada curadoria de conteúdos, tecnologias digitais e aplicativos, conjugada com a mediação pedagógica e tecnológica podem contribuir com meios para efetivar um processo de ensino em diálogo com o contexto da cultura digital. Retoma-se aqui a importância da ação docente na seleção, apropriação e reflexão de tais tecnologias, levando em conta os objetivos previamente definidos e as intencionalidades do docente.
No entanto, pensar essa seleção de recursos para a prática docente requer cautela e criticidade. Como apresentam Berribili; Mill; Monteiro e Marchetti (2019), existem aplicativos, plataformas e sites que lucram com o ensino ou que permitem a monetarização dos conteúdos veiculados. Assim, um vídeo educacional produzido por alguém que pretende alcançar um número de visualizações maior com certeza será muito diferente de um que pretenda discutir um conceito complexo e que requer uma abordagem mais detalhada (BERRIBILI; MILL; MONTEIRO; MARCHETTI, 2019).
Nesse sentido, há de se adotar um olhar crítico quanto ao que é disponibilizado na web, em relação ao seu conteúdo, formato e à sua intencionalidade. Fazem-se necessárias uma análise e reflexão criteriosa acerca do que está presente em cada mídia, recurso e plataformas disponíveis digitalmente, de maneira que seu uso seja realizado a partir das intencionalidades pedagógicas elencadas pelo docente. Esse olhar também pode e deve ser ampliado de modo a apresentar aos estudantes as distintas faces e possibilidades da cultura digital, assim como seus riscos, conflitos e interesses.
Com uma maior acessibilidade, incorporar as TDIC no processo de ensino pode direcionar para interatividade e dinamicidade em relação aos conteúdos on-line, ambientes de aprendizagem, espaços de construção conjunta, dentre outros. Ferramentas como essas podem facilitar caminhos para personalizar a aprendizagem, estimular os estudantes em suas descobertas e romper com a uniformidade e linearidade do ensino mais tradicional, dando espaço para que o aprendizado ocorra conforme o ritmo de cada aprendiz, com avaliações mais individualizadas e plataformas adaptativas. Os estudantes podem ser levados a aprender “[...] fazendo e refazendo, construindo e reconstruindo conceitos” (SUNAGA; CARVALHO, 2015, p. 143). Além do mais, a presença de TDIC pode servir como um combustível para o processo de ensino, cabendo ao professor mostrar aos estudantes como podem fazer o seu uso de forma crítica e produtiva (LIMA; MOURA, 2015).
Essas e outras questões são possíveis e viáveis a partir de um cauteloso planejamento, no qual as intencionalidades pedagógicas possam guiar os processos de mediação pedagógica e tecnológica. Pontos como o planejamento e a incorporação das TDIC oportunizam imaginar e refletir acerca de uma infinidade de caminhos na prática educativa, como repensar e reformular aspectos como as novas perspectivas temporais e espaciais na educação, refletir sobre flexibilidade pedagógica, estratégias híbridas, dentre outros tópicos inerentes ao contexto do ensino na cultura digital. Essas e outras possibilidades vêm sendo discutidas e apresentam novos trajetos e jornadas formativas que dialogam com o contexto da cultura digital e com demandas atuais, como as ocasionadas pela pandemia de Covid-19 que refletiram nos processos de ensino e de mediações (FERREIRA; OLIVEIRA; OLIVEIRA; DUARTE; SILVA FILHO; FERREIRA; MILL, 2022).
Por fim, apesar do reconhecimento e da defesa de que a atuação do professor se faça da melhor forma possível, de modo a efetivar os processos de mediações, não se pode ignorar que seu trabalho depende intimamente da criação de condições que sejam favoráveis à prática docente. Cabe às instituições de ensino e às secretarias ligadas à educação promover um ambiente que reconheça e valorize o trabalho do professor, que permita sua capacitação, qualificação e desenvolvimento profissional, que ofereça apoio pedagógico e também a estrutura adequada para sua prática. É também de responsabilidade desses órgãos contemplar uma realidade em que haja tempo e condições viáveis para se planejar, implementar, avaliar e refletir acerca das ações e práticas docentes.
Não havendo uma realidade propícia para uma atuação de qualidade, corrobora-se a afirmação de Freire (2011, p. 65) de que “às vezes as condições são de tal maneira perversas que nem se move [no espaço pedagógico]. O desrespeito a este espaço é uma ofensa aos educandos, aos educadores e à prática pedagógica”. Havendo um contexto desfavorável e desrespeitoso, criam-se lacunas que muito possivelmente gerarão entraves para a efetivação dos processos de mediação pedagógica e tecnológica.
Considerações Finais
Em um contexto marcado por novas perspectivas de tempo e espaço, a educação na cultura digital vem passando por mudanças que impactam a forma na qual se dá a atuação docente. Em meio às potencialidades que se apresentam, surge também uma realidade de tensões e desafios. Compreendendo que a ação docente vai além do mero contato do estudante com o professor ou com o objeto de conhecimento, assim como não se reduz à simples incorporação de TDIC no ensino, entender os processos de mediação torna-se primordial.
Nesse sentido, percebe-se a mediação pedagógica como a atitude ou ação do docente de forma intencional e estruturada, considerando os objetivos pedagógicos. Ela é vista como o modo pelo qual o professor guiará o ensino, como tratará, conduzirá e desenvolverá os conteúdos e o processo de construção do conhecimento em conjunto com os estudantes. Por sua vez, a mediação tecnológica parte de um diálogo da mediação pedagógica com o uso de tecnologias, digitais ou não. Desse modo, recursos e artefatos tecnológicos passam por um criterioso processo de seleção, apropriação e reflexão por parte do docente, atuando em prol do ensino de modo a buscar ou mesmo potencializar ações para alcançar as intencionalidades e os objetivos pedagógicos propostos.
Assim, ao longo deste texto, foram apresentadas algumas reflexões sobre o ensino no contexto da cultura digital a partir do entendimento sobre os conceitos de mediação pedagógica e de mediação tecnológica. Buscou-se abordar aspectos e reflexões de modo a oferecer suporte à atuação docente na realidade atual. Entende-se que, com as novas perspectivas e demandas do contexto educativo contemporâneo, a figura do docente como um mediador se torna um importante alicerce para o processo de ensino e de aprendizagem. Apesar das inovações tecnológicas presentes e de uma maior democratização de TDIC, elas não devem ser interpretadas como sinônimos de boas práticas no contexto educativo. Assim, a atuação do professor, de forma criteriosa e crítica, é essencial para alcançar bons resultados.
A partir da compreensão do conceito de mediação pedagógica, o docente pode voltar sua atuação a planejar, orientar, dinamizar e promover situações, experiências e percursos para efetivar o ensino e a aprendizagem. Nessa relação entre o professor, o estudante e o aprender, a atuação docente é indispensável para possibilitar ao estudante a atribuição de significados às informações recebidas por meio de diferentes fontes, linguagens e mídias. Dado isso, a atitude pedagógica do professor vai desde o planejamento até a seleção e implementação de ações e estratégias para buscar alcançar as intencionalidades e os objetivos de aprendizagem almejados. Para isso, almeja-se criar um espaço que seja seguro, acolhedor e propício ao desenvolvimento e ao aprendizado dos estudantes, criando condições para que possam ser estimulados a se apropriarem dos significados culturais, dos saberes e conhecimentos constituídos social e historicamente. Desse modo, cabe ao docente o papel de desenvolver metodologias e estratégias para a promoção da aprendizagem, de modo reflexivo, crítico, criterioso e contextualizado.
De forma complementar, a atuação do professor também se relaciona à mediação tecnológica, de modo a evitar o uso de TDIC de forma acrítica ou ingênua. Essa mediação também não pode ser confundida com uma simples incorporação de mídias digitais no ensino. Em um constante diálogo com a mediação pedagógica, a mediação tecnológica pode ser entendida como um processo de planejamento e organização do ensino, tendo como base os objetivos e as intencionalidades pedagógicas, possibilitando incorporar tecnologias (digitais ou analógicas) na ação docente. Dessa forma, a partir de um processo de reflexão, seleção e apropriação, as tecnologias digitais podem ser adotadas em prol da efetivação da mediação pedagógica. Sendo assim, em um contexto de mudanças e transformações, entende-se que a compreensão dos conceitos de mediação pedagógica e de mediação tecnológica também pode evitar que a atuação docente recaia em “pseudo-inovações” educacionais, discursos vagos ou práticas sem o devido embasamento e fundamentação teórica.
Contudo, seria um equívoco achar que o professor consegue efetivar a sua atuação de maneira solitária. Para um processo de ensino de qualidade, em que o docente possa realizar as mediações necessárias, destaca-se a necessidade de condições que sejam favoráveis à sua prática. Desse modo, é necessário garantir aspectos como: valorização, capacitação, qualificação e desenvolvimento profissional; apoio pedagógico; estrutura adequada; tempo de planejamento; dentre outros pontos. Sem isso, torna-se desafiador incorporar efetivas mediações pedagógica e tecnológica no trabalho docente.
A partir das reflexões desenvolvidas ao longo deste texto, almeja-se estimular reflexões e ações a partir da compreensão dos processos de mediação pedagógica e tecnológica em meio ao contexto da cultura digital, contribuindo para a fundamentação e fomento de novas práticas no processo de ensino. Desse modo, torna-se viável imaginar e refletir sobre possíveis caminhos na prática educativa, (re)organizando aspectos temporais e espaciais, refletindo sobre a flexibilidade pedagógica, estratégias híbridas, significativas e contextualizadas, dentre outros tópicos inerentes ao contexto do ensino na cultura digital. Havendo condições para a implementação de processos de mediação bem fundamentados e planejados, de forma crítica, significativa e contextualizada, espera-se criar caminhos para a promoção de novas possibilidades no processo de ensino.