Introdução
A formação de professores, entendida como um campo complexo de práticas sociais e de produção de conhecimento, tem sido marcado por avanços e recuos, em função de políticas educativas decorrentes das mudanças políticas, sociais, económicas e científicas das últimas décadas. Como temos vindo a acompanhar, a agenda global da educação e o processo de europeização da educação (DALE, 2000; ANTUNES, 2004) têm influenciado fortemente as políticas educativas nacionais e as práticas desenvolvidas a nível institucional, nas instituições de ensino-formação, mas nem sempre de forma positiva. Nas últimas décadas assistimos a mudanças estruturais no domínio educativo, as quais, no que diz respeito ao ensino superior, decorrem fundamentalmente do processo de Bolonha − o processo de harmonização do ensino superior a nível europeu, assim designado por ter sido assinado pelos ministros de educação dos estados membros, em Bolonha (1999) −, cuja influência nos modelos e nas práticas de formação de professores foi inquestionável, particularmente em Portugal. Neste campo específico, tem vindo a ser evidenciado que as políticas de “desprofissionalização”, defensoras de uma visão tecnicista, aplicada e “prática” do trabalho docente (NÓVOA, 2017), têm conduzido à fragilização das instituições e dos atores responsáveis pela formação de professores.
O artigo está estruturado em três partes: a primeira apresenta uma análise das orientações políticas recentes e das lógicas dominantes na formação de educadores e professores, principalmente decorrentes das mudanças impostas pelo processo de Bolonha; nesta parte problematiza-se o papel que investigação assume na formação inicial dos docentes, questionando-se a forma como tem sido entendida, tanto no contexto nacional Português como no europeu. Na segunda parte, partindo da descrição de uma situação concreta contextualizada numa instituição de ensino superior público em Portugal, analisam-se práticas de investigação-formação desenvolvidas no âmbito dos cursos que conferem a habilitação profissional para a docência. A metodologia utilizada é de natureza qualitativa, com recurso à análise de conteúdo; o corpus dessa análise é constituído pelos programas das unidades curriculares (UC) orientadas para a investigação, bem como excertos dos balanços escritos pelos estudantes no final da sua formação académica, nos anos letivos de 2019-2020 e de 2010-2021. Na terceira parte apresentam-se as principais reflexões e implicações decorrentes desta análise, do ponto de vista organizacional, pedagógico e epistemológico. A autora deste artigo, ao assumir simultaneamente o papel de investigadora e de docente − na medida em foi co-autora e docente das UC −, (re)afirma neste texto a necessidade profunda de valorização das práticas de investigação no campo da formação inicial de educadores e de professores, particularmente num contexto marcado pelo empobrecimento dos modos de pensar e de fazer essa formação. Reitera-se aqui o entendimento de professor-investigador (STENHOUSE apud SILVA, 2013), ou de professor reflexivo (SCHON, 1983), assumindo-se esta reflexão como o resultado da investigação realizada pela autora com/sobre a sua própria prática tendo como finalidade dessa mesma prática a formação de profissionais reflexivos.
Como nos diz Nóvoa (2017, p. 1129), “[...] uma profissão que não se escreve também não se inscreve, nem se afirma publicamente [...]”, pelo que as reflexões aqui apresentadas procuram inscrever-se num paradigma de educação crítica e transformadora (ZEICHNER, 2010), de forma a contribuir para a desejável mudança educativa.
Enquadramento teórico: Políticas de Formação e de Investigação Uma visão global sobre as políticas de formação de professores
Reconhecendo-se a importância da Educação ao Longo da Vida para o desenvolvimento das pessoas, comunidades, países e regiões do mundo, e destacando os professores como o principal recurso da educação (OCDE, 2018), as preocupações políticas globais orientam-se para a melhoria da qualidade e da eficácia dos sistemas e escolas. A formação e o desenvolvimento dos professores constitui um dos clusters destas políticas, cujas orientações apontam para um maior enfoque na qualidade (em detrimento da quantidade), formação de perfis alinhados com as necessidades de desenvolvimento dos professores e das escolas, uma visão de desenvolvimento profissional contínuo, flexibilização da formação dos professores e a transformação do ensino numa profissão “rica” em conhecimento, entre outras (OCDE, 2005). A abordagem política da formação de professores e do desenvolvimento profissional docente tem traduzido valores, crenças e princípios nem sempre convergentes, particularmente no que diz respeito à natureza do conhecimento profissional e aos processos de formação envolvidos (BERA, 2014). Diversos estudos têm evidenciado que, ainda que nos últimos 30 anos se tenha evoluído para a profissionalização da formação de professores, com níveis de exigência e standards de qualificação elevados, tem-se verificado a tendência para uma maior flexibilização, desregulação e aceleração de opções que designadas como “fast-track” (MUSSET apud BERA, 2014; NÓVOA, 2017).
No contexto europeu, a construção do Espaço Europeu de Ensino Superior representou um processo de convergência política com a finalidade de promover a harmonização não apenas em termos de níveis e graus de ensino, mas também de enfoque − nas aprendizagens e competências dos alunos − e de abordagens pedagógicas, levando a problematizar o que é ensinar e aprender no ensino superior. Foi neste quadro que se implementou o processo de Bolonha, o qual, tendo a sua origem na Declaração de Bolonha (1999), foi apenas concretizado em 2006, promovendo a harmonização dos diplomas e a mobilidade dos estudantes do ensino superior no contexto europeu. Este processo, com objetivos de natureza social, económica e política, operacionalizou-se num conjunto de reformas educativas que afectaram profundamente os sistemas educativos dos países membros e cujo impacto continua a ser alvo de análise.
Em Portugal, as políticas nacionais de formação de professores têm seguido de perto as orientações decorrentes das diretivas europeias, “[...] configurando o que Ball (2001) designa de ‘convergência’ e ou ‘empréstimo de políticas [...]” (apud MOURAZ; LEITE; FERNANDES, 2012 p.190), com vista à qualificação profissional dos professores, tanto em termos científicos, pedagógicos e de formação pessoal e social. Neste contexto, as mudanças decorrentes do processo de Bolonha e das políticas educativas na formação de educadores e professores do ensino básico, implicaram a remodelação/restruturação dos cursos de formação existentes, de forma a respeitar os ciclos de estudos preconizados por Bolonha (1º e 2º ciclos), encurtando os períodos de formação e espartilhando alguns dos conteúdos considerados fundamentais nos programas anteriores. Apesar das opções se justificarem politicamente como forma de assegurar uma maior qualificação dos futuros professores (MARTINS, 2014), este desejo ficou longe de ser cumprido. Os novos cursos de formação obedecem a um “[...] modelo bi-etápico, que não necessita de ser sequencial, e que dificulta a possibilidade de uma formação integrada que possa privilegiar a relação teoria-prática, bem como um contacto prolongado e aprofundado com o exercício profissional” (BOYD; ALLAN; REALLE, 2010; FLORES, 2010; KORTHAGEN, 2009, 2010 apud MOURAZ; LEITE; FERNANDES, 2012 p.192). Este espartilhamento levou ao empobrecimento e quase desaparecimento da componente de investigação dos cursos de formação inicial de 1º ciclo (como é o caso da Licenciatura em Educação Básica), como adiante se analisará.
A investigação na formação de professores
Temos assistido a nível mundial a um recuo importante no que diz respeito às lógicas de formação de professores, com o esvaziamento da dimensão social, cultural e política, e a sobrevalorização de uma visão estreita e simplificada, tecnicista e “aplicada” (NÓVOA, 2017, 2018; BERA, 2014). Questionando as políticas divergentes de formação de professores das últimas décadas, destacam-se estudos internacionais que evidenciam os contributos da investigação na formação de professores (BERA, 2014), desconstruindo as opções políticas dominantes, e desocultando as fragilidades da formação de professores assente em modelos racionalizados, burocráticos e tecnicistas. Segundo Nóvoa (2018), o empobrecimento da formação constitui um retrocesso no processo de profissionalização dos professores − que deveria ser mais do que uma mera preparação técnica, científica e pedagógica −, afastando-os das “profissões universitárias baseadas no conhecimento” (NÓVOA, 2018, p. 8).
O espaço que a investigação ocupa hoje nos cursos de formação inicial de educadores e professores é reduzido, como tem vindo a ser constatado em estudos recentes (PIRES, 2018; PIRES; PINHEIRO, 2018). A formação inicial de professores confronta-se com múltiplos problemas, entre os quais a falta de investigação e de exame crítico aos programas oferecidos pelas instituições formadoras, no âmbito dos quais “[...] a relação entre investigação, essencialmente enquanto estudo e produção de conhecimento, e a formação, essencialmente enquanto ação, não é uma relação fácil de estabelecer [...]” (ESTEVES, 2001, p. 217). Apesar das instituições de ensino superior pautarem a sua ação por requisitos legais, possuem no entanto autonomia pedagógica e científica para a definição das estratégias institucionais, pelo que a sua responsabilidade nos processos de formação não pode ser negligenciada. Segundo Flores (2010), o currículo da formação dos docentes não depende apenas das concepções dominantes num determinado momento e contexto, mas também dos processos de formação oferecidos. Entre alguns dos problemas “extensos e profundos” com que a formação inicial se tem confrontado, a autora destaca a deficiente articulação entre teoria e prática, a ausência de perspectivas sobre o que é ser professor, a ênfase na dimensão académica em detrimento da profissional, a falta de uma visão integrada entre formação inicial e contínua e de articulação entre a escola e a universidade, a dominância de uma visão aditiva do currículo (mosaico), em detrimento de uma integrativa. Dada a complexidade da atividade docente, a perspectiva de professor como profissional exige hoje uma concepção de conhecimento profissional que articula dimensões práticas, teóricas, técnicas e éticas, combinadas com experiência e investigação, e assente em capacidades de análise e reflexão crítica. Assim sendo, a construção do conhecimento profissional docente só poderá ser feita em modelos e dinâmicas de formação integradores, reflexivos e críticos, nos quais a investigação assume um papel estruturante. Nesse sentido, o enriquecimento dos programas de formação de professores através do reforço de uma componente investigativa, deveria orientar-se por um conjunto de princípios, dos quais se destacam os seguintes (BERA, 2014): o conteúdo dos programas deve ser informado pelo conhecimento baseado na investigação; a investigação deve informar o design e a estrutura dos programas de formação; professores e formadores de professores devem ser formados para se implicarem com a investigação e simultaneamente serem consumidores críticos de investigação; professores e formadores de professores devem ser capacitados para conduzirem as suas pesquisas, individual e colectivamente, investigando o impacto das suas intervenções, ou explorando os efeitos positivos e negativos das práticas educativas.
Desta forma, a valorização da prática como um lugar de aprendizagem e de construção de conhecimento é uma abordagem que se inscreve num paradigma de educação e de formação ao longo da vida, no âmbito do qual as instituições de ensino superior são atores fundamentais — e por essa mesma razão, em nome da sua autonomia científica e pedagógica, não podem demitir-se do seu papel crítico e transformador.
Processos de formação de professores: a investigação/formação/ação
Legitimando o papel do “professor como investigador” (FREIRE, 1996) e considerando que a investigação educativa não é nem sobre, nem acerca de educação, mas sim em e para a educação (CARR; KEMMIS, 1986), destacamos a relevância da abordagem da investigação-ação como um processo de investigação e de formação de professores. Adoptando uma perspectiva de educação crítica e transformadora (ZEICHNER, 2010), consideramos que a formação dos profissionais de educação deverá ser pautada por experiências de investigação baseadas em reflexão crítica sobre as práticas, a partir da problematização dos contextos e dinâmicas educativas, com base em processos de hetero e auto-formação − “[...] auto no sentido de autonomia do indivíduo, da equipa, da comunidade, reunida em torno do projeto educativo” (AMBRÓSIO, 2001, p. 40).
No âmbito de uma abordagem de formação de professores orientada pela e para a investigação, considera-se fundamental desenvolver estratégias de investigação centradas nas práticas e nos contextos de trabalho dos estudantes e futuros docentes. Como afirma Esteves (2001, p. 222), mais importante do que dotar os professores de um arsenal de conhecimentos e técnicas, será desejável que estes enfrentem “[...] as situações de trabalho como problemáticas, aprendam a analisá-las e a interpretá-las e, em função disso, tomem decisões e avaliem os seus efeitos”. Aproximamo-nos assim do conceito de práxis, de Paulo Freire (1987), para quem a teoria e a prática se fazem juntas, como forma de interpretação da educação e da vida, conduzindo à transformação e à mudança. Como se sabe, a natureza e a utilidade da investigação-ação sempre foram discutidas, nem sempre pacificamente, dada a posição histórica das ciências sociais, mais preocupadas com a afirmação da sua cientificidade (AMADO; CARDOSO, 2014). No entanto, os saberes que esta estratégia produz − através da reflexão na, sobre e para a ação − a partir da relação dialética entre os problemas diagnosticados em contexto social e a ação/intervenção, contribuem para a formação de profissionais reflexivos, críticos e interventivos. Segundo Benavente, Costa e Machado (1990), as características e potencialidades da investigação-ação podem sistematizar-se da seguinte forma, ao permitirem: abordar a complexidade em contextos reais, por referência a uma multi-referencialidade teórica e praxeológica, envolvendo atores com estatutos diversos; implicar os professores na investigação e produção de saberes sobre as suas práticas, contribuindo para o reinvestimento dos espaços profissionais; articular investigação e intervenção, construir novos conceitos questões, identificar formas de trabalho decorrentes da práxis, produzir conhecimentos para enriquecer as práticas escolares pedagógicas; desocultar implícitos, espaços e mecanismos, fazer emergir dificuldades de várias naturezas (dinâmicas e rotinas institucionais/pessoais, bloqueios afetivos e relacionais), reconhecendo os aspectos “ocultos” como questões reais e pertinentes.
A investigação na formação de educadores e de professores do ensino básico − contributos para uma análise crítica
Em Portugal, a formação de educadores e professores do ensino básico integra os princípios da educação ao longo da vida, de acordo com a Lei de Bases da Educação (1986) e decorre da adesão do país à União Europeia (MARTINS, 2014). À semelhança dos outros países europeus, a habilitação profissional é um requisito para a docência, sendo esta adquirida na formação inicial, em instituições e cursos acreditados pela Agência Nacional de Acreditação e Avaliação. É o Estado que estabelece e regula as habilitações profissionais para a docência (Decreto-Lei nº43/2007, de 22 de fevereiro, posteriormente complementado pelo Decreto-Lei 79/2014) − enunciando os perfis de formação, tipologia dos cursos, estrutura e componentes de formação −, sendo também o principal empregador dos professores, no sistema público de educação.
No âmbito do processo de Bolonha, as antigas licenciaturas em Educação, que conferiam habilitação profissional para a docência, foram extintas. Desde o ano letivo de 2008/09, a formação que habilita profissionalmente para a docência − educadores de infância, professores do primeiro e do segundo ciclo de escolaridade − passou a ser desenvolvida ao longo de dois ciclos de estudos, constituídos por uma licenciatura em Educação Básica e um Mestrado em ensino com diferentes especializações (Educadores de Infância, Professores do 1º e 2º Ciclo), que lhes confere a habilitação profissional exigida por lei. A legislação define as componentes de formação dos cursos: formação nas disciplinas da área específica de ensino; formação educacional geral; didáticas especiíficas; iniciação à prática profissional; formação cultural, social e ética; e formação em metodologias de investigação educacional. Em conformidade, a formação dos futuros docentes deveria contemplar a prática em investigação, sendo para tal necessário integrar a componente de investigação em ensino/ educação nos próprios currículos de formação (MARTINS, 2014). No entanto, observou-se que a formação educacional e a iniciação à prática profissional passaram a ser principalmente desenvolvidas nos cursos de mestrado, ao invés do que acontecia na formação das licenciaturas pré-Bolonha, que estavam orientadas para uma formação integrada nas diversas componentes disciplinares e educativas (VIEIRA; SILVA; VILAÇA; PARENTE; VIEIRA; ALMEIDA; PEREIRA; SOLÉ; VARELA; GOMES; SILVA; 2013; MARTINS, 2014; PIRES & PINHEIRO, 2018).
Nos anos recentes, as preocupações das instituições de ensino superior têm sido dominadas por uma cultura de racionalidade, standardização, competitividade e “qualidade” − na qual se sobrevalorizam, tanto na avaliação dos docentes como na dos cursos, indicadores de produção científica em detrimento de aspectos de natureza pedagógica e/ou organizacional − num cenário de desvalorização de boas práticas de formação de professores, auto-reguladas e auto e hetero-avaliadas (MARTINS, 2014). Em conformidade, a racionalidade que tem norteado a construção dos curricula dos cursos de formação inicial de educadores e professores tem relegado a investigação para um espaço secundário do currículo, atribuindo-lhes um número reduzido de créditos ECTS . Seguidamente, analisaremos criticamente um caso específico de práticas de investigação desenvolvidas no âmbito de cursos que habilitam para a docência.
Práticas de investigação-formação: princípios e pressupostos
As práticas que aqui se apresentam foram desenvolvidas numa escola de ensino superior público em Portugal, que conta com mais de vinte e cinco anos de existência dedicada à formação inicial e contínua de professores. Integra a rede pública de Escolas Superiores de Educação, enquadradas em Institutos Politécnicos, fazendo parte integrante do sistema dual que compõe o ensino superior em Portugal. No caso da Licenciatura em Educação Básica da ESE-IPS, que foi criada ao abrigo das reformas de Bolonha e implementada em 2007/2008, a componente de investigação reduziu-se a uma Unidade Curricular com apenas 3 ECTS, integrada no 2º semestre do 3º ano de um curso de três anos letivos − e que possui um total de créditos de 180 ECTS, tal como a legislação estipula. No arranque da nova licenciatura de Bolonha, em 2007/2008, a autora participou em co-autoria na concepção do programa da Unidade Curricular (doravante designada por UC) de Seminário de Investigação Educacional (SIE), tendo co-partilhado a coordenação do curso e a docência da UC durante o período experimental de três anos, e posteriormente continuado a lecionar em monodocência até ao presente. Tendo consciência de que a componente de investigação era uma das dimensões menos valorizadas no plano de estudos do curso, os docentes responsáveis empenharam-se para a sua (re)habilitação, de modo a “fornecer bases para uma fundamentação teórica da investigação em educação e permitir um primeiro contato com o pensamento investigativo” . Procurando criar condições para a construção do conhecimento profissional dos futuros professores e educadores de uma forma holística, fundamentada, crítica e reflexiva (AMBRÓSIO, 2001; SÁ-CHAVES, 2002, 2017; ESTEVES, 2001; FLORES, 2010), foi estabelecido como principal objetivo da unidade curricular:
[...] desenvolver modos de ver e compreender as situações e contextos educativos, que se distanciem do senso comum e da repetição acrítica das intervenções educativas estandardizadas. Procura-se desenvolver a capacidade de descrever de forma factual e de interpretar os episódios educativos de uma forma crítica e reflexiva (PIRES; PINHEIRO, 2008, p. 1).
De acordo com o programa, as práticas educativas (que incluem as práticas de investigação) são ações sociais que decorrem nos contextos educativos, são intencionais, e, como tal, produzem saberes situados − no tempo e no espaço −, sendo duplamente referenciados: no investigador e na situação em estudo. Assim, a opção de privilegiar a investigação- ação como metodologia preferencial dos projetos de pesquisa a desenvolver pelos estudantes pretende garantir a articulação com os contextos de prática onde realizam os estágios curriculares e a partir dos quais se poderá estimular a construção de um olhar crítico e reflexivo .
Considera-se que a abordagem da investigação-ação é uma forma de ultrapassar a tradicional e redutora dicotomia entre teoria e prática, através da reflexão na, para e sobre a ação, e que se desenvolve através de ciclos contínuos de planificação, ação, observação e reflexão (CARR; KEMMIS, 1986), podendo ser representada através de uma dinâmica espiroidal. Através desta abordagem, pretende-se articular os três pólos da dinâmica investigação-ação-formação, que se encontra ancorada nos princípios da formação reflexiva e crítica de professores. Mais do que um futuro profissional consumidor de conhecimentos procura-se formar um docente construtor de conhecimento, em linha com a pedagogia crítica (FREIRE, 1987, 1996), com a abordagem do professor reflexivo (SCHON, 1983; SÁ-CHAVES, 2002, 2017), ou a do professor-investigador (STENHOUSE apud ALARCÃO 2001). Nesta concepção, entende-se que a formação constitui o contexto de exercício crítico da atividade docente numa perspectiva de experiência investigativa (ALARCÃO, 2001; AMBRÓSIO, 2001). Criar experiências de investigação, de reflexão crítica sobre as práticas e simultaneamente potenciar nos estudantes processos de auto-formação, é uma “[...] forma de valorizar a profissão, o métier, o trabalho dos educadores apelando para uma exigência de comprometimento cognitivo e afetivo no seu próprio dia-a-dia” (AMBRÓSIO, 2001, p. 41).
É a partir da identificação de situações reais e contextualizadas nos contextos de estágio, identificadas pelos estudantes como situações-problema, que se desencadeia a necessidade de compreender e encontrar respostas/propostas de intervenção com vista à sua resolução. Neste sentido, a investigação-ação constitui-se como a abordagem de investigação privilegiada para promover a análise e a reflexão (crítica) sobre a prática e identificar estratégias que conduzam à resolução dos problemas ou à melhoria das situações encontradas. Estes momentos do processo investigação-ação não se confundem, mas alimentam-se mutuamente, de acordo com Amado e Cardoso:
[...] a investigação sobre um determinado problema diagnosticado em contexto social (carácter situacional); a intervenção ou ação para resolver o problema e transformar a situação anterior; de novo a reflexão para produzir conhecimento sobre essa mesma transformação (carácter avaliativo) (AMADO; CARDOSO, 2014, p.188).
Tendo como inspiração a pedagogia dialógica ou a pedagogia da práxis (FREIRE, 1987, 1996), entendemos que a dialogicidade − processo de co-laboração, que pressupõe encontro, comunicação, diálogo e organização − e a capacidade de agir e de refletir, em simultâneo, transformando a realidade de acordo com determinadas intencionalidades, são eixos estruturantes do trabalho pedagógico. Defende-se assim a perspectiva da educação problematizadora, que articula teoria e prática, através da formação baseada na ação refletida dos estudantes e na dialogicidade.
No caso do Mestrado em Educação Pré-Escolar (2º ciclo de Bolonha), que constitui uma das vias de continuidade da Licenciatura em Educação Básica com vista à aquisição da habilitação profissional para a docência, assumiu-se desde o seu início que a investigação teria um papel central na formação dos futuros educadores. Quando o curso foi criado, em 2010, tinha a duração de um ano (60 ECTS), mas com a restruturação do curso em 2015/2016, este ganhou mais um semestre letivo, passando a integrar um total de 90 ECTS. No quadro do novo plano de estudos, os Seminários de Investigação e de Projeto I e II (SIP I e SIP II) − respectivamente uma UC anual no primeiro e uma semestral no segundo ano do curso −, foram concebidos de forma a darem continuidade aos princípios e pressupostos que orientam o Seminário de Investigação Educacional, no 3º ano da Licenciatura em Educação Básica. Tendo como finalidade “[...] a articulação dos fundamentos teóricos da investigação em educação com as experiências concretas vivenciadas pelas estudantes durante os períodos de estágio em creche e em jardim-de-infância [...]” , as UC SIP I e SIP II − com 5 e 4 ECTS, respectivamente −, decorrem ao longo dos três semestres do curso, articulando de forma integrativa as aprendizagens que vão sendo realizadas pelos/as estudantes nos contextos de estágio. Como se explicita nos programas da Unidade Curricular, a prática de investigação é concebida como:
[...] uma praxis determinada pelos valores daquele que investiga, desde a escolha das questões a investigar, até à escolha da própria metodologia. Nesta perspectiva, a investigação educacional define ainda o seu propósito de conhecer atividades educativas que são realizadas de modo consciente e que, assim sendo, só poderão ser compreendidas tendo em conta o sentido e a intencionalidade que essas práticas têm para quem nelas participa, nos contextos em que desenvolve a sua investigação/intervenção (PIRES; PINHEIRO, 2016, p. 2).
Aprendendo a investigar as suas práticas: a voz dos estudantes
A implicação dos estudantes no seu processo de investigação é reforçada de forma continuada através das práticas de investigação-formação desenvolvidas, que procuram, de forma dialógica, construir sentidos para quem investiga e aprende. A aprendizagem das estudantes é baseada em processos de problematização, alicerçada num trabalho de alternância entre autonomia e trabalho coletivo, onde a escuta, o diálogo, a reflexão e o pensamento crítico têm um papel central. Os momentos de partilha dos projetos dos estudantes ao longo da sua realização, realizados em aulas de seminário, são um traço distintivo do trabalho desenvolvido, procurando-se, através da dialogicidade (FREIRE, 1987, 1986), um racional para o trabalho pedagógico. Considera-se que a construção dos saberes profissionais é um trabalho de equipa, não se faz de forma isolada, o que exige tanto a comunicação da sua prática, como o conhecimento de outras práticas, tal como sustentado por Silva:
Este trabalho apoia a organização e a fundamentação das diferentes práticas, que beneficiam das questões e contributos dos colegas, facilitando a construção de um discurso organizado sobre a prática (SILVA, 2013, p. 302).
As análises dos balanços escritos individuais produzidos pelos estudantes de Mestrado, no final do ano académico, têm igualmente evidenciado os contributos positivos das estratégias desenvolvidas, principalmente em termos de mudanças alcançadas, quer nos contextos de estágio − ao nível das equipas pedagógicas e dos grupos de crianças −, quer no seu processo de formação, como futuras profissionais da educação. Por outro lado, permitem também identificar obstáculos e dificuldades sentidas, as quais têm vindo a ser alvo de reflexão por parte da equipa pedagógica do curso, com vista a encontrar as estratégias mais adequadas para a atenuação/resolução dos problemas. Destacaremos seguidamente alguns excertos dos balanços escritos pelas estudantes nos anos letivos de 2019-2020 e 2020-2021, procurando dar luz a algumas das dimensões mais relevantes. Por questões éticas, para salvaguardar a identidade das estudantes, não se identifica o nome por extenso, sendo este substituído pelas iniciais. Assim, quando questionadas sobre os contributos que a realização do seu projeto de investigação teve nos respetivos contextos de estágio em instituições de educação pré-escolar (com a valência de creche e de jardim de infância), as estudantes referem que foi possível observar modificações decorrentes das suas intervenções, como por exemplo no “olhar das educadoras”, traduzido pelo nível de atenção que estas passaram a ter relativamente a alguns aspetos das suas próprias práticas:
O (meu) projeto de investigação, que integra a temática da interação entre pares, proporcionou uma mudança no “olhar” da equipa pedagógica, pois (esta) começou a observar mais atentamente as interações que as crianças estabeleciam entre si, a não quebrar esses momentos, o que me leva a pensar que começaram a dar uma maior importância no dia a dia das crianças (ESTUDANTE A.C., 2020).
[...]
Foi evidente e gratificante observar que em ambos os estágios houve, de facto, uma mudança de mentalidades no que respeita ao meu tema (a utilização dos materiais naturais em creche e jardim de infância) (ESTUDANTE T., 2020).
Ressalta-se ainda que algumas das mudanças identificadas pelas estudantes tiveram efeitos para além do tempo de realização dos estágios e dos projetos de investigação, tal como se exemplifica:
[...] com a minha chegada existiram mais momentos de exploração de espaços exteriores à sala, o que também proporcionou variadas interações. Quando regressei aos estágios, observei que esses momentos, que foram antes propostos por mim, se mantinham (ESTUDANTE A.C., 2020).
[...]
Após ter terminado o meu primeiro momento de estágio conversei com a educadora relativamente a esse aspecto, ao qual respondeu que reconheceu que o meu desempenho e atividades relacionadas com o tema permitiram que ela pudesse, em anos seguintes, estar mais atenta nesse sentido (ESTUDANTE T., 2020).
Por outro lado, e ainda decorrente das intervenções que as estudantes realizaram nos contextos educativos onde estagiaram, foi-lhes possível identificar algumas alterações ocorridas, ao nível das rotinas e práticas desenvolvidas:
Considero que, a minha presença nas práticas veio contribuir para uma modificação e enriquecimento das práticas das educadoras. No contexto de creche, a educadora atualmente utiliza a caixa de música que realizei para dinamizar o período da manhã com as crianças, deixando-me bastante orgulhosa (ESTUDANTE M.L., 2021).
E, ainda, alguns efeitos positivos das suas intervenções, no que diz respeito ao desenvolvimento das crianças/grupos:
A este nível (do desenvolvimento da criança), o que mais observei após as minhas intervenções, foi a procura pelo som (música e sons do dia a dia) e a importância do silencio para escutar. Ao longo das semanas, as crianças foram pedindo para escutar músicas, para ligarmos o rádio para dançarem, e, no exterior, vinham contar os sons que estavam a ouvir (ESTUDANTE F., 2020).
[...]
Tendo por base o meu tema de projeto, as principais e mais significativas melhorias que promovi ao longo dos estágios são em relação às crianças, uma vez que ao longo das minhas intervenções tentei estimular a interação entre as mesmas, sugerindo novas brincadeiras e momentos de interajuda (ESTUDANTE C.S., 2021).
Quando interrogadas sobre as dificuldades que sentiram nas intervenções realizadas, as estudantes identificam principalmente constrangimentos de natureza temporal, decorrentes do seu duplo papel de estagiárias-investigadoras:
As limitações encontradas nas duas intervenções foi o tempo. A gestão de tempo por dez semanas é algo bastante desafiador, sendo pouco tempo para realizar e experienciar todo o contexto em que esteja inserida assim como, a realização de todas as atividades idealizadas levando a selecionar e readaptar consoante o tempo e o interesse das crianças (ESTUDANTE M., 2021).
Para além da dimensão temporal, identificámos outro tipo de dificuldades sentidas pelas estudantes durante a realização dos projetos de investigação, concretamente ao nível dos procedimentos de recolha de informação. Identificámos que a observação e a elaboração dos registos − exigência do duplo papel de estagiárias-investigadoras −, também é percecionada como uma dificuldade para a realização dos projetos de investigação, tal como se pode depreender a partir das seguintes reflexões:
Os obstáculos com os quais me deparei estão relacionados com [...] Observar acontecimentos diários do contexto, numa sala em constante movimento (ESTUDANTE F., 2020).
[...]
Tive algumas dificuldades relativamente ao registo, mas considero que consegui ultrapassá-las, optando pelos registos fotográficos e vídeos, conseguindo captar momentos essenciais (ESTUDANTE M.V., 2021).
Ao defendermos uma formação problematizadora, que articula teoria e prática, procuramos desenvolver uma ação refletida e crítica dos estudantes. Pretende-se contribuir para a construção de um docente “[...] construtor de conhecimento em detrimento de um consumidor de conhecimentos [...]” ancorado na pedagogia crítica (FREIRE, 1987, 1996):
Está para mim a ser muito interessante observar ‘aquilo que pensava/acreditava’ (ainda sem uma base teórica sólida), ganhar agora um novo sentido, um reforço e um aprofundar dessas ideias/convicções. (ESTUDANTE A.M.M., 2021).
[...]
O projeto fez com que fizesse mais leituras e pesquisasse mais sobre o tema e as suas variadas potencialidades, levando a que criasse ainda mais aprendizagens e vontade de fazer mais e melhor, tanto nas intervenções como na minha prática futura como profissional da educação (ESTUDANTE M.C., 2021).
A investigação na formação profissional docente: entre o desejável e o possível
Temos consciência de que o caminho não é feito sem dificuldades. Como se sabe, a investigação-ação é potenciadora de rupturas e descontinuidades, razão pela qual nem sempre é bem recebida e aceite na comunidade educativa. Há que estar atento aos constrangimentos e dificuldades, pois “[...] a investigação-ação, como produtora de conhecimentos sobre a realidade, pode constituir-se como um processo de construção de novas realidades sobre o ensino, pondo em causa os modos de pensar e de agir das nossas comunidades educativas.” (SANCHES, 2005, p. 130). Como tem sido observado na experiência dos docentes implicados no processo, nem sempre tem sido fácil fazer compreender os princípios e as finalidades da abordagem da investigação-ação na comunidade educativa − com colegas, educadores/professores, equipas pedagógicas, escolas. No entanto, a existência de resistências pontuais, tanto internas como externas − frequentemente baseadas num pensamento prisioneiro da racionalidade técnica e instrumental, potencialmente limitador da autonomia e do pensamento crítico dos estudantes − vem tornar esta tarefa mais desafiante, mas não menos empenhada (PIRES, 2018; PIRES; PINHEIRO, 2018). Na Licenciatura em Educação Básica, o facto da UC Seminário de Investigação Educacional ter apenas 3 ECTS não permite realizar um trabalho de apropriação das bases da investigação educacional com a profundidade desejável. No entanto, pensamos ser possível preparar os alicerces para o seu desenvolvimento futuro, garantindo uma articulação coerente com as UC de Seminário de Investigação e Projeto I e II, do Mestrado em Educação de Infância, que foram concebidas numa lógica de continuidade (PIRES, 2018; PIRES; PINHEIRO, 2018). Entende-se o percurso de formação inicial como um caminho integrativo e articulado, que se vai complexificando ao longo do tempo, e cujas bases constituem os alicerces imprescindíveis para a construção permanente da sua identidade docente, em contextos profissionais, ao longo da sua vida. Como nos diz Nóvoa (2017), a formação inicial de professores tem que ser pensada em relação à indução profissional e à formação continuada, num continuum profissional.
Do ponto de vista pedagógico, constatámos que uma das principais dificuldades sentidas tem a ver com o tempo de realização dos estágios, durante o quais se concretizam as intervenções dos projetos de investigação. Como vimos na análise apresentada, esta dimensão é considerada insuficiente pelas estudantes para a concepção e desenvolvimento dos projetos. No que diz respeito ao processo de construção de conhecimento, os docentes têm vindo a identificar a existência de barreiras de natureza epistemológica, assentes na predominância do pensamento linear e causal, de herança positivista, que dificulta a problematização de situações educativas numa perspectiva global e complexa, bem como a própria formulação de questões de investigação-ação. Conscientes de que “[...] na investigação-ação, o processo de mudança é acompanhado por uma reflexão sistemática, que se apoia na recolha e tratamento organizados da informação sobre a evolução da situação, o que permite não só a adequação da ação, mas também a avaliação do processo e dos efeitos [...]” (SILVA, 2013, p. 299), sentimos que temos que continuar a reforçar um exercício permanente de interpelação entre as intervenções realizadas em contextos educativos e a sua reflexão/avaliação. Por outro lado, os textos que os estudantes produzem com menor dificuldade ao longo do curso são de natureza descritiva e não interpretativa, o que pode conduzir ao empobrecimento da qualidade da problematização (PIRES; PINHEIRO, 2018). A natureza do conhecimento profissional docente exige a compreensão da relação da teoria e da prática como uma práxis, o que nem sempre é conscientizado, quer por estudantes, quer por docentes que os enquadram nas instituições envolvidas na formação, pelo que estamos conscientes do desafio, permanente e inacabado, que é promover uma formação reflexiva e crítica.
A análise dos relatórios dos projetos de investigação produzidos pelos estudantes tem vindo a evidenciar que as pesquisas desenvolvidas dão visibilidade a dimensões e aspectos muito relevantes, tanto na perspectiva da formação pessoal, científica e técnica dos futuros profissionais, como do fortalecimento de uma identidade profissional alicerçada em torno de valores e princípios em linha com as abordagens enunciadas (PIRES; PINHEIRO, 2018). E é, talvez por isso, muito gratificante constatar que, ao longo do seu percurso de formação, as estudantes, futuras educadoras, se vão conscientizando das interdependências dinâmicas que existem entre a ação educativa e a reflexão, tal como explicitado nos balanços escritos realizados no final do ano académico:
Aprendi a refletir sobre a minha ação, a pensar nas intencionalidades que uma proposta que fazia tinha, a olhar para o grupo num todo mas também individualmente para cada criança. [...] Aprendi também que a minha ação tem influência nas interações que as crianças estabelecem entre si e principalmente a pensar, a fim de melhorar e de proporcionar o bem-estar das crianças (ESTUDANTE A.C., 2020).
Tal como Paulo Freire nos ensinou, reiteramos a ideia de que somos seres inacabados, mas não determinados, pelo que consideramos que a formação de educadores e de professores será sempre um processo aberto, inacabado, com vista a inúmeras e complexas possibilidades de transformação − de si, dos outros e das coisas −, como a seguinte reflexão nos evidencia:
O grande impacto para a realização do meu projeto de investigação centrou-se no despertar do meu olhar para novos horizontes onde me foram apresentados diversos métodos de trabalho que nem eu própria pensaria que fossem exequíveis, no entanto, surpreendi-me e consegui chegar a um consenso readaptando para o meu projeto de investigação, de modo a ir mais além e afirmar o meu cunho pessoal. Confesso que, depois deste percurso, tenho mais vontade para ler e saber mais [...] (ESTUDANTE N.T., 2021).
Considerações finais
Como conclusão, e considerando que a formação de educadores e professores é um dos eixos estruturantes do desenvolvimento dos sistemas educativos e da sociedade, tanto a nível social, como pessoal, profissional, económico, político, cultural e ético (AMBRÓSIO, 2001), urge re-valorizar um paradigma de formação reflexivo e crítico, no âmbito do qual a investigação assume uma dimensão central. Como nos diz Nóvoa (2017), a formação de professores é um problema político, e não pode ser entendido apenas como um problema técnico ou institucional. Ela é fundamental para a construção da profissionalidade docente, que vai muito para além da sua formação técnica, científica e pedagógica. Defendendo que a formação docente se deverá fazer na e a partir da prática, por processos de problematização, integrativos e contextualizados, desenvolvidos em alternância entre as instituições educativas e as escolas (AMBRÓSIO, 2010; ZEICNHER, 2010; NÓVOA, 2017), entendemos fundamental continuar a aprofundar uma cultura da partilha de referenciais e de discursos que as aproxime, ampliando a autonomia e as possibilidade de formação dos futuros profissionais de educação.
Ao destacar o reforço do papel da investigação na formação de professores − tanto a relação da formação com a investigação, como o ensino da investigação na formação (FLORES, 2010; ESTEVES, 2001; PIRES, 2018) − consideramos que um paradigma de formação de professores ancorado na investigação deve priorizar a construção do conhecimento em educação e nos contextos de trabalho, ou seja, nas escolas. Esta formação deverá ser desenvolvida através de modelos colaborativos e participados, pela análise reflexiva da práxis, sendo fundamental criar as condições políticas, institucionais, organizacionais e pedagógicas que o assegurem.