Introdução
Vivemos um tempo de rápidas mudanças; uma “sociedade líquida” (BAUMAN, 2001), na qual tudo - quadros de referência, estilos de vida, relações, conhecimentos, entre outros - está em fluxo, de modo volátil, desregulado e flexível. Imersas nesse ambiente altamente competitivo, instituições educacionais públicas e privadas buscam constantemente por profissionais que possam atuar, de forma sistêmica, interagindo com diferentes equipes e setores de suas organizações, a fim de obterem resultados positivos que garantam sua sobrevivência e desenvolvimento de seus empreendimentos- Nesse contexto, o conhecimento ganha relevo. Investe-se cada vez menos em equipamentos, e em sistemas e programas computacionais, e mais no saber do trabalhador, que deve buscar a criatividade, usar a informação, adequadamente, compartilhar resultados com sua equipe de trabalho; e, principalmente, conscientizem-se de que o seu bem de capital é o intelecto. Isso exige um permanente estado de alerta em relação as suas competências, pois essas só representam um capital significativo quando alinhadas às transformações que a realidade impõe.
Considerando que a maioria das instituições em nossa sociedade é mais orientada a controlar2 do que a aprender, entendemos que diante das incertezas e da dinâmica ambiental em que se inserem, é necessário um comprometimento maior do indivíduo, no sentido de compartilhar seus conhecimentos, adequar seus objetivos pessoais aos da organização em que exerce suas atividades profissionais, e participar, colaborativamente, nas atividades em equipe, respeitando a sinergia do grupo, a fim de trabalhar não somente com seus modelos mentais, mas também com outros modelos e outras formas de pensar uma situação.
Como, então, pensar e agir num cenário, em que a crise brasileira amplia, cada vez mais, os índices de desemprego, e o povo, apesar da pouca educação voltada para uma educação/formação humana emancipatória, tem procurado se virar nos trinta? - ou seja, tem buscado se adaptar rapidamente, encarando os problemas como oportunidades. Nesse sentido, praticam a política do necessário, o que exige clareza quanto ao que precisa ser feito para agregarmos qualidade ao processo educativo.
No enfrentamento desses desafios, o papel do gestor educacional é fundamental para criar e manter um ambiente propício à inovação, gerenciando as relações, sejam elas econômicas, sociais, pessoais ou políticas, investindo no desenvolvimento de sua equipe, buscando fontes de conhecimento e estabelecendo parcerias “dentrofora” da escola, dado que colocar essas ideias em prática exige, uma boa dose de ousadia, visão estratégica, percepção das forças, das fraquezas, das ameaças e das oportunidades provenientes ambiente externo, e a capacidade de lidar com o risco. No mundo do trabalho não existe espaço para amadores!
Com efeito, assim como conhecer os vagalumes requer observá-los, vê-los dançar vivos no meio da noite (ainda que essa noite seja varrida pelas luzes da cidade), ser contemporâneo exige olhar, fixamente, para o seu tempo, a fim de nele perceber não as luzes, mas o escuro, pois todos os tempos são obscuros para quem deles experimenta contemporaneidade. No entanto, é impossível refletirmos sobre ela, sem que demarquemos um ponto de ruptura, na busca de um olhar renovado diante da relação entre os tempos presente e pretérito.
É fato que o digital em rede, aberto a uma multiplicidade de conexões, envolve desafios e riscos, e exige dos governos uma política que garanta aos indivíduos o direito à informação e aos seus benefícios, pois mais do que possuir uma moderna infraestrutura de comunicação, torna-se necessário transformar informação em conhecimento e, este, em resultados concretos de aprendizagem.
Nesse processo, como possibilitar ao indivíduo seu espaço de liberdade e autonomia? Qual educação desejamos e como o processo de “aprendizagemensino” pode contribuir para responder aos desafios contemporâneos?
Amparadas em Oser e Baeriswyl (2001), Baeriswyl (2008), Padilha et al. (2010), Silva (2003, 2018), entre outros estudiosos da cibercultura, as autoras refletem sobre o uso de coreografias didáticas e inovações pedagógicas, na Educação Superior, para uma educação/formação humana emancipatória.
Ao trazerem, ao debate, o modo de viver o currículo e a prática educativa, na atualidade, a autoras objetivam, neste artigo, re (pensar) o uso de metodologias ativas na Educação Superior, mediante ações pedagógicas que privilegiam mediações partilhadas, com vistas à promoção de agenciamentos comunicacionais próprios de uma didática implicada, intercomunicativa e multidimensional, que contribua para a formação de sujeitos autores e cidadãos.
Coreografias didáticas e inovações pedagógicas no Ensino Superior
Na cultura digital, a emergência da mobilidade ubíqua amplifica os debates sobre o trabalho docente. A par da importância da conexão generalizada (LEMOS, 2019; CASTELLS, 2016), a comunicação ganha relevo. Comunicar é mais do que nunca, compartilhar sentidos. Conscientes dessas mudanças, e atentas aos baixos níveis de motivação e envolvimento dos estudantes durante as aulas, Instituições de Ensino Superior (IES) adotam, cada vez mais, práticas pedagógicas consideradas “inovadoras” (BACICH; MORAN, 2018), ou “inov-ativas” (FILATRO; CAVALCANTI, 2018), ou seja, práticas que englobam, além da inovação, aspectos distintos do processo de “aprendizagemensino”, que permitem organizar os contextos de aprendizagem, com vistas à aprendizagens significativas.
Os autores comparam o processo de aprendizagem a uma coreografia, a que chamam de “coreografia de ensino”3, na qual coreógrafos (docentes) e dançarinos (estudantes) participam de uma dança, em um palco (Ambiente Virtual de Aprendizado - AVA). Nesse contexto, estabelecem uma dialógica entre as concepções pedagógicas e as demandas “docentesdiscentes”, engendrando determinadas situações didáticas (coreografia da dança) para que os estudantes, por meio de uma sequência de passos didáticos, construam seus próprios conhecimentos, de forma crítica, criativa, interativa e colaborativa (BAERISWYL, 2008).
Essas coreografias, que surgem como propostas de planejamento do ensino, direcionando os resultados do processo educacional, estruturam-se sobre quatro pilares, de acordo com Oser e Baeriswyl (2001):
planejamento - componente invisível e interno da coreografia, marca o início do planejamento das atividades curriculares que os professores consideram pertinentes para que seu desencadeamento. Desse modo, procuram refletir sobre: as possibilidades pedagógicas favorecidas pelos AVA, os estilos de aprendizagem dos alunos e os conteúdos a serem desenvolvidos, objetivando antecipar os resultados da aprendizagem dos alunos, o que demanda defini-los, com clareza, tendo em vista selecionarem atividades adequadas para que esses objetivos formativos sejam atingidos.
colocação em cena - componente visível e externo dessa coreografia, refere-se ao modo como os docentes utilizam os recursos pedagógicos e tecnológicos no desenvolvimento da prática pedagógica. Nessa fase, é fundamental a manutenção da coerência entre reflexão e ação com o planejamento e a prática.
roteiro da aprendizagem - componente invisível e interior da coreografia de ensino, consiste na sequência de operações mentais (conhecimentos mobilizados) ou de práticas e ações que os alunos devem executar para alcançar a aprendizagem. Os autores argumentam que sequências são estáveis e generalizáveis. No entanto, a identificação das fases que constituem esse processo, pelos professores, é muito importante, na medida em que propicia as condições necessárias para que os alunos mobilizem as ferramentas e operações que podem ser utilizadas na aprendizagem, para solucionar uma determinada situação-problema, relacionando-a com a compreensão local e global da situação proposta.
produto da aprendizagem - componente visível e externo da coreografia de ensino, diz respeito ao seu desenvolvimento durante o processo de aprendizagem. Consiste no resultado da sequência de operações mentais ou práticas desenvolvidas pelos alunos, que os direcionam para a aprendizagem. No entanto, a qualidade desse produto requer que o ensino seja centrado na aprendizagem, e que os alunos tenham condições favoráveis para o seu desenvolvimento no AVA.
Esses quatro níveis das coreografias de ensino, além de trazerem, em seu bojo, componentes visíveis ou invisíveis, apresentam duas formas de estrutura:
a) superficial, que engloba os componentes teórico-metodológicos e dispositivos relacionados ao ensino;
b) profunda, na qual a aprendizagem é vista como um processo psicológico, que envolve cognição e afetividade, enfatizam os autores.
Zabalza (2006) interpreta essa mesma metáfora como “coreografia didática”, sendo ambas análogas à ideia de coreografia na dança; o que é corroborado por Paiva e Padilha (2012), que compreendem os professores como coreógrafos que colocam em cena situações didáticas (atos de currículos/ currículos praticados) para que seus alunos aprendam, de forma significativa e efetiva. Isso implica levar em conta sua competência em planejar essas situações didáticas, o papel ativo dos estudantes no processo de “aprendizagemensino”, bem como os contextos que envolvem essas aprendizagens.
Trabalhar sob esse prisma, enfatiza Silva (2018), exige um olhar mais construtivista e intervencionista, direcionado à aprendizagem, que possibilite à sociedade sair de um modelo de produção em massa, para o de produção, sob demanda personalizada, e, portanto, geradora de novas possibilidades para esse processo de aprendizagem. Para o autor, nessas ambiências, o aluno pode “aprender fazendo”, no seu sentido mais amplo, pois ganha a liberdade de propor tanto os problemas quanto soluções, e não apenas seguir modelos fechados, nos quais é levado a encontrar soluções para problemas previamente definidos.
Em sendo a aprendizagem, basicamente, uma experiência social, de interação pela linguagem e pela ação, deve propiciar uma comunidade de aprendizagem, de discurso e de prática, produtora de sentidos e significações. Desse modo, deve condicionar o ensino, cabendo às coreografias didáticas dar mais clareza a esse processo. É preciso, portanto, como enfatizam Padilha et al. (2010, p. 8), “discutir a relação entre o desenho didático e as coreografias didáticas, considerando a contribuição da Educação Online para a reflexão e a prática sobre o processo de ensinagem”; ou seja, a ação de ensinar e aprender, de forma crítica, “dentrofora” da sala de aula, implica parcerias, trocas e colaboração, além de mediações partilhadas “docentediscentes” e “discentesdiscentes”.
Com efeito, as coreografias didáticas referem-se aos movimentos “docentediscentes” no processo de “aprenderensinar”, devendo o desenho didático favorecer a interatividade - “entendida como participação colaborativa, bidirecionalidade e dialógica, além da conexão de teias abertas como elos que traçam a trama das relações”, como assevera Silva (2003, p. 62), Nesse contexto, cabe ao professor atuar como um estrategista da aprendizagem; um formulador de problemas, provocador de questionamentos, coordenador de equipes, roteirista de percursos e sistematizador de experiências, potencializando sua ação pedagógica, sem perder sua autoria.
Inovação pedagógica no contexto das coreografias didáticas contemporâneas
Para além dos modismos, chamarizes mercadológicos, ou interesses de grupos específicos, entendemos que “inovação” se refere a algo novo. No entanto, nem tudo que é novo em um contexto pode ser considerado novo em todos os contextos, dado que a inovação ocorre num continuum que vai desde a inovação incremental até a disruptiva (MORAN, 2017).
Muitas são as razões que levam empresas e instituições a inovar, como, por exemplo, a busca pela melhoria de processos e produtos, e aumento da produtividade, a preocupação com os custos dos processos, ou a possibilidade de ganhar mais espaço no mercado competitivo.
Entre as tendências da educação para 2025, publicadas no site Radar do Futuro (TEIXEIRA, 2018), graças ao desenvolvimento tecnológico, novas estratégias de ensino e acesso ao conhecimento, amplamente utilizadas em instituições de ponta dos EUA, Ásia e Europa e centradas no aluno ganham destaque, e vão sendo introduzidas, de forma progressiva, mediante a associação do modelo curricular convencional de ensino a abordagens mais ativas, ou por meio de modelos pedagógicos, disruptivos, que alteram o design, as metodologias e os espaços físicos.
Considerando que tanto Jean-Jacques Rosseau, em “Emílio ou Da Educação” (1762) como no Ideário da Escola Nova (Dewey - 1859-1952), ao aluno cabia o protagonista do processo de aprendizagem, e ao professor o papel de facilitador da aprendizagem, qual é o componente inovador dessas propostas, o que mudou de lá para cá, quais os desafios impostos ao processo educativo e como responder a eles?
As respostas a essas questões demandam considerar a rapidez e a intensidade dos avanços tecnológicos, no qual a cibercultura - cultura contemporânea, mediada pelo digital em rede, ganha novos matizes, reconfigurando as práticas sociais e modificando formas de se perceber e apreender o mundo. Nesse contexto, a Educação Online (EOL) possibilita a criação de currículos “pensadospraticados” mediados por interfaces digitais, com vistas ao desenvolvimento de práticas comunicacionais interativas, dialógicas e hipertextuais. No entanto, muitas instituições educacionais vêm fazendo uso da EOL, numa perspectiva instrucional, como se fora uma evolução das práticas de Educação a Distância (EaD) convencionais, sem levar em conta suas reais potencialidades.
Como, então, “fazerpensar” atos de currículos que interajam e integrem as tecnologias digitais ao nosso modo de viver em rede?
Com efeito, os potenciais da Educação Online reconfiguram os usos que os professores fazem dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), buscando na diversidade de suas interfaces (Facebook, WhastApp, Instagram, YouTube, entre outras) criar situações diversas para a vivência da aprendizagem significativa, de modo lúdico, possibilitadas pela plasticidade4 do digital. Flexibilizam, por conseguinte, os modos como os conhecimentos são tecidos, mediante o uso de textos, sons, e imagens estáticas e em movimento, que podem ser alterados, criados e compartilhados em rede, sob a forma de Recursos Educacionais Abertos (REA).
Nessa perspectiva, a formação de professores para o Ensino Superior deve: privilegiar além dos saberes técnicos, aqueles que consideram a complexidade e pluralidade dos processos formativos “praticoteóricos”, além de superar a visão didática sugerida pelas metodologias ativas, que atribuem apenas ao aluno o protagonismo do processo educativo, e caminhar em direção a uma didática implicada5, intercomunicativa e multidimensional, que enfatize os processos de mediação partilhada, disponibilizando aos docentes perspectivas de análise que lhes possibilitem compreender os contextos históricos, sociais, organizacionais e culturais, nos quais se inserem, e sua relação com o saber a ser (re) aprendido.
Sob esse enfoque, assevera Amaral (2014), o processo de “aprendizagemensino” comporta três dimensões:
a) uma dimensão integrativa, que aproxima diversos “espaçostempos” escolares, as experiências prévias dos praticantes e os modos como apreendem e tecem seus conhecimentos, além de requerer um olhar plural que alinhe teoria e empiria, no movimento “práticateoriaprática”;
b) uma dimensão formativa, que enfatiza a necessidade de vivenciarmos experiências formativas, docentes e discentes;
c) uma dimensão tecnológica, que considera as transformações dos tradicionais processos de comunicação, sociabilidade e, de uma forma geral, de educação e de aprendizagem, com a entrada do digital em rede.
Macedo (2010) assevera que o indivíduo aprende contextualizado com o que acontece no mundo/consciência do seu ser, transformando informações, acontecimentos e conhecimentos, oriundos do contexto econômico, social e cultural no qual está inserido, em experiências formativas, reconhecendo, ainda, que na relação dialógica com o outro, em suas multiplicidades de situações, a lógica geralmente unidirecional da formação pode ser (trans) subvertida e articulada a outros saberes. No entanto, isso requer estar implicado, ou seja, estar do lado de dentro da manifestação do fenômeno, ser sujeito das ocorrências, exercitando a autocrítica, vivenciando o contexto cultural e interagindo com os sujeitos e seus objetos técnicos, suas produções culturais e seus etnométodos6. Um engajamento pessoal e coletivo do pesquisador em, e por sua práxis científica, de tal forma, que o investimento resultante de tudo isso seja parte integrante e dinâmica de toda atividade de conhecimento (BARBIER, 2007), constantemente atravessado pelos acontecimentos, sem prejuízo do rigor do fazer ciência.
D’Ávila (2014) afirma que os saberes pedagógicos, oriundos das ciências da educação e da ciência pedagógica, sustentam a prática docente e se referem às competências mobilizadas por professores para responder às situações cotidianas, particularmente na sala de aula, como por exemplo, o ato de planejar, gerenciar uma classe, mediar, interagir, colaborar, avaliar e replanejar. Os saberes didáticos, por sua vez, contidos nos saberes pedagógicos, objetivam criar uma ambiência propícia à aprendizagem significativa, estruturando a prática pedagógica e organizando a mediação de classe, que visa estimular a aprendizagem, a participação e a colaboração dos alunos, como por exemplo, a capacidade de administrar o tempo da aula; interagir verbalmente; estimular a formação de valores; produzir integração aluno-aluno e professor-alunos; administrar os trabalhos em equipes, entre outros.
De forma complementar, na mediação do conteúdo, todas as ações são orquestradas por saberes relacionados à disciplina lecionada, que favorecem o processo de “aprendizagemensino”, assevera a autora.
Para Tardif (2014), os saberes dos professores são plurais. Além dos saberes da formação profissional, disciplinares e curriculares, o autor destaca os saberes da experiência, que resultam do próprio exercício da atividade, sendo produzidos pelos docentes por meio da vivência de situações específicas relacionadas ao espaço da escola e às relações estabelecidas com alunos e colegas de profissão.
Em conversa com Oliveira (2007), Corinta Geraldi - uma estudiosa do campo do currículo com os cotidianos7, argumenta que, no processo de formação, além dos saberes que fundamentam a profissão, outros são produzidos nos embates cotidianos das aulas, no diálogo com os conhecimentos e com as “coisas da vida”. No entanto, esses saberes adquiridos na prática profissional precisam ser ressignificados, mediante diálogo com os saberes pedagógicos, que os englobam e sustentam a prática docente, com vistas a um saber sensível, lúdico e integrador.
Como lócus de convergência das dimensões do ser, da cultura e do poder, as instituições de ensino devem, portanto, valorizar seus profissionais, buscando alternativas pedagógicas que enfatizem a didática crítica e a reflexão sobre a prática pedagógica transformando-se em organizações que aprendem, num diálogo crítico e permanente com as demandas da atualidade; e isso implica transformar o discurso educacional em prática, e essa em práxis.
O modelo híbrido e a educação online no contexto da cibercultura como um dispositivo de pesquisa em ato
A associação entre tecnologia e educação mostrou-se de grande relevância para a dinamização dos processos pedagógicos existentes, e para potencializar o surgimento de novas metodologias e práticas docentes, revolucionando os modos de “aprenderensinar” e democratizando o acesso à Educação Online. Nesse cenário, inovar, testar, experimentar, tornou-se uma constante em todos os níveis das atividades humanas, pela necessidade de se aprender, continuamente.
Na busca pelo que há de melhor em cada dispositivo ou método aplicável à educação, emergiu o modelo híbrido de aprendizagem, também conhecido comoblended-learning ou b-learning, que associa práticas pedagógicas do ensino presencial e do ensino online, com o objetivo de melhorar o desempenho dos alunos e promover uma educação mais eficiente, interessante e personalizada. Apesar dos problemas e desafios acarretados pelas tecnologias, quando incorporadas aos projetos pedagógicos de aprendizagem ativa e libertadora, não podemos ignorar que o mundo é conectado, híbrido e ativo, assim como o processo de “aprendizagemensino”; o que exige conhecê-las, acompanhá-las, avaliá-las e compartilhá-las, de forma aberta coerente e empreendedora (MORAN, 2018).
Como um conjunto de ações de “aprendizagemensino” ou atos de currículo mediados por interfaces digitais, que possibilitam a comunicação hipertextual e interativa, em mobilidade ubíqua, a Educacão Online (EOL) ganha relevância no cenário contemporâneo. No entanto, o termo ‘Educação Online’, vem sendo utilizado, indiscriminadamente, por empresas e instituições de ensino, que pregoam fazer Educação Online, pelo simples fato de utilizarem AVA, subestimando suas potencialidades. Concordamos com o pensamento de Silva (2018), quando enfatiza que a EOL não pode ser entendida como uma evolução das práticas de Educação a Distância convencionais, pois exige metodologia própria que inspira mudanças profundas no modelo de transmissão, ainda tão utilizado em nossas instituições de ensino.
Fundamentada no hipertexto, a EOL propicia, ao indivíduo, o exercício de sua autoria, ao operar percursos e leituras plurais, além da interatividade, que consiste num ato de colaboração, baseado nos princípios da bidirecionalidade dialógica, da participação colaborativa e das conexões em teias abertas, possibilitando que os indivíduos consumam, produzam, colaborem e cocriem a informação, acentua o autor.
Nessa nova modalidade, a lógica comunicacional deixa de ser unidirecional, fundamentada no modelo um para todos, para privilegiar processos de cooperação e colaboração coletivos, nos quais a tessitura do conhecimento é possibilitada pelo modelo todos para todos. Dessa forma, “[...] a mensagem aberta à manipulação e à operatividade pode ser recomposta, reorganizada, modificada em permanência sob o impacto cruzado das intervenções do sujeito e dos algoritmos do sistema digital, perdendo assim o estatuto de mensagem transmitida” (SILVA, 2018, p. 53). Assim, o hipertexto se revela como “o grande divisor de águas entre a comunicação massiva e a comunicação interativa” (SILVA, 2018, p. 18) que, por sua vez, rompe com uma aprendizagem linear e se funda na cocriação por meio da liberação do polo de emissão, demandando do sujeito intervenção física na mensagem, transformação e criação, numa relação dialógica com seus pares.
Na medida em que a escola, a universidade e os diversos “espaçostempos” educacionais se encontram num contexto móvel e ubíquo, e sem que se subestimem os potenciais e os limites das diferentes modalidades de ensino, há a necessidade de refletirmos sobre as tecnologias digitais que integram o nosso modo de viver em rede, e sobre como “fazerpensar” atos de currículos, a partir dos quais, docentes e discentes exercitem processos de interatividade, colaboração e autoria, possibilitados pela plasticidade do digital, que flexibiliza as formas de tessitura do conhecimento, com o uso de textos, vídeos e imagens que podem ser alterados, criados e compartilhados em rede.
Como, então, formar sujeitos atores e autores, na cibercultura, com vistas a uma educação autônoma e cidadã? Como prepará-los para que possam atuar em setores e mundos futuros? Que metodologias de “aprendizagemensino” podem, nos dias atuais, favorecer o enfrentamento das incertezas do devir?
Como já mencionado, dois conceitos são especialmente relevantes para o processo de aprendizagem, como alternativas ao modelo transmissivo-conteudista, largamente utilizado nas IES: a aprendizagem ativa, que enfatiza o papel protagonista do aluno, e o modelo de aprendizagem híbrida, que traz em seu bojo, a ideia de flexibilidade, mistura e compartilhamento.
Em consonância às exigências do cenário mundial, conectado e digital, IES adotam metodologias ativas, com diversas possibilidades de arranjos, tendo em vista o desenvolvimento da autonomia e a emancipação do estudante, mediante reflexão e crítica. Entre as premissas que dão sustentação ao uso dessas metodologias, citamos, por exemplo:
a) ver e ouvir um conteúdo, passivamente, não é suficiente para que o mesmo seja absorvido, dado que, por esse modelo estar centrado na exposição do conteúdo pelo professor, o estudante atua como receptor do conhecimento acumulado historicamente pela humanidade, de forma igual para todos;
b) a aprendizagem não envolve nenhuma descoberta independente por parte do estudante, reduzindo-se a níveis superficiais, sem que oportunize algum tipo de questionamento, reflexão e crítica.
Com efeito, metodologias ativas ganham projeção, seja nos meios científicos, quando vários pesquisadores desenvolvem estudos para comprovar sua efetividade, seja em sala IES. Nesses contextos, estudantes e profissionais, são vistos como sujeitos ativos, que devem se responsabilizar por seus próprios aprendizados (mediado ou não por tecnologias), enquanto refletem sobre aquilo que estão fazendo.
No entanto, observamos que a aula expositiva, embora não dê conta de atender às necessidades e demandas contemporâneas, é vista como um recurso didático de grande eficácia, dada a sua importância em determinadas circunstâncias, como, por exemplo, descrever experiências, sintetizar ideias ou introduzir um assunto novo. Assim, ainda impera em sala de aula, sobrevivendo a todas ‘a inovações’. Como uma evolução natural da exposição oral, tem sido crescente o uso da exposição dialogada, no Ensino Superior, na qual o professor assume o papel de mediador. Sua fala é importante para orientar o aluno durante a exposição do conteúdo, que se desenvolve, de forma dinâmica, com a participação ativa dos alunos, numa relação dialógica, que considera o conhecimento prévio dos mesmos, numa perspectiva de aprendizagem significativa.
A sala de aula invertida (flipped classroom), estratégia baseada no conceito de ensino híbrido, possibilita que o estudante, com o apoio de vídeo-aulas, blogs, games e/ou arquivos de áudios disponibilizados em rede, prepare seus estudos, de modo a tornar o debate presencial mais qualificado, devido a sua prévia reflexão a respeito do que será abordado. Nessa perspectiva, a sala de aula se transforma num espaço dinâmico, interativo e rico em conhecimento, permitindo a realização de exercícios, atividades em grupo e realização de projetos. O professor assume o papel de condutor do ensino, tirando dúvidas, aprofundando o tema e estimulando o debate, a partir de diferentes pontos de vista, de forma a proporcionar ao estudante um aprendizado mais amplo e completo.
A aprendizagem baseada em projetos (ABP), ou Project based learning, consiste numa abordagem em que os alunos são desafiados a desenvolver um projeto alinhado a sua vida pessoal ou profissional. Centrada no aluno, sua principal característica é a construção coletiva do conhecimento interdisciplinar. Fundamenta-se, também, no emprego de temas transversais, possibilitando ao aprendiz uma visão holística do conhecimento e o desenvolvimento da autonomia e do pensamento crítico e criativo. O foco da ABP não recai propriamente sobre os conteúdos, mas sobre as competências necessárias aos alunos na busca de uma solução para um problema relacionado com uma situação, o mais próxima possível de sua realidade e atuação profissional.
A aprendizagem baseada em problemas ABProb, ou Problems Based Learning (PBL) é um dos enfoques mais inovadores na formação profissional e acadêmica contemporânea, tendo como inspiração os pressupostos da escola ativa. Objetiva desenvolver as múltiplas habilidades do aprendiz, mediante o equilíbrio entre prática e teoria. Desse modo, o aluno é estimulado a construir seu aprendizado conceitual, procedimental e atitudinal por meio de problemas propostos que o desafiam a estudar, individualmente, determinado assunto, e a anotar suas dúvidas ou dificuldades. As discussões sobre os problemas apresentados, realizadas em grupos, ocorrem durante as aulas.
Alinhada à concepção de ensino, atualmente prevista na Base Nacional Comum Curricular, essa metodologia incorpora a noção de interdisciplinaridade, favorecendo a integração de diferentes áreas e a aquisição de conhecimentos pelos alunos, que tenham sentido em sua formação. Nesse contexto, a produção de conhecimento e ações ocorrem, de forma coletiva, havendo intercâmbios e interlocuções entre os diversos membros da equipe, independentemente de sua área de formação. Desse modo, a solução de problemas estimula diferentes estilos de aprendizagem do aluno, além da leitura, do emprego do raciocínio lógico; aumenta o senso de responsabilidade dos estudantes; e desenvolve o pensamento crítico, a habilidade do trabalho em equipe e a troca de informações entre elas.
Os jogos e a gamificação (uso de parte das características definidoras de jogos), estão, a cada dia, mais presentes em diferentes áreas do saber e níveis de ensino, Com sua linguagem de desafios, recompensas, competição e cooperação constituem importantes estratégias de encantamento e estímulo para uma aprendizagem rápida e próxima da vida real, além de tirar o aluno da condição de espectador e arquiteto de seu conhecimento.
Paiva et al. (2016) apontam como benefícios das metodologias ativas, no processo de aprendizagem o exercício da autonomia, o trabalho em equipe, a integração entre teoria e prática, o desenvolvimento de uma visão crítica da realidade e o favorecimento de uma avaliação formativa, entre outros. Não há dúvidas de que, ao darem ao aluno o protagonismo do processo educacional, as metodologias ativas representam um avanço em relação às práticas mais conservadoras, construídas, pelos professores, a partir da transmissão de conteúdos prontos e inquestionáveis.
Não obstante os pontos positivos, anteriormente citados, em nossas experiências cotidianas com o uso dessas metodologias, nos últimos vinte anos, identificamos algumas fragilidades, que decorrem desses usos, como, por exemplo:
a) uma sensação de ansiedade e insegurança por parte dos estudantes, diante de um modelo de ensino participativo e colaborativo, que lhe exige disciplina, esforço, maturidade, organização e autonomia, para lidar com o ambiente virtual, repleto de materiais, atividades, informações;
b) falta de comprometimento com o próprio aprendizado o que resulta poucos questionamentos que tenham relevância para o contexto, devido à falta de leitura e participação nas aulas;
c) excesso de tarefas em relação ao tempo requerido para realizá-las, que compromete a qualidade das discussões em sala de aula;
d) ênfase no aprofundamento dos conteúdos em detrimento de sua maior abrangência, abre lacunas conceituais, trazendo prejuízos tanto aos estudantes, quanto para docentes, devido à natureza processual e dinâmica requerida por essas metodologias;
e) percepção de insucesso, que é atribuída à carência de suporte apropriado do corpo acadêmico e institucional para sua implementação;
f) processo de avaliação da aprendizagem traz desconforto aos docentes, na medida em que a falta de contato físico com os alunos durante o desenvolvimento dos trabalhos, bem como as atividades em grupo dificulta a avaliação individual;
g) minimização da atuação do professor que atua como facilitador do aprendizado, espécie de tira dúvidas, como se a aquisição do conhecimento necessitasse de um especialista para simplificá-lo.
Sob esse olhar, corroboramos o pensamento de Candau e Moreira (2009), que enfatizam a necessidade de que os processos educacionais sejam concebidos como historicamente situados e articulados a outros processos sociais, trabalhando sistematicamente a “praticateoriapratica”, por meio da mediação partilhada e o uso de metodologias interativas, intercomunicacionais e multidimensionais, articuladoras das dimensões cognitiva, afetiva, lúdica, cultural, social, econômica e política da educação.
Para além da acentuação do papel ativo dos estudantes na aprendizagem, é fundamental integrar o ensino à prática de investigação, possibilitando que os docentes aprendam ao mesmo tempo em que ensinam e pesquisam, e pesquisem e ensinem enquanto aprendem. Isso demanda capacitação própria e específica, fundamentada em saberes cognitivos, existenciais, pragmáticos e sociais. Nesse contexto, ganha força a variável implicação (MACEDO, 2012), dado que a vivência de experiências de auto, hetero e ecoformação (PINEAU, 1988), na cibercultura, potencializa o pensamento autônomo e a emergência de autorias-cidadãs. Sob esse prisma, o professor se torna responsável pela formação de um indivíduo capaz de pensar com independência e coerência; o que lhe exige assumir o papel de mediador da aprendizagem, com vistas à tessitura desse conhecimento em/nas redes educativas.
Como a mediação pedagógica constitui o alicerce das relações coconstruídas pela/na ação didática, esse processo só terá sentido se promover a aprendizagem, por meio de encontros e produção de conhecimentos - uma ação coletiva sustentada na partilha e na colaboração interativa entre os sujeitos participantes dessas redes, possibilitando que a tessitura do conhecimento constitua uma dinâmica de coprodução e de coautoria, na qual não há lideranças, e sim emergências (BRUNO, 2011).
É nesse contexto que a adoção de uma didática implicada, intercomunicativa e interativa favorece a construção colaborativa de uma agenda de engajamentos da mediação docente na cibercultura, capaz de favorecer práticas pedagógicas que promovam atitudes comunicacionais específicas, nas aulas presenciais e online, como assevera Silva (2018), superando métodos tradicionais de ensino que separam os polos de emissão, como, por exemplo:
a) disponibilizar múltiplas informações, sob a forma de imagens, sons, textos, vídeos, gráficos, entre outros, utilizando ou não tecnologias digitais, de modo interativo;
b) oferecer múltiplos percursos para permitir que os alunos estabeleçam conexões e se expressem, contribuindo e agregando valor com novas informações;
c) assegurar a participação-intervenção do aluno no design didático;
d) garantir a bidirecionalidade da emissão e recepção;
e) disponibilizar múltiplas redes articulatórias;
f) engendrar cooperação e colaboração, dado que a comunicação e o conhecimento se constroem entre discentes e mediação docente como cocriação;
g) estimular a expressão e a confrontação das subjetividades, mediante a fala livre e plural.
Considerações finais
Vivemos o desafio das mudanças que se fazem necessárias ao Ensino Superior com em vistas a sua sustentabilidade. O digital em rede demanda abertura e flexibilidade para conviver com o fluxo contínuo de informações, a multiplicidade de letramentos, a diversidade cultural, a ambiguidade e a incerteza, marcas da contemporaneidade.
A força catalítica dessas mudanças, suas potencialidades e ameaças para as práticas educativas, e para o currículo, convidam as IES a buscarem soluções, para que a escola ou a universidade, cujos processos de aprendizagem, em geral, dissociados da realidade, ganhem mais sentido para os estudantes de hoje, familiarizados com o acesso a informações e com o compartilhamento de interesses, práticas, conhecimentos e valores, sem limitações de tempo e espaço.
Nessa perspectiva, o digital em rede contribui, de forma significativa, para superar a prevalência do modelo transmissivo-conteudista, adotado em grande parte das instituições brasileiras de ensino e para mobilizar a educação-cidadã e empreendedora; ou seja, uma educação democrática, plural, dialógica e colaborativa, voltada não apenas para a construção do conhecimento, mas que possa, por meio da mediação partilhada, construir a comunicação interativa, presencial e online.
É nesse contexto que metodologias inovadoras invadem o mercado, alavancando tendências de aprendizagem híbrida (blended learning), que tem seu foco no aluno, e no qual grande parte das exposições e do conteúdo acadêmico é disponibilizada, de forma online, ficando a sala de aula presencial dedicada às atividades mais práticas. No entanto, uma nova coreografia se impõe ao processo de “aprendizagemensino”, a fim de reinventar a didática em resposta aos desafios de nossa época, que exigem a formação de cidadãos autores e autônomos, sujeitos da construção de um mundo menos dogmático e mais solidário.
Um olhar mais atento sobre essas metodologias revela que, no plano individual, a responsabilidade principal fica por conta da iniciativa de cada aluno e do que ele constrói em outros “espaçostempos”, além do que é disponibilizado pela escola. Já no plano colaborativo ou coletivo, a aprendizagem depende muito do desempenho dos grupos, refletido na qualidade dos projetos que desenvolvem, de seu poder de reflexão e da sistematização realizada a partir das atividades propostas.
Não há dúvidas de que essas abordagens ativas desenvolvidas pelas instituições de Ensino Superior, em sua grande maioria, possibilitam, aos estudantes, o desenvolvimento de suas capacidades de reflexão a partir dum processo dinâmico e participativo, posicionando-os num contexto ativo de suas formações. No entanto, deve-se considerar que o modo pelo qual o aluno aprende não é um ato isolado, no qual o professor, a partir de uma coreografia didática, pobre ou rica, toma decisões metodológicas. Nesse sentido, é preciso que se implique com o processo de “aprendizagemensino”, atuando como um mediador de mediadores. Isso pressupõe, entre outros aspectos, a criação, ao longo do processo educacional, de currículos “penadospraticados”, que privilegiem as perspectivas integrativas, formativas e tecnológicas, para que a tessitura do conhecimento ocorra em parceria com o aluno, promovendo engajamentos específicos de uma didática implicada, intercomunicativa e multidimensional. Nessa perspectiva, nem ele nem o aluno assumem o protagonismo, dado que essa centralidade se encontra nas relações que estabelecem entre si, e, principalmente, com o objeto do conhecimento.