Um dos principais desafios ao longo das últimas décadas refere-se a como a formação docente pode apoiar os professores para que sejam capazes de lidar com as complexidades do ensino e promover aprendizagens esperadas, levando em conta as características dos estudantes nos diferentes espaços escolares e na sociedade em geral (WANG; ODELL, 2002). Isto é mais relevante quando o ensino é marcado por crescentes tensões e paradoxos derivados de circunstâncias sociais e eventos de outras naturezas com implicações para o professor, como sua preparação para a autonomia profissional num mundo de imposição externa da política educativa (LA VELLE; FLORES, 2018).
Processos de mentoria com foco em professores iniciantes (PIs) têm sido considerados uma “ponte” entre a formação inicial e ações formativas de caráter continuado. São considerados como um processo de indução à docência, no qual um professor com maior experiência acompanha outro ingressante na escola. Em linhas gerais, os principais propósitos dos processos de mentoria ou indução de PIs correspondem a de apoiá-los nas práticas de ensino e socializá-los nas atividades profissionais e na cultura da escola. Outro objetivo é de minimizar algumas das limitações do processo formativo inicial com relação à sua atuação no ambiente escolar e dentro da profissão (MARCELO, 2017).
Essas iniciativas têm sido dirigidas aos profissionais recém-egressos de cursos de licenciatura que passam a fazer parte de uma rede ou sistema de ensino no início de sua carreira como docentes ou aos profissionais que apresentem experiência prévia num nível de ensino e estão começando sua atuação em outro, aos licenciados que após outras experiências laborais dirigem-se para a docência e, ainda, aos professores com mais tempo de atuação diante de uma nova política pública, por exemplo. Por tais razões, tem-se considerado como uma das principais populações-alvo de processos de mentoria, professores que apresentem menos de cinco anos de docência.
O presente estudo baseou-se em teses de doutorado e dissertações de mestrado sobre mentoria que eram dirigidos a PIs da Educação Básica (EB) em programas oferecidos por pesquisadoras da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A partir de uma síntese de evidências qualitativas de resultados das pesquisas e dos elementos indicados por Darling-Hammond, Hyler e Gardner (2017), procurou-se determinar como esses elementos se apresentam nas iniciativas referenciadas e de que maneira se associam à efetividade dos programas de mentoria da UFSCar.
1 Os programas de mentoria da UFSCar: bases teórico-metodológicas e características gerais
Ao longo de duas décadas, o grupo de pesquisadoras da UFSCar desenvolveu quatro pesquisas-intervenção com foco em programas de mentoria dirigidos ao apoio de PIs no início de suas carreiras. Essas iniciativas contaram com a participação de professores experientes (com mais de 10 anos de atuação) para serem mentores dos iniciantes. Isso porque geralmente esses profissionais apresentam uma bagagem ou estoque de conhecimentos profissionais mais amplos e profundos, embora ter mais anos de docência não signifique atuação mais qualificada (GALLAVAN, 2015).
Para a realização dessas iniciativas considerou-se a relevância de processos que podem promover a aprendizagem e o desenvolvimento profissional docente a partir de uma base teórico-metodológica que caracterizaria o modelo de mentoria adotado, a qual é indicada brevemente a seguir.
A docência é concebida como informada por múltiplas fontes e modos de conhecimento resultantes de diferentes experiências pessoais, escolares e profis sionais, em espaços temporais e físicos diversificados e que afetam as dimensões cognitivas, sociais, emocionais etc. dos professores (MIZUKAMI et al., 2010).
É uma atividade aprendida continuamente. Conhecimentos relativos à docência são construídos antes, durante a formação inicial e ao longo da atuação profissional. Neste último caso, destaca-se o caráter prático dessas aprendizagens, que ocorre em muitos casos via processos fragmentados. Ao longo do tempo, a atuação docente apresenta fases distintas, com características próprias e que demandam ações formativas específicas relacionadas à etapa da carreira, contexto, nível de ensino e dos conteúdos ensinados, o que de certa maneira configura o processo de desenvolvimento profissional de cada professor (LIMA, 2015).
O processo de desenvolvimento profissional docente compreende dois fenômenos distintos, mas interrelacionados, ao longo da trajetória de aprendizagens docentes: 1. o aprender a ensinar, que se refere à aprendizagem sobre os alunos, como aprendem, os conteúdos escolares, como podem ser ensinados, isto é, a base de conhecimentos para o ensino (SHULMAN, 1986); 2. o aprender a atuar como um docente profissional, que se relaciona aos conhecimentos sobre: papéis, responsabilidades, modos de atuação que transcendem a sala de aula e incluem a participação do docente na escola (com as famílias, na comunidade escolar e profissional) (KNOWLES; COLE; PRESSWOOD, 1994).
Além da dimensão técnica do ensino, a docência envolve mais do que isso. Aspectos tais como: reflexão, emoções, crenças, disposições, agência, valores profissionais etc., são fundamentais no processo de desenvolver-se como professor, juntamente com conhecimentos sólidos (LA VELLE; FLORES, 2018).
A formação inicial, embora imprescindível para a atuação docente, apresenta limitações (GATTI et al., 2019) que geralmente são bastante evidentes nos primeiros tempos de docência (HUBERMAN, 1995).
PIs necessitam construir conhecimentos sobre o contexto de atuação, sobre seus alunos e como atender às demandas curriculares, entre outros. Muitos vivenciam tensões vinculadas aos limites definidos pelo papel docente quando assumem novos compromissos ou novas posições de responsabilidade. Não é incomum apresentarem certo grau de dificuldade, acompanhada de sentimentos de ineficácia, insegurança, conflitos, dilemas relacionados ao ensino e atuação profissional.
Os processos de aprendizagem e de desenvolvimento profissional da docência requerem apoio, condições adequadas do contexto de atuação e engajamento pessoal dos professores. O suporte aos PIs pode ser promovido por meio de programas de mentoria e indução.
O Quadro 1 indica sinteticamente características dos programas de mentoria, contextos das análises apresentadas. São apontadas especificidades de cada uma das ofertas que, apesar de compartilharem uma mesma base teórico-metodológica, variaram quanto à etapa de atuação das PIs, das mentoras, modalidade das atividades desenvolvidas (presencial, virtual ou híbrido) e ao tempo de duração das interações das díades mentora-PI.
Programa | Foco do Programa | Modalidade | Duração dos Processos de Mentoria |
---|---|---|---|
Programa de Mentoria de Educação Física (PMEF) | Professores com menos de um ano de experiência docente em Educação Física (EF). | Presencial. | 8-12 meses. |
Programa de Mentoria Online (PMO) | Professores com até cinco anos de docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (AI). | Presencial com as mentoras; online entre a díade mentor-PI. | 8-30 meses. |
Programa de Formação Online de Mentores (PFOM) | Formação de profissionais da educação para atuar como mentores de professores com até cinco anos de docência nos AI e Educação Infantil (EI). | Online para a formação inicial e continuada das mentoras. Presencial entre a díade mentor-PI para a realização das atividades de mentoria. | 3-16 meses (com um módulo extra de 5 meses). |
Programa Híbrido de Mentoria (PHM) | Professores com até cinco anos de docência na EI, AI e Educação de Jovens e Adultos (EJA). | Híbrido com as mentoras e com as PIs (com mais ênfase no virtual). | 3-30 meses. |
Fonte: As autoras.
Os programas considerados implicaram para o seu desenvolvimento, em sua maioria, na organização de díades compostas por uma mentora e uma iniciante ou tríades envolvendo uma mentora e duas iniciantes. Elas mantinham conversas profissionais (presenciais ou virtuais) frequentes, construindo os processos de mentoria.
Todos tiveram como referência um “currículo aberto”, isto é, os conteúdos e as ações de mentoria foram estabelecidos, em comum acordo entre PIs e mentoras, tendo como ponto de partida as demandas apresentadas e as características contextuais de atuação pelas novatas. Desse modo, as trajetórias de mentoria construídas apresentaram fortemente caráter individualizado e situado.
A participação das mentoras e das PIs foi voluntária e em nenhum dos casos houve redução de carga horária de trabalho em sala de aula. Isso porque os programas aqui analisados não estão vinculados a nenhuma política pública de indução, sendo ofertados por uma universidade pública[1], como atividade de extensão.
2 Do processo de levantamento dos dados e sua análise
Para o exame proposto, optou-se por utilizar sínteses de evidências qualitativas, conhecidas como revisões sistemáticas de investigações qualitativas de teses e dissertações sobre os programas mencionados. Em geral, com estas opções metodológicas, busca-se compreender de modo mais aprofundado fenômenos complexos, por meio da exploração e sistematização de diferentes percepções e experiências dos participantes das investigações, em contextos e tempos específicos (SOUSA; WAINWRIGHT, SOARES, 2019).
Trata-se de construir um entendimento abrangente e exploratório sobre as características das diferentes ofertas dos programas de mentoria. Para isto, foram tomados como referência teórica os elementos considerados fundamentais na promoção do desenvolvimento profissional efetivo dos programas de desenvolvimento profissional docente (PDPD) por Darling-Hammond, Hyler e Gardner (2017), descritos no quadro a seguir. A efetividade é compreendida como a aprendizagem profissional estruturada que se desdobra em mudanças nas práticas e melhoria da aprendizagem dos estudantes. Adverte-se que, relativamente a este último aspecto, o estabelecimento de relações entre a participação das PIs e o aprimoramento das aprendizagens de seus alunos, embora desejável, é de difícil caracterização por meio de estudos de natureza qualitativa que adotam como fonte principal de dados as narrativas de professores.
Elementos para o sucesso de PDPD | Descrição |
---|---|
Dá ênfase no conteúdo | O trabalho com os conteúdos apoia a aprendizagem dos professores para atuar em sala de aula. Inclui como propósito o desenvolvimento curricular dos conteúdos específicos e conteúdos pedagógicos. |
Incorpora a aprendizagem ativa | A aprendizagem ativa envolve os professores diretamente na concepção e experimentação de diferentes estratégias de ensino, oportunizando para que se envolvam no mesmo tipo de aprendizagem que pretendem que seus alunos aprendam. A utilização de métodos ativos, interativos e outras estratégias pautadas nos contextos de atuação possibilita aprendizagens profissionais “enraizadas e altamente contextualizadas” (DARLING-HAMMOND, HYLER, GARDNER, 2017, p. 7, tradução das autoras). |
Apoia a colaboração | Para promover a colaboração é relevante a definição de um espaço para que os professores partilhem ideias e colaborem na sua aprendizagem, muitas vezes em contextos de trabalho. Ao trabalharem em colaboração, os professores podem construir comunidades que alterem positivamente a cultura e o ensino em sala de aula e na escola. |
Utiliza modelos de práticas efetivas | O uso de modelos de ensino ou orientação detalhada sobre as “melhores práticas” podem incluir planos de aulas, planos de unidade, amostra de trabalho dos alunos, observações de professores por pares, vídeos ou casos de ensino. |
Oferece orientação dirigida e apoio especializado | A orientação dirigida e o apoio de especialistas envolvem a partilha de conhecimentos sobre conteúdos e práticas baseadas em evidências, centradas diretamente nas necessidades individuais dos professores. |
Oferece feedback e promove reflexão | A aprendizagem profissional de alta qualidade proporciona frequentemente tempo para os professores refletirem, receberem contribuições e introduzirem mudanças nas suas práticas. Tanto o feedback como a reflexão ajudam os professores a analisar com ponderação as percepções periciais da prática. |
Apresenta duração sustentada | A destinação de tempo (frequente e ao longo de um período extenso) proporciona aos professores uma condição adequada para aprender, praticar, implementar e refletir sobre novas estratégias que facilitem mudanças nas suas práticas. |
Fonte: Adaptado de Darling, Hyler e Gardner (2017), pelas autoras.
Partindo dessa fundamentação teórica, utilizaram-se como fonte dos dados as análises e narrativas das participantes de oito teses e nove dissertações realizadas entre 2002 e 2021 – indicadas a seguir (Quadro 2) –, as quais são de natureza qualitativa, caráter exploratório e adotaram a mesma base teórico-metodológica sobre aprendizagem e desenvolvimento profissional docente, apesar de versarem sobre programas diferentes. Com isso, buscaram-se respostas às seguintes questões de pesquisa: quais elementos indicados como associados à efetividade de PDPD podem ser identificados nas produções consideradas sobre as ofertas de programas de mentoria realizados na UFSCar? Como esses elementos se apresentam? O que as teses e dissertações sobre esses programas revelam sobre a percepção das PIs e mentoras sobre esses elementos?
PMEF | TESE | |
Título do Trabalho (autor, ano) | Objetivos | |
O professore de Educação Física no primeiro ano da carreia: análise da aprendizagem profissional a partir da promoção de um programa de iniciação à docência (FERREIRA, 2005). | Identificar, descrever e analisar as aprendizagens de dois professores de Educação Física iniciantes com base em um programa de mentoria, no qual a mentora era também a pesquisadora do estudo e também professora experiente. | |
PMO | TESE | |
Título do Trabalho (autor, ano) | Objetivos | |
Programa de Mentoria da UFSCar e desenvolvimento profissional de três professoras iniciantes (MIGLIORANÇA, 2010). | Analisar as aprendizagens de três professoras iniciantes durante a participação no Programa de Mentoria do Portal dos Professores da UFSCar. | |
DISSERTAÇÕES | ||
Título do Trabalho (autor, ano) | Objetivos | |
Contribuições do Programa de Mentoria do Portal dos Professores - UFSCar, autoestudo de uma professora iniciante (BUENO, 2008). | Analisar aprendizagens ocorridas durante a mentoria, bem como nas outras diversas atividades de formação de que estava participando no ano de 2005. | |
Experiências de Ensino e Aprendizagem: estratégias para a formação online de professores iniciantes no Programa de Mentoria da UFSCar. (PIERI, 2010). | Entender as contribuições das Experiências de Ensino e Aprendizagem (EEA) como estratégia formativa, embora também tivesse uma função investigativa, utilizada no Programa de Mentoria Online (PMO) para as práticas docentes de professores iniciantes. | |
Formação de Professores Iniciantes: o Programa de Mentoria Online da UFSCar em foco (MASSETTO, 2014). | Identificar se e de que maneira o Programa de Mentoria Online contribuiu para a formação de professores iniciantes, participantes da iniciativa, a partir da análise desses participantes após 7-9 anos do encerramento de sua participação no programa. | |
PFOM | TESES | |
Título do Trabalho (autor, ano) | Objetivos | |
Programa de Formação Online de Mentores da UFSCar: contribuições para o desenvolvimento profissional de professores iniciantes participantes (GOBATO, 2020). | Analisar as ações de mentoria que podem ter contribuído com a aprendizagem e desenvolvimento profissional dos PIs acompanhados no Programa de Formação Online de Mentores.(PFOM) | |
Aprendizagem no programa de Formação Online de Mentores: experiências emocionais de professoras experientes (MASSETTO, 2018). | Analisar as aprendizagens profissionais e as experiências emocionais de professoras experientes expressas durante a sua participação no PFOM. | |
Mapeamento das Necessidades Formativas do Formador de Professores Atuante no Programa de Formação Online de Mentores (MALHEIRO, 2017). | Identificar necessidades formativas dos mentores participantes do PFOM, buscando compreender a relação entre os saberes mobilizados em sua atuação como formadores de PIs. | |
Os especialistas escolares no trabalho de mentoria: desafios e possibilidades (BORGES, 2017). | Analisar contribuições do PFOM para a base de conhecimento de três mentores participantes do programa - que atuavam simultaneamente como diretor, coordenador e supervisor em escolas. Também buscou-se identificar desafios e possibilidades encontrados pelos sujeitos da pesquisa, bem como as aproximações e os distanciamentos entre a função exercida na escola com a mentoria. | |
PHM | TESE | |
Título do Trabalho (autor, ano) | Objetivos | |
Programa Híbrido de Mentoria: contribuições para a aprendizagem da docência de professoras iniciantes (CESÁRIO, 2021). | Analisar as aprendizagens sobre a docência construídas por duas docentes iniciantes por meio do diálogo com professoras mentoras durante o acompanhamento em sua participação no PHM. | |
DISSERTAÇÕES | ||
Título do Trabalho (autor, ano) | Objetivos | |
Contribuições do Programa Híbrido de Mentoria (PHM) para o desenvolvimento profissional de professoras iniciantes (BARROS, 2020). | A pesquisa buscou identificar e analisar se e de que maneira o PHM contribuiu para o desenvolvimento profissional de PIs participantes do programa. | |
Elementos da constituição da identidade docente de professoras iniciantes da educação infantil e do ensino fundamental - anos iniciais. (PINHEIRO, 2020). | Compreender os elementos das trajetórias pessoal e profissional que constituem a identidade docente das PIs da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental participantes do PHM. |
Elaboração: As Autoras.
A seleção, organização e sistematização dos dados deram-se da seguinte forma. Cada relato de pesquisa, numa primeira etapa, implicou leitura cuidadosa para identificar e selecionar os dados e análises que mantêm relação com os propósitos deste artigo. Em seguida, as informações selecionadas foram organizadas num quadro referenciado ao programa, ao qual se vinculam, com a indicação da pesquisa fonte, levando em conta os elementos arrolados por Darling-Hammond, Hyler e Gardner (2017). O processo analítico envolveu o reconhecimento de articulações e sobreposições dos elementos tomados como referência nos excertos coletados para cada um dos programas, pois em alguns casos o excerto apresentado reflete mais de um desses elementos.
A análise a seguir está organizada baseando-se nos elementos referentes à efetividade de PDPD (DARLING-HAMMOND; HYLER; GARDNER, 2017). São apresentados trechos das teses e dissertações como evidências de cada elemento considerado.
3 Resultados
3.1 Ênfase no conteúdo
Nos diferentes programas, a ênfase no conteúdo é demonstrada pelo alinhamento entre os propósitos dos programas, demandas apresentadas pelos PIs e dificuldades percebidas pelas mentoras ao privilegiarem as atividades de ensino. Tanto no PMEF, que abordou o ensino de Educação Física, quanto nos programas PMO, PFOM e PHM, que apoiaram professores dos Anos Iniciais (AI) e Educação de Jovens e Adultos (EJA), nota-se que os processos de mentoria focaram no conhecimento do conteúdo específico e no conhecimento pedagógico geral (PIERI, 2010; BUENO, 2008; MIGLIORANÇA, 2010; MASSETTO, 2014 no caso do PMO); MALHEIRO, 2017; BORGES, 2017; MASSETTO, 2018; GOBATO, 2020 no caso do PFOM; CESÁRIO, 2021, BARROS, 2020 e PINHEIRO, 2020 no caso do PHM). E, em vários casos, os processos de raciocínio pedagógico e conhecimento pedagógico do conteúdo (SHULMAN, 1986) puderam ser identificados, assim como suas alterações ao longo dos processos de mentoria conduzidos.
Nos programas que atenderam professoras da EI (PFOM e PHM), nota-se maior ênfase associada ao conhecimento pedagógico geral (GOBATO, 2020; MASSETTO, 2018; MALHEIRO, 2017 e PINHEIRO, 2020). As conversas profissionais versaram com um enfoque maior no manejo da turma – comportamento das crianças –, planejamento e letramento.
Em todos os programas evidenciou-se alterações na base de conhecimentos e práticas das iniciantes. Por exemplo, no caso do PMEF, duas participantes[3] sinalizaram num primeiro momento o não domínio de alguns conhecimentos de conteúdos específicos da área e conhecimentos pedagógicos gerais, sugerindo lacunas da formação inicial (FERREIRA, 2005). Observa-se a indicação de mudanças ao final do processo de mentoria:
Eu não sei os elementos técnicos e táticos da modalidade, eu não sei nem planejar o que tem que ser feito com os alunos. Eu preciso de elementos metodológicos mais específicos para ensinar Educação Física e um número maior de atividades. (P1, EI,, 25/04/03)
Eu tenho um pouco de dificuldade para ministrar uma aula de Educação Física que articule o fazer e o pensar, me falta embasamento teórico e mais tempo de aula. Eu precisaria estudar mais os conteúdos, estudar mais nutrição, aspectos pedagógicos, fisiológicos, sociologia, antropologia, filosofia, só o que eu tenho da faculdade é pouco. (P2, EI, 27/06/03)
Um ano depois, essas professoras apontam ter construído conhecimentos com a mentora, mas também por meio das experiências práticas.
Hoje eu me sinto mais segura com o conteúdo, com o tratamento com os alunos, em dar bronca, na maneira de ensinar. (P1, EI, 22/03/04)
O que eu aprendi e que vou aproveitar para este ano são as regras de convivência e de respeito, as estruturas organizacionais da aula (primeiro faz o alongamento, depois a atividade e por último a conversa com todos). (P2, EI, 22/03/04)
3.2 Ênfase na aprendizagem ativa
A base teórico-metodológica que fundamentou os quatro programas parece ter propiciado que as conversas profissionais das díades M-PI promovessem o processo de aprendizagem ativa. Isso porque os assuntos abordados partiam de situações vivenciadas pelas iniciantes em seus contextos de trabalho, sendo compartilhados com as suas mentoras. Tal processo envolveu um movimento de reflexão, planejamento, aprimoramento e experimentação de estratégias de ensino no contexto real da sala de aula e nova reflexão pelas PIs em resposta às ações de mentoria.
No PMEF, por exemplo, os diários foram recursos importantes, pois traziam um “retrato das aulas”, sob a perspectiva das iniciantes, suas dificuldades, vivências e aprendizagens. Neste caso, o registro das aulas demandou das PIs a observação de seus estudantes que, ao realizarem essas ações, passaram a perceber as aprendizagens promovidas ao “relacioná-las com suas práticas, o que os faz mantê-las ou modificá-las” (FERREIRA, 2005, p. 128). Outras estratégias adotadas foram: indicação de leituras com discussões, estratégias de ensino e materiais bibliográficos, promoção de processos reflexivos via solicitação de narrativas específicas e apoio afetivo. Algumas dessas estratégias mostraram-se mais efetivas sob a perspectiva das mentoras na promoção das aprendizagens das Pis, como os diários e as conversas coletivas.
Em relação a sua participação no PMO, a PI “A”, acompanhada pela mentora “M”, faz uma avaliação do período que ficou no programa, apresentando algumas reflexões e desdobramentos sobre o trabalho com seus alunos, além de destacar a relevância da iniciativa: “o PMO pode me dar clareza de todo o processo pelo qual passaram meus alunos e me ajudou a organizar o pensamento e a prática para outras atividades que apliquei no dia a dia deixando minhas aulas mais produtivas e significativas” (MIGLIORANÇA, 2010, p. 296).
Já no PFOM, a solicitação pela mentora do compartilhamento da caracterização da turma da PI favoreceu a sua identificação dos estágios de alfabetização das crianças, possibilitando, assim, a condução das ações de mentoria focadas neste contexto: “Com base nas informações obtidas com essa atividade [análise conjunta de produções textuais] conseguimos classificar os alunos em quatro estágios. A partir daqui podemos dirigir atividades de acordo com a capacidade de cada um” (M-8 sobre a PI-8, Diário de Mentoria) (GOBATO, 2020, p. 117).
No PHM também foram adotadas estratégias de mentoria semelhantes àquelas praticadas no PMEF e em outras iniciativas, como o diário, por exemplo. A seguir, a PI Ananda relata que o auxílio fornecido pela sua mentora surtiu efeito com relação aos conteúdos de língua portuguesa, pois possibilitou-a colocar em prática as sugestões da mentora, resultando na escolha mais adequada dos livros trabalhados em classe.
[…] fui tentando fazer da forma que explicou, ler apenas o título e discutirmos sobre o possível conteúdo do poema […] fiz desta forma, e as crianças falaram muitas coisas interessantes […] percebo um grande interesse quando instigamos suas curiosidades, ou partimos de suas colocações (PI Ananda, 28/08/18, Diário reflexivo, Ferramenta: Diário).
[…] Já consigo ver uma grande diferença em muitos alunos, até mesmo para formularem suas respostas durante a aula, sem dúvida seus vocabulários estão aumentando. […] E hoje já percebi a mudança na forma de escolher o livro de alguns alunos, eles não olham só na capa, eles folheiam e dão uma lida rápida e olham a sinopse do livro. (PI Ananda, 03/09/18, Diário reflexivo, Ferramenta: Diário).
(CESÁRIO, 2021, p. 238).
3.3 Ênfase na colaboração
Nos programas, a colaboração foi compreendida de duas maneiras: uma que envolvia as díades M-PI num processo interativo e colaborativo entre si, o que foi predominante no PMO; e outra forma, quando as mentoras atuavam com mais de uma PI acompanhada e mantinham interações conjuntas, como ocorreu no PMEF, PFOM e PHM. As conversas, orientações, trocas e análises coletivas nos quatro programas compuseram claramente espaço para colocação de ideias, projeção de práticas e sua avaliação.
Ferreira (2005, p. 180) relata que, no PMEF, os encontros individuais com as PIs possibilitaram que conversassem mais sobre as situações enfrentadas no dia a dia, além do “acesso às suas histórias pessoais”. Outro aspecto que se destaca foi o caso de uma PI poder manifestar suas emoções, como: “o choro, que segundo ela, estava entalado na sua garganta por causa das situações difíceis que estava enfrentando na escola”. Foi um dia em que o foco da conversa esteve centrado em “[…] minimizar os sentimentos de tristeza, angústia e vontade de desistir da profissão”.
As conversas coletivas mostraram ser espaço para troca de experiências, informações e fonte para o conhecimento de outros contextos escolares. Ao ter contato com outras realidades, as PIs com a mentora puderam analisar em conjunto as situações, compartilhar os problemas e minimizar o sentimento de solidão e incompetência das iniciantes. Esses encontros promoveram a oportunidade para que cada PI se colocasse no lugar do outro e reforçasse o valor do diálogo com um par que vivenciou situações similares ou distintas (FERREIRA, 2005).
Nos dois formatos, as conversas também foram espaço para o delineamento conjunto, entre mentora e PIs, dos passos da intervenção conduzida e das ações que deveriam ser realizadas pelas principiantes.
No PFOM, parte das mentoras eram coordenadoras e diretoras das escolas nas quais as PIs atuavam, o que gerou uma proximidade maior entre elas e possibilitou o trabalho conjunto, presencial e colaborativo, como apontado pela mentora “L.” sobre o acompanhamento de duas iniciantes:
Me reuni com as duas PIs para separarmos os alunos de acordo com a dificuldade de cada um. Montamos a lista da alfabetização e da matemática, elaboramos um bilhete para os pais explicando a importância do projeto e montamos uma avaliação diagnóstica para a turma da PI V., alfabetização para verificarmos o nível de cada aluno (M3- Diário de Mentoria)
(MALHEIRO, 2017, p. 130).
Essa mesma mentora e uma das PIs apresentam os seguintes comentários:
Mentora L: Tenho acompanhado o planejamento das atividades, temos nos reunido semanalmente e analisado as atividades dos alunos, bem como os diários elaborados pelas PIs. […]. Tenho sugerido atividades diversificadas quanto à produção de texto e ela tem acatado. […] nosso trabalho está caminhando, é uma tarefa árdua, mas que dará bons resultados (M3- Diário de Mentoria)
(MALHEIRO, 2017, p. 134).
PI1: A relação com a mentora se deu de forma em que ela pôde vivenciar nossos problemas e angústias vividos constantemente em sala de aula e nos auxilia semanalmente durante o programa (Autoavaliação - PI1)
(MALHEIRO, 2017, p. 134).
Como o trabalho colaborativo era também um dos eixos do desenvolvimento das ações de mentoria no PHM, pode ser observado o incentivo das mentoras para o estabelecimento de parceria com as PIs acompanhadas. Segue um exemplo sobre a elaboração de uma atividade:
[…] Este modelo de cronograma é interessante, pois você conseguirá trabalhar sempre a mesma rotina de atividades e não irá se esquecer dos conteúdos. O que você acha desta sugestão? Podemos construir juntas e se essa forma te ajudar você poderá colocar em prática. Vamos tentar? (Mentora W., 23/04/19, Atividade 1.1)
(CESÁRIO, 2021, p. 255).
As PIs também reivindicam a colaboração das mentoras via construção de uma relação de confiança no trabalho de orientação das docentes experientes. Segue um exemplo ilustrativo do processo envolvido. A PI Ananda solicita apoio da mentora V. para auxiliá-la no diagnóstico do nível de alfabetização de um de seus alunos:
Gostaria da sua avaliação para esta criança. Eu avaliei como silábico-alfabético, por conta da frase e de outras avaliações que fiz (…) na escola outras duas professoras concordaram comigo, mas hoje com a coordenadora fiquei com dúvida, ela disse que é alfabético, pois tenho que analisar as palavras. (PI Ananda, 27/2/2019, WhatsApp)
(CESÁRIO, 2021, p. 250-251).
3.4 Ênfase nas práticas efetivas, orientação dirigida e apoio especializado
Desde a oferta do PMO, evidenciou-se que as mentoras apresentavam em seu trabalho formativo duas formas de orientação, que se destacaram em função do modelo de mentoria adotado ao enfatizar as práticas pedagógicas e processos reflexivos nas PIs apoiadas.
Uma delas é a mentora “dar o peixe”, ou seja, orientar de modo diretivo, indicando descrição das etapas e características dos processos envolvidos na ação a ser realizada pela PI. Isso ocorre por meio de orientações sobre “como fazer”. Ou mesmo via demonstração de práticas geralmente testadas pelas mentoras em sua atuação docente ou a partir de um trabalho de busca de informações teóricas, com outras mentoras e especialistas sobre o que pode ser realizado diante da situação-problema enfrentada pela PI. Nesses casos, ao receberem modelos/exemplos de práticas, as PIs eram orientadas a adaptá-las aos estudantes: conteúdos, contexto de sala de aula, sempre com o acompanhamento da mentora.
O trecho a seguir sobre o PHM ilustra como uma mentora compartilha sua prática de maneira detalhada com a sua PI, aproximando-se do que se denomina “dar o peixe” na medida em que oferece um modelo ou prescrição:
Vou relatar o que estou fazendo com minha turma este ano. […] Uma estratégia que utilizei foi criar um cartaz do comportamento que semanalmente eles pintam (verde-comportamento adequado, amarelo-comportamento que precisa melhorar e vermelho-comportamento inadequado). Antes de começar o preenchimento deste cartaz fiz a leitura de uma coleção "O Que Cabe no Meu Mundo" de Kátia Trindade. […] Após a leitura […] fizemos os combinados da turma. Nos combinados tomo o cuidado de colocar ações positivas, ou seja, o que os educandos devem fazer. […] Esses combinados são retomados toda segunda com os educandos. Também fiz uma tabela no qual anoto um X em cada indisciplina do educando (na tabela contém fila, recreio, tarefa, lição de sala etc.). Assim, quando o educando fica com amarelo ou vermelho, consigo pontuar individualmente onde ele pode melhorar. (Mentora W., 01/04/18, Feedback)
(CESÁRIO, 2021, p. 188).
A outra forma de orientação é “ensinar a pescar”, que seguiria uma lógica mais indutiva, no sentido de que a mentora acompanha de modo crítico as ações realizadas pelas iniciantes, questionando-as em lugar de oferecer-lhes um “receituário”, incentivando a sua autonomia. Como pode ser evidenciado no PFOM, no relato trazido por Gobato (2020):
“[…] resolvi verificar o que estava sendo trabalhado em sala de aula, observando o semanário da PI e os cadernos dos alunos. Realmente, havia muitas cruzadinhas soltas, muitas atividades infantilizadas. Conversamos e lancei algumas perguntas que a fizeram pensar nas atividades que vinham sendo propostas, por exemplo: ao realizar uma atividade com cruzadinha, os alunos que já estão com a idade avançada tirariam algum proveito para a vida? As cruzadinhas tinham alguma coisa a ver com o dia a dia destes alunos? Que significado ou sentido este tipo de atividade tem? Diante dos questionamentos, a PI refletiu e sugeriu trabalhar com receitas, reportagens de jornais aqui da região e outros assuntos de interesse da turma. Para descobrir os assuntos de interesse da turma, sugeri rodas de conversa, onde todos tivessem a oportunidade de falar, sugeri que fosse feito o registro no diário, para que os assuntos pudessem ser retomados”. (M6 sobre a PI6, Diário de Mentoria).
Observando o planejamento da PI3 e as anotações que ela fez, uma das atividades planejadas e já realizadas era um jogo para montar o alfabeto. Nas anotações foi possível identificar que ela formou duas equipes. Ela comenta que o grupo dos meninos […] ninguém se entende, cada um por si. Já a equipe das meninas se destaca pela organização [..]. Considerando essa anotação, percebe-se que é preciso trabalhar a formação de grupos produtivos. Penso que os grupos não devem ser separados por sexo. […] Esses agrupamentos devem ser heterogêneos, sempre considerando os conhecimentos dos integrantes do grupo. Para que dê bons resultados o ideal é agrupar considerando hipóteses próximas. Essa distância entre o conhecimento dos integrantes do grupo não pode ser muito grande (pré-silábicos podem ser agrupados com silábicos, silábicos com silábicos-alfabéticos etc.). Pensando em possibilitar a formação de agrupamentos produtivos, foram sugeridos à PI textos sobre agrupamentos: Como agrupar meus alunos? Planejamento – Nova Escola (M3 sobre a PI3, Diário de Mentoria).
Independentemente do caminho escolhido pelas mentoras – “dar o peixe” ou “ensinar a pescar” –, nota-se, com muita frequência nas conversas profissionais, processos iterativos que incluem análise diagnóstica das situações, ponderação das alternativas de ação, planejamento de práticas, projeções sobre os resultados, desenvolvimento das práticas selecionadas, análise dos resultados e um novo planejamento num novo ciclo de atuação.
3.5 Feedback e reflexão
Aqui é necessário destacar que os feedbacks que as mentoras forneciam às suas PIs são de natureza formativa. Esse tipo não tinha como objetivo apenas avaliar as aprendizagens das PIs, mas sim fornecer elementos reflexivos que proporcionem a construção de aprendizagens profissionais com explicações, sugestões, elogios e avaliações, permeados com inquirições. Adicionalmente, em muitas ocasiões registrava o conhecimento profissional das mentoras.
No PMO, podem-se verificar exemplos de feedbacks oferecidos pela mentora M à sua PI em Pieri (2010, p. 97):
Creio que você está compreendendo que uma única metodologia não dá conta de ensinar todas as crianças. É preciso buscar alternativas eficazes para que a aprendizagem ocorra - é o que estão fazendo quando usam as “boquinhas” para que os alunos identifiquem a letra que deverá ser usada em determinada palavra. Os dois tipos de atividades desenvolvidas são pertinentes e devem ser realizadas com frequência. (Feedback - mentora M. – 01/06/2006)
[…] as atividades que vêm desenvolvendo com as crianças são pertinentes para que elas se familiarizem com a leitura e a escrita e reflitam sobre a língua. Em relação à produção de texto espontâneo, não encontrei nenhuma menção. Você não acha importante que a criança produza os seus próprios textos? Este é sempre um ótimo referencial para sabermos como ela está pensando a escrita. Os textos espontâneos (que ela faz sozinha e do jeito que sabe) são quase sempre uma “sondagem”, pois se analisado com critério serve de orientação para condução da alfabetização e o consequente redirecionamento de ações, procedimentos e atividades. (Feedback - mentora M. – 16/06/2006) (PIERI, 2010, p. 97).
Os feedbacks mostraram-se uma fonte de conhecimentos importante na mentoria, pois muitos estimulavam os processos de reflexão das iniciantes, dentre outras ferramentas. No trecho a seguir, feito pela PI Ananda, ela demonstra como esse instrumento lhe proporcionou esse processo:
[…] tudo que escreveu no seu feedback de ontem tem total sentido e me fez repensar o quanto já trabalhamos com textos esse ano. […] O professor não deve comparar as turmas, cada turma é única, mas acabamos fazendo isso o tempo todo e comparei com a turma anterior. (…) E como é bom poder refletir e analisar nossas ações diárias, só assim conseguimos melhorar nossas ações. Muito obrigada professora [mentora] V. (PI Ananda, 11/03/19, Diário reflexivo).
(CESÁRIO, 2021, p.189).
Em Massetto (2014, p. 131), a PI S assim analisa sua participação no PMO:
A importância da reflexão sobre a prática, isso fez com que eu visse que em algumas coisas eu estava certa, em algumas coisas eu estava errada e havia outros caminhos… De repente [a mentora] foi me trazendo situações, propostas, encaminhamentos para minha prática, reflexões sobre aquilo que eu fazia, que foram me fazendo refletir e retomar… ampliar meu conhecimento! […] Não contribuiu só para as crianças, mas para o meu próprio uso.
3.6 Duração sustentada
Com relação à duração sustentada, a PI Lara reflete sobre as aprendizagens que construiu ao longo de sua participação no PHM:
[…] estou com mais autonomia sim e já conseguindo perceber melhor do que a turma precisa. Interessante que essa autonomia e percepção se deem agora que o ano letivo encerra. Precisei de muito tempo para pegar o jeito. Ao mesmo tempo é legal perceber esse avanço porque estando num terceiro ano novamente e numa próxima oportunidade sei que já não será mais tão difícil. Lógico que cada turma é única, mas eu já vou saber ter mais jogo de cintura para atuar (PI Lara, 18/11/18, Diário reflexivo – 15 meses de interação M-PI)
(CESÁRIO, 2021, p. 284).
Já na dissertação de Barros (2020), uma das PIs também relata que refletiu e percebeu sua evolução ao longo dos meses: “Hoje depois de alguns meses [oito meses] trabalhando com minha mentora […] descobri conhecimentos que não sabia que tinha e alguns que foram falhos na minha formação, e para eu superar essas falhas, a mentora me orientou e enviou sugestões” (PI Elaine - 20/12/2019) (BARROS, 2020, p. 132).
Um exemplo ocorrido no PMO apresenta um segmento de uma conversa entre a mentora e a PI “C.”, em que oferece feedback para a iniciante sobre o trabalho realizado por ela no ano anterior. Foram feitas considerações sobre aspectos positivos evidenciados nos trabalhos passados e ainda questionamentos sobre as situações experienciadas no início de um ano novo letivo, estabelecendo um processo continuado, tendo como ponto de partida as “conquistas” da PI no ano anterior.
Em relação ao trabalho que estamos desenvolvendo no PMO, estive analisando os nossos encontros e observei algumas modificações naturalmente ocorridas:
Percebi em seus relatos mais segurança e autonomia em relação aos "problemas" que apresentava e nas buscas de soluções para eles.
O espaçamento dos nossos encontros (antes nos encontrávamos pelo menos duas vezes por semana) e com o tempo esta frequência se alterou.
O controle da ansiedade inicial foi estabelecido.
Esses fatores são indicadores de amadurecimento e autonomia, você não acha? Gostaria de saber a sua opinião em relação a esse assunto e sobre suas expectativas atuais em relação ao nosso trabalho no PMO.
(20/02/2006 - MIGLIORANÇA, 2010, p. 133).
No PMO, ao final da participação no programa, as iniciantes deveriam elaborar um caso de ensino que ilustrasse a sua participação na iniciativa. Segue um trecho do caso da PI “C.”, acompanhada pela mentora “M.”, o qual apresenta algumas reflexões e desdobramentos sobre o estabelecimento de combinados com seus alunos, destacando a relevância do PMO nesse processo ao longo de três anos:
Esses questionamentos e as reflexões que a minha mentora vinha me conduzindo fez com que eu percebesse que os processos de ensino e aprendizagem são quase sempre longos, pois todo processo exige um planejamento de começo, meio e fim. Como ela mesma disse “nenhum vento ajuda quem não sabe para onde navega”. Uma condição importante para esse processo é saber refletir sobre a própria prática: observação análise e reflexão são grandes parceiras. […] A cada tentativa fracassada [em fazer combinados com a turma], fui refletindo sobre minhas atitudes e reações dos alunos, porém, a cada busca estava ficando cada vez mais tranquila, consciente do que estava fazendo, e o principal: percebi que esse meu “novo mundo” [docência] não era um “bicho-de-sete-cabeças”, e que bastava confiar em mim mesma e nunca deixar de refletir a cada sucesso ou fracasso, facilidade ou dificuldade. […] nessa profissão sempre irei me deparar com dificuldades e desafios, e nossos encontros me fizeram perceber que, para superar os obstáculos, tenho sempre que ter um momento de reflexão e avaliação do meu trabalho […] esperava que nos encontros do PMO encontraria a “solução dos meus problemas”, e no decorrer dos processos, percebi que não existe uma receita pronta. (Caso de Ensino I, PI C.)
(MIGLIORANÇA, 2010, p. 144-145).
4 Considerações finais
Nesta síntese de evidências qualitativas a partir dos dados analisados foi possível estabelecer relações entre as características dos programas, a promoção do desenvolvimento profissional das PIs participantes, e mudanças em suas práticas pedagógicas. Embora mudanças nos estudantes tenham sido mencionadas nos materiais examinados, não houve a intenção de avaliar este aspecto nas pesquisas conduzidas, dado que envolve inúmeras variáveis (DARLING-HAMMOND; HYLER; GARDNER, 2017).
Nota-se que a base teórico-metodológica de sustentação do modelo adotado de mentoria nas quatro iniciativas mostrou-se relevante, a despeito de especificidades das ofertas, como ser presencial, virtual e híbrido ou focar em PIs de diferentes níveis e área de atuação, pertencerem a redes, níveis de ensino e regiões diferentes e a forma pela qual os programas foram desenvolvidos.
Na proposição e desenvolvimento das ofertas evitou-se adotar características que têm se mostrado como travas/dificultadoras da construção de conhecimentos profissionais, como:
Programas de “tamanho único” que desconsideram especificidades da aprendizagem docente, como estar voltada para as práticas; da etapa da carreira e das demandas docentes específicas.
Foco restrito na aprendizagem de novas técnicas e ações, desconsiderando o contexto, o conhecimento prévio do professor e suas crenças e o currículo;
Desenvolvimento de processos formativos pontuais como workshops ou cursos de curta duração;
Estabelecimento da alteração nas práticas pedagógicas, como propósito do PDPD sem a necessária oferta de apoio ao docente;
Não oferecimento de oportunidades adequadas para a participação prolongada dos professores (DARLING-HAMMOND E RICHARDSON, 2009; MORICONI, et al., 2017).
O caráter exploratório desta sistematização aponta para a riqueza de dados qualitativos evidenciados nas teses e dissertações tomadas como referência e a possibilidade de apresentar-se um balanço, ainda que sintético, sobre os diferentes programas de mentoria realizados na UFSCar.
Ao se considerar as poucas pesquisas sobre programas de mentoria dirigidos para PIs da educação básica, advoga-se a necessidade de desenvolvimento e investigação de outros programas para validar os resultados apresentados e ampliar o conhecimento sobre este tipo de ação voltada para o desenvolvimento profissional docente.