INTRODUÇÃO
A formação de professores, como sabemos, é um objeto de interesse de diversos grupos sociais, entre eles, pesquisadores, gestores, empresários e os próprios docentes. Transformações e reformas nas escolas são, quase sempre, associadas à formação de professores para trabalhar com os currículos vigentes, e sobre esta formação pesa o sucesso ou o fracasso de todo processo educacional, culminando na responsabilização, quase que exclusiva, dos docentes e sua formação (Gatti, 2016; Miranda e Vilanova, 2020). Esta visão assume uma espécie de linearidade de mudança, estruturada em uma relação simplificada de causa e efeito, desconsiderando a complexidade do processo educacional e da escola, isolando-a do seu contexto político-social-cultural e ignorando a organização, os espaços e os tempos do currículo, as possibilidades de diálogo e, sobretudo, seus sujeitos.
Entendemos que os professores são profissionais em processo permanente de formação, na prática e na reflexão sobre a prática. Portanto, a formação não se trata simplesmente de ofertar um conjunto de conteúdos cognitivos de uma vez por todas, mas, sim, de favorecer um processo de construção que se estenderá por toda carreira profissional (TARDIF, 2014). No atual contexto sócio-político, a educação e a formação de professores são objeto de interesse de grandes conglomerados da educação privada, que têm influenciado a elaboração e implementação de políticas educacionais. Esses interesses apresentam, quase sempre, o intuito de configurar a educação como mais um nicho comercial, além de presumir que a formação docente pode ser ofertada como um produto a ser consumido, de preferência em larga escala (Miranda e Vilanova, 2020). No Brasil, essas mudanças concretizam- se com a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como currículo oficial, e, mais recentemente, a adoção da Base Nacional Comum para formação de professores da Educação Básica, denominada de BNC Formação, que visa definir o currículo como força de lei e a implementar um modelo de formação de professores que atenda aos interesses dos grupos privados e estimule o consumo de produtos educacionais (Rodrigues et al, 2021; Nogueira e Borges, 2021).
Diante desta problemática, pensar e possibilitar outras maneiras de viabilizar a formação de professores nos parece algo crucial. Pensar modelos de formação que estejam alicerçados na promoção de uma reflexão crítica sobre a prática, no constante diálogo entre os sujeitos e na compreensão e concretização dos docentes como produtores de conhecimento e agentes da sua própria formação se torna não apenas necessário, mas configura-se como uma forma de resistência (Shulman, 2004; Tardif, 2014). Com o objetivo de explorar outras formas de profissionalização docente, nos voltamos, neste texto, para o referencial teórico-metodológico das Comunidades de Prática - CoP (Lave e Wenger, 1991; Wenger, 1998; 2012) como uma possibilidade de construção de uma formação mais dialógica, menos hierarquizada e que prioriza o protagonismo dos sujeitos envolvidos em sua própria formação.
A presente pesquisa teve como objetivo analisar a produção de conhecimento sobre o conceito de Comunidade de Prática vinculado à formação de professores de ciências nos últimos 20 anos, em pesquisas no Brasil e em Portugal, publicadas em língua portuguesa. Através de uma pesquisa sistemática de revisão de literatura, procurou-se responder a seguinte questão “Quais as principais características das pesquisas que abordam o conceito de Comunidade de Prática como cenário formativo de professores que atuam no ensino de ciências, no Brasil e em Portugal, nos últimos 20 anos?”. Visando responder à questão principal foram elaboradas cinco perguntas norteadoras do estudo, sendo estas: (I) Quais as principais características da produção acadêmica sobre a formação de professores em Comunidades de Prática no contexto do Ensino de Ciências nos últimos vinte anos (2002- 2022)? (II) Quais entendimentos sobre formação de professores permeiam os estudos? (III) Que abordagens teórico-metodológicas vêm sendo mobilizadas? (IV) Quais problemáticas têm sido levantadas nas pesquisas sobre formação de professores? (V) Quais os principais objetivos traçados e respostas alcançadas? O material encontrado foi submetido a uma análise de conteúdo (Bardin, 2011), considerando as perguntas apresentadas anteriormente como categorias de análise a priori. Acreditamos que os resultados obtidos podem contribuir para pesquisas futuras voltadas para a formação de professores em Comunidades de Prática, por meio da identificação das tendências atuais sobre este conceito, no que diz respeito à formação de professores de ciências.
COMUNIDADE DE PRÁTICA COMO CENÁRIO FORMATIVO DE PROFESSORES
Em nossa pesquisa, intencionamos problematizar de forma crítica os papéis delegados à universidade e à escola, buscando não reforçar concepções dicotômicas entre teoria e prática e sobre a formação de professores. Nosso entendimento é que o conceito teórico-metodológico de Comunidade de Prática é um caminho possível a ser percorrido nesse sentido, o qual abordaremos de forma mais detalhada a seguir.
O termo Comunidade de Prática (community of practice) foi cunhado por Jean Lave e Etienne Wenger (1991), que, por meio de seus estudos, buscavam abordar o caráter social da aprendizagem humana, baseando-se na Teoria Social e na Antropologia, sendo ampliado por Wenger em estudos posteriores (Wenger, 1998, 2012). O conceito de Comunidade de Prática insere-se em um contexto que considera as dimensões sociais da aprendizagem e concebe que esta ocorre na relação da pessoa com o mundo, como uma prática social.
O conceito de prática social tem sua origem na teoria social da aprendizagem construída a partir dos trabalhos de Lev Vygotsky, que considerava que as interações sociais desempenhavam papel central no desenvolvimento cognitivo e cultural dos sujeitos. O desenvolvimento ocorre a partir do social para o individual, sucedendo‐se, assim, a aprendizagem, ou seja, é a aprendizagem que desencadeia esses desenvolvimentos. Wenger (1991) utiliza em seu trabalho o conceito de aprendizagem situada, em que reconhece a impossibilidade de separar a aprendizagem de sua prática social. Já que o conhecimento é construído a partir desta prática, torna-se produto dela, sendo, assim, indissociáveis os conhecimentos empíricos e teóricos (Martinelli, 2014).
É importante ressaltar que uma Comunidade de Prática é mais que apenas uma reunião de pessoas com interesses em comum. Uma “comunidade” pode ser definida como a formação de um grupo de pessoas e uma “Comunidade de Prática”, como a formação de um grupo de pessoas que compartilham preocupações, um conjunto de questões ou paixão por um determinado tópico, e que aprofundam seus conhecimentos e expertise numa determinada área através de uma interação contínua (Wenger et al., 2002).
Este grupo de indivíduos, no entanto, não é homogêneo, visto que apresenta conhecimentos, habilidades e experiências distintas, envolvem-se ativamente em processos de cooperação e, por consequência, compartilham interesses, conhecimentos, recursos, atividades e, sobretudo, práticas que possibilitam a construção do conhecimento tanto pessoal quanto coletivo. Uma Comunidade de Prática acaba gerando e se apropriando de um repertório compartilhado de ideias, objetivos e memórias, desenvolvendo uma série de recursos, tais como ferramentas, documentos, rotinas, símbolos e vocabulários, que, de certo modo, carregam consigo os conhecimentos acumulados pela comunidade (Lave e Wenger, 1991; Martineli, 2014; Wenger, 1998).
No contexto profissional, os indivíduos com diferentes expertises desenvolvem diferentes papéis na criação de ambientes de aprendizagem, favorecendo a troca de saberes, produção de conhecimento e aprimoramento profissional. As Comunidades de Prática não estão isentas da relação de poder, interesses e dominação, pois as práticas desenvolvem-se em um mundo social e, como tal, também refletem esse contexto maior. Nesse sentido, Wenger (1998) nos diz: “uma comunidade de prática não é um refúgio de comunhão (togetherness) nem uma ilha de intimidade isolada das relações políticas e sociais” (p. 77). E ainda nos chama atenção para a seguinte questão:
O conceito de comunidade de prática produz uma visão inerentemente ‘política’ de aprendizagem, onde o poder e aprendizagem estão sempre entrelaçados e de fato inseparáveis (...) A criação de uma prática ocorre em resposta ao poder, não como resultado disso (Wenger, 2010, p.20).
A fim de auxiliar na distinção entre Comunidade de Prática e outros tipos de agrupamentos de pessoas, como, por exemplo, rede ou equipes, podemos considerar os elementos estruturantes apontados por Wenger (1998) e Wenger et al. (2002), a saber: domínio, comunidade e prática, os quais formam uma estrutura básica que seria congregada por diversas Comunidades de Prática, definidos como:
Domínio é o que dá uma base comum para seus membros, é o que os inspira em participar da/na CoP. O domínio guia suas aprendizagens e dá sentido às ações desenvolvidas por eles. Enfim, é aquilo que os une enquanto CoP. (...) Comunidade se refere à própria comunidade e trata também da qualidade dos relacionamentos que conectam os membros dessa comunidade. (...)
Prática que é definida em uma CoP se caracteriza como ‘um conjunto de estruturas, ideias, ferramentas, informação, estilos, línguas, histórias e documentos que os membros de uma comunidade compartilham’(...) o que demanda tempo e uma interação contínua (Beline, 2012, p. 45-46).
No início de seus estudos, Wenger apresenta os termos ‘comunidade’ e ‘prática’ separadamente e apenas mais adiante, enquanto avança na elaboração do conceito, que cunha o termo ‘Comunidade de Prática’ e propõe que eles não sejam vistos em separado e, sim, como uma unidade. Contudo, ele também chama atenção para o fato de que ‘comunidade’ e ‘prática’ nem sempre coexistem desta forma (Santos, 2002; Beline, 2012).
Wenger (1998) propõe entendermos a prática para além de uma visão dicotômica. A “prática” não deve ser entendida como oposição à “teoria”, tão pouco opondo “conhecimento” e “ação”, ou ainda “saber” e “fazer”. Ela engloba o contexto histórico e social, articulando dialeticamente ação e reflexão. Desta forma, para que uma prática esteja associada ao termo ‘comunidade’ é necessário considerar que esta é decorrente de um fluxo de ações que ocorrem no âmbito de Comunidade de Prática e podem ser separados em três dimensões: Engajamento Mútuo, Empreendimento Comum ou Conjunto e Repertório Compartilhado. Estas dimensões, inclusive, podem ser utilizadas com a intenção de estabelecer diferenças e distinguir uma Comunidade de Prática de outros de tipos de comunidades ou agrupamentos sociais.
O Engajamento mútuo é uma dimensão da prática que envolve o princípio básico de fazer coisas juntos, trabalhar de forma coletiva com diversos sujeitos, e desta forma envolve toda complexidade que isso carrega, pois passamos pela questão dos relacionamentos, da própria complexidade do tecido social em que estamos inseridos e as ações ligadas à manutenção da própria comunidade. (Wenger, 2008)
O Repertório Compartilhado, outra dimensão da prática, diz respeito às formas pelas quais a prática está presente no grupo, sendo produto e produzindo a prática, que, por sua vez, converge para que se alcance os objetivos em comum da comunidade. Este repertório é resultado da experiência vivida pelos membros do grupo e traduz-se em histórias, artefatos, formas de se relacionar, discursos, ferramentas, documentos, entre outras coisas, mas que trazem como característica comum o fato de terem sido produzidos ou adotados pela comunidade ao longo da sua existência (Wenger, 2008).
O Empreendimento conjunto (ou projeto conjunto) é o que mantém a Comunidade de Prática unida, criando vínculos de compromissos mútuos, refletindo toda a complexidade do engajamento mútuo. Este projeto em comum é produto de um processo coletivo de negociação e não é um acordo estático, e é esta negociação que dará origem a algumas relações de responsabilidade mútua entre os diversos envolvidos, que, por outro lado, possibilitam à comunidade estabelecer o que é importante e o que não é.
Embora sejam apresentados separadamente, com a intenção de facilitar nosso entendimento sobre como a prática é reconhecida como fonte de coerência de uma comunidade, essas três dimensões não se dão de forma isolada. Elas são, na verdade, interdependentes e inter-relacionadas, pois, como afirma Wenger (2001, p. 125), “as práticas são histórias de um compromisso mútuo, de uma negociação de um empreendimento e de um desenvolvimento de um repertório compartilhado.”
Tanto no Brasil quanto em Portugal estudos recentes sobre Comunidades de Prática (Beline, 2012; Cyrino et al, 2017; 2014; Reis et al, 2016) têm discutido seus impactos na educação e, mais especificamente, na formação de professores que ocorre a partir do espaço-tempo criado e mantido por este tipo de experiência.
Na educação, as comunidades de prática são cada vez mais utilizadas para o desenvolvimento profissional, mas elas também oferecem uma nova perspectiva sobre a aprendizagem e educação de forma mais geral. Isso está começando a influenciar um novo pensamento sobre o papel das instituições de ensino e o desenho de oportunidades de aprendizagem (Wenger, 2010, p. 8).
No campo da educação em ciências a Comunidade de Prática também tem sido apontada como uma possibilidade formativa para professores de ciências, uma vez que proporciona a construção de um espaço colaborativo de aprendizagem, no qual os profissionais podem compartilhar experiências, desafios e soluções práticas (Kim & Cavas, 2013). A CoP apresenta-se como uma oportunidade para que os professores aprendam e desenvolvam suas práticas pedagógicas, compartilhando ideias e conhecimentos sobre o ensino de ciências. Além disso, a comunidade de prática pode auxiliar na superação das dificuldades enfrentadas pelos docentes em formação inicial e que estão iniciando sua inserção em suas áreas de atuação, bem como pelos que já atuam nas escolas. Isso ocorre por meio da reflexão sobre a prática docente como um todo e não apenas nos conteúdos científicos (El-Hani & Greca, 2013), promovendo, assim, a construção coletiva do conhecimento científico e pedagógico, bem como a reflexão sobre as práticas de ensino a partir do contexto educacional real. As CoP também vêm sendo estudadas como uma metodologia horizontal de formação inicial e continuada de professores de ciências, demonstrando potencial para a criação de projetos pedagógicos orientados por questões sociocientíficas (Miranda, Drago & Vilanova, 2022; Miranda, Vilanova & Drago, 2023)
Portanto, investigar como as pesquisas empíricas têm se dedicado a abordar o presente conceito é caminhar em direção a buscar compreender como experiências com Comunidades de Prática têm ocorrido na formação de professores de ciências. Considerando este contexto de aprendizagem e configurando a Comunidade de Prática como um cenário formativo, evidentemente articulado com outras tantas experiências que vive um docente em formação, compreende-se como tantos esforços, expertises e conhecimentos têm sido mobilizados na construção de outras formas de aprendizagem, práticas pedagógicas e currículos, articulando efetivamente teoria e prática.
PERCURSO METODOLÓGICO
Nossa pesquisa se caracteriza como uma revisão sistemática de literatura, em que se prioriza um método de busca que precisa ser explicitado em detalhes visando a garantir a possibilidade de reprodução do mesmo, assim como avaliação e análise crítica dos resultados encontrados. Desta forma, a revisão possibilita construir um panorama sobre as produções científicas já publicadas, identificando pontos comuns, tendências, caminhos semelhantes e/ou divergentes, entre outros pontos, possibilitando, assim, contribuir com pesquisas futuras a serem realizadas sobre o mesmo tema de interesse (Sampaio e Mancini, 2007).
Partindo da pergunta principal que é “Quais as principais características das pesquisas que abordam o conceito de Comunidade de Prática como cenário formativo de professores que atuam no ensino de ciências, no Brasil e em Portugal, nos últimos 20 anos?”, elaboramos os descritores para balizar as consultas. Foram definidos os seguintes descritores: “comunidade de prática”, “formação de professores”, e “educação em ciências”. Utilizamos os operadores “AND” e “OR” de forma a combinar os termos utilizados na busca. Optamos ainda por utilizar, em nossa busca, termos similares como “desenvolvimento profissional” e “ensino de ciências”, com o intuito de encontrar todos os artigos que abordassem o conceito de Comunidade de Prática vinculado à formação de professores de ciências.
Nesse processo de busca, utilizamos somente descritores em português, considerando que nosso objetivo era encontrar artigos disponibilizados em língua portuguesa, e desta forma concentrar a análise da produção acadêmica no idioma nativo destes dois países. A pesquisa foi realizada entre os meses de agosto e setembro de 2022. Foram considerados, para esta revisão, os resultados encontrados num espaço temporal entre o ano de 2002 e o mês de setembro de 2022. A escolha do ano de 2002 deve-se ao fato deste ser o ano de publicação da terceira obra de Wenger e colaboradores (Wenger, Mcdermott e Snyder, 2002), considerada como uma das três obras seminais do conceito Comunidade de Prática (Rodrigues et al., 2017), e a escolha do ano de 2022 justifica-se pelo fato de ser este o ano de elaboração de nossa pesquisa, perfazendo no total um período de 20 anos.
As bases de dados utilizadas para a coleta do material bibliográfico que veio compor o corpus do presente estudo foram: o Portal de Periódicos CAPES, portal SciELO (Scientific Electronic Library Online), RCAAP (Repositórios Científicos de Acesso Aberto de Portugal) e Scopus. Para realizar a pesquisa nas bases de dados, utilizamos a interface “busca avançada” selecionando a presença dos termos que compõem os nossos descritores de maneira ampla, aplicando em seguida os seguintes filtros: “artigos”, “periódico revisado por pares”, “idioma português”, publicados entre os anos de 2002 e 2022. No quadro a seguir, apresentamos uma síntese do protocolo elaborado e executado pelos pesquisadores para realização desta pesquisa:
Ao realizar as buscas junto às bases de dados, obtivemos um total de 131 artigos. Em seguida, procedemos com uma triagem manual, realizando a leitura dos títulos, palavras- chave e a leitura do resumo quando necessário e, ao final deste primeiro processo, chegamos ao número de 36 artigos. Os mesmos foram importados para software gerenciador de referências Mendeley, a fim de identificarmos os artigos que estavam em duplicidade, identificamos e excluímos oito trabalhos duplicados. Realizamos o download dos arquivos referentes aos 27 artigos e procedemos com a leitura integral dos resumos para confirmar se todo material selecionado se adequava a nossa proposta de pesquisa, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão expostos no “Quadro 1”. Nesta etapa, identificamos 14 artigos que não se encaixavam dentro dos parâmetros elaborados para esta pesquisa, excluindo-os posteriormente. Quando não foi possível realizar a identificação somente através da leitura do resumo, títulos e palavras-chave, procedemos com a leitura flutuante da seção metodologia ou equivalente. Foram excluídos cinco artigos que apresentavam abordagens exclusivamente teóricas ou que se tratavam de uma revisão teórica, quatro artigos que não tratavam da formação de professores de ciências como objeto de estudo, três que não abordavam o ensino de ciências, um artigo que apresentava uma revisão de literatura e outro por não se tratar de publicação em periódico.
Como resultado final desta seleção, obtivemos o total de 13 artigos que irão compor nosso corpus de análise, que apresentaremos no quadro a seguir.
Realizamos a leitura integral dos artigos e, tomando como base a Análise do Conteúdo (Bardin, 2011), procedemos com análise exploratória a codificação do corpo de cada texto para identificar e categorizar previamente as informações ali apresentadas, considerando as perguntas elaboradas para embasar o presente estudo. No decorrer de nossa análise, foi possível identificar categorias emergentes que agrupamos e apresentamos nas subseções que se seguem e que também foram baseadas nas perguntas iniciais.
É válido ressaltar que estes critérios de revisão e as perguntas que balizam esta investigação são transversais a dois contextos distintos, Portugal e Brasil, o que possibilita refletirmos em torno das principais tendências de investigação sob a temática em tela nos dois países. Contudo, optamos por realizar esta investigação para compreender o cenário investigativo nas duas nações de forma conjunta, levando em conta que pesquisadores brasileiros e portugueses apresentam um forte diálogo no campo da educação em ciências, com trabalhos de brasileiros sendo publicados em periódicos portugueses e vice-versa.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Visando responder às questões da pesquisa apresentadas, organizamos nossa análise tomando como base cada uma das perguntas, considerando estas como categorias principais que emergiram a partir de nosso processo de diálogo com o referencial teórico que orientou nosso estudo. É importante destacar que essa divisão representa uma espécie de predominância de cada tema, mas algumas informações podem estar inter-relacionadas a outras temáticas.
Características da produção acadêmica a respeito da formação de professores em Comunidades de Prática
A partir do material analisado, é possível observar que, apesar de nosso recorte de tempo ser de vinte anos, as publicações de pesquisas sobre a formação de professores de ciências em CoP passam a ocorrer somente a partir do ano de 2011. Depois disso, as publicações mantêm uma certa regularidade em relação ao volume de produção, sem aumento ou diminuição significativos, como pode ser observado no gráfico a seguir.
Apenas dois artigos tratam de pesquisas portuguesas (P2 e P6), sendo o restante onze pesquisas brasileiras (Quadro 2). Todas as pesquisas apresentam uma abordagem qualitativa. Ao observarmos a autoria das pesquisas, é possível perceber uma predominância de publicações sob a responsabilidade de docentes/pesquisadores ligados à universidade, que publicaram sozinhos ou em coautoria com outros pesquisadores (P1, P2, P6, P8, P9, P11, P12), ou, ainda, aqueles que têm coautoria compartilhada com seus estudantes de pós- graduação (P3, P4, P5, P7, P10, P13). A partir deste dado, é possível perceber que, apesar de alguns estudos discutirem a distância entre universidade e escola básica, que abordaremos em outro momento, ao analisar o perfil dos autores, não encontramos a presença de professores da escola básica, embora possamos supor que alguns destes estudantes de pós- graduação, mestrandos e doutorandos possam atuar também como docentes da educação básica.
Os sujeitos que compõem uma Comunidade de Prática vão formar o que chamamos de tecido social deste grupo (Wenger, 2008). Nesse sentido, é importante destacar quem são os sujeitos que fazem parte das diferentes comunidades pesquisadas. Estas informações estão organizadas no quadro abaixo (quadro 3). Buscamos apresentar estes dados de forma mais homogênea em relação à nomenclatura utilizada para descrição dos participantes, uma vez que, por exemplo, um estudante de graduação pode ter sido identificado nas pesquisas como licenciando, bolsista, graduando, estudante, entre outras denominações.
A partir deste quadro, é possível perceber que uma das características dessas comunidades é apresentar uma articulação entre a Universidade, através de seus professores, pesquisadores e estudantes, e as escolas de Educação Básica, por meio de seus docentes. Este fato nos remete a possibilidade de criação de um novo espaço de articulação entre escola e universidade e, por consequência, novas formas de pensar e fazer formação inicial e continuada de professores.
Entendimentos sobre formação de professores que permeiam os estudos
Ao mapear as pesquisas, buscando similaridades, sentidos, convergências e/ou divergências, procuramos entender como estes estudos abordam a formação de professores, objetivando perceber que noções ou entendimentos sustentavam as pesquisas analisadas. Na maioria dos estudos, os autores abordam a formação de professores de forma mais diluída, muitas vezes associada à problemática apontada. Assim, optamos por identificar as principais características das formações e os aspectos que poderiam favorecer a aprendizagem, o que apresentamos no quadro a seguir:
É possível perceber que, na maior parte das pesquisas analisadas (P1, P2, P3, P4, P5, P6, P9, P12 e P13), a formação de professores, que ocorre através da participação em Comunidades de Prática, é problematizada e concebida em um contexto formativo que busca promover uma efetiva articulação entre a escola de educação básica e a universidade. Uma articulação entre os conhecimentos produzidos nesses espaços, assim como entre os sujeitos que atuam nessas instituições. Nesse sentido, percebemos também uma busca por promover o diálogo entre a formação inicial e a formação continuada de professores (P1, P2, P6, P10, P13). Segundo estes estudos, mais do que apenas contexto é a articulação entre universidade e escola, o que vai contribuir para que a formação dos docentes seja mais rica, mais profícua.
Nas pesquisas P4, P5, P9, P11, P14, P12, a formação dos professores se dá no âmbito da universidade, apresentando uma ênfase na formação inicial.
A participação na prática social é apontada nas pesquisas (P4, P7, P10) como fator determinante para que se alcance o sucesso no processo de aprendizagem dos docentes, pois a aprendizagem ocorre a partir da interação dos sujeitos com o mundo que o cerca, ou seja, há uma interdependência relacional entre agente e mundo (Wenger, 1991).
A escola, a sala de aula, isto é, a prática docente, também se destaca como espaço privilegiado de formação dos professores (P5, P9, P12). Sob essa ótica, os conhecimentos provenientes da experiência de trabalho cotidiano parecem constituir o alicerce da competência profissional do professor, visto que a experiência é condição pela qual o professor adquire e produz seus saberes profissionais (Tardif, 2014). Outros fatores que aparecem como determinantes para aprendizagem dos docentes é a necessidade de promover um duplo movimento de troca e aprendizagem (P1), a construção de uma interação contínua, superando modelos de ações formativa de curta duração (P2), que a inserção no ambiente escolar deve favorecer a prática reflexiva, permitindo ao professor pensar sobre sua prática de maneira crítica (P5). Há, ainda, apontamentos sobre a formação de professores ser mais assertiva quando o professor deixar de trabalhar isoladamente e através da colaboração com os demais colegas pode refletir e discutir sobre suas práticas (P1, P3, P6, P9 e P12).
A interação como parte essencial do processo de formação do professor pode se caracterizar pela colaboração de docentes que se encontram em momentos ou etapas distintas de sua formação, como, por exemplo, entre licenciandos de química e professores de química que já atuam na profissão, exercendo a docência na escola (P4, P5, P9 e P11). Mas também ocorre entre os sujeitos que ocupam lugares diferentes no processo formal de formação, como os pesquisadores/professores que atuam na universidade e o docente da escola básica (P1; P2; P3; P4; P5; P6; P8; P9; P10; P12; P13). A interação pode se dar ainda entre sujeitos que possuem trajetórias formativas distintas, como professores dos anos iniciais e biólogos, ou entre licenciandos de química e cabeleireiras (P3, P7, P10 e P11).
Quatro das pesquisas analisadas (P4, P5, P9 e P11) abordam a formação dos professores no âmbito da iniciativa brasileira de fomento à formação inicial de professores, que é o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - PIBID. Estes estudos, de maneira geral, destacam a importância dessa inserção na escola e todo o suporte oferecido pelo programa, buscando caracterizar este grupo como uma Comunidade de Prática que visa a tornar a escola e a universidade como co-responsáveis pela formação de professores destes sujeitos, assim como a experiência do estágio supervisionado (P12).
Outras iniciativas de formação docente estão vinculadas exclusivamente ao espaço da universidade, mas também destacam a aprendizagem por meio da interação, da colaboração e da troca entres os sujeitos que integram estes grupos (P8 e P10).
Abordagens metodológicas mobilizadas nos estudos
Nesta seção, buscamos analisar e discutir, a partir das pesquisas selecionadas, as abordagens metodológicas (ou teórico-metodológicas) que foram mobilizadas nestes estudos. O conceito de Comunidades de Prática vem sendo utilizado a partir de uma perspectiva teórico-metodológica no âmbito da pesquisa social, pois o próprio Wenger (1998) apresenta seu modelo conceitual também como um modelo analítico.
Métodos | Pesquisas | N |
---|---|---|
Estudo etnográfico | P8, P10 | 2 |
Estudo de caso | P1, P2 | 2 |
Pesquisa participante | P3 | 1 |
Pesquisa autobiográfica | P7 | 1 |
Pesquisa educacional histórica com foco narrativo | P13 | 1 |
Não está explícito | P4, P5, P6, P9, P11, e P12 | 6 |
TOTAL | 13 |
Fonte: Elaborado pelos autores.
A partir destes dados (Tabela 1), é possível perceber que não há uma predominância significativa de metodologia utilizada nessas pesquisas ao investigar as Comunidades de Prática. No entanto, podemos notar que, em alguns estudos (P8, P10, P3 e P7), os pesquisadores estão imersos no campo como sujeitos, participando do fenômeno social, mesmo que haja uma variação de metodologia, como é o caso da pesquisa etnográfica, pesquisa participante, pesquisa autobiográfica.
É possível observar que a maioria dos artigos analisados (6 de um total de 13) não apresenta de forma explícita a metodologia utilizada em suas pesquisas, restringindo-se apenas a mencionar a metodologia empregada na análise dos dados obtidos. Isso pode ser verificado nos casos em que a análise de conteúdo (P4, P6 e P11) e a análise textual discursiva (P9 e P12) são mencionadas como métodos utilizados. Além disso, há uma pesquisa (P5) que não apresenta nem o delineamento metodológico, nem a metodologia utilizada para a interpretação dos dados obtidos. Esses resultados são compatíveis com análises realizadas em pesquisas no campo da educação ao longo das últimas décadas, as quais têm apontado para a ausência de clareza metodológica em grande parte dos trabalhos nessa área. Frequentemente, identifica-se a menção a pesquisa qualitativa, mas sem uma metodologia claramente delineada, partindo logo para a análise dos conteúdos obtidos (André, 2001; 2007; Gatti, 2003).
Em relação aos métodos para produção/coleta de dados, podemos observar que a maioria dos artigos (8/13) se desenvolvem a partir da combinação de múltiplos instrumentos, destacando-se a entrevista, o questionário e diferentes tipos de observação. Na tabela 2, buscamos identificar em cada pesquisa a presença dos instrumentos ao invés de apenas classificá-las como pesquisas que utilizam múltiplos instrumentos.
Instrumentos | N | Pesq. |
---|---|---|
Entrevistas | 5 | P5; P6; P9; P11; P13 |
Questionários | 5 | P1; P6; P8; P9; P11 |
Observação (reuniões ou encontros) | 5 | P1; P3; P5; P10; P12 |
Interações Virtuais1 | 4 | P1; P2; P4; P10 |
Relatórios Eletrônicos2 | 2 | P1; P2 |
Relatórios individuais | 2 | P5; P13 |
Documentos | 2 | P10; P13 |
Narrativas Pessoais | 1 | P7 |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Ainda sobre o percurso metodológico, buscamos identificar e compreender como o referencial teórico foi mobilizado na análise dos dados obtidos pelos pesquisadores. A partir daí, foi possível perceber que a maioria dos trabalhos (8/13) utiliza, de modo geral, elementos que compõem o conceito de Comunidade de Prática, tais como características principais ou indicadores para reconhecimento de sua existência. Contudo, nem todas as pesquisas seguem este caminho, partindo da apresentação do grupo pesquisado como uma CoP e utilizando-se de outros referenciais analíticos.
No quadroa seguir, apresentamos uma síntese dos referenciais utilizados pelos pesquisadores no processo de análise dos dados obtidos.
As pesquisas que abordam a CoP como referencial analítico (P2; P3; P5; P7; P10; P13) apresentam destaque para constructos elaborados por Wenger e seus colaboradores ao longo dos anos, sendo os principais: participação legítima e periférica e as dimensões da prática que se desdobram algumas vezes nos indicadores da presença de uma CoP. Os estudos P1 e P9 também utilizam elementos que compõem o conceito de Comunidade de Prática associado a outros referenciais analíticos, com ênfase no conceito de participação legítima e periférica (Lave e Wenger, 1991; Wenger et al., 2002).
Vale destacar que no estudo P12 os pesquisadores desenvolvem sua análise por meio análise textual discursiva e acabam chegando em categorias emergentes que se baseiam também em elementos que compõem o conceito de CoP, como colaboração e apoio mútuo em Comunidades de Prática.
Quais problemáticas têm sido abordadas nas pesquisas sobre formação de professores? Quais os objetivos traçados e as principais respostas alcançadas?
Nesta seção buscamos concentrar nosso olhar nas problemáticas abordadas nessas pesquisas sobre a formação de professores em CoP, e como esta última insere-se na discussão a partir dos objetivos propostos para cada investigação e os principais achados. No quadro a seguir, apresentamos uma síntese dos nossos principais achados, salientando que este representa nosso olhar em relação a este conjunto de pesquisas, um recorte construído com base em nossos objetivos e nos referenciais que orientam este estudo, que nem de longe representa a discussão que cada uma traz na sua completude.
A partir dos dados supracitados, é possível perceber que a maioria das pesquisas (P1, P2, P3, P6, P9, P12 e P13) traz como problemática principal a formação de professores a partir do tipo de relação estabelecida entre a universidade e a escola, caracterizada pelo distanciamento. Ao apresentar este problema, os autores buscaram dialogar com outras pesquisas e procuram enfatizar o seu caráter multifacetado e de difícil solução. Algumas das pesquisas analisadas apontam para características e/ou causas que culminam nesse distanciamento, ora também apresentado como uma lacuna entre teoria e prática, ou seja, entre o conhecimento que é produzido na universidade, a formação que esta oferta aos seus estudantes e a realidade encontrada na escola, sendo a sala de aula e a sua dinâmica de funcionamento o principal ponto de ancoragem e contraste. A rigidez ou manutenção dos papéis designados e desempenhados por professores e pesquisadores também parece contribuir para este problema, tendo em vista que, mesmo em situações que buscam a aproximação da escola e da universidade, seus atores parecem reproduzir uma hierarquia entre quem produz e quem executa. Daí a necessidade de que professores sejam estimulados a valorizar suas produções e estejam envolvidos nas ações formativas desde sua concepção inicial.
Embora algumas pesquisas (P4, P7, P10 e P11) não deem ênfase à questão elencada anteriormente, ainda assim situam suas problemáticas no contexto da formação que ocorre na universidade, contrapondo as experiências formativas e de construção de identidade a partir desta instituição em relação a outros contextos (P7 e P11). Ou ainda em relação à formação que ocorre em espaços de aprendizagem tidos como não formais, porém estes espaços inserem-se no contexto da universidade através da criação de grupos de trabalho e de desenvolvimento de projetos, contando muitas vezes com os mesmos atores e estrutura possibilitada pela forma de organização e atuação da universidade (P4, e P10).
A partir dos objetivos elencados em cada pesquisa, podemos perceber que na trajetória de investigar a Comunidade de Prática como um espaço de formação que busque superar as lacunas já evidenciadas, os pesquisadores optam por caminhos distintos, mas inter-relacionados. Há pesquisas (P3, P4, P5, P6, P7, P9 e P12) que orientam seu caminho em um sentido mais exploratório, buscando trazer à tona a potencialidade das CoP e a respectiva participação dos seus sujeitos, buscando conhecer, narrar, ilustrar, mostrar e identificar as potencialidades de uma Comunidade de Prática enquanto espaço formativo de professores de ciências. Ainda nesta direção, podemos notar que algumas pesquisas (P1, P2, P8 e P11) se propuseram a discutir aspectos específicos da participação em uma Comunidade de Prática, como as dinâmicas de interação entre os sujeitos que integram estas comunidades. Embora somente o artigo P10 tenha traçado como objetivo investigar em que medida o seu grupo poderia ser considerado uma CoP, ao analisarmos os principais resultados apontados nas pesquisas, iremos perceber que este tipo de ação ganha destaque também em outras pesquisas.
Dentre os principais achados apontados pelos autores, ao nosso ver, destaca-se como resultado (P1, P4, P5, P8, P9, P10, P12, P13) a confirmação, a partir dos dados obtidos e analisados, de que o grupo ao qual eles se debruçam em suas investigações são efetivamente uma Comunidade de Prática em funcionamento. Isso ocorre a partir da constatação da presença de elementos essenciais apontados por Wenger e seus colaboradores, com a intenção de que possamos reconhecer os agrupamentos que se constituem como uma CoP, sendo estas estruturas sociais que tem a prática como fonte de coerência.
Outro destaque que gostaríamos de fazer a partir dos achados apontados pelos autores (P2, P3, P6, P9 e P12) é o fato de que a partir da participação em uma CoP o professor tem diante si maiores possibilidades de refletir sobre a sua própria prática, assim como construir, testar e implementar ações efetivas no contexto do ensino de ciências, o que pode se traduzir em novas práticas pedagógicas, construção de novos entendimentos, aplicação de práticas inovadoras que podem inclusive alcançar e provocar mudanças na aprendizagem de seus estudantes. Assim, a reflexão sobre a prática e implementação de mudanças configuram-se como parte essencial e como indício da aprendizagem profissional docente.
Algumas pesquisas (P1, P2, P3, P4, P5, P6, P10, P12 e P13) destacam como resultados a questão de que as CoP favorecem a aproximação dos diferentes sujeitos que fazem parte de sua estrutura social, como, por exemplo, pesquisadores e professores, e isso está relacionado ao fato da organização interna das Comunidades de Prática apresentarem como característica principal a busca por horizontalidade entre os sujeitos e suas contribuições. Outro ponto essencial percebido nas CoP que permeiam esse conjunto de estudos é o fato de que a interação constante é algo essencial, algo que se concretiza na interação entre os diferentes sujeitos e também em relação à interação entre os diferentes tipos de conhecimento que circulam e são construídos neste espaço de troca. A colaboração, portanto, é algo essencial nestas CoP, e, junto à interação, é o que vai fomentar os processos de aprendizagem vivenciados pelos diferentes atores.
Esse retrato cultural das Comunidades de Prática permite-nos entender o funcionamento destas e identificar as características que favorecem o processo de aprender, tendo em vista que algumas pesquisas (P2, P3, P4, P5, P6, P11, P13) apontam como parte de seus resultados a presença de elementos, trajetórias ou a elaboração de recomendações que podem ser aplicadas em novas pesquisas, em novas comunidades e naquelas já em funcionamento. Trata-se de sugestões de ações que levam ao incentivo, à interação e à colaboração, ou seja, a uma participação mais efetiva. Isso passa pelo estabelecimento de conexões entre diversas CoP, aproximação de diferentes contextos e até elaboração de recomendações propriamente ditas, que podem auxiliar no cultivo de novas CoP.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos treze trabalhos selecionados e analisados e da busca por tentar responder às nossas questões de pesquisa, esperamos que nossos achados possam contribuir e subsidiar o fortalecimento de outras pesquisas que se dediquem à formação de professores em Comunidades de Prática. Estes dados possibilitaram uma compreensão geral quanto às produções acadêmicas, publicadas em periódicos especializados, sobre as Comunidades de Prática e sua inserção no contexto de formação de professores de ciências nos últimos 20 anos. Ao considerar esse recorte temporal e soma de trabalhos encontrados, consideramos que esse número de produções é ainda incipiente, embora saibamos que, ao limitar nosso escopo de investigação a periódicos revisados por pares, é possível que tenhamos deixado de englobar outras formas de produção acadêmica. Assim, em estudos futuros sugere-se que possam ser considerados produções como livros completos ou capítulos, anais de congressos, além de teses e dissertações. Ainda como sugestão, destacamos a necessidade de que pesquisas vindouras possam se dedicar a compreender o papel do professor, que atua na escola e integra uma CoP, na elaboração e execução de pesquisas, construindo desta forma investigações em educação “com” os professores e não apenas “sobre” os professores.
Podemos perceber que os pesquisadores lançam mão de um variado conjunto de abordagens metodológicas, recorrendo a múltiplos instrumentos de coleta/produção de dados que possam dar conta de entender a aprendizagem que ocorre no âmbito de uma Comunidade de Prática como um processo, e não como um resultado estritamente consolidado. Nesse sentido, foi possível identificar também uma tendência que pesquisas em Comunidades de Prática utilizem as produções de Wenger e seus colaboradores também como arcabouço teórico-analítico.
Como pudemos perceber, as pesquisas que compuseram nosso corpus inserem-se nitidamente na problemática relacionada à lacuna que existe entre universidade e escola, trazendo para a discussão o distanciamento que existe entre as produções de conhecimentos que ocorrerem nesses espaços e que, por vezes, é representado como uma dicotomia entre teoria e prática. Desta forma, a Comunidade de Prática, para além de uma ferramenta teórica- analítica, aparece como uma estratégia projetada para promover aprendizagem, constituindo-se como um espaço mais democrático e menos hierarquizado, capaz de promover e sustentar essa interlocução. A formação de professores de ciências em e através de Comunidades de Prática tem como eixos principais, a horizontalidade, a interação e colaboração, e uma constante reflexão sobre a prática.
Para finalizar, podemos afirmar que pensar a formação de professores de ciências em Comunidades de Prática está para além de uma preocupação com a aquisição de conhecimentos ou práticas instrumentais. A partir desta vivência, é possível pensar e concretizar novas formas de aprendizagem, novas possibilidades de conhecer e estar junto, e, assim, promover ações que busquem romper com práticas educativas já cristalizadas na escola e difíceis de mudar, pois propõem novas formas de conhecer e modificar o mundo, sobretudo em conjunto e não de forma isolada. Arriscamo-nos em dizer, inclusive, que possibilitar ao professor que a sua formação ocorra em um contexto como o de uma Comunidade Prática pode favorecer o pensamento e a viabilização de outros contextos de aprendizagem junto aos seus alunos no âmbito da escola.