INTRODUÇÃO
Apesar de se reconhecer que o conceito de Qualidade de Vida (QV) não é unívoco entre os autores que vem se debruçando em estudar a temática (SANTIN, 2002), é consenso que somente o próprio indivíduo pode avaliar a sua QV, sendo esta definida repetidamente como uma sensação de bem-estar ou sendo compreendida a partir da experiência cotidiana do indivíduo, variando de pessoa para pessoa e dependendo do lugar em que ela está inserida(NOBRE, 1995; JURADO; FIGUEIROA, 2002; SOUZA; CARVALHO, 2003). Nesta perspectiva, a QV do indivíduo pode sofrer influência, tanto de fatores socioambientais quanto de fatores individuais (NAHAS, 2017). Complementarmente, por possuir uma noção eminentemente humana, é relacionada, muitas vezes, com o grau de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental e à própria estética existencial (MINAYO, 2000).
Nesse sentido, a QV é compreendia como uma percepção do indivíduo sobre sua vida, considerando os aspectos de saúde física, estado psicológico, nível de independência, relacionamentos sociais, crenças pessoais e meio ambiente (WHO, 1997). Além disso, o termo tem sua natureza subjetiva (LENARDT et al., 2016), relacionando-se com algumas dimensões, aspectos ou elementos da vida dos indivíduos. Sendo assim, agrega-se, a essa categoria, definições como felicidade, amor, justiça, liberdade e solidariedade (XAVIER; MORAIS, 2007).
Os conceitos apresentados revelam a necessidade de encontrar um sentido teórico e epistemológico fora do marco referencial do sistema médico (MINAYO, 2000), logo a noção de QV propõe uma quebra de paradigmas, buscando englobar elementos complexos e difíceis de serem mensurados (MELO; SAMPAIO; SOUZA, 2015), haja vista que a QV depende de diversos domínios, considerando um panorama da vida do indivíduo e relacionando os aspectos físicos, ambientais e psicológicos. Assim, por considerar diversos e amplos aspectos, a QV tornou-se uma ideia fortemente difundida na sociedade, expressando relevância para a população, a qual busca identificar suas vontades legítimas (XAVIER; MORAIS, 2007).
Na literatura brasileira, é crescente a realização de investigações sobre a temática QV com foco em diferentes populações, como crianças (MARTINI; PADOVANI; PEROSA, 2016), enfermeiros (GOMES; MENDES; FRACOLLI, 2016), magistrados da justiça do trabalho (ALVES, 2015), estudantes (GONÇALVES et al., 2016), pacientes (CORRÊA et al., 2017), policiais militares (RODRIGUES; OLIVEIRA; SILVA, 2015), idosos (BALBÉ et al., 2016) e bancários (NUNES; MASCARENHAS, 2016). Dentre estes diversos estudos, volta-se o olhar para as investigações com foco no grupo de professores da Educação Básica, questionando-se que tipo de pesquisas tem sido conduzidas e o quanto estas têm sido conclusivas na análise da QV desta classe de trabalhadores. Neste sentido, o presente artigo tem como objetivo analisar a produção científica sobre QV de professores atuantes em escolas de Educação Básica, considerando o ano da publicação do estudo e o local que a pesquisa foi conduzida, a área de conhecimento e o nível de ensino dos professores, bem como o tipo de estudo, os instrumentos utilizados e os principais resultados em termos de percepção geral e dos domínios da QV.
MATERIAIS E MÉTODO
O presente estudo é uma investigação teórica, caracterizada como revisão sistemática. As revisões sistemáticas são formas de pesquisa que utilizam dados da literatura sobre um tema específico, sendo investigações secundárias que utilizam, como fontes de dados, estudos primários. Além do mais, métodos sistemáticos possibilitam uma análise objetiva dos resultados das investigações, uma vez que estes estudos têm uma questão problema bem definida, com objetivo de identificar, selecionar, avaliar e sintetizar as evidências científicas encontradas na literatura (SAMPAIO; MANCINI, 2007; GALVÃO; PEREIRA, 2014). Para operacionalização desta revisão, utilizou-se a Ficha de Pesquisa proposta por Saur-Amaral (2012), a qual é composta pelos seguintes itens: objetivo da pesquisa; equações de pesquisa; âmbito da pesquisa; aspectos técnicos; critérios de inclusão, de exclusão e de qualidade e validade metodológica.
No que se refere às equações de pesquisa (combinação de descritores), foram utilizados os operadores booleanos AND e OR para formar os conjuntos de descritores que compuseram as equações de pesquisa, bem como os facilitadores * e “” para a obtenção mais objetiva das informações de pesquisa. Além disso, os descritores que compuseram as equações foram selecionados no Descritores em Ciências da Saúde - DeCS (português e espanhol) e no Medical Subject Headings - MeSH (inglês): “Qualidade de Vida” AND Docente* OR “Qualidade de Vida” AND Professor*; “Calidad de Vida” AND Docentes; “Quality of Life” AND Teacher*.
No que se refere ao âmbito da pesquisa, foram selecionadas as bases de indexação online Lilacs, Scielo, Scopus e Web of Science. Estas bases foram escolhidas por serem empregadas na avaliação do Qualis da Educação Física (área 21), para classificação dos periódicos em estratos A1 a B2, proposto pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). As áreas temáticas/assunto selecionadas nas bases de indexação foram: Ciências Humanas e Sociais; Ciências do Esporte; e Ciências da Saúde. Quanto aos aspectos técnicos para a seleção automática, a qual foi realizada em dezembro de 2017, foram aplicados filtros de acordo com a base de indexação (Quadro 1).
Base | 1º | 2º | 3º | 4º | 5º |
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LILACS | Título, resumo, assunto | Ano de publicação | Tipo de documento | Idioma | Assunto principal |
SCIELO | Resumo | Ano de publicação | Idioma | Scielo áreas temáticas | Wok áreas temáticas |
SCOPUS | Article title, Abstract, Keywords | Year | Document type | Language | ---- |
Web of Science | Título | Ano de publicação | Tipo de documento | Idioma | Áreas de pesquisas |
Fonte: As autoras
Inicialmente, na exportação dos dados, todos os passos da busca automática (aplicação dos filtros) foram arquivados por meio de print screen da página online das bases indexadoras para o software Word, registrando-se assim o filtro realizado e o resultado encontrado. Posteriormente, o programa EndNote foi utilizado para arquivamento e organização dos artigos selecionados nas etapas de seleção-exclusão automática (aplicação dos filtros nas bases de indexação) e de seleção-exclusão manual (duplicados, leitura dos títulos, leitura dos resumos, leitura dos textos completos), segundo as equações de pesquisa e as bases de indexação.
Os critérios de inclusão elegidos na seleção dos manuscritos corresponderam a: a) tipo de estudo: estudo de campo (investigações empíricas); b) Tipo de publicação: artigos originais, por estes serem fontes de informação reconhecidas pela comunidade acadêmica (avaliação duplo-cego, por pares) e publicados de 2001 a 2017, visando-se abranger a produção científica, em torno da temática, no século XXI; c) Idiomas: inglês, português, espanhol; d) Tema: constructo QV, compreendido como a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações (WHO, 1998); e) População: professores das diferentes áreas do conhecimento que compõem o currículo escolar e que atuam em escolas de Educação Básica.
Os critérios de exclusão adotados na eliminação dos manuscritos foram: a) Tipo de estudo: estudos instrumentais (validação de instrumentos), estudos teóricos (artigos de revisão, de opinião de especialistas, resenhas críticas, ensaios teóricos), estudos documentais e relatos de experiência; b) Tipo de publicação: livros, conferências ou trabalhos publicados em anais de eventos; c) Tema: estudos com foco de análise dos constructos de QV no trabalho (satisfação no trabalho), stress, saúde, Síndrome de Burnout; d) População: estudos com professores do Ensino Superior, gestores escolares, acadêmicos e estudantes em situação de estágio.
No que se refere aos critérios de qualidade e validade metodológica da presente revisão sistemática, destaca-se que todas as etapas da pesquisa (procura inicial e aplicação dos filtros nas bases de indexação, exclusão dos textos duplicados, leitura dos títulos, leitura dos resumos e leitura dos textos completos) foram realizadas de forma independente por dois investigadores, conforme protocolo proposto por Saur-Amaral (2012). Em cada etapa, em caso de discrepância entre os resultados encontrados e/ou as decisões tomadas pelos investigadores, um terceiro pesquisador era consultado, buscando-se um consenso na aplicação dos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos.
No que tange à análise dos estudos rastreados, destaca-se que os artigos foram analisados de forma descritiva (frequência absoluta), de acordo com os seguintes atributos: local (estado ou país); amostra (número de professores participantes); nível de ensino (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio); rede de ensino (pública, privada); instrumento de coleta de dados. Para classificação da QV, a Organização Mundial da Saúde - OMS (WHO, 1997) não propõe um critério fechado, sugerindo apenas que quanto mais próximo a 100, mais positiva é a percepção da QV do sujeito e quanto mais próxima de zero, mais negativa. Todavia, visando facilitar a categorização dos resultados apresentados nos estudos, buscou-se respaldo em Saupe et al. (2004), os quais consideram, tanto para a percepção geral quanto para os domínios da QV, a seguinte classificação: ‘região de fracasso’ de zero a 40; ‘região de indefinição’ de 41 a 70 e ‘região de sucesso’ acima de 71. Sendo assim, considerando os escores propostos por Saupe et al. (2004) e adotando-se a nomenclatura da OMS supracitada (WHO, 1997), utilizou-se para análise da percepção geral e domínios (físico, psicológico, relações sociais, meio ambiente) da QV, as seguintes categorias: positiva (acima de 71); regular (de 41 a 70); e negativa (até 40).
RESULTADOS
A procura inicial dos artigos nas bases de indexação resultou em 2.517 publicações, enquanto a procura após a aplicação dos filtros resultou em 742 artigos rastreados nas bases. Após a exclusão dos estudos duplicados, permaneceram 484 artigos para a leitura dos títulos. Na etapa de leitura dos títulos foram selecionados 33 estudos, os quais passaram para a etapa de leitura dos resumos. Após a leitura dos resumos restaram 21 artigos, que foram lidos na íntegra e, destes, 15 manuscritos foram selecionados para análise, pois atendiam a todos os critérios de inclusão estabelecidos (Figura 1). Destaca-se que na eliminação manual dos artigos (leitura dos resumos e textos completos), os textos foram eliminados em virtude dos seguintes critérios de exclusão: tipo de estudo (31); população (146); e temática (292).
Na análise dos 15 artigos rastreados não foi encontrado manuscrito sobre QV de professores atuantes na Educação Básica divulgado nos quatro primeiros anos da seleção temporal (2001 a 2005), evidenciando-se que as publicações se concentraram, principalmente, a partir do ano de 2011, período que registrou 10 artigos divulgados em periódicos científicos (2011 a 2017). Além disso, destaca-se que, destes 15 artigos selecionados, 13 estudos foram realizados no Brasil (Nordeste - 5, Sul - 4, Sudeste - 3, Centro-Oeste - 1) e apenas dois em outros países, sendo eles Polônia e China (Quadro 2).
Autores | Local | Amostra | Nível de Ensino (área) | Rede de Ensino | Instrumento |
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Carvalho e Alexandre (2006) | São Paulo (São Paulo) | 157 | Ensino Fundamental | Pública (Municipal, Estadual) | SF-36 |
Penteado e Pereira (2007) | Rio Claro (São Paulo) | 128 | Ensino Médio | Pública (Estadual) | Whoqol-bref |
Rocha e Fernandes (2008) | Jequié (Bahia) | 91 | Ensino Fundamental | Pública (Municipal) | SF-36 |
Fernandes e Rocha (2009) | Natal (Rio Grande do Norte) | 242 | Educação Infantil Ensino Fundamental | Pública (Municipal) | Whoqol-bref |
Yang et al. (2009) | China | 2929 | Ensino Fundamental Ensino Médio | ---- | SF-36 |
Fernandes, Rocha e Fagunes (2011) | Natal (Rio Grande do Norte) | 242 | Educação Infantil Ensino Fundamental | Pública (Municipal) | Whoqol-bref |
Souza e Costa (2011) | Campo Grande (Mato Grosso do Sul) | 200 | Todos (EF) | Pública (Municipal, Estadual) | SF- 36 |
Tabeleão, Tomasi e Neves (2011) | Pelotas (Rio Grande do Sul) | 601 | Ensino Fundamental Ensino Médio | Pública (Municipal, Estadual) | WHOQOL-bref |
Demuth (2011) | Polônia | 287 | Todos (EF) | Privada e Pública | Perceived Quality of Life Scale |
Damasio, Melo e Silva (2013) | Campina Grande (Paraíba) | 517 | Todos | Privada e Pública (Municipal, Estadual) | WHOQOL-bref |
Pereira, Teixeira e Lopes (2013) | Florianópolis (Santa Catarina) | 349 | Ensino Fundamental Ensino Médio | Pública (Municipal, Estadual) | WHOQOL-bref |
Pereira et al. (2014a) | Florianópolis (Santa Catarina) | 349 | Todos | Pública (Municipal, Estadual) | WHOQOL-bref |
Pereira et al. et al. (2014b) | Florianópolis (Santa Catarina) | 349 | Todos | Pública (Municipal, Estadual) | WHOQOL-bref |
Tavares et al. (2015) | Viçosa (Minas Gerais) | 156 | Ensino Fundamental Ensino Médio | Pública (Municipal) | WHOQOL-bref |
Moreira, Santino e Tomaz (2017) | Campina Grande (Paraíba) | 23 | Educação Infantil Ensino Fundamental | Pública (Municipal) | SF-36 |
Legenda: SF-36 - 36-Item Short Form Health Survey; Whoqol-bref - World Health Organization Quality of Life.
Fonte: As autoras.
As informações obtidas revelaram ainda que os estudos têm buscado analisar a QV de professores de todas as áreas do conhecimento, não focando em uma área em específico, pois apenas duas pesquisas investigaram somente professores de Educação Física. Além disso, evidenciaram que os pesquisadores têm demonstrado interesse em professores atuantes, de modo geral, no Ensino Fundamental e Médio, com poucas investigações na etapa da Educação Infantil e nenhuma investigação com docentes que atuam em locais voltados exclusivamente às modalidades de Educação (Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial, Educação Profissional e Tecnológica, Educação Básica do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Escolar Quilombola e Educação a Distância - BRASIL, 2013). De modo similar, a comunidade científica tem voltado seu olhar para os professores da rede pública de ensino (municipal e estadual), com exceção da rede federal, e reduzido número de investigações na rede privada. Por fim, no que tange aos atributos dos estudos, constatou-se na análise quantitativa dos instrumentos, que os questionários Whoqol-bref (09) e SF-36 (05) foram predominantemente utilizados pelos pesquisadores, para avaliar a percepção de QV dos professores.
No que se refere aos resultados da percepção geral da QV de professores divulgados pelos estudos (Figura 2), os docentes têm sido classificados predominantemente com uma percepção de QV regular (10). Além disso, em apenas três estudos os professores percebem-se com uma QV positiva, destacando-se que uma destas pesquisas foi desenvolvida com professores de Educação Física.
A análise dos resultados em torno dos domínios da QV (Figura 3) evidenciou que os professores da Educação Básica percebem, predominantemente, os domínios psicológico (12), físico (10) e meio ambiente (09) como regulares e o domínio relações sociais como positivo (08).
DISCUSSÃO
Apesar das limitações encontradas para o desenvolvimento desta investigação teórica, tais como a seleção das bases, dos descritores e dos filtros, a qual nem sempre consegue abranger todos os textos indexados, ocorrendo uma possível perda de artigos durante o rastreamento destes, as informações levantadas permitiram a apreciação de resultados importantes referentes à temática QV de professores inseridos em escolas de Educação Básica. As informações encontradas nos artigos originais que analisaram a QV dos professores da Educação Básica revelaram que esta temática se destaca como foco recente da pesquisa científica. Além disso, apesar da literatura apresentar-se vasta em torno da temática QV, no que tange a outras populações (ALVES, 2015; RODRIGUES; OLIVEIRA; SILVA, 2015; MARTINI; PADOVANI; PEROSA, 2016; GOMES; MENDES; FRACOLLI, 2016; GONÇALVES et al., 2016; BALBÉ et al., 2016; NUNES; MASCARENHAS, 2016; CORRÊA et al., 2017), percebeu-se uma incipiência de pesquisas com um olhar mais específico para a classe docente, tanto na realidade brasileira quanto internacional.
A análise dos artigos revelou ainda um aumento nas publicações dentre os anos de 2011 a 2017. Estudos de revisão sistemática com professores têm demonstrado a tendência de aumento de publicações sobre o tema QV com esta classe de trabalhadores nos últimos anos. Inicialmente, Ribas et al. (2014), ao analisarem estudos referentes à QV e à voz de professores (sem abrangência temporal), encontraram 13 estudos publicados nos anos de 2005 a 2011, constatando maior concentração no período de 2008 a 2011 (08). Posteriormente, Davoglio et al. (2015), com foco na QV de professores da Educação Básica e do Ensino Superior, considerando os anos de 2000 a 2014, identificaram maior concentração de artigos publicados (12) sobre QV de docentes brasileiros nos anos de 2008 a 2014 (08).
A análise do local de realização dos estudos rastreados revelou baixa quantidade de artigos, publicados nas bases de indexação selecionadas, com foco na QV de professores atuantes em escolas de Educação Básica como variável principal de estudo, em comparação à realidade brasileira. A exclusão de estudos internacionais que não atenderam aos critérios de elegibilidade indicou que, no cenário internacional, a QV de professores tem sido investigada como fator associado à atividade física (BROĎÁNI et al., 2015; BRODANI; PAŠKA; LIPÁROVÁ, 2017), aos problemas vocais (LAWAL; TAIWO; OKE, 2015; AGHADOOST et al., 2016), à saúde (BASSI et al., 2011; KARAKAYA et al., 2015) e ao suporte social (YUH; CHOI, 2017). Estudos esses que, por possuírem a QV como variável secundária, não apresentaram em seus resultados e discussões, informações consistentes para a compreensão desse fenômeno de forma isolada.
No que tange aos estudos na realidade brasileira, as regiões Nordeste e Sul do Brasil apresentaram predominância nas investigações selecionadas. A região Nordeste apresentar maior número de publicações científicas com docentes difere das informações apresentadas na literatura nacional no que tange às pesquisas realizadas com professores, a partir de diferentes temáticas. Neste caso, Davoglio et al. (2015) identificaram, dentre 12 estudos sobre QV de professores, predominância nas regiões Sul e Sudeste (08), assim como Folle e Nascimento (2008), ao analisarem 40 artigos nacionais em torno de temáticas relacionadas ao desenvolvimento profissional docente (1990 a 2007), encontraram 20 estudos realizados na região Sul, 18 na região Sudeste e apenas dois na região Nordeste.
De modo similar, estudos sobre QV, desenvolvidos com outras populações, também apresentaram predominância de pesquisas nas regiões Sul e Sudeste. Bertan e Castro (2009), ao analisarem 40 artigos sobre QV com pacientes de câncer (1998 a 2008), constataram que a região do Brasil que mais publicou sobre o tema, com esta população, foi à região Sudeste (77%), enquanto Sousa et al. (2017), ao avaliarem oito publicações brasileiras sobre QV de pacientes com insuficiência cardíaca (2009 a 2014) e Machado et al. (2014), ao analisarem cinco publicações sobre QV de idosos submetidos a hemodiálise (2003 a 2013), evidenciaram que todos os estudos foram desenvolvidos nas regiões Sul e Sudeste do país. Nesta perspectiva, Davoglio et al. (2015) destacam que ocorre, nestas regiões (Sudeste e Sul), maior investimento acadêmico para a investigação desta e de outras temáticas, o que pode justificar o foco das produções científicas nestes contextos.
No que se refere ao nível de ensino em que os professores atuam, verificou-se que o foco das investigações sobre QV está nos professores do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Essas informações corroboram a literatura, pois assim como nos estudos incluídos na presente revisão, Ribas et al. (2014) e Folle e Nascimento (2008) revelaram maior interesse dos pesquisadores por professores que atuam no Ensino Fundamental e Médio, em detrimento da Educação Infantil e das Modalidades de Educação.
Destaca-se ainda a predominância de artigos realizados na rede pública (municipal e estadual), em detrimento dos estudos desenvolvidos na rede privada. Similarmente, Ribas et al. (2014) identificaram, dentre 13 artigos sobre QV e voz de professores, que apenas três foram desenvolvidos com professores da rede privada. Para os autores, esta constatação advém do fato de a escola pública permitir acesso mais facilitado aos investigadores, enquanto as instituições privadas são mais restritas devido a concorrência ou ao receio da exposição.
Quanto aos instrumentos de pesquisa utilizados para avaliar a QV nos estudos selecionados para esta revisão, constatou-se que a maioria das investigações empregou o Whoqol-bref. Davoglio et al. (2015) também identificaram o Whoqol-bref como o instrumento de medida mais utilizado para a análise da QV de professores. Por sua vez, para a análise da QV com diferentes populações, Dantas et al. (2003) e Landeiro et al. (2011) verificaram a predominância do uso do SF-36. Além disso, Kluthcovsky e Kluthcovsky (2009) realizaram um levantamento bibliográfico, considerando o período de 1982 a 2006, sobre a utilização do Whoqol-bref como instrumento para avaliar a QV. Os autores apontaram que o Brasil foi o país que mais utilizou este instrumento para estudar a temática da QV, seguido por Taiwan e Alemanha.
No que se refere aos instrumentos, identifica-se que o SF-36 é um instrumento genérico de avaliação da QV, o qual tem sua aplicação na área médica, pois este apresenta parâmetros da QV que podem nortear as decisões dos tomadas dentro do sistema médico de saúde (CICONELLI et al., 1999). Além disso, observa-se que o Grupo de Qualidade de Vida da OMS, percebendo a ausência de um instrumento que avaliasse a QV em uma perspectiva internacional e com foco transcultural, criou, inicialmente, o Whoqol-100 (WHO, 1995). Todavia, este foi caracterizado como um instrumento extenso, que demandava muito tempo dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Assim, na busca de um instrumento, com características psicométricas satisfatórias, curto, de fácil aplicação e que precisasse de pouco tempo para seu preenchimento, o grupo desenvolveu uma versão abreviada, o Whoqol-bref (WHO, 1997). Estes instrumentos foram traduzidos e validados para a realidade brasileira por Fleck et al. (1999) e Fleck et al. (2000), respectivamente. Além disso, ressalta-se que o progressivo aumento na utilização de instrumentos genéricos de avaliação (Whoqol e SF-36) dá maior visibilidade a estes, demonstrando suas diversas possibilidades de aplicação, de acordo com uma perspectiva internacional e transcultural, permitindo a comparação de diferentes populações (DANTAS; SAWADA; MALERBO, 2003).
No que tange à análise da percepção geral da QV dos professores participantes dos estudos, constatou-se que os docentes percebiam sua QV, predominantemente, como regular, destacando-se especialmente que, dentre os estudos incluídos nessa revisão, nenhum obteve escores negativos. Ao considerar que o trabalho pode ser ou não gerador de QV (TABELEÃO; TOMASI; NEVES, 2011), visualiza-se, a partir da análise dos resultados encontrados nos estudos selecionados, informações importantes para o cenário educacional, evidenciando que professores atuantes em escolas de Educação Básica, mesmo com todas as demandas da profissão, não possuem uma percepção negativa de sua QV, ou seja, a carga de trabalho e as características da docência, que muitas vezes são avaliadas como desgastante física e emocionalmente, não têm afetado de forma negativa os domínios de sua vida pessoal.
Todavia, a percepção regular, pode estar atrelada a complexidade e ao ritmo acelerado dos professores nas escolas, haja vista que estes, para além de planejarem e ministrarem aulas, possuem número excessivo de alunos, participam constantemente de reuniões administrativas e pedagógicas, organização de eventos e atividades sociais, culturais e pedagógicas, com o objetivo de orientar e interagir com a comunidade escolar (PEREIRA et al., 2014a; DELCOR et al., 2004). Neste cenário, observa-se que, devido a este esforço, a categoria docente é considerada uma das que mais têm sofrido agravos à saúde (FERNANDES; ROCHA; FAGUNDES, 2011; MOREIRA; SANTINO; TOMAZ, 2017). Neste caso, tal déficit na QV dos professores pode tornar receoso o sucesso de ações educacionais, uma vez que uma baixa autoestima pode gerar sentimento de pessimismo, fracasso, culpa e depressão (MOREIRA; SANTINO; TOMAZ, 2017), influenciando, consequentemente, no processo de ensino e de aprendizagem. Desta forma, torna-se evidente a relevância da implantação de medidas preventivas e do desenvolvimento de um ambiente de trabalho adequado, evoluindo para programas que influenciem de maneira positiva a QV dos professores (TAVARES et al., 2015; MOREIRA; SANTINO; TOMAZ, 2017).
Fatores que podem influenciar a QV docente se reportam à remuneração e aos benefícios (PENTEADO; PEREIRA, 2007; TABELEÃO; TOMASI; NEVES, 2011; DEMUTH, 2012; PEREIRA; TEIXEIRA; LOPES, 2013; PEREIRA et al., 2014a,b; TAVARES et al., 2015), considerando que, com os baixos salários, os docentes precisam aumentar sua carga horária de trabalho ou complementarem a renda em outra profissão que não seja à docência (MOREIRA; SANTINO; TOMAZ, 2017) e, consequentemente, acabam com pouco tempo livre para seu lazer (DELCOR et al., 2004). Reforçando essas constatações em torno da remuneração, Demuth (2012) e Tabeleão, Tomasi e Neves (2011) constataram em seus estudos que, quanto maior a renda dos professores, mais positiva tende a ser a percepção geral e dos domínios da QV.
No que tange à percepção dos domínios da QV, na maioria dos estudos analisados, constatou-se que os professores se apresentaram predominantemente com uma percepção regular nos quatro domínios investigados. Contudo, em alguns estudos, os domínios psicológico, físico e relações sociais foram avaliados preeminentemente com uma percepção positiva. Além disso, ao analisar-se mais profundamente os resultados, identificou-se que os domínios físico e meio ambiente tem interferência direta na QV.
O domínio físico engloba aspectos relacionados à dor e desconforto, à energia e fadiga, ao sono e repouso, à mobilidade, às atividades da vida cotidiana, à dependência de medicação ou de tratamentos e à capacidade de trabalho (FLECK et al., 2000). Nesta perspectiva, devido as exigências físicas do trabalho docente, a ocorrência de dor se torna recorrente por esta classe de trabalhadores (CARVALHO; ALEXANDRE, 2006; PENTEADO; PEREIRA, 2007; MOREIRA; SANTINO; TOMAZ, 2017). Como consequência, com a saúde física prejudicada, ocorre um maior número de faltas ao trabalho e certo desinteresse na proposição de inovações na prática pedagógica (ROCHA; FERNANDES, 2008).
Neste cenário, o curto tempo para planejamento das atividades, a demanda de trabalho extra levada para casa e os desgastes físicos são as variáveis que mais se associam ao aumento da fadiga em professores (PEREIRA; TEIXEIRA; LOPES, 2013). Corroborando com essas afirmações, Fernandes e Rocha (2009) indicam que os docentes que consideram o trabalho psicologicamente exigente, têm a percepção do domínio físico afetado. Além disso, as características do trabalho docente podem contribuir para o surgimento de patologias físicas, afetando indiretamente as atividades diárias, a capacidade de trabalho e a mobilidade.
As informações obtidas nos estudos podem estar atreladas ao fato de os professores de sala apresentarem desgastes físicos por ficarem muitas horas em pé durante as aulas. Logo, o excesso de peso sobre determinada parte do corpo e a inatividade física são fatores desgastantes para estes docentes (CARVALHO; ALEXANDRE, 2006). Por outro lado, o professor de Educação Física por trabalhar diretamente com a saúde e ter conhecimento dos benefícios de uma vida ativa e saudável, além de autonomia para prescrever seus próprios exercícios, o que atenua os desgastes físicos e mentais, acaba tendo uma percepção mais positiva da QV geral (SOUZA; COSTA, 2011; BROĎÁNI et al., 2015), conforme identificado em um dos estudos com docentes deste componente curricular.
O domínio meio ambiente engloba as questões relacionadas à segurança física e proteção, ao ambiente no lar, aos recursos financeiros, aos cuidados de saúde e sociais (disponibilidade e qualidade), às oportunidades de adquirir novas informações e habilidades, à participação em/e oportunidades de recreação/lazer, ao ambiente físico (poluição/ruído/trânsito/clima) e ao transporte (FLECK et al., 2000). Em todos os estudos, selecionados nesta revisão, o domínio meio ambiente obteve escores mais baixos em relação aos demais domínios, sendo classificado como uma percepção regular se aproximando da negativa. Penteado e Pereira (2007) refletem que os professores têm reduzidas possibilidades de investimento pessoal, social e profissional, pois estes têm uma remuneração insuficiente em relação às suas necessidades, quando comparados a outras classes profissionais. Desta forma, a avaliação deste domínio pelos professores pode estar evidenciando a desvalorização desta classe de trabalhadores.
Tavares et al. (2015), ao realizarem uma comparação da QV com a classe econômica dos docentes, encontraram uma redução dos escores do domínio meio ambiente entre os docentes pertencentes às menores classes econômicas. Nesta perspectiva, reforça-se que as condições da classe social dificultam o acesso a saúde, as opções de lazer e de aquisição de bens materiais, incluindo, muitas vezes, a compra de um carro. Neste caso específico, destaca-se que os professores, muitas vezes, trabalham em várias escolas e percorrem longas distâncias, dependendo, predominantemente, do transporte público para se locomoverem (FERNANDES; ROCHA, 2009; FERNANDES; ROCHA; FAGUNDES, 2011).
Outro aspecto relevante, acerca dos docentes, que pode estar interferindo no domínio meio ambiente da QV é a infraestrutura da escola (PENTEADO; PEREIRA, 2007; SOUZA; COSTA, 2011; PEREIRA et al., 2014a). Neste caso, os professores, frequentemente, estão expostos a ambientes com níveis elevados de ruídos interno e externo, malcuidados, com sujeira e pó de giz, quentes, com baixa iluminação e mal ventilados. Além disso, enfrentam problemas na organização do trabalho, possuem relações sociais estressantes, carregadas por sentimentos negativos como agressividade, indisciplina, desrespeito e violência, o que formam um conjunto de condições de trabalho que pode prejudicar a QV dos docentes (PENTEADO; PEREIRA, 2007; FERNANDES; ROCHA, 2009). No caso específico da Educação Física, a escola ter ou não quadra esportiva ou outros espaços adequados para ministrar as aulas interfere diretamente na percepção de QV dos docentes (SOUZA; COSTA, 2011). Desta forma, Pereira et al. (2013) afirmam que, apesar das características específicas de cada profissional, o meio no qual as pessoas convivem tem especial relevância na percepção da QV.
O domínio psicológico contempla questões relacionadas aos sentimentos positivos e negativos, ao pensar, ao aprender, à memória e concentração, à autoestima, à imagem corporal e aparência e à espiritualidade/religião/crenças pessoais (FLECK et al., 2000). Nesta perspectiva, no trabalho docente estão presentes diversos fatores psicossociais estressantes, que podem levá-los a perceber de maneira mais negativa este domínio (ROCHA; FERNANDES, 2008). Sendo assim, a exaustão psicológica pode surgir em decorrência do grande número de atividades impostas aos professores no contexto escolar (FERNANDES; ROCHA, 2009).
Por sua vez, o domínio das relações sociais envolve relações pessoais, suporte (apoio) social e atividade sexual (FLECK et al., 2000), estando associado a interação familiar, com amigos e comunidade (SOUZA; COSTA, 2011; DEMUTH, 2012), os quais se caracterizam como indicadores da qualidade das relações construídas, não só no trabalho, mas também na vida familiar e social (PEREIRA et al., 2014b). Desta forma, o apoio social é o ponto de equilíbrio entre trabalho e família, promovendo assim um fator de benefício à QV (YUH; CHOI, 2017). No caso específico dos docentes, a relação com os colegas pode contribuir para uma percepção mais positiva neste domínio, relacionada ao maior suporte no ambiente de trabalho (PEREIRA et al., 2014a), conforme identificado nas investigações em destaque nesta revisão.
Todavia, considerando as características do trabalho docente, como carga horária, deslocamentos, desgaste físico e baixos salários (PEREIRA et al., 2014a) e a rotina de trabalho da classe docente, as relações sociais apresentam uma associação inversa com a carga horária, pois quanto maior a quantidade de períodos lecionados mais negativa tende a ser a percepção deste domínio (PENTEADO; PEREIRA, 2007). Além disso, com alta carga de trabalho ocorre a redução do tempo livre, prejudicando as oportunidades de lazer, diversão, informação e cultura dos docentes. Neste caso, uma menor carga horária possibilitaria um tempo maior disponível para o autocuidado e mais tempo para realizar atividades de seu interesse pessoal no tempo livre (TAVARES et al., 2015).
CONCLUSÕES
A análise dos estudos rastreados, nesta revisão sistemática, permite concluir que a temática QV de professores se caracteriza como um interesse investigativo atual, em especial nas regiões Nordeste e Sul do Brasil. Os pesquisadores têm voltado mais os seus olhares para os professores do Ensino Fundamental e Médio, das redes públicas de ensino, a partir do uso do Whoqol-bref. A avaliação geral e dos domínios físico, psicológico e meio ambiente da QV têm evidenciado que os professores se percebem como uma QV regular, enquanto o domínio relações sociais apresenta uma percepção mais positiva.
Em suma, o presente trabalho contribuiu para destacar a necessidade de a comunidade científica voltar seu olhar para a QV dos professores da Educação Básica, temática, apesar de atual, ainda incipiente tanto na realidade nacional quanto internacional, sugerindo-se a ampliação de investigações em todo o território brasileiro, visando-se analisar as diferenças culturais, sociais e econômicas que podem impactar a QV desta população.