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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.27  Caxias do Sul  2022  Epub 10-Mar-2024

https://doi.org/10.18226/21784612.v27.e022032 

RESENHAS

MENGA, Ferdinando G. L’emergenza del futuro. I destini del pianeta e le responsabilità del presente. Roma: Donzelli, 2021.

Everaldo Cescon1 

1Doutor em Teologia. Professor na Universidade de Caxias do Sul. E-mail: ecescon@ucs.br

MENGA, Ferdinando G.. L’emergenza del futuro, . I destini del pianeta e le responsabilità del presente. Roma: Donzelli, 2021.


O que acomuna a história planetária da pandemia que estamos atravessando e os numerosos eventos de protesto que, há alguns anos, foram levados adiante com coragem e determinação por Greta Thunberg e pelos Fridays for Future? Ambos podem ser compreendidos como acontecimentos que marcam uma crise da contemporaneidade. Embora com modalidades diferentes, os dois penetram o nosso presente, o interrogam e põem em discussão os seus pressupostos e, assim, nos levam a repensar inevitável e irremediavelmente a nossa relação com os destinos do planeta e com as gerações futuras. É por este motivo que uma das palavras-chave que mais circularam nos últimos tempos é exatamente futuro.

Como, então, considerar a responsabilidade intergeracional? Quais são as dificuldades para pensá-la de modo radical? Com que instrumentos e por meio de que modelos? Estes são os desafios que se impõem às nossas comunidades políticas e devem ser por elas acolhidos e enfrentados.

Este livro de Ferdinando Menga oferece um percurso ágil de reflexão sobre o tema sem, porém, minimizar as dificuldades teóricas e práticas. Além da apresentação das questões de fundo, a obra delineia algumas trajetórias de resposta, insistindo na necessidade de realinhar as nossas instituições democráticas sobre o tema do apelo radical dos sem-voz por excelência: as gerações futuras. Justamente a partir dos eventos recentes, que nos puseram diante de toda a nossa fragilidade estrutural, as nossas comunidades são, assim, chamadas – segundo o autor – a se repensarem a partir de um apelo que lhes chega, literalmente, da “vulnerabilidade do vir-a-ser”.

O ensaio põe o dedo na chaga da Responsabilidade com “R” maiúsculo e no conceito de futuro que, segundo a perspectiva do teólogo Karl Rahner, é o misterioso oposto daquilo que normalmente chamamos de futuro e que, na verdade, desnaturalizamos reduzindo-o a um pedaço de presente por meio da nossa antecipação planificadora e conhecedora.

Como nos situamos em relação às gerações futuras, aquelas que poderiam não existir ou não ter um futuro se não modificarmos radicalmente, globalmente, volumes e métodos de produção, se não mudarmos estilos de vida e prioridades?

No centro do livro se encontra uma ideia paradoxal e contrária ao senso comum: a responsabilidade tem as suas razões na distância e na estranheza. Explicitamente, não na autonomia, muito menos naquela forma extrema da autonomia que chamamos soberania. Em um certo sentido, hoje somos chamados a pensar a responsabilidade segundo os paradoxos que são gerados quando esta responsabilidade é para o futuro. Uma responsabilidade centrada na ideia de estranheza, não na autonomia, nem na ideia de soberania; pelo contrário, até mesmo segundo a ideia de uma cessão de soberania.

A partir desta ideia central, desenrola-se a dimensão crítica do texto. Menga parte da análise de uma série de modelos tradicionais para pensar a ética intergeracional: de tipo contratualista, de tipo utilitarista, isto é, ligadas à figura do homo oeconomicus. Estes modelos – bem como aqueles ontológico-metafísicos a la Jonas limitam-se à dimensão temporal e espacial – sempre no presente e no próximo. Mas atualmente a responsabilidade a pensar é para os distantes. A tese do autor é que tais abordagens, discutidas no texto, carecem do móvil motivacional. Estamos na primeira parte do livro dedicada à dimensão ética do problema, à qual se segue, na segunda parte, a dimensão política do tema da responsabilidade e justiça intergeracional, ou seja, a relação com o poder e com a comunidade ou o in-comum (objeto bastante perigoso).

Na primeira parte, o tema é como pensar uma responsabilidade que motive o agir em relação aos distantes. Para desenvolver a ideia contra-intuitiva de uma responsabilidade que contemple uma cessão de soberania – ou melhor, acabando com a figura da soberania – devemos pensar de que modo se dá uma responsabilidade imposta, interpelada, pela estranheza, pelos distantes, ou, como se afirma no livro, pelos “pósteros”.

O livro é perpassado pela esperança, mas não é ingênuo. No título, é mencionada a questão do destino: os destinos do planeta. Trata-se de compreender as novas figuras do destino técnico, ou quando a natureza se torna ambiente social, e como seja necessário iluminar os automatismos inéditos que se referem sobretudo à esfera econômica e ao modelo neoliberal.

Ao lado da advertência relativa à periculosidade de tais automatismos, algo emerge, segundo uma metáfora retomada de Levinas, que é aquela da resistência ética. L’emergenza del futuro interroga acerca da instância, do “ter-lugar”, no seu como, além e preliminarmente em relação ao onde e quando desta emergência. O termo “emergência” é vinculado seja à questão da imersão, seja em relação à questão da urgência: a emergência se torna um problema de imersão, algo que finalmente se mostra, nos faz ver. Ou melhor, que se deixa entrever, mas segundo uma metáfora invertida do olhar. E, por outro lado, também o tema da urgência. A emergência acontece como uma espécie de ato de acusação. Menga desenvolve o modelo filosófico de referência, um modelo fenomenológico que se move em direção às filosofias da alteridade. Com base nisso, a consciência moral nasce de uma justificação. A resistência ética está relacionada à emergência de um apelo de responsabilidade que provém dos remotos e que se apresenta como um pedido a nos justificarmos. “How dare you?”, “Como ousais?”, segundo a expressão de Greta.

No tópico intitulado Lacrimae rerum lacrimae posterorum lemos:

Contudo, já o próprio Virgílio, alguns milênios antes, a ter perfeitamente entendido tal natureza “hiperfenomênica” das coisas, quando, a Enéias que olha as representações da guerra de Troia esculpidas no templo de Juno põe na boca o lamento “Sunt lacrimae rerum et mentem mortalia tangunt”. Expressão que literalmente poderíamos traduzir “São as lágrimas das coisas e os acontecimentos mortais que tocam a mente”.

A imagem é clássica. O tema é retomado por Simone Weil, que define Niobe como a figura da desventura, do malheur, ou da vulnerabilidade, em cuja passividade repousa a emergência e o apelo ético. Simone Weil escreve em A ilíada ou o poema da força: “Do poder de transformar um homem em coisa fazendo-o morrer, procede um outro poder, um muito mais prodigioso. Aquele de transformar em coisa um homem, um homem que permanece vivo. É vivo, tem uma alma; é mesmo assim uma coisa (…) Uma pedra que chora”. A imagem que duplica o rosto petrificado pela dor em uma pedra que chora é retomada por Benjamin, Derrida, Butler, Siegler. Lágrimas do malheur, pela destruição, lágrimas da vulnerabilidade. As metáforas da desventura, do desastre, da catástrofe, são remetidas ao tema daquela que atualmente chamamos justiça climática. Com Waldenfels, uma das maiores referências do livro de Menga, a relação com as coisas é definida como relação hiperfenomênica: “Fenômenos que, enquanto fenômenos excedentes, indicam para além de si mesmos”. É como se por meio das coisas e da destruição das coisas se manifestassem espectralmente os futuros. Como escreve Menga: “Não se trata de pegadas depositadas em objetos herdados mas, antes, daquelas impressas fantasmaticamente em ambientes naturais devastados, ou em paisagens urbanas alienadas pelo rastejo da natureza”. Ora, para quem são as lacrimae rerum? A resposta imediata seria: pelos pósteros. Na realidade, a presença espectral dos futuros que lançam um apelo de responsabilidade no presente não é o choro das coisas pelos futuros, mas são os futuros que choram nestes restos. Então se trata evidentemente de pensar o “entre” as gerações, desconstruindo alguns malentendidos: a responsabilidade pelas gerações futuras não está relacionada à compaixão, não está relacionada a uma teoria dos sentimentos morais, não recorre à imaginação (imaginar-se no mundo futuro). Não são estes os móveis motivacionais buscados por Menga. Pelo contrário, trata-se de pensar em sentido fenomenológico a geração e a relação com os futuros como se estes futuros de algum modo já estivessem presentes neste mundo destruído e, por meio deste mundo destruído, responder à presença espectral dos pósteros que nos observam nestes restos.

Somos observados por detrás de uma tela que nos separa para sempre. Aqui acontece a passagem à segunda parte do livro, aquela mais política, que começa com a questão do testemunho. Se a emergência ética cai do alto, se, como escreve Levinas, “se trata aqui de uma relação não com uma grande resistência, mas com algo de absolutamente Outro: a resistência daquilo que não tem resistência – a resistência ética”, então quem será testemunha disso e qual é o poder da testemunha – considerando que a responsabilidade requer uma deposição de poder – e como isso se traduz nas formas e no exercício do poder político? Como modular a ideia de poder e pensar a figura da comunidade, considerando esta interferência ética dos distantes? De um lado, por meio do desenvolvimento do tema da representação responsiva, graças a Waldenfels e a Lindahl, que permitiria a tradução em termos não de puro testemunho do apelo à responsabilidade que provem do futuro. Portanto, como segundo tema – desta vez desenvolvido com Arendt – tem-se uma elaboração fenomenológica do in-between da relação entre as gerações: nem comunidade de destino, nem comunidade moral, mas comunidade como experiência de liberdade que age em comum. O in-comum é a experiência da liberdade, isto é, a experiência de uma pluralidade de iniciativas que tem a sua razão de ser na natalidade, na chegada de novos nascidos, estrangeiros, estranhos neste mundo. São estas densas questões teóricas que entram em sintonia com alguns temas atuais. Quem são as testemunhas? Como lhes responder responsivamente em termos políticos, isto é, sem desautorizá-las, sem substituí-las ou, como diria Levinas, “substituindo aquilo que é insubstituível”? E mais: como agir, exercer o poder que a política comporta, cedendo poder? Quem fala por quem? Os poderosos ou os jovens que estão fora, em relação às discussões que acontecem nas instâncias do poder?

Acertadamente, dissemos que temos a percepção de que o futuro escapa das nossas mãos: eis a questão da emergência do futuro. Se a responsabilidade deve ser pensada a partir da estranheza, então devemos dizer que somos responsáveis se não segurarmos o futuro com as nossas mãos. Isso não significa renunciar à responsabilidade ou renunciar ao empenho. Significa não prejudicar o devir, não antecipá-lo; pelo contrário, aguardá-lo e se deixar questionar por ele. Em um certo sentido, é preciso renunciar ao poder do presente em relação ao futuro. Eis porque, para uma ética intergeracional, as posições marcadas pela soberania e não pela pluralidade são inevitavelmente prejudiciais.

Garantir aos descendentes uma herança em euros, dólares ou reais não resolverá o problema de estiagem, eventos catastróficos, aquecimento, desertificação, perda de biodiversidade, irrespirabilidade do ar. Justamente quando nos restam apenas sete anos para evitar o pior, entre crise energética, pandemia, fragilidade das democracias, temos a obrigação moral de fazer a coisa certa, como se disso dependesse o futuro de quem jamais conheceremos porque a sua possibilidade de vida está justamente nas nossas mãos, na vontade política de realmente reduzir o peso enorme que as ações antrópicas têm neste planeta.

É a partir deste dado inquestionável e de alcance epocal que o nosso tempo tem de se confrontar com a tarefa não mais adiável de replanejar radicalmente uma forma de ética e de política que nos ponha à altura de uma responsabilidade que garanta uma vida digna de ser vivida aos nossos descendentes (também remotos) que habitarão o nosso planeta. Trata-se, portanto, para afirmá-lo com a bela descrição efetuada por Gustavo Zagrebelsky, de pensar em uma mudança de direção na “ligação entre gerações e as dívidas recíprocas”: por séculos, os filhos se consideraram “devedores em relação aos pais”; hoje, os pais devem se sentir “devedores em relação aos filhos e aos filhos dos filhos”.

Ferdinando G. Menga é professor associado de Filosofia do direito na Universidade da Campânia “Luigi Vanvitelli”, Itália, e professor visitante estável no Institut für Ethik da Universidade de Tübingen, Alemanha. Foi o vencedor, em 2017, do programa ministerial italiano de retorno de cérebros “Rita Levi Montalcini”. É co-diretor das revistas Etica & Politica e EndoxaProspettive sul presente. Entre as suas publicações, além de numerosos artigos científicos, resultam: Lo scandalo del futuro. Per una giustizia intergenerazionale (2016); La mediazione e i suoi destini (2012); Potere costituente e rappresentanza democratica (2010).

Recebido: 05 de Janeiro de 2022; Aceito: 05 de Janeiro de 2022

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