Introdução
As crianças, principalmente as das camadas mais populares, foram foco de atenção de médicos, juristas, religiosos, filantropos e educadores desde os fins do século XIX e início do XX, sendo suas famílias “[...] quase sempre associadas à ignorância/pobreza/descuido/vício/abandono/licenciosidade, e muitas vezes vistas como criadoras de criminosos e delinquentes, eram acusadas de ‘incapazes’ no que dizia respeito à educação e à formação de suas crianças” (Abreu & Martinez, 1997, p. 25). Para sanar essa questão, tais profissionais da sociedade propuseram, entre várias medidas, a criação de sociedades, associações, escolas, asilos e creches, pois, no cenário de crise da escravidão e necessidade de formação de trabalhadores livres e ordeiros, as crianças eram concebidas como “[...] verdadeiros responsáveis pelo devir, futuros cidadãos sobre quem recairiam as tarefas de elevação da pátria ao ‘progresso’ e à ‘civilização’” (Abreu & Martinez, 1997, p. 25, grifo do autor).
Com a República, além do olhar para a justiça e, com isso, para as iniciativas que inibissem a marginalidade, a preocupação com as crianças pobres ganhou novas dimensões. Para sanar os problemas sociais, o setor público investiu na saúde, educação e formação moral delas. Montava-se com isso, o que Carvalho (1999, p. 284) nomeou de jogo dos espelhos, isto é, “[...] hábitos saudáveis moralizam; uma vida virtuosa é saudável; moralidade e saúde são condição e decorrência de hábitos de trabalho [...]”. Todo investimento voltado para hábitos e comportamentos para o trabalho, ou seja, ‘fim da sociedade que se quer instaurar’.
Nesse sentido, o governo instituiu o primeiro Juízo de Menores em 1923 no Rio de Janeiro, bem como aprovou o Código de Menores em 1927, idealizado por Mello Mattos, “[...] visando à fiscalização do trabalho infantil na indústria e ao estabelecimento de tratamento jurídico diferenciado a indivíduos menores de 18 anos de idade que transgredissem as leis do Estado” (Lopes & Maio, 2018, p.352). Criou-se também o Serviço de Assistência e Proteção à Infância Abandonada e Delinquente (1921) e a Inspetoria de Higiene Infantil do Departamento Nacional de Saúde Pública em 1923.
Nos anos de 1930, no governo centralizador de Getúlio Vargas (1930-1945), o país ganhou um novo contorno, “[...] de reforço ao patriotismo e por questões de conciliações políticas foram tomadas medidas burocráticas que influenciaram a conjuntura administrativa e os programas de atendimento à infância” (Kramer, 2003, p. 57).
Entre o 1º e o 2º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, ocorridos em 1922 e 1933, respectivamente, foram introduzidos órgãos novos na aparelhagem da assistência à infância, tais como lactários, jardins de infância, gotas de leite, consultórios para lactantes, escolas maternais, policlínicas infantis. “[...] Havia grande defesa das creches e o atendimento público à infância ‘desvalida’ e ‘abandonada’” (Kramer, 2003, p. 58, grifo do autor).
Em 19 de novembro de 1930 foi criado, através do Decreto nº 19.402, o Ministério da Educação e Saúde, composto pelo Departamento Nacional de Ensino, de Assistência Pública, de Saúde Pública e de Medicina Experimental. Com a incorporação da Inspetoria de Higiene Infantil pela Diretoria Nacional de Saúde, essa passou a se chamar Diretoria de Proteção à Maternidade e à Infância em 1934 e, posteriormente, Divisão de Amparo à Maternidade e à Infância, refletindo a centralização administrativa proposta pelo Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema.
Para Abreu e Martinez (1997, p. 29), principalmente o período do Estado Novo (1937-1945), “[...] não deixou de ter significativas repercussões nos olhares e na legislação para a infância [...]”, devido à motivação de formação do cidadão trabalhador e ordeiro, e por se tratar de uma questão de defesa nacional. Nesse sentido, a partir de 1940, o Código dos Menores sofreu uma reformulação e foi criado o Serviço de Assistência a Menores - SAM em 1941, que tinha a permissão de atuar em todo território nacional. Segundo Irene Rizzini e Irma Rizzini (2004, p. 33, grifo do autor), “A meta do alcance nacional revelou-se um fiasco [...] Os escritórios tornaram-se cabides de emprego para ‘afilhados políticos’”.
No rastro das iniciativas de cuidado à infância, foi cogitada, no fim da década de 1930, a criação do Departamento Nacional da Criança - DNCr , concretizada em 17 de fevereiro de 1940, pelo Ministério da Educação e Saúde, por meio do Decreto-Lei nº 2.024 (1940), voltado para os cuidados com a infância e seu bem-estar, sendo considerado “[...] um dos marcos da história das políticas de saúde e assistência materno-infantis no Brasil” (Lopes & Maio, 2018, p. 350). Foi indicado para dirigir o DNCr o pediatra gaúcho Olympio Olinto de Oliveira que, em 1933, presidiu a Conferência Nacional de proteção à Infância.
Neste contexto, foi instituído em 1941 o Serviço de Assistência a Menores (SAM), por meio do Decreto-Lei nº 3.779, subalterno ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores e articulado com o Juízo de Menores do Distrito Federal, sendo um importante marco legal e histórico no campo da assistência ‘ao menor’ tendo como objetivo
a) sistematizar e orientar os serviços de assistência a menores desvalidos e delinquentes, internados em estabelecimentos oficiais e particulares;
b) proceder à investigação social e ao exame médico-psicopedagógico dos menores desvalidos e delinqüentes;
c) abrigar os menores, á disposição do Juízo de Menores do Distrito Federal;
d) recolher os menores em estabelecimentos adequados, afim de ministrar-lhes educação, instrução e tratamento sômato-psíquico, até o seu desligamento;
e) estudar as causas do abandono e da delinquência infantil para a orientação dos poderes públicos;
f) promover a publicação periódica dos resultados de pesquisas, estudos e estatísticas (Decreto-Lei nº 3.799, 1941, Art. 2º).
Segundo Vieira (1988, p. 4), as instituições que mais cuidaram da infância foram o Ministério da Educação e Saúde, a Legião Brasileira de Assistência - LBA e o DNCr, sendo este último “[...] uma instituição de múltiplos objetivos e finalidades que centralizou, durante 30 anos, a política de assistência à mãe e à criança no Brasil”.
Ao tratar sobre os anos iniciais do DNCr, o presente artigo objetivou analisar a gênese do CNCr e as ações voltadas para a educação, com foco para as ações assistencialistas e educacionais direcionadas às crianças pobres na cidade de Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, no período de 1940 a 1948. Busca-se, com isso, responder a seguinte questão: Como o governo de Mato Grosso se apropriou das orientações dadas pelo DNCr para a educação, assistência e saúde das crianças das camadas populares?
A delimitação temporal justifica-se por ser o ano de criação do departamento - 1940, até a sua primeira reorganização pela Lei Federal nº 282 de 24/05/48 (Lei nº 282, 1948). Para tal, foram utilizados os periódicos em circulação, Boletins do DNCr, legislações; publicações do DNCr, entre outros.
Inicialmente, o olhar se direcionou para perceber como a educação foi pensada e debatida pelos governantes e pelos colaboradores do DNCr. Em seguida, tratamos sobre as ações educacionais e assistencialistas do DNCr nos estados e, por fim, o foco foi a ação do DNCr em Cuiabá-MT, em parceria com a LBA, para assistência e educação da criança em idade pré-escolar.
DNCr e a educação
O governo de Getúlio Vargas formalizou a criação do Departamento Nacional da Criança via decreto-lei 2.024, publicado em 17 de fevereiro de 1940, documento este que fixou “[...] as bases da organização da proteção à maternidade, à infância e à adolescência em todo o País” (Decreto-Lei nº 2.024, 1940). O DNCr, órgão responsável para coordenar as atividades de proteção à maternidade, à infância e à adolescência, tinha a competência de:
[...] a) realizar inquéritos e estudos relativamente à situação, em que se encontra, em todo o país, o problema social da maternidade, da infância e da adolescência; b) divulgar todas as modalidades de conhecimentos destinados a orientar a opinião pública sobre o problema da proteção à maternidade, à infância e à adolescência, já para o objetivo da formação de uma viva consciência social da necessidade dessa proteção, já para o fim de dar aos que tenham, por qualquer forma, o mister de tratar da maternidade ou de cuidar da infância e da adolescência os convenientes ensinamentos desses assuntos; c) estimular e orientar a organização de estabelecimentos estaduais, municipais e particulares destinados à proteção à maternidade, à infância e à adolescência; d) promover a cooperação da União com os Estados, o Distrito Federal e o Território do Acre, mediante a concessão do auxílio federal para a realização de serviços destinados à proteção à maternidade, à infância e à adolescência; e) promover a cooperação da União com as instituições de caráter privado, mediante a concessão da subvenção federal destinada à manutenção e ao desenvolvimento dos seus serviços de proteção à maternidade, à infância e à adolescência; f) fiscalizar, em todo o país, a realização das atividades que tenham por objetivo a proteção à maternidade, à infância e à adolescência (Decreto-Lei nº 2.024, 1940, Art. 6º).
Para garantir sua ação nacional seria necessário organizar serviços administrativos que promovessem a ação integrada entre o DNCr e os poderes estaduais e municipais e as instituições privadas voltadas para a proteção da maternidade, infância e adolescência (Decreto-Lei nº 2.024, 1940, Art.8º). A lei ainda estipula a criação de um Fundo Nacional de Proteção à Infância, formado por donativos de particulares que, segundo Lopes e Maio (2008, p. 353, grifo do autor),
Além de ser uma estratégia para contornar o problema da escassez de verbas, a aposta do DNC na colaboração entre o Estado e as classes médias e alta sociedade na implementação de seu programa é um indicativo das continuidades que mantinha com o modelo assistencial-filantrópico até então predominante [...] Por outro lado, esses médicos não desejam que suas ações se resumissem à assistência aos ‘pobres’ [...] Mesmo as elites deveriam ser educadas nas formas cientificas de educação e alimentação infantis.
Mesmo que um dos objetivos do DNCr fosse a educação das mães e das crianças, nota-se a ausência de vocabulário do campo semântico educação na lei que o criou. Sobre a relação entre o DNCr e a educação, em entrevista coletiva em Porto Alegre-Rio Grande do Sul, no mês de março de 1940, Getúlio Vargas declarou que havia chegado a “[...] época [...] de construção e de trabalho [...] desdobramento natural do programa que o governo vem desenvolvendo”. Não por acaso, o primeiro exemplo concreto que citou “[...] respeita [...] à instrução e à saúde pública [...]”, setor para o qual já estava “[...] se desenvolvendo um grande plano”. Deste, uma parte era a criação recente do Departamento, “[...] cujo programa se estenderá a todo o país [...]” mediante a “[...] cooperação com os estados [...]” e seguindo “[...] precentos [sic; preceitos] higiênicos completos”. Por meio do órgão, o governo federal interviria “[...] diretamente não só auxiliando os estados com recursos materiais, como [também] ‘proporcionando ao ensino um caráter técnico de natureza e objetivos nacionais’” (Correio da Manhã, 14 de março de 1940, p. 1).
Como se lê, Vargas via para o DNCr um projeto de instruir, além de amparar e assistir. Mas, ao não ter detalhado o tipo de instrução/ensino que seria e nem o público-alvo, sua fala destoava expressivamente do texto legal e de seu diretor que, diferentemente, endossou o texto do decreto-lei em sua fala no programa de rádio ‘Hora do Brasil’ em março de 1940, quando salientou que a dimensão do problema era “[...] mais que uma simples questão de saúde pública [...]” era “[...] fazer criar, desde o berço, desde a concepção, crianças sadias e fortes, desenvolvê-las, prepará-las para a vida, para que delas se venha a compor a nacionalidade [...]” (A Batalha, 27 de março de 1940, p. 2). Nesse sentido, seria “[...] impossível ao Departamento atacar logo de começo todo o conjunto da obra que lhe atribui a lei [...]”; ou seja, seria necessário “[...] escolher entre os inúmeros problemas a resolver, os mais urgentes e os que mais nos preocupam no momento [...]” (A Batalha, 27 de março de 1940, p. 2). que concerniam a maternidade (‘higiene pré-natal’ e ‘assistência ao parto’), a infância (‘mortalidade’ e ‘alimentação’) e a adolescência (‘proteção ao menor abandonado’, ‘profilaxia da vagabundagem’). Cada qual seria uma ‘grande tarefa’ e não resolvível ‘de um só ímpeto’. Isso porque era preciso atender, “[..] nas suas mais profundas e inauditas necessidades [...]”, a criança em seu “[...] anseio de se desenvolver, crescer e tornar-se forte e sadia para bem servir a pátria e a humanidade” (A Batalha, 27 de março de 1940, p. 2). Para tanto, uma ação central seria “[...] disseminar por todo o país as pequenas maternidades [...]” e os “postos de puericultura” e elevar “a cultura profissional”; isto é, oferecer um aparato múltiplo: “[...] consultórios de higiene pré-natal e infantil, lactários e cantinas maternas [...]”, além dos “[...] círculos sociais de mães” (A Batalha, 27 de março de 1940, p. 2). Nesse sentido, lidar com a infância seria “[...] lapidar uns e completar os demais de modo que se atingisse o modelo de homem civilizado que se pretendia [...]”; à ciência caberia utilizar “[...] técnicas [...] para assegurar o perfeito desenvolvimento físico, mental e moral da criança, desde o período da gestação” (Gondra, 2003, p. 27).
A defesa de Olympio Oliveira à prioridade das questões ligadas à saúde deve-se, provavelmente, à sua formação e à sua atuação na frente assistencialista, pois se formou na Faculdade Nacional de Medicina em 1887, atuando “[...] ao lado de importantes nomes da assistência pediátrica de base filantrópica da Primeira República, como Moncorvo Filho e Fernandes Figueira [...]” e “[...] iniciou sua carreira na administração federal em 1930, assumindo a chefia da IHI do Distrito Federal” (A Batalha, 27 de março de 1940, p. 2). Porém, defendia os ensinamentos de puericultura fora das instituições correlatas ao DNCr, pois tais conhecimentos deveriam ser “[...] disseminados, encarecidos, e levados a todos os lares e escolas” (A Batalha, 27 de março de 1940, p. 2). Em sua fala ao periódico na capital, Correio da Manhã, Olympio Oliveira deixou entrever que a ênfase educacional nas ações do órgão seria na difusão da puericultura como medida pedagógica para atacar o que se via como supostos problemas, como, por exemplo, a suposta incapacidade das mães de cuidarem da prole nos primeiros meses de vida. Segundo o diretor, já havia verba inicial reservada pelo Ministério da Educação e Saúde à construção de postos de puericultura e maternidades municipais em todo o país. Também seria erguido, em cidade vizinha ao Rio de Janeiro, um posto modelar, “[...] o documento vivo a ser dado como exemplo aos demais municípios” (Correio da Manhã, 8 de março de 1940, p. 2).
A organização do DNCr se deu pelo Decreto-Lei nº 3.775 de 30 de outubro de 1941, quando a presidência da República apresentou a composição básica do órgão: Divisão de Proteção Social da Infância; Divisão de Cooperação Federal; Instituto Nacional de Puericultura; e, Serviço de Administração (Art. 1º). No mesmo artigo (§2º) reforçou que o ensino de Puericultura e Clínica da primeira infância seria obrigatório na sexta série do curso de medicina, além de definir a obrigação do Instituto Nacional de Puericultura em fornecer o que fosse necessário para o ensino de puericultura e clínica da primeira infância (§3º) (Decreto-Lei nº 3.775, 1941).
No fim de 1940, foi publicada a primeira edição do Boletim Trimestral do DNCr, veículo de publicização e, também, de propaganda do governo. Um componente-chave do conteúdo da publicação seriam informações e resultados de pesquisas e levantamentos presumidos como ação do governo para orientarem instituições públicas e privadas na concepção e instalação de órgãos de assistência e proteção à infância e à maternidade.
O primeiro número do Boletim apresentou: um texto introdutório do diretor Olympio Oliveira intitulado ‘O presidente Getúlio Vargas e a infância’; um artigo assinado sobre o decreto que criou o órgão de assistência à infância; a reprodução do discurso pronunciado pelo diretor no programa “Hora do Brasil”; e outros textos como notas e notícias diversas. (Correio da Manhã, 8 de agosto de 1940, p. 9). A julgar pelos destaques, o sumário exposto pelo Correio da Manhã deixa entrever que o periódico se destinou a um leitor mais afeito à administração institucional, isto é, às instituições que passaram a fazer interface com o DNCr em nível federal, estadual e municipal.
Os textos a que tivemos acesso, publicados pela imprensa local, mereceram atenção, de modo que destacamos o que se lê no jornal O Radical, no qual Olympio Oliveira invocou o professorado primário, afirmando a sua “[...] colaboração preciosa e imprescindível para promover [...]” a máxima “[...] soma possível de benefícios [...]” em prol das crianças: de suas vidas, de sua saúde e alegria, do “[...] desenvolvimento do [seu] corpo e espírito, de suas necessidades e aspirações [...]” (Oliveira, 1940, p. 2).
Destaca-se o ideário da vocação, ou seja, a ideia de missão da professora: de sua entrega incondicional ao seu fazer e sem expectativas de recompensa terrenas. Nesse sentido segue a ênfase no trabalho das professoras primárias - que já se dedicavam ao ‘dom integral’ da vida delas, a ponto de renunciarem “[...] a todas as outras aspirações”; no espírito com que trabalhavam - “[...] cheias de fé e esperança no vosso saber, na vossa bondade e na vossa inesgotável dedicação”; nos esforços pessoais - foram “[...] viver em lugares desconhecidos, privadas, muitas vezes, de uma convivência condigna, mal compreendidas, mal remuneradas, entrevendo um futuro incerto e pouco tranquilizador” (Oliveira, 1940, p. 2). Todavia, como eram as professoras primárias que estavam “[...] rodeadas de crianças, a maior parte pobres, incultas, mal vestidas, mal alimentadas, e grande número doentes [...]”, os caminhos da docência primária se encontravam com os desígnios do DNCr. Assim o disse o diretor: “A nossa causa é comum: o bem da infância”. Nesse caso, parece algo lógico se ter publicado o apelo às professoras: “[...] ao vosso espírito de sacrifício [...]”, pois “[...] não conseguiremos [...] alcançar os resultados de outra forma” (Oliveira, 1940, p. 2). A conexão magistério-maternidade se apresenta nos termos que se seguem. “Estudastes noções ‘Puericultura’, e sois ‘mães’, as conheceis praticamente e as aplicastes com sucesso aos vossos pequeninos. Aprofundai esses conhecimentos relendo tratados, conversando com os médicos, para transmiti-los para vossas alunas mais adiantadas” (Oliveira, 1940, p. 2, grifo nosso).
O apelo do diretor do DNCr foi divulgado em periódicos de circulação nacional. Sobre o assunto, o jornal O Estado de Mato Grosso publicou um artigo intitulado ‘A escola primária e a defesa da infância’. Nele, é possível perceber que o articulista se apropriou das ideias divulgadas de Olympio Oliveira, representante do governo federal.
Realmente, a professora primária exerce uma grande influência não só sobre a criança como sobre os pais ou responsáveis. Ela é fora do lar, a primeira pessoa a quem a criança se habitua a obedecer [...]. Este é aliás o ponto do vista do Departamento Nacional da Criança: cabe à professora um papel de primeira ordem no amparo à maternidade e à infância. Daí haver esse departamento procurado a cooperação das professoras de todo país [...]
A ação lenta da professora poderá servir de maneira incalculável ao aperfeiçoamento da criança: pela transmissão de hábitos higiênicos; pela correção de possíveis erros de criação, educação, alimentação, porventura existentes nas crianças; pela assistência afetiva e moral de que devem cercar todos os pequeninos seres que estão entregues à sua guarda, etc
Uma grande missão, como se vê, a que o professorado de todo o país tem a cumprir em relação às nossas crianças (O Estado de Mato Grosso, 19 de setembro de 1940, p. 2).
A defesa pela participação efetiva das professoras ao projeto do governo, nos leva a questionar: não seria coerente que o trabalho dessas profissionais entrasse no escopo das diretrizes primárias da atuação do DNCr? Portanto, parece se justificar o exercício de retórica do diretor em seu apelo: se dirigia a professoras primárias como donas de um “[...] espírito de sacrifício [...]” sem o qual “[...] não conseguiremos [...] alcançar os resultados de outra forma” (Oliveira, 1940, p. 2).
A partir de 1943, o Departamento distribuiu cópia datilografada de dois estudos em resposta às orientações pedagógicas solicitadas ao DNCr, por pessoas que se dedicavam ao trabalho de proteção e amparo à criança, sobre as construções dos prédios “[...] para instituições de educação pré-primária, instalação, aparelhamento e orientação para a organização e funcionamento de instituições desse tipo” (Nina, 1955, p. 6). O material contou com a colaboração do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos - INEP. Em 1954, o DNCR publicou a obra Escolas Maternais e Jardins de Infância, de autoria de Celina A. Nina, contendo a revisão desses dois trabalhos.
A 14ª edição do Boletim Trimestral também publicou artigos relacionados à educação. O artigo que trata sobre a criação do Departamento Estadual da Criança-DEC em São Paulo, Decreto-Lei nº 14.221 (1944), determina como competência desse órgão: “[...] manter cursos teóricos e práticos, destinados à formação de técnicos especializados; [...] organizar e manter, de preferência nos bairros proletários e zonas industriais, postos de puericultura, creches, [...] abrigos, casas e cantinas maternais, câmaras de aleitamento, clínicas dentárias e outros serviços congêneres; [...] incentivar a educação médico-higiênico-social, especialmente das mães, parteiras, e professores, visando a preservação da vida e da saúde da criança e da mãe” (Boletim Trimensal do Departamento Nacional da Criança, 1944, p. 15).
É possível perceber que, no âmbito das legislações, o DEC do estado de São Paulo conseguiu ir além que o DNCr, prevendo a formação de técnicos especializados, a criação de locais de cuidado e educação da infância, bem como o estímulo à educação das pessoas e profissionais diretamente envolvidos com as crianças.
Um segundo artigo a tratar sobre a educação, intitula-se: “Deve ensinar-se a criança a brincar”. Ele inicia afirmando que:
Foi o gênio de Froebel que primeiro descobriu que o divertimento da criança é o veículo da sua educação e da evolução do seu caráter, nos anos da infância e da puberdade. [...] Por isso, cada mãe deve tornar-se mestra dos brinquedos de seu filho, convertendo-se na inspiradora das suas iniciativas e dos seus jogos. Não é tempo perdido aquêle que ela dedicar a tais ensinamentos, antes, ao contrário, serão momentos de precioso valor para a educação da criança (Boletim Trimensal do Departamento Nacional da Criança, 1944, p. 37).
Nele, a ideia de educar aparece em meio dos jogos e reforça o papel educativo da mãe por meio das brincadeiras, entendendo que “[...] a direção inteligente do divertimento se torna a coisa mais vital para a sua vida e disso dependerá o desenvolvimento da sua destreza, da sua inteligência, da sua estabilidade emocional e, acima de tudo, da sua evolução ética, espiritual e social” (Boletim Trimensal do Departamento Nacional da Criança, 1944, p. 37).
E, por fim, no artigo ‘Amparar criança’, de autoria do Dr. Almeida Gouvêia, dentre definições de amparo, o autor assinalou: “Amparar a criança é dar-lhe Educação completa, é assegurar-lhe um conforto de vida razoável, dentro de cujo bem-estar a sua personalidade em formação encontre o clima propício às suas justas expansões” (Boletim Trimensal do Departamento Nacional da Criança, 1944, p. 54). Notemos o destaque do substantivo educação no período: é o primeiro complemento para o verbo amparar; e a valoração da inicial maiúscula e o adjetivo de ênfase no todo parecem reforçar o destaque dado à dimensão educacional.
Além disso, nada mais direto foi dito sobre educação nas páginas nessa edição do Boletim Trimestral. Igualmente, ante às informações, a ideia de educação da infância não figuraria nem como objeto de reflexão no ideário inicial subjacente às primeiras ações do DNCr. Possivelmente, a garantia de condições de vida para a infância desamparada e suscetível à inanição, a endemias e a condições de vida insalubres tenha exigido mais ênfase e atenção que outras dimensões como a escolarização. Tal problematização consta no artigo de autoria do Dr. Darcy Evangelista que afirma:
Se reuníssemos em congresso, representantes de várias atividades, para saber qual o maior problema nacional, talvez não chegássemos a um resultado.
O professor público diria: naturalmente que é o analfabetismo...
- Perdão - interromperia o sanitarista - mais importante é o saneamento do país. Primeiro a saúde, depois a instrução...[...] (Boletim Trimensal do Departamento Nacional da Criança, 1944, p. 42).
O autor conclui afirmando que só há um prisma para o problema da infância: “[...] o da ação conjunta e incondicional” Boletim Trimensal do Departamento Nacional da Criança, 1944, p. 43). Daí nossa constatação: a educação na infância foi citada por vários sujeitos interessados na questão e, no contexto relacionado à assistência à infância, continuou a ser o objeto central mencionado no discurso.
Uma razão possível para isso seria a condição mesma do novo órgão, que tinha função mais articuladora e administrativa do que operacional. Logo, a ação educacional na infância caberia a outras instituições, como a LBA, mais alinhadas na execução de atividades afins com suporte material e intelectual do Departamento. O diretor Olympio Oliveira foi expressivo nesse sentido em seu discurso irradiado pelo programa ‘Hora do Brasil’: “[...] não caberá ao Departamento a realização imediata ou a administração dos diferentes estabelecimentos e instituições destinadas a pôr diretamente em prática os seus objetivos”; antes, tal ação seria de incumbência dos estados e dos municípios, enquanto à União caberia “[...] estimar, orientar, auxiliar, técnica e pecuniariamente, a criação de tais estabelecimentos nos estados e municípios” (A Batalha, 27 de março de 1940, p. 2). Portanto, seriam estados e municípios os responsáveis por conceberem e executarem eventuais projetos educacionais alinhados nas prescrições do Departamento para o amparo à infância e à maternidade.
Os projetos de assistência social à criança e à mãe nos estados
Nos desdobramentos estaduais e municipais da instituição do Departamento Nacional da Criança, a manifestação de atividades envolvendo assistência social e educação infantil incidiu, em especial, na difusão da puericultura como pedagogia desejável à maternidade: às mães e futuras mães. Esperava-se até que fossem exploradas no Ensino Primário para alunas de mais avanço, conforme aquele ‘apelo’ do diretor Olympio Oliveira. Em texto republicado pela revista Eu sei Tudo, o Departamento tratou dos postos de puericultura, visto como “[...] a célula mater da proteção à infância” (Boletim Trimensal do Departamento Nacional da Criança, 1944, p. 11). No primeiro plano de sua ação, estava “[...] o combate contra a mortalidade infantil [...]”, a ser acompanhado por uma “[...] porção de benefícios que vão alcançar a família em termos de saúde, de economia doméstica e de aperfeiçoamento moral e social” (Boletim Trimensal do Departamento Nacional da Criança, 1944, p. 11).
A característica de tais postos era a de serem “Simples e sumários na sua organização e no seu funcionamento”, ou seja, ‘pouco dispendiosos’ para que sua difusão pudesse ser na “proporção de 1 para cada 10 ou máximo 20 mil habitantes”. Com menos que isso, as “cifras da mortalidade infantil” não seriam superadas rapidamente, como era esperado.
Em outubro de 1944, já havia uma formalização tal de tais instituições de apoio à infância, que seus diretores estaduais se reuniam regularmente com o ministro da Educação. Em tais reuniões, foram discutidos temas como os que se seguem.
1) Estudo dos tipos de instituições de puericultura (preventórios, hospitais infantis, centros de puericultura, maternidade etc. [sic;] 2) Organização e atribuição das divisões ou departamentos estaduais de puericultura. 3) Articulação permanente dessas repartições estaduais com o Departamento Nacional da Criança. 4) Auxílio federal aos Estados, para desenvolvimento da puericultura. Condições exigidas para a concessão; controle e aplicação. 5) Aplicação dos recursos estaduais e municipais destinados à puericultura: orçamento, créditos adicionais. 6) Cooperação da Legião Brasileira de Assistência na obra de proteção à infância. 7) Serviços de puericultura a cargo das instituições particulares. 8) Concessão de subvenções às instituições particulares de puericultura: federais, estaduais e municipais. 9) Organização das juntas municipais de proteção à infância: sua composição e funções (Correio da Manhã, 15 de outubro de 1944, p. 6).
Uma medida inicial foi ter enviado os seus técnicos a todos os pontos do país em missões de estudos para colaborarem como autoridades locais e instituições privadas. Como exemplo desses deslocamentos de profissionais está o caso de Goiás, onde em 1942 foi assinado um decreto-lei que criou “[...] o Serviço de Amparo à Maternidade, à Infância e à Adolescência [...]”, para o departamento da criança e “[...] deu sua efetiva colaboração [...] e assistência técnica” (Jornal do Commercio, 23 de janeiro de 1942, p. 5). Um exemplo da ida de técnicos a campo é o caso de Adauto Rezende, ‘médico piauiense’ alçado ao cargo de “[...] Diretor-Geral dos Ambulatórios do Instituto Nacional de Puericultura [...]” e que, em Marco de 1943, havia voltado à capital Teresina em missão do DNCr, ou seja, para “[...] estudar os problemas locais referentes à assistência à maternidade e à infância” (A Gazeta, 26 de março de 1943, p. 1). Parte da ação do médico eram conferências e uma exposição de puericultura, parcialmente “[...] franqueada[s] ao público” (A Gazeta, 26 março de 1943, p. 1). Outra ação era formar técnicos localmente, mediante a ‘Companhia da Redenção da Criança’. Por exemplo, em Natal, RN, em janeiro de 1944, houve articulações do DNCr com a oferta de um curso de puericultura e administração, ao qual o governo federal tinha destinado cinco bolsas de estudos (A Ordem, 1944, p. 4).
A extensão e o avanço das atividades apresentaram marcas mais concretas de educação na infância, como no estado de São Paulo, onde houve municípios que, em 1942, já concluíam obras afins à assistência à infância e à maternidade. Um exemplo é Igarapava, que findava, em janeiro, as obras da Casa da Criança, erguida pela Associação de Proteção à Maternidade e à Infância local. A concretização dessa obra teve apoio de agentes particulares e do DNCr e, uma vez inaugurada, ofereceria “Posto de puericultura completo, Creche, Abrigo Provisório de Menores, ‘Jardim de Infância’, Clube Agrícola, Sopa Escolar e Pequeno parque infantil” (Jornal do Commercio, 23 de janeiro de 1942, p. 5, grifo nosso). Também em São Paulo- capital foi constituída, em outubro de 1943, uma ‘Casa da Criança’ cuja diretora foi ativa nas comemorações da semana da criança (Correio Paulistano, 13 de outubro de 1943, p. 2). Nesse sentido, essa instituição dentro de outra parece se abrir a pesquisas futuras sobre a medida educacional do jardim de infância em tais casas.
Diretamente nas escolas elementares, o Departamento Nacional da Criança chegou ao plano da alimentação escolar, “[...] um dos mais importantes problemas afetos à sua orientação [sic]”, como se disse em jornal de Abaeté, Minas Gerais. O órgão elaborou um folheto - um cardápio - com dez opções de ingredientes e pratos para orientar a escolha e preparação de alimentos de “[...] uso na merenda escolar [...]”, mas tendo em vista “[...] as possibilidades naturais que condicionam os recursos comuns em todas as regiões [...]”, pois nem todo estado teria condições de assegurar o que se prescrevia (Abaeté, 24 de março de 1943, p. 1).
A desconfiança da má-alimentação chegou até à população do campo, pois a criança do meio rural entrou nas preocupações do Departamento Nacional de Criança e passou a merecer mais da atenção do governo, como se mostrou no segundo número do Boletim Trimestral. A questão foi tratada em um artigo segundo vários pontos de vista, inclusive o da escolarização, em que o autor - conforme transcrição do Correio da Manhã - disse que “[...] alfabetizar já seria alguma coisa [...]”, mas que estava longe “[...] de completar a cruzada”. Mais sérias seriam as consequências ‘do meio’: ‘verminose’, ‘endemias’, ‘miséria das habitações’ e até “[...] trabalho [...] como auxiliar dos pais, na cultura rude da terra”. O meio rural seria o problema então: um lugar de ‘subalimentação’ e ‘ignorância das mais comezinhas regras de higiene’. Por isso, antes de tudo, era preciso “[...] sanear o ambiente rural [...]” para “[...] facilitar o curso franco dos modernos processos educativos nas zonas rurais”. Nesse caso, “[...] suprir as falhas do lar [...]” caberia à “[...] escola rural” (Correio da Manhã, 11 de dezembro de 1940, p. 4; grifo nosso), e não à família - tal qual na cidade. Além disso, na comemoração do Dia da Criança em 1943, que teve foco na “[...] criança abandonada - com instruções emanadas do Departamento Nacional da Criança [...]” -, foi de “[...] especial relevo a imponente formatura dos alunos das Escolas dos Trabalhadores Rurais e de Pescadores mantidas pelo Governo do Estado em todo o território paranaense” (O Dia, 13 de outubro de 1943, p. 8). Na visão do jornal que noticiou o fato, tais escolas eram “[...] uma grandiosa tarefa de assistência social [...]”, porém se atribuía ao “[...] amparo governamental [...]” local, e não ao governo federal, a possibilidade de saírem de uma “[...] vida eriçada de dificuldades” (O Dia, 13 de outubro de 1943, p. 8).
Com efeito, seria o caso de se pensar que a ação do Departamento Nacional da Criança na educação da infância incidiu, sobretudo, na formação de pessoal: professores e outros profissionais alinhados na puericultura. Não por acaso, o departamento atuou ao lado, por exemplo, da Associação Brasileira de Educação em ‘palestras de Curso de Férias’ destinadas ao ‘magistério primário’ e transmitidas via rádio PRA-2, do Ministério da Educação. A rigor, eram aulas irradiadas nos dias úteis, às 17h30, como parte de um curso resultante da “[...] colaboração do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos e do Departamento Nacional da Criança” (Correio da Manhã, 13 de janeiro de 1944, p. 2).
Nessa lógica, a ação se voltava à “[...] instrução higiênica das mães, primeiras enfermeiras das crianças. Torná-las senhoras das noções modernas de puericultura será o meio mais prático de amparar as crianças”. Para isso, o departamento da criança se empenharia em criar, em cada município, um ‘Posto de Puericultura’ que seria, ao mesmo tempo, ‘escola para as mães’. Junto de cada posto, haveria um lactário à mãe sem “[...] recursos para criar ao seio o seu bebê [...]”; e, junto ao lactário, “[...] uma Associação Protetora da Infância, protegendo moral e materialmente este ‘Centro de Assistência’”. Uma “[...] garantia do sucesso desta empreitada salvadora [...]” seria justamente a “[...] bondade de coração da mulher brasileira, tantas vezes posta à prova” (Gasparin, 1942, p. 2-3).
Em 1945, as ações do DNCr em associação à Legião da Assistência Brasileira já eram conhecidas nos Estados Unidos. Uma representante do Social Children Bureau, de Washington, D. C., havia estado no Brasil em 1943 e trabalhado com a legião, “[...] cooperando para a Campanha da Redenção da Criança [no] norte do país”. De volta em setembro de 1945, apontou razões para a nova visita: estava “[...] absolutamente preocupada com o problema das necessidades de nossas populações infantis mais desfavorecidas”. De tal modo, a nova estada presumia contatos com o DNCr para conversas sobre colaboração entre Brasil e Estados Unidos num projeto de “[...] orientação psicopedagógica [a ser] dirigido pela sra. Helena Antipoff”. Ainda assim, seria mais um “[...] curso que se destina[va] a educadores dos meios escolares e familiares” (Grande interesse..., 1945, p. 2).
A segunda visita da profissional estadunidense coincidiu com o fim da Segunda Guerra Mundial e, no Brasil, com a queda de Vargas e de seu ideário, sobretudo a eugenia. Agora, uma nova diretriz foi estabelecida para as relações entre os povos do mundo: a Declaração dos Direitos Humanos, em 1946. Sintomaticamente, a declaração incidiu na concepção de instituição que o Departamento Nacional da Criança seria a partir de então. Tal concepção foi delineada na proclamação de direitos para a criança pelo departamento e a palavra ‘educação’ aparece no quinto direito nestes termos: “[...] receber os princípios da educação que a preparem para a vida e lhe permitam tomar consciência do seu próprio destino” (Os direitos da criança brasileira, 1946, p. 207).
De fato, nesse contexto, o vocábulo educação aceita interpretação variada, mas nos parece ser forte o sentido de educação escolar, pois esta supõe expandir os ambientes de existência e socialização, ou seja, viver supõe interagir com o outro em situações diversas de vida: é ação não só constante, como também essencial. Nesse sentido, a educação familiar por si só seria insuficiente para situar a criança em condições de se preparar para a vida e de se autoconscientizar. Faltaria a relação com outro que não nos é familiar, mas que nos ajuda a nos vermos como sujeitos. Sobretudo, fica claro que não seria uma educação para tornar as gerações de crianças mais sãs e mais bem alimentadas para terem corpos fortes e saudáveis, tão necessários à segurança e defesa da pátria.
Cuidemos nas nossas crianças! As ações de assistência e educação em Cuiabá-MT
Começa-se a trabalhar no Brasil pela Criança. E isso começa ser feito, queremos, nestas colunas. Exprimir a nossa convicção de que a nossa cidade [Cuiabá] não estará ausente quando forem relacionados os municípios brasileiros interessados nessa campanha pela criança (Jornal do Commercio, 23 de janeiro de 1940, p. 1).
No estado de Mato Grosso, as maiores iniciativas em relação à saúde da criança aconteceram a partir dos anos 1930, nos debates e na formação de professores, no intuito de acompanhar o que ocorria na sociedade brasileira referente ao cuidado com a infância.
Em 1933, o Dr. Alberto Novis publicou no jornal O Commercio parte da sua tese apresentada na Conferência Nacional de Proteção e Assistência à Infância, que aconteceu no Rio de Janeiro. Nela, o médico afirmou ser a ignorância das mães em puericultura a causa principal da mortalidade infantil. Conclui afirmando que “As jovens mães devem aprender o modo de cuidar dos lactantes como aprendem a ler e a contar” (O Commercio, 15 de setembro de 1933, p. 1).
No mesmo ano, foi proposta uma reforma no regulamento das Escolas Normais, contendo a disciplina de Higiene no terceiro ano, com duas aulas semanais e, no quarto ano, com 3 aulas por semana (Proposta..., 1933). Entendendo ser o professor do ensino primário o multiplicador dos conhecimentos, conforme o pronunciamento do diretor do DNCr, Olympio Oliveira, em 1940.
Em 1937, inicia-se o regime ditatorial do Estado Novo, que tinha como um dos objetivos centrais, a educação e reeducação do indivíduo para o trabalho - um novo homem para um novo modelo de estado. Assim, os projetos voltavam-se para substituir o perfil do cidadão existente que remetia a um Brasil rural, fraco, doente, sem higiene e educação, como o Jeca Tatu, por um novo perfil forte, disciplinado, saudável e bom trabalhador. Nesse sentido, um dos enfoques do governo Vargas foi investir na criança, futuro trabalhador, em sua saúde e educação
Em Mato Grosso, Julio Muller assumiu o governo como Interventor, indicado por seu irmão Filinto Muller, braço direito de Vargas. Nesse contexto, o estado recebeu investimentos para a formação desse novo cidadão ordeiro, urbano, saudável e educado. Entre várias ações administrativas, investiu na modernização do cenário urbano da Capital, com o projeto denominado de ‘Obras Oficiais’, visando a reeducação dos seus habitantes (Buzato, 2017).
O investimento se deu, também, na proposição de instituições e pessoal técnico para a execução de ações de cunho social na área da saúde, educação e assistência, acompanhando o movimento nacional quando foi criado o DNCr, cuja instalação foi noticiada pela imprensa mato-grossense, principalmente pelo jornal O Estado de Mato Grosso, com entusiasmo e reconhecimento da sua importância. Na matéria ‘A grandeza do Brasil’, o articulista A. Porto da Silveira comemora a iniciativa do governo Vargas:
O decreto-lei nº 2.024 que creou o Departamento Nacional da Criança constitue, indiscutivelmente, um dos atos de maior relevância do Govêrno nacional. [...] Em qualquer nação é útil e inteligente proteger a maternidade e a juventude; na nossa terra, tal procedimento vale como medida de salvação pública. [...] O Govêrno creando o Departamento Nacional da Criança, nos tempos em que o fez, abre às futuras gerações novos e amplos horizontes. [...] Preparar as gestantes para que seus filhos nasçam bem e vivam melhor é a tarefa tutelar do que cogita, com segurança, o novo decreto (O Estado de Mato Grosso, 11 de abril de 1940, p. 2).
Em decorrência, várias instituições voltadas para o cuidado com a infância e Postos de Higiene foram sendo criadas pelo governo estadual. Em junho de 1941, o jornal O Estado de Mato Grosso publicou um artigo do Dr. Hélio Ponce de Arruda, diretor do Departamento de Saúde do estado sobre sua participação no Congresso Nacional de Saúde Escolar e Tuberculose. Em linhas iniciais Dr. Ponce de Arruda confessa o seu encantamento pelo que estava acontecendo no campo da medicina social no Brasil. O Congresso tratou das seguintes temáticas: Organização e orientação dos serviços de Saúde Escolar; a saúde escolar nos meios urbanos e rurais; condições da saúde física e mental para o exercício do magistério; morbilidade e mortalidade no meio escolar; educação sanitária nas escolas; a higiene mental nos meios escolares; alimentação e nutrição dos escolares; bases científicas para a restauração biológica dos débeis físicos; e, por fim, a adaptação e a escolha de profissões (O Estado de Mato Grosso, 11 de setembro de 1941). Sua escrita, em formato de relatório, deixou claro o debate em torno da saúde e educação da criança. Após um sobrevoo sobre cada temática abordada, Dr. Ponce de Arruda expôs as necessidades de Cuiabá:
O Centro de Saúde de Cuiabá [...] tão logo se instale em sua nova sede em construção, aparelhado para todas as funções que lhe são inerentes. O mesmo irá acontecer com os nossos vários Postos de Higiene, já em número de nove.
Outros problemas como o ensino de puericultura nas escolas primárias, secundárias e profissionais, aguardam somente um ato do governo de alcance aliás indiscutível (O Estado de Mato Grosso, 13 de dezembro de 1941, p. 2).
Por fim, relata o médico sobre as estatísticas escolares e, com isso, sobre os altos índices de reprovação ou ‘o peso morto’. Em suas palavras: “O ‘sintoma reprovação’ traduz uma doença inaparente à observação menos acurada, mas que por certo será explicada dentro do sistema de exames periódicos de saúde, por médicos especializados, como se recomenda”. Ele sugere, então, que o Interventor Julio Muller adote a caderneta de saúde escolar, único meio de controle “[...] para dotarmos as novas gerações futuras de condições de vida consentânea com o grandioso porvir da Pátria Brasileira” (O Estado de Mato Grosso, 13 de dezembro de 1941, p. 5, grifo do autor). Neste caso, o médico foi simplista em somente analisar a reprovação escolar como uma consequência no âmbito da saúde, desconsiderando, intencionalmente ou não, os demais fatores como a questão social e pedagógica.
Em ocasião da Semana da Criança de 19421, o Diretor do Departamento de Saúde de Mato Grosso, por ocasião da inauguração do Lactário do Centro de Saúde (que já se encontrava em funcionamento e atendia a cerca de 100 crianças), afirmou em seu discurso que o estado, até então, “[...] andava dessintonizado com a harmonia dessa clarinada [...]” em prol da infância. Continuou afirmando que “[...] os máus tempos se foram... Valei o Governo de Júlio Muller. Como o elan dos titans, ele cobriu o nosso atraso administrativo e ritmizou o nosso progresso”. O Diretor se referia à instalação do Centro de Saúde na capital, à construção da Maternidade e da Casa da Criança. Anunciou, ainda, a fundação liderada pelas senhoras, da Associação Cuiabana de proteção à Maternidade e à Infância, pois, segundo ele, “[...] Cuiabá é a única capital brasileira onde não há associação desse gênero” (O Estado de Mato Grosso, 19 de setembro de 1942, p. 1).
Foi criada não uma Associação, mas sim a Sociedade de Proteção à Maternidade e à Infância- SPMI no dia 23 de outubro de 19422. Sendo sua diretoria constituída por: Presidente de honra: D. Maria de Arruda Muller, esposa do Interventor Julio Muller; Presidente: D. Hilda Lima Correa; 1ª Vice-presidente: D. Laurinda Ribeiro Vieira; 2ª Vice-presidente: D. Maria da Glória Bastos; 1ª Secretária: Eucaris Monteiro Veneza; 2ª Secretária: Mary Lourdes C. Ribeiro; e, Tesoureira: Berila Pinto de Carvalho (O Estado de Mato Grosso, 19 de novembro de 1942).
Essa instituição, com recursos do governo estadual e com a cooperação da Legião Brasileira de Assistência-LBA, presidida por D. Maria Muller, construíram a primeira Maternidade de Cuiabá com 7 leitos3, cuja manutenção ficou à cargo da SPMI, “[...] cujas rendas derivam das subvenções Estadual e Municipal do auxílio da LBA e da contribuição dos sócios da Instituição” (O Estado de Mato Grosso, 19 de outubro de 1945, p. 1).
A obra da Maternidade foi efetuada pela Construtora Coimbra & Bueno, contratada pelo governo estadual para a construção das Obras Oficiais4, cuja intenção era remodelar o cenário urbano da Capital. Para sua construção, o governo investiu o montante de CR$ 384.260,90 (cruzeiros antigos). A LBA também pôde contribuir, pois a sua sede central enviava uma cota financeira à Comissão Estadual, que ajudava a desenvolver “[...] uma verdadeira maratona de trabalhos assistenciais” (Muller, 1994, p. 165) e, além disso, o governo, por iniciativa do diretor do Tesouro do Estado, Cel. Antônio Antero Paes de Barros, “[...] criou um selo legionário [...] que colada a todos os documentos que tramitassem pelo Tesouro forneceriam recurso à Legião” (Muller, 1994, p. 165).
Na ocasião da comemoração da Semana da Criança, o discurso do Dr. Clovis Pitaluga de Moraes falou sobre a iniciativa:
Primeira Instituição de tal natureza que se instala na nossa cidade. Ela veio preencher uma lacuna imensa na nossa estrutura Médico-Social. Problema de todos os tempos neste Brasil imenso e rico, a Assistência à Maternidade, tem para nós, mato-grossenses, um aspecto todo especial.
A nossa situação é de quase abandono e descalabro. Falta ao nosso povo, uma compreensão das funções naturais que são gravides e o parto; [...]
A imprensa, o cinema, o rádio, o teatro, devem encetar uma insistente propaganda orientando o nosso povo que nada sabe a respeito, acerca dos problemas principais relacionados à gravides e no parto. Só assim venceremos a situação de verdadeira calamidade em que nos achamos nesse particular; e, não se pense que somos só nós, cuiabanos ou mato-grossenses; - o problema é nacional [...] (O Estado de Mato Grosso, 19 de outubro de 1945, p. 3).
É possível perceber nas manifestações dos médicos e governantes, que circulavam nos jornais, que a preocupação com os cuidados com a criança tornava-se cada vez mais frequente. A publicação no Jornal do Commercio ilustra tal afirmação:
Amparar a população escolar é, realmente, fazer alguma coisa. Mas é somente remediar. Para prevenir seria necessário iniciar desde já, sem perda de tempo, uma campanha mais ampla, visando o problema em toda a sua vastidão.
A tarefa destinada ao amparo da população escolar será mais fácil quando os futuros estudantes se tenham dado, mesmo antes do seu nascimento, no ventre materno, a proteção que eles reclamam e a que têm direito para ingressarem vantajosamente na vida
Isto quer dizer que não haverá assistência perfeita ao estudante, sem que haja também, ao mesmo tempo, amparo irrestrito à maternidade e à infância (Jornal do Commercio, 29 de janeiro de 1940, p. 1).
Na mesma ocasião, outras obras de assistência foram inauguradas, como o ‘Copo de Leite’ no Centro de Saúde, para as crianças pré-escolares5 e escolares inscritas, em complementação ao leite servido nas mamadeiras às crianças até um ano de idade no Lactário. Sobre o programa, o Dr Laerte Manhães de Andrade explicou:
Agora, institue-se o “Copo de Leite”, que estamos certos não virá resolver o problema da carência alimentar em que vivem os nossos pequeninos homenageados de agora, mas, que virá melhorá-los sensivelmente, sendo como é, o Leite um alimento considerado pelos nutricionistas, como completo. Virá dar uma alimentação matinal e muitas crianças, quem sabe mesmo si a primeira, e assim poderão satisfazer as mais urgentes necessidades do seu organismo em formação (O Estado de Mato Grosso, 19 de outubro de 1945, p. 1).
A ‘Casa da Criança’ de iniciativa da LBA, também foi inaugurada embora já se encontrasse em funcionamento subsistindo com financiamento da LBA e por meio da promoção de eventos sociais, relacionando a caridade com a elegância das senhoras da elite cuiabana, como divulgados nas manchetes: “Chá dansante em beneficio da Casa da Criança: no salão de chá do Cine teatro Cuiabá, realizar-se-á no proximo dia 2, essa festa de elegância e caridade” (O Estado de Mato Grosso, 27 de maio de 1945, p. 1); “Festival em benefício da Casa da Criança” (O Estado de Mato Grosso, 19 de outubro de 1945, p. 1).
Na ‘Casa da Criança’ foi instalada uma Creche para crianças de até 1 ano de idade, “[...] visando assegurar alimentação regular aos filhos das mulheres que trabalham” (O Estado de Mato Grosso, 19 de outubro de 1945, p. 2). Segundo Vieira (1988, p. 4), mais do que isso, “[...] a creche era proposta como dispositivo para disciplinar mães e educar crianças nos preceitos da puericultura, como dispositivo de normatização da relação mãe/filho nas classes populares”. Embora a Casa da Criança fosse uma iniciativa da LBA, ela foi acompanhada e orientada pelo DNCr, como afirma Vieira, (1988, p. 4):
Tanto o DNCr como a LBA funcionavam como órgãos repassadores de recursos para essas instituições, sendo que a LBA chegou a implantar creches ou casas da criança diretamente. Contudo, foi no DNCr, ele mesmo um órgão normativo, que se observou a preocupação em determinar adequado funcionamento dessas creches, através da fiscalização e de publicações que abarcavam itens sobre: a organização dos serviços e seus objetivos, do ponto de vista sanitário e educativo; o desenvolvimento da criança e suas necessidades; a preparação do pessoal responsável e os aspectos arquitetônicos das instalações.
Na obra, resultante de dois trabalhos organizados e distribuídos em 1943 pelo DNCr em resposta às informações solicitadas ao Departamento, a autora Celina Nina ressaltou que as instituições pré-escolares, segundo a educadora francesa Kergormard, era “um mal necessário”, pois, embora a criança necessite da presença e atenção da mãe, “[...] sem dúvida, as mães poderão trabalhar mais descansadas e produzir mais, se sabem seus filhos bem atendidos [...]” (Nina, 1955, p. 8).
A instituição também ofereceu o “Jardim de Infância, onde a criança aprende a ser ordeira e adquire os primeiros hábitos de vida correta e higiênica, pois, na idade de 1 a 5 anos, torna-se uma tarefa relativamente fácil” (O Estado de Mato Grosso, 19 de outubro de 1945, p. 2). Não cita o periódico e nem os demais documentos a criação de uma Escola Maternal que, conforme orientação do DNCr, deveria atender às crianças entre 2 e 3 anos, levando-nos a conjecturar, analisando a matéria jornalística, que as crianças de 2 a 6 anos foram atendidas no Jardim de Infância.
Vieira (1988, p. 14) chama-nos a atenção de que o DNCr normatizava o funcionamento tanto dos jardins de infância, quanto das escolas maternais, defendendo ser a educação pré-escolar “[...] uma extensão do lar e não uma ante-sala da escola primária”. Nina (1955) afirma que essas instituições tinham como finalidade auxiliar as famílias na educação de seus filhos em idade pré-escolar, visando a formação integral desses, e, com isso,
1) oferecer às crianças ambiente para experiências;
2) desenvolver- lhes hábitos, capacidade, atitudes corretas;
3) levá-las a verificar e sentir o que realizam;
4º apresentar-lhes meio idêntico de vida e educação, no lar e na instituição, promovendo melhor entendimento entre elas a fim de obter cidadãos mais bem formados;
6º facilitar melhor ‘compreensão internacional’ (Nina, 1955, p. 11).
Na ótica da autora, os jardins de infância (modalidade oferecida pela Casa da Criança) foram considerados locais de educação da criança, meio de auxílio aos pais trabalhadores e com “[...] obrigações momentâneas [...]”, assim como meio de civilização das diferentes infâncias (Nina, 1955, p. 11). No entanto, devido à ausência de documentação, não podemos analisar a clientela e o currículo do Jardim de Infância instalado na Casa da Criança em Cuiabá.
Em processo endereçado ao Diretor da Instrução Pública, professor Francisco Ferreira Mendes, no dia 11 de dezembro de 1945, a diretora da Casa da Criança, D. Isabela Costa, solicitou a criação de uma escola “afim (sic) de ministrar instrução às 40 crianças que ali se encontram em condições de receberem o ensino primário”. Para este propósito, inteligentemente argumentou: “A ‘Casa da Criança’ é uma instituição mantida pela LBA e a nomeação, pelo Estado, de uma professora para ali exercitar o seu magistério, constitui medida de alta relevância, digna de ser adotada como complemento à obra iniciada” (Mato Grosso, Processo nº 2190, 1945). Sua solicitação foi atendida e foi criada a ‘Escola Casa da Criança’, sendo lotada no dia 11 de março de 1946, a professora Hilda Pinho Josetti (Mato Grosso, Ofício, 1946). Desse modo, a atuação da LBA, juntamente com o DNCr, se ampliou para as crianças em idade escolar.
Foi inaugurado, junto com o ‘Copo de leite’e a ‘Casa da Criança’, um Consultório de Pediatria e Enfermaria “[...] o complemento indispensável para o trabalho sanitário de proteção à criança sadia a que se dedicam os Centros de Saúde” (O Estado de Mato Grosso, 19 de outubro de 1945, p. 2).
E, por fim, ligado ao Departamento de Saúde do estado, funcionou o Serviço de Higiene Pré-escolar e escolar que, até 1948, esteve sob a coordenação da Dra. Judith da Rocha Telles. O estado contava, no referido ano, com 12 Postos de Higiene nas seguintes localidades: Centro de Saúde- Capital; Campo Grande; Aquidauana; Corumbá; Guiratinga; Cáceres; Três Lagoas; Paranaíba; Poconé; Poxoréu; Rio Brilhante e Rosário Oeste (Mensagem..., 1949).
Considerações finais
Com efeito, da análise da relação entre educação na primeira infância e suas instituições no horizonte da assistência propalado pelo Departamento Nacional da Criança, percebe-se que entre a educação e a saúde das crianças os governos, tanto federal como estadual, priorizaram a saúde e a assistência. Mesmo sendo parte do Ministério da Educação, o órgão de assistência não se propôs a lidar com demandas educacionais a rigor. A essa constatação se associa a compreensão de que a articulação e o diálogo entre governo federal e estados e municípios no âmbito da assistência, também, foram guiados por esse horizonte, ou seja, a assistência já ocorria como ações localizadas, seja em instituições do município ou numa instituição como a Legião Brasileira de Assistência, atuante no Brasil todo, inclusive com acompanhamento de agentes estrangeiros afins à causa. Portanto, a ação do DNCr foi tangencial: envio de apoio e pessoal técnico, destinação de algum subsídio como bolsas de estudo; e isso no caso das ações de assistência à sobrevivência da criança e da mãe.
Em Mato Grosso foi possível perceber que as iniciativas assistenciais se centravam nas mulheres, predominantemente nas mãos da primeira-dama do estado, Maria de Arruda Muller, que assumiu cargos de destaque, no caso, a presidência da Sociedade de Proteção à Maternidade e à Infância e da Legião Brasileira da Boa Vontade. Ela, na ocasião, participava do Grêmio Julia Lopes, formado por mulheres da sociedade cuiabana, que tinha a Revista A Violeta como impresso para divulgar suas ideias. Assim, é possível perceber que Maria Muller, com sua liderança, conclamava as mulheres da elite cuiabana para atuar nas frentes assistencialistas.
Foi possível perceber que a educação acontecia nas orientações e cuidados com as mães como, também, em instituições formais como as creches, jardins de infância e escola primária, que funcionaram na Casa da Criança. Assim, o estado, contando com a liderança da família Muller no governo federal e estadual (Filinto, Julio e D. Maria), pôde investir no cuidado com a criança, subsidiado e acompanhado pelo DNCr e pela LBA, embora grande parte dos esforços tenha sido centrado na capital, onde havia mais reconhecimento e se inseria no projeto de modernização da capital mato-grossense. Assim, foi possível perceber um esforço em instalar instituições de cuidado e educação da infância, pois investir na criança, em sua saúde e educação, significava investir no futuro trabalhador saudável e ordeiro.