Introdução
A Avaliação Nacional da Alfabetização - ANA - é realizada pelo Inep, com a finalidade de verificar o nível de alfabetização dos estudantes ao final do 3º ano do ensino fundamental. Em 2013 ocorreu a edição piloto e em 2014 e 2016 a ANA foi aplicada de forma censitária em todo o país. Por meio deste estudo, busca-se analisar como a concepção de alfabetização é apresentada nos documentos de formulação e implantação da ANA, bem como analisar a construção das habilidades essenciais avaliadas, dos indicadores de desempenho e seus resultados. Para tanto, realizou-se análise documental e cognitiva das matrizes de referências e dos dados obtidos nas três edições da ANA, com relação à leitura, escrita e matemática.
Alfabetização e Letramento
Os documentos oficiais da ANA selecionados para esta análise retratam a “alfabetização na perspectiva do letramento” (Brasil, 2018). Isso significa considerar a aprendizagem do sistema alfabético e das práticas sociais como processos distintos, que devem ocorrer simultaneamente e de forma articulada. De acordo estes documentos, a alfabetização é definida como a “apropriação do sistema de escrita, que pressupõe a compreensão do princípio alfabético, indispensável ao domínio da leitura e da escrita. O letramento por sua vez é definido como as práticas e os usos sociais de leitura e da escrita em diferentes contextos” (Brasil, 2013, p. 9).
É importante salientar que existem outras concepções de alfabetização e de letramento, inclusive com aspectos divergentes a esta apresentada nos documentos, ou com nomenclaturas diferentes. Ferreiro, Teberosky (2008) e Weisz (2000), por exemplo, afirmam não haver distinção entre os dois processos, ou seja, a compreensão do sistema e o uso da escrita são indissociáveis, num processo único e complexo.
O que é consenso entre os pesquisadores, é a afirmação de que ler e escrever com competência não acontece apenas pelo fato de conhecer as letras, juntá-las e formar palavras, pois, compreender o sentido da leitura e da escrita no mundo é essencial para ser alfabetizado: “A alfabetização assume foco central da escolarização [...] concorre para a inserção das pessoas nos contextos letrados da atualidade como elemento significativo para a formação da cidadania” (Brasil, 2015a, p.18).
Para fins dessa análise, optou-se em priorizar a concepção de alfabetização e de letramento como aspectos complementares e fundamentais ao conceito geral de ser plenamente alfabetizado, capaz de ler e escrever, compreender e utilizar a língua escrita, perspectiva presente nos documentos da ANA. Conforme ressalta Gontijo (2014), esta visão tem sido adotada pelos documentos oficiais do país desde o final da década de 1990, constituída por contribuições de pesquisas de diferentes linhas, influência internacional e interesses políticos.
Constituição dos termos alfabetização e letramento no Brasil
Para Gontijo (2014) a discussão para definir alfabetização em diferentes áreas levou a construção de quatro concepções: “a) alfabetização como conjunto de competências autônomas; b) alfabetização como aplicada, praticada e situada; c) alfabetização como
processo de aprendizagem; d) alfabetização como texto” (p.15). Estas formas de ver a alfabetização influenciaram os conceitos adotados pela Unesco em seus documentos orientadores nas últimas décadas e, por consequência, os documentos de países como o Brasil.
O enfoque mais comum, conforme Gontijo (2014), é a alfabetização como conjunto de competências, concepção presente nos materiais e métodos sintéticos e analíticos. Há os que defendem a alfabetização como codificação e decodificação de fonemas, letras e sílabas com ênfase no aspecto fonético, e aqueles que a concebem como compreensão de significados de palavras, frases e textos. Essa discussão polêmica aconteceu no Brasil na década de 1980, prevalecendo nos documentos a concepção da alfabetização como compreensão do significado. Mais recentemente, a decodificação dos aspectos fonéticos da língua vem se sobrepondo a questão do significado nos documentos, baseados em investigações que destacam a importância da consciência fonológica para a leitura fluente e para escrita (Gontijo, 2014).
A segunda concepção, a de que a alfabetização é aplicada e praticada, é produto de investigações que revelam os limites da decodificação e parte da ideia de que a escrita, leitura e cálculo são práticas sociais e como tais devem ser ensinadas. A alfabetização funcional é o termo decorrente dessa perspectiva, assim como o analfabetismo funcional, utilizado como indicador social.
De acordo com Gontijo (2014), dessa forma a alfabetização é vista como preparação do indivíduo para atuar na sociedade e nela ser participativo e produtivo. A alfabetização como texto, tem como fundamento o discurso e discute como o poder e suas estruturas são reproduzidos pela linguagem. Neste sentido, é “influenciada pelas teorias sociais gerais [...] e situa a alfabetização no contexto de práticas sociopolíticas de comunicação” (Gontijo, 2014, p.17).
O terceiro enfoque defende a alfabetização como processo de aprendizagem, baseado nas descobertas de Dewey e Piaget. Nesse sentido, os estudos construtivistas, sobretudo de Ferreiro e Teberosky, compreendem a alfabetização na perspectiva de quem aprende, com fases e estágios graduais de construção e compreensão do sistema de escrita. Esta concepção influenciou as políticas no Brasil na década de 1990 e, apesar de críticas, é a base dos documentos do MEC sobre alfabetização, pelo menos, até 2018.
As contribuições acerca desta temática nas últimas décadas no Brasil, Soares (2004; 2020) é uma importante referência para os que defendem a existência da alfabetização e letramento como dois processos independentes e correlacionados, que possibilitam a apropriação da leitura e da escrita.
Ao falar sobre a origem do termo ‘letramento’, Soares (2004) nos remete a estudos de outros países e afirma que o contexto histórico para o início do uso do termo é diferente, principalmente ao se comparar países de primeiro mundo. Na França, na década de 1980, percebeu-se o analfabetismo como um problema da população imigrante, porém, estudos revelaram que muitos franceses também apresentavam índices baixos de leitura e escrita. Frente a esta realidade, surgiu o termo illetrisme, para designar “aqueles que tinham cursado uma parte ou a totalidade do ensino primário sem adquirir capacidades adequadas que permitissem um desempenho satisfatório diante das demandas sociais” (Gontijo, 2014, p. 46)
De acordo com Soares (2020), por volta dos anos de 1980, estudos evidenciaram que, apesar de alfabetizados, muitos estudantes e pessoas adultas que já haviam passado pela escola, demostravam dificuldade em utilizar a escrita nas múltiplas demandas escolares e sociais em que se faz necessária. Portanto, reconheceu-se a necessidade de que a alfabetização fosse aliada ao um novo conceito, o letramento, “entendido como desenvolvimento explícito e sistemático de habilidades e estratégias de leitura e escrita” (Soares, 2020, p.12).
Dessa maneira, há a necessidade de a alfabetização ser compreendida como conhecimento do sistema alfabético e ortográfico, assim como o contexto de letramento, com participação ativa em situações significativas de leitura e escrita, sem que haja a predominância de um ou outro processo. Surgiu, então, a alfabetização na perspectiva do letramento, expressão utilizada nos atuais documentos oficiais brasileiros.
De forma mais detalhada, Soares (2020) define as habilidades e capacidades da alfabetização e letramento e a relação entre os dois processos: a) alfabetização -tecnologia da escrita: necessária para compreender o sistema alfabético e suas normas ortográficas; conhecer convenções da escrita como a direção do texto; manipular ferramentas de escrita e suportes em que se sê escreve e b) letramento: ler e escrever para atingir diversos propósitos; interpretar e produzir textos de diferentes tipos e gêneros; capacidade de inserção no mundo da leitura e escrita, tendo o texto como elemento base.
Alfabetização e letramento são processos cognitivos e linguísticos distintos, portanto, a aprendizagem e o ensino de um e de outro é de natureza essencialmente diferente; entretanto, as ciências em que se baseiam esses processos e a pedagogia por elas sugeridas evidenciam que são processos simultâneos e interdependentes. (Soares, 2020, p. 27)
Para a autora, o conceito de Letramento é amplo e complexo. Soares (2020) reforça que também na atualidade o termo tem sido aliado ao prefixo multi ou apresentado juntamente com o adjetivo múltiplos a fim de contemplar a diversidade de sentidos, inclusive para representar outros sistemas de representação além da linguagem como “letramento digital, letramento musical, letramento matemático (também chamado numeramento), letramento científico, letramento geográfico etc.” (p.32).
Conforme Soares (2020), o Letramento funciona no contexto da aprendizagem da língua e articula-se ao conjunto das práticas sociais de leitura e escrita e da sua apropriação competente por parte os estudantes. O Letramento acontece pelo uso da leitura e escrita em suas diversas funções sociais e se apresenta em textos do mundo letrado com sentido e significado para o ensino da língua escrita. Nessa diferenciação, a autora ressalta a necessidade de se compor a alfabetização com os dois processos, sem que um se sobreponha ao outro.
As duas práticas são importantes e devem ocorrer de forma concomitante.Dessa forma, a alfabetização não perde sua especificidade e não retorna aos moldes mecânicos de memorização dos antigos métodos, pois “ser capaz de ler e compreender textos e de escrever textos é o que se considera uma criança que, além de alfabética, se tornar alfabetizada, objetivo do ciclo de alfabetização e letramento” (Soares, 2020, p. 200).
Gontijo (2014,) que também ressalta a diferença dos dois processos, reafirma a complexidade de ambos e a necessidade de métodos diferenciados para seu ensino, porém, não sem metodologia. Como já defendido por Soares (2020), o ensino da língua deve ser sistematizado, o que não quer dizer mecanizado. Assim como não basta que o estudante esteja inserido em contextos letrados, é necessário que o ensino das práticas de leitura e escrita ocorra de forma planejada e intencional.
Matrizes de referências da ANA
Com base nos estudos sobre o ciclo de alfabetização e nas referências legais, o Inep desenvolveu a matriz de referência da ANA, ou seja, o conjunto de habilidades a serem avaliadas, consideradas como aprendizagens essenciais aos alunos no final do 3º ano, tanto para Língua Portuguesa, quanto para Matemática.
Para elaboração de uma avaliação de larga escala, é necessário a constituição de um conjunto de conhecimentos e informações que revelem dados do processo avaliado. De acordo com o documento básico, Brasil (2013), o processo de aprendizagem é amplo e complexo, o que impossibilita que seja medido diretamente por um instrumento de avaliação de larga escala, para tanto, é necessário que se estabeleça conhecimentos que represente parte desse processo.
A matriz é, portanto, um recorte de saberes considerados fundamentais aos estudantes avaliados, descritos em habilidades. Desse modo, a “matriz de referência retrata uma opção por determinados saberes, o que não nega que possam existir outros saberes ou informações significativas sobre o fenômeno” (Brasil, 2015, p. 22). De acordo com o documento, esse recorte reflete a escolha e o limite do instrumento de avaliação, que se pauta na opção técnica, pedagógica e política. O documento ressalta que outros tipos de avaliações complementares a ANA, e contextualizados à realidade de cada região do país e de cada escola, também devem ocorrer, assim como espera-se que as “crianças brasileiras possam vivenciar aprendizagens muito mais amplas do que a matriz da ANA considera” (Brasil, 2013, p. 15).
O processo de elaboração das matrizes teve como base os documentos oficiais e contribuições de pesquisadores da área, bem como representantes de várias instituições do governo e da sociedade, tais como CNE, Undime, Anped, Abalf e secretarias de educação.
Matriz de Língua Portuguesa
Em Língua Portuguesa, a matriz possui dois eixos estruturantes: leitura e escrita e suas respectivas habilidades
Eixo estruturante | Habilidade |
---|---|
Leitura | H1. Ler palavras com estrutura silábica canônica (consoante + vogal) |
H2. Ler palavras com estrutura silábica não canônica (vogal; vogal + consoante; consoante + consoante+ vogal); | |
H3. Reconhecer a finalidade do texto | |
H4. Localizar informações explícitas em textos | |
H5. Compreender os sentidos de palavras e expressões em textos | |
H6. Realizar inferências a partir da leitura de textos verbais | |
H7. Realizar inferências a partir da leitura de textos que articulem a linguagem verbal e não verbal | |
H8. Identificar o assunto de um texto | |
H9. Estabelecer relações entre partes de um texto marcadas por elementos coesivos | |
Escrita | H10. Grafar palavras com correspondências regulares diretas |
H11. Grafar palavras com correspondências regulares contextuais entre letras ou grupos de letras e seu valor sonoro |
Fonte: autores, a partir do documento básico da ANA (Brasil, 2013, p. 17).
Visto que a concepção de alfabetização da ANA contempla os saberes do sistema alfabético de Escrita e do Letramento como compreensão e prática social da língua em suas diversas finalidades, na análise do eixo Leitura pode-se destacar duas habilidades que avaliam especificamente o conhecimento do sistema alfabético: as habilidades um e dois, descritas como leitura de palavras. As demais habilidades de leitura, sete de um total de nove, avançam do conhecimento do sistema alfabético para a compreensão leitora, ainda que o conhecimento do sistema seja imprescindível, pois na aplicação da ANA a leitura dos textos deve ser realizada com autonomia pelo estudante. Portanto, sem o domínio do sistema de escrita, não é possível avaliar, por este instrumento, grande parte das habilidades de leitura.
Conforme Francisco (2017), a ANA não avalia Letramento, apenas alfabetização, por entender que as habilidades avaliadas não contemplam a principal característica do Letramento, que é o ensino da leitura e da escrita dentro de um contexto significativo do uso da linguagem. Porém, entende-se que um instrumento avaliativo da natureza da ANA, não tem como meta avaliar habilidades e competências de tal amplitude. No entanto, ao analisar as habilidades à luz do conceito de Alfabetização e Letramento, não se pode afirmar que a ANA avalia apenas alfabetização no sentido estrito, pois isso implicaria numa matriz de referência constituída somente com aspectos do sistema alfabético, o que não ocorre, pelo menos com relação à leitura.
De acordo com Soares e Bergmann (2020) “o peso dado à leitura e à compreensão de textos, ressaltado pela matriz da ANA, dialoga coerentemente com as expectativas gerais em torno do aprendizado de estudantes que já haviam percorrido praticamente três anos de escolarização” (p. 6), como se apropriar do sistema alfabético, assim como de práticas sociais de leitura e escrita. As habilidades selecionadas se relacionam com o conceito de letramento aqui discutido, pois tratam de localização de informações e inferências, reconhecimento da finalidade do texto, compreensão de sentidos e expressões, coerência e coesão. Portanto, no eixo Leitura observam-se aspectos de Letramento, ainda que numa perspectiva restrita e delimitada pelos agentes formuladores da avaliação.
O conceito de Letramento está intrinsecamente relacionado ao uso significativo de textos em seus diversos sentidos e funções, conferindo aos sujeitos participação na cultura letrada, autonomia de leitura e interpretação de diversos gêneros textuais. A abordagem restrita da ANA se constata na delimitação de alguns aspectos do Letramento, aferidos por itens isolados. Ainda que as habilidades de compreensão textual representem 60% do total da matriz de Leitura, são uma escolha dentre muitos outras de igual importância no âmbito do Letramento, como a valorização do significado dos textos para quem os lê.
Para a obtenção de um cenário mais próximo à realidade de cada região e instituição avaliada, no que diz respeito às experiencias de Letramento, outros instrumentos de verificação de aprendizagem se fazem necessários. Com relação ao eixo escrita, das 3 habilidades elencadas, duas são sobre o sistema alfabético, descritas como grafia de palavras com correspondência sonora regular e irregular. A outra habilidade é de produção de texto, que amplia a questão do saber do sistema alfabético para capacidade de escrever textos, em que são considerados elementos como coerência e coesão.
O que chama atenção nesta abordagem da Escrita é o pequeno número de habilidades em comparação com o eixo Leitura e apenas uma única proposta de produção de texto. Ainda que nos documentos da ANA fique claro que este instrumento propõe avaliar um recorte dentre muitos saberes necessários e importantes na alfabetização, a amostra restrita de habilidades de escrita reflete na leitura dos resultados. Revela também o entendimento do que se prioriza ou não neste instrumento de avaliação da alfabetização, ou seja, habilidades de leitura e não de escrita. A análise da matriz de Língua Portuguesa revela uma visão de alfabetização limitada no âmbito do Letramento, e as informações produzidas pela ANA estão para além das concepções prescritas em seus documentos, bem como apontam a opção técnica e política dos agentes formuladores em priorizar habilidades instrumentais da leitura e escrita.
A compreensão dessa perspectiva se mostra relevante, sobretudo, na influência que as matrizes de referências da avaliação podem ter no ajuste de propostas curriculares e na prática pedagógica, representando um esvaziamento da concepção de letramento, o que de fato não condiz com a complexidade dessa vivência e sua relação de sentido com o mundo letrado.
Matriz de Matemática
Com relação à matemática, a ANA segue o mesmo conceito de Alfabetização da Língua Portuguesa, ou seja, a perspectiva do Letramento. Espera-se que a criança, ao final do ciclo, tenha consolidado o processo de Alfabetização também em Matemática, que considera além do conhecimento do sistema numérico e das quatro operações, a leitura de mundo e de amplas fontes de registros em que os conhecimentos matemáticos estão presentes de forma efetiva e significativa no meio social.
Carvalho (2007) discute a relação da Matemática com a escrita e considera o termo numeracy para definir a alfabetização em Matemática como a capacidade de utilizar conhecimentos e habilidades em situações que envolvam a Matemática. Pesquisas do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional - Inaf - definem a habilidade Matemática como a “capacidade de mobilização de conhecimentos associados à quantificação, à ordenação, à orientação, e suas relações, operações e representações, na realização de tarefas ou na resolução de situações problemas” (Inaf, 2002 apud Carvalho,2007, p. 39).
Nesta mesma perspectiva, os documentos da ANA ressaltam que alfabetização matemática pode ser definida como “processos de organização das vivências que a criança traz de suas atividades pré-escolares, de forma a levá-la a construir um corpo de conhecimentos articulados que potencialize sua atuação na vida cidadã” (Brasil, 2013, p.10; Brasil, 2015, p.21)
A fim de avaliar a alfabetização matemática, a matriz da ANA é composta por 18 habilidades, estruturadas em quatro eixos: numérico e algébrico; geometria; grandezas e medidas; tratamento da informação.
Eixo estruturante | Habilidade |
---|---|
Numérico e algébrico | H1. Associar a contagem de coleções de objetos à representação numérica das suas respectivas quantidades |
H2. Associar a denominação do número à sua respectiva representação simbólica | |
H3. Comparar ou ordenar quantidades pela contagem para identificar igualdade ou desigualdade numérica | |
H4. Comparar ou ordenar números naturais | |
H5. Compor e decompor números | |
H6. Resolver problemas que demandam as ações de juntar, separar, acrescentar e retirar quantidades | |
H7. Resolver problemas que demandam as ações de comparar e completar quantidades | |
H8. Cálculo de adições e subtrações | |
H9. Resolver problemas que envolvam as ideias da multiplicação | |
H10. Resolver problemas que envolvam as ideias da divisão | |
Geometria | H11. Identificar figuras geométricas planas |
H12. Reconhecer as representações de figuras geométricas espaciais | |
Grandezas e medidas | H13. Comparar e ordenar comprimentos |
H14. Identificar e relacionar cédulas e moedas | |
H15. Identificar, comparar, relacionar e ordenar tempo em diferentes sistemas de medida | |
H16. Ler resultados de medições | |
Tratamento da informação | H17. Identificar informações apresentadas em tabelas |
H18. Identificar informações apresentadas em gráficos |
Fonte: autores, com base no documento básico da ANA (Brasil, 2013, p.19).
Pela matriz descrita, considera-se que o conceito de Alfabetização Matemática é contemplado pela ANA. A prioridade é para o eixo numérico e algébrico, em que se encontra a maioria das habilidades, inclusive a resolução situações problemas, que demanda leitura interpretativa.
Nos demais eixos tratados, as habilidades explicitam funções e usos diversos da Matemática no cotidiano e na sociedade, aspectos do Letramento, porém, elementos fundamentais como coerência e coesão são poucos explorados assim como o raciocínio lógico.
Ressalta-se que, como ocorre com a leitura e escrita, as habilidades elencadas pela ANA são um recorte, uma escolha e não representam a totalidade de conhecimentos matemáticos, mas sim uma seleção de acordo com a concepção de alfabetização em matemática prevista pelo instrumento avaliativo. A análise reforça a abordagem restrita da avaliação no que tange à concepção de Letramento, tanto na matriz em Leitura e Escrita, quanto em Matemática. Revela, ainda, a escolha dos formuladores em se priorizar números e contagens diante de um universo bem mais amplo e rico que a Matemática oferece e se faz presente de forma significativa na vida dos estudantes.
Indicadores de desempenho
Para Borges (2019), o “indicador se revela como um sinal que aponta para uma direção, mostrando determinada situação e sugerindo possíveis ações” (p.120). O autor descreve três tipos de indicadores: simples, de desempenho e geral. O indicador simples utiliza números absolutos e é conhecido como estatística gerencial. O indicador de desempenho é relativo, implica padrão e comparação. O geral baseia-se em opiniões ou estatística gerais. A partir da matriz de referência de cada aspecto avaliado, foram elaborados os níveis de proficiência ou níveis de escala. São esses níveis que determinam o desempenho em alfabetização aferido pela ANA:
Os níveis de escala são progressivos e cumulativos, isto é, partem de conhecimentos e habilidades menos complexos para mais complexos, com uma organização da menor para a maior proficiência. Assim, um estudante tem grande probabilidade de dominar tanto as habilidades e os conhecimentos referentes ao nível em que está posicionado, quanto os referentes aos níveis inferiores. (Brasil, 2015, p. 23)
Avaliações referenciadas por escala de proficiência têm a descrição do desempenho dos estudantes aferida quantitativamente: “Após a aplicação do teste, a descrição dos itens da escala oferece uma explicação probabilística sobre as habilidades demonstradas ou a proficiência do participante até aquele ponto” (Brasil, 2015, p. 34). O Inep, com base em metodologia utilizada no Saeb desde 1995, delimitou a média de desempenho da ANA em 500 pontos para os três indicadores: Leitura, Escrita e Matemática. Dessa forma, foi elaborada a escala de proficiência desses indicadores. Em Leitura são quatro níveis, na Escrita são cinco e em Matemática quatro níveis. A escala de cada indicador é única, ou seja, uma proficiência em Leitura de 300 pontos é diferente de uma proficiência de 300 pontos em Matemática.
Os níveis de proficiência são acompanhados por uma descrição pedagógica que consiste na explicação do item e sua interpretação. Para tanto, se considera a operação cognitiva, o objeto do conhecimento e o contexto. A operação cognitiva são os processos mentais que o estudante deve mobilizar para chegar à resposta; o objeto do conhecimento se refere aos conteúdos envolvidos e o contexto diz respeito à situação em que a habilidade é testada, por exemplo: situações problema, gênero textual, tabelas e gráficos, enfim aspecto diretamente relacionado ao conceito de Letramento.
De uma edição para outra ocorreram alterações na descrição dos níveis, algumas habilidades foram ampliadas ou alocadas no nível subsequente. Isso se deve ao contexto de aplicação e correção de cada edição. Conforme documento da ANA (Brasil, 2015) “os desempenhos são comparáveis ao longo dos anos, pois os novos itens foram inseridos na mesma escala e contribuíram para o enriquecimento de sua interpretação pedagógica” (p. 39).
Portanto, é possível a comparação do desempenho dos estudantes nas três edições, com exceção do indicador de Escrita, que teve a metodologia de correção de itens alterada após a edição piloto de 2013.
Indicadores de desempenho em Leitura
O desempenho em leitura avaliado pela ANA é descrito no gráfico abaixo, por meio do percentual de estudantes em nível de proficiência.
O resultado mostrou que o desempenho em Leitura nas três edições da ANA praticamente não mudou: em três dos quatro níveis não houve mudança no percentual registrado. Os estudantes que se enquadram no nível 1 são capazes de ler palavras, porém, ainda não dominam a leitura de textos. De 24% em 2013 esse percentual caiu para 22% em 2014, número que permaneceu em 2016, ou seja pouco mais de 20% dos estudantes no final do ciclo de alfabetização dominavam apenas a leitura de palavras, percentual alto para um nível baixo de proficiência de leitura.
O nível 2 concentrou 33% dos estudantes nas edições de 2013 e 2016 e 34% em 2014. Neste nível, além do conhecimento do sistema de escrita avalia-se algum conhecimento de Letramento. Compreende habilidades relacionadas a leitura de textos e, entre as capacidades avaliadas, estão a localização de informações explícitas e identificação do gênero, relação entre causa e consequência. Este nível representa capacidade de leitura com proficiência básica.
O nível 3 concentrou percentual próximo ao registrado no nível 2, 33% em 2013 e 2014, e 32% em 2016. Neste, nível aumenta-se o grau de dificuldade em habilidades como localização de informações, amplia-se a diversidade de gêneros textuais e a capacidade de inferência como causa e consequência em textos verbais variados.
O nível 4, além das habilidades dos níveis anteriores, prevê “inferências e identificações referentes de pronome possessivo, demonstrativo, indefinido, pessoal, oblíquo e de advérbio” (Brasil, 2018, p. 39). Também se encontram nesta classificação itens com textos de maior extensão e complexidade. É o nível de proficiência desejável às crianças no final do ciclo, no entanto, registrou o menor percentual em todas as edições: 10% em 2013 ,11% em 2014 e 13% em 2016 indicando pequeno crescimento de 1 ou 2 pontos percentuais de uma edição da avaliação para outra.
De acordo com Soares (2020), a Leitura competente perpassa pela compreensão e pela interpretação do texto. Compreender é entender o foi lido, o significado das palavras e identificar os fatos do texto. Interpretar é conectar o que foi compreendido com o que está subentendido, ou seja, fazer conexões entre os fatos explícitos e implícitos. Essa capacidade é vista de forma menos complexa no nível 2 de proficiência e de forma mais complexa nos níveis 3 e 4, que representam capacidade adequada de leitura para o final do ciclo de alfabetização.
É importante reafirmar que a avaliação é uma delimitação de um contexto amplo e que os itens que a compõem são uma escolha dentre outras inúmeras possibilidades de verificar a competência leitora dos estudantes. No entanto, pela análise dos resultados da ANA em suas três edições, evidencia-se um percentual acima de 20% de crianças com desempenho abaixo do básico, no que se refere a leitura de textos. Note-se que a leitura de palavras não avalia habilidades mais amplas de Letramento, apenas o conhecimento do sistema de escrita. Revelam ainda que pouco mais de 30% dos estudantes realizam leitura básica de textos curtos do cotidiano. Ou seja, quando somados os resultados destes dois primeiros níveis, considera-se que mais de 50% dos estudantes apresentaram desempenho em níveis insuficientes de leitura nos períodos avaliados pela ANA, conforme a matriz de leitura e o referencial de alfabetização deste instrumento.
Nos dois últimos níveis, em que se concentram habilidades de leitura com autonomia, maior diversidade de textos e a predominância da capacidade de realizar inferências, registrou-se 43% dos estudantes em 2013, 44% em 2014 e 45% em 2016, somados os percentuais dos níveis 3 e 4. O que leva a considerar que o desempenho dos estudantes em Leitura adequada não chegou a 50% dos estudantes nas três edições, ainda que com crescimento de um ponto percentual em cada edição.
Indicadores de desempenho em Escrita
De acordo com o documento básico da ANA (Brasil, 2013), a aprendizagem do sistema alfabético é fundamental, assim como é importante que esta aprendizagem ocorra de forma reflexiva, lúdica e contextualizada em situações de leitura e escrita diversas. Nesta subseção, analisa-se o desempenho dos estudantes em escrita nas edições da ANA de 2014 e 2016, classificado em cinco níveis de proficiência. A edição de 2013 não será objeto desta análise dos resultados em escrita devido à mudança na matriz de referência.
Assim como ocorre com o desempenho em Leitura, o indicador em Escrita revela que as alterações de uma edição para outra foram insignificantes, com exceção do nível 3, que apresentou queda de seis pontos percentuais de 2014 para 2016. Nos demais níveis de proficiência, os percentuais cresceram dois pontos e, no nível 5, diminuíram dois pontos.
No nível 1 estão as crianças que ainda não dominam a escrita alfabética de palavras, desempenho de 12% dos estudantes em 2014 e 14% em 2016. No nível 2 se encontram os estudantes que já escrevem palavras alfabeticamente, porém, podem apresentar trocas e omissões de letras. Assim como no nível 1, as crianças no nível 2 não elaboram texto escrito de forma ilegível, resultado de 15% das crianças em 2014 e 17% em 2016.
O nível 3 de proficiência em Escrita concentra o percentual de estudantes que avançou da escrita de palavras, escrevendo-as alfabeticamente, ainda que com desvios ortográficos. Em relação à elaboração de texto, “provavelmente escrevem de forma incipiente ou inadequada ao que foi proposto” (Brasil, 2018, p. 41). Encontravam-se neste nível 8% dos estudantes em 2014 e 2% em 2016.
O nível 4 representou a maioria dos estudantes, tanto em 2014, quanto em 2016, com 56% e 58%, respectivamente. Neste nível é provável que as crianças sejam capazes de escrever um texto conforme solicitado, ainda que com falhas na pontuação, ortografia e coesão, que comprometem parcialmente o sentido do texto.
No nível 5 encontram-se as crianças com proficiência considerada desejável conforme a matriz da ANA: 10% em 2014 e 8% em 2016. Os estudantes neste nível apresentam as habilidades dos níveis anteriores e avançam na produção escrita, dando continuidade a um texto narrativo, com coerência, coesão e poucos desvios orográficos e de pontuação, que não comprometem a compreensão.
Os dois últimos níveis somados concentraram, nas edições de 2014 e 2016, 66% dos estudantes, sendo a maioria no nível básico de produção textual. Este resultado pode levar à percepção de que os estudantes obtiveram um desempenho mais superior em Escrita do que em Leitura, contudo, cabe salientar que as habilidades em escrita avaliadas pela ANA são restritas a apenas três itens, sendo dois de escrita de palavras e um item com proposta de produção de uma narrativa. Sendo assim, também se verifica defasagem no desempenho de escrita, em que cerca de 30% das crianças avaliadas nas duas edições não foram capazes de escrever texto conforme a proposta.
Indicadores de desempenho em Matemática
O desempenho em Matemática analisado nas três edições da ANA, 2013, 2014 e 2016 refere-se à classificação dos estudantes em quatro níveis de proficiência. Os resultados mostram estagnação do percentual de estudantes em todos os níveis.
O nível 1 de proficiência representa capacidade de contagem e comparação de quantidades até vinte objetos; leitura de horas em relógio digital; reconhecimento de figuras geométricas planas; identificação de informações em gráfico de colunas simples. Neste nível, considerado abaixo do básico ou elementar, o percentual de estudantes foi de 24% em 2013 e 2014 e 23% em 2016.
O nível 2, que concentrou a maioria das crianças nas três edições, registrando pouco mais de 30%, se refere às habilidades do nível anterior e amplia para a capacidade de reconhecer números de até três ordens; resolução de situações problemas de adição, subtração, multiplicação e divisão de números com dois algarismos; leitura e interpretação de dados em tabelas e gráficos; identificação de sequências numéricas em diferentes intervalos e reconhecimento de cédulas e moedas.
O nível 3, classificado entre básico e adequado, contempla as descrições anteriores e mais a capacidade de identificar características do sistema monetário com trocas e agrupamentos; utilizar instrumentos de medidas diversos; realizar leitura e interpretação de dados em tabelas de dupla entrada; sequências e cálculos com três algarismos; situações problemas do campo aditivo e multiplicativo com alguns significados. Neste nível o percentual de estudantes foi de 18% em todas as edições.
O nível 4, considerado desejável pela matriz de referência, concentrou 24% em 2013, 25% em 2014 e 27% em 2016. Neste nível, são classificadas crianças capazes de avançar no conhecimento de uso de instrumentos de medidas, inferindo informações; resolver situações problemas com diferentes significados; composição e decomposição de números por meio da adição de números naturais de até três algarismos, assim como as habilidades dos níveis anteriores.
O desempenho em Matemática registrou percentuais melhores no nível mais avançado, pouco mais de 20%, se comparado à leitura e escrita. No entanto, no nível mais baixo, também ultrapassou os 20%, assim como o desempenho em leitura.
Os dados da ANA nos indicadores de leitura, escrita e Matemática revelaram estagnação no desempenho, sobretudo quando se compara a edição de 2014 e 2016, em que se tem o interstício de dois anos.
Considerações finais
O estudo evidencia que o conceito de alfabetização assumido pela ANA, segue a abordagem de outros documentos curriculares em nível nacional, cuja influência acontece por concepções e tendências pedagógicas atuais da aquisição do sistema de escrita, vinculada às práticas sociais da cultura letrada. É uma abordagem convergente com a de outras avaliações em larga escala e metas internacionais pautadas na eficiência e eficácia.
Considera-se que a ANA cumpriu o papel de fornecer dados sobre a alfabetização do país. Apesar das críticas a natureza da avaliação e as opções feitas por seus formuladores, de se privilegiar habilidades básicas da alfabetização em aspectos restritos do letramento, o resultado da ANA possui potencial para pontos importantes de reflexão e não podem ser ignorados. Dentre eles, a evidência de que sequer habilidades instrumentais estão adequadamente apropriadas pelos estudantes do primeiro ciclo.
Considerando a complexa dimensão da alfabetização plena, capaz de responder à demanda de formação integral, as habilidades avaliadas pela ANA são uma parte deste todo, uma seleção intencional, que como mostraram os resultados, não foram adquiridas. Portanto, é fundamental avançar de forma urgente em políticas e ações contínuas que contribuam com a melhoria da alfabetização e a progressão das aprendizagens de todas as crianças.