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Cadernos de Pesquisa

versión impresa ISSN 0100-1574versión On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.53  São Paulo  2023  Epub 13-Sep-2023

https://doi.org/10.1590/198053149898 

FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: NOVA RACIONALIDADE VIA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

FORMACIÓN DE PROFESORES: NUEVA RACIONALIDAD A TRAVÉS DE LA EXTENSIÓN UNIVERSITARIA

FORMATION DES ENSEIGNANTS: NOUVELLE RATIONALITÉ À TRAVERS L’EXTENSION UNIVERSITAIRE

Maria Celeste Souza de CastroI  , construiu um modelo para a extensão universitária para o contexto da articulação com a escola pública, Utilizando os dados da pesquisa, orientanda e orientador construímos este artigo, de forma colaborativa
http://orcid.org/0000-0002-4965-7180

Silvar Ferreira RibeiroII  , Utilizando os dados da pesquisa, orientanda e orientador construímos este artigo, de forma colaborativa
http://orcid.org/0000-0001-7036-7519

IUniversidade do Estado da Bahia (UNEB), Senhor do Bonfim (BA), Brasil; souzacastrom@gmail.com

IIUniversidade do Estado da Bahia (UNEB), Camaçari (BA), Brasil; silvarfribeiro@gmail.com


Resumo

Este artigo objetiva correlacionar os princípios e as diretrizes da extensão com as políticas de formação de professores e de ação na escola pública. Para isso foram consideradas a Resolução n. 2/2015, a Resolução n. 2/2019 e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A abordagem qualitativa foi realizada com análise categorial temática pelo software MAXQDA para extrair possíveis correlações entre as políticas de formação e ação. O aporte teórico de formação para autonomia e compromisso social subsidiou a ótica de análise, considerando a extensão universitária como campo educativo-formativo-científico-social que possibilita uma formação docente crítico- -emancipadora. Os resultados indicam que a extensão é o locus de referência para dar respostas criativas às políticas educacionais.

Palavras-Chave: EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA; POLÍTICA DA EDUCAÇÃO; PENSAMENTO COMPLEXO; RACIONALIDADE

Resumen

Este artículo tiene como objetivo correlacionar los principios y las directrices de la extensión con las políticas de formación de profesores y de acción en la escuela pública. Para eso fueron consideradas la Resolución n. 2/2015, la Resolución n. 2/2019 y la Base Nacional Comum Curricular [Base Nacional Común Curricular] (BNCC). El abordaje cualitativo fue realizado con análisis categórico temático utilizando el software MAXQDA para extraer posibles correlaciones entre las políticas de formación y acción. El aporte teórico de la formación para la autonomía y el compromiso social subsidió la perspectiva de análisis, considerando la extensión universitaria como un campo educativo-formativo-científico-social que posibilita una formación docente crítico-emancipadora. Los resultados indican que la extensión es el locus de referencia para dar respuestas creativas a las políticas educativas.

Palabras-clave: EXTENSIÓN UNIVERSITARIA; POLÍTICA EDUCATIVA; PENSAMIENTO COMPLEJO; RACIONALIDAD

Résumé

Cet article vise à relier les principes et les lignes directrices de l’extension universitaire avec les politiques de formation des enseignants et d’action publique dans le domaine éducatif. Pour ce faire, la Résolution n. 2/2015, la Résolution n. 2/2019 et la Base Nacional Comum Curricular [Base nationale commune curriculaire] (BNCC) ont été prises en compte. Dans le cadre de cette recherche d’approche qualitative, une analyse catégorielle thématique a été réalisée par le logiciel MAXQDA, afin d’extraire de possibles corrélations entre les politiques de formation et d’action. L’apport théorique sur la formation à l’autonomie critique et à l’engagement social a étayé la perspective de l’analyse, en considérant l’extension universitaire comme un champ aussi bien éducatif et formatif que scientifique et social qui permet une formation enseignante à la fois critique et émancipatrice. Les résultats indiquent que l’extension est le locus de référence pour donner des réponses créatives aux politiques éducatives.

Key words: EXTENSION UNIVERSITAIRE; POLITIQUE ÉDUCATIVE; PENSÉE COMPLEXE; RATIONALITÉ

Abstract

This article aims to correlate outreach principles and guidelines with policies on teacher education and on action in the public school. To that end, the study considered Resolution n. 2/2015, Resolution n. 2/2019 and the Base Nacional Comum Curricular [National Common Curriculum Base] (BNCC). The qualitative approach was carried out using thematic analysis with the software MAXQDA to extract possible correlations between education and action policies. The theoretical framework on education for autonomy and social commitment informed the analysis perspective, considering university outreach as an educational-scientific-social field which enables a critical- emancipatory teacher education. Results indicate that outreach is the reference locus for providing creative responses to education policies.

Key words: UNIVERSITY OUTREACH; EDUCATION POLICY; COMPLEX THINKING; RATIONALITY

Neste artigo,1 buscamos caminhos para dar respostas criativas às políticas educacionais de formação e ação para a educação básica. Como aponta Ball (2011, p. 46), a resposta à política precisa ser “construída no contexto, contraposta ou balanceada por outras expectativas, o que envolve algum tipo de ação social criativa”. Assumimos que o locus para esse exercício criativo está na inserção curricular da extensão universitária no contexto de formação de professores e da ação na escola. Por isso, apresentamos as(os) “brechas/desvios” encontradas(os) nos documentos normatizadores da formação e da ação dos professores para subsidiar/amparar o modelo de nova racionalidade para a extensão universitária, na área específica da formação de professores de ciências e matemática.

Os conceitos de “racionalidade aberta” e de “brechas/desvios”, utilizados por Morin (2015a, 2015b), subsidiam a construção teórica e direcionam o olhar para os seguintes documentos normatizadores da formação de professores: Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação), Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada) e a Base Nacional Comum Curricular- -Temas Contemporâneos Transversais (BNCC-TCT). Esses documentos foram selecionados pois estamos interessados em romper a desconexão existente entre as políticas curriculares de formação de professores da arena de ação da prática educacional e social. Para evidenciar que é necessário dar um sentido social ao binômio formação e ação, os documentos em questão foram correlacionados com o conceito de extensão universitária presente na Política Nacional de Extensão Universitária (PNExt) e na resolução que define as diretrizes para a extensão (Resolução n. 7, 2018). Tomamos como base, ainda, as conceptualizações de extensão defendidas por Gatti (2019) e Machado (2019), além da compreensão da formação como um processo de conscientização crítico e emancipador, como defende Freire (2019a).

Para construir essa correlação, evidencia-se, inicialmente, a historicidade dos movimentos, ações e sentidos que culminaram com a institucionalização da extensão, foco deste texto. Em seguida, são ampliadas as discussões a partir da compreensão de que, ao tomar como parâmetro o conceito e as conceptualizações da extensão universitária como “princípio educativo, político e social” (Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras [Forproex], 2012), como espaço em que é possível transpor modelos “semiformativos” (Adorno, 1995) e como caminho para a presença da diversidade e interculturalidade (Nogueira, 2019), é possível construir um modelo para as ações de extensão universitária com uma perspectiva de formação emancipadora (Santos, 2011) e de uma formação para a autonomia e o compromisso social (Freire, 2019b).

A PNExt legitima o princípio constitucional da indissociabilidade e o conceito dessa função, bem como suas diretrizes e campos de ação. A Resolução n. 7, de 18 de dezembro de 2018, articulada à PNExt e ao Plano Nacional de Educação (PNE), estabelecido pela Lei n. 13.005 (2014), consolida e amplia o conceito, o princípio indissociável e as diretrizes da extensão universitária. Por sua vez, as políticas educacionais são direcionadas às ações formativas e práticas e estão relacionadas a alguns princípios que tanto podem ser econômicos e políticos quanto econômico-político-sociais. Apresentam sempre referências a políticas precedentes, apontam necessidades legais e institucionais, bem como “crenças e valores (concordantes e, às vezes, discordantes), posturas pragmáticas, criatividade, experimentações, sedimentação, lacunas e espaços, dissensos e constrangimentos materiais e contextuais” (Ball & Mainardes 2011, p. 13).

As políticas educacionais são legitimadas tanto pelos discursos institucionais (diretrizes, resoluções, projetos político-pedagógicos, planos e projetos desenvolvidos nos espaços de ação-escola, etc.) quanto pelos discursos pessoais (sujeitos participantes do processo). Em resumo, podem ser consideradas um conjunto de técnicas, categorias, objetos e subjetividades (Ball, 2011). Qualquer que seja o campo de análise, não devem ser vistas de forma distanciada das relações que existem entre o plano estrutural e o conjuntural (Frigotto & Ciavatta, 2011), ou seja, não podem ser vistas longe do campo político, do campo acadêmico nem das subjetividades construídas por elas.

Com a intenção de observar os “detalhes”, mas com uma perspectiva macro, colocamos lentes em uma das políticas da universidade - a de extensão universitária - diante das políticas nacionais de formação (BNC-Formação) e dos documentos balizadores/normatizadores das propostas pedagógicas e das ações para a educação básica (BNCC e BNCC-TCT). Entendemos que isso se faz necessário porque as temáticas de responsabilidade, justiça e transformação social estão na gênese da extensão universitária e, desde sempre, constituem o grande desafio das instituições universitárias.

Visando a estabelecer correlações entre as fontes documentais, evidenciando similaridades e/ou dissimilaridades das políticas, assume-se que a política de extensão universitária aproxima os sujeitos em formação das pautas sociais e que os fundamentos das políticas educacionais normalmente estão mais próximos de padrões técnicos, do saber-fazer.

Nesse sentido, evidenciamos nos textos dos objetos analisados o conceito de uma formação teórico-prático-humanística por meio de uma codificação específica que nos permite visualizar, utilizando-se da linguagem matemática-matriz de similaridade e gráficos, as similaridades e as dissimilaridades como “brechas/desvios” que podem ser utilizadas(os) de forma crítica e criativa para desenvolver ações de extensão universitária em toda a sua potencialidade, ou seja, com as dimensões educativa, política e social e, possivelmente, na inserção curricular dessa função.

Em relação às similaridades, há achados de ordem pedagógica e profissional. Quanto às dissimilaridades, encontramos um ideal formativo que está distante de pressupostos sociais, político- -educativos e científicos. Essas constatações levam à reflexão acerca de qual é o nosso papel diante dos afastamentos encontrados.

Ball (2011, p. 46) faz ponderações sobre as questões que precisam ser feitas diante das políticas. Segundo o autor, é necessário compreender que “as políticas não dizem o que fazer; elas criam circunstâncias nas quais os espectros de opções disponíveis sobre o que fazer são estabelecidos”. Para o autor, além de expor as contradições e paradoxos das políticas, é necessário algum tipo de “ação social criativa”. É o que buscamos construir neste trabalho.

As análises realizadas por diferentes autores apontam que o alinhamento das políticas públicas no Brasil é construído a partir de um receituário neoliberal, com base em enfoques economicistas centrados no tema da produtividade e na adequação às demandas do mercado (Candau, 1999; Silva, 2020; Lima & Sena, 2020; Costa et al., 2021).

Os fundamentos dessas políticas são pautados em competências, um modelo construído com base nas “ideias” do Banco Mundial, de fundações e grupos empresariais que definem as competências e habilidades a serem desenvolvidas na educação. Antunes (2018) denomina esse modelo de “privilégio da servidão”, em que há um estímulo ao setor privado e uma imposição à classe trabalhadora de um padrão específico, que é ter competências para se adequar às demandas do trabalho.

Para Lima e Sena (2020), os fundamentos da BNCC caracterizam um regresso ao tecnicismo, em que o ensino gira em torno da competência - do saber-fazer. Bazzo e Scheibe (2020) apontam que a agenda de manutenção do capitalismo direciona as discussões e os debates a respeito da formação dos professores da educação básica, e que a BNCC está distante de uma formação que desenvolva a autonomia e a criticidade dos estudantes.

Sobre a BNC-Formação, Nogueira e Borges (2021) apontam as principais críticas que as associações tecem sobre a resolução:

. . . a desconsideração das políticas já instituídas e da produção e o pensamento educacional brasileiro inovador que supera a pedagogia das competências; a descaracterização dos núcleos formativos; a formação pedagógica e a segunda licenciatura ferem a autonomia pedagógica das instituições formadoras e sua relação com a educação básica; relativizam a importância dos estágios supervisionados. (Nogueira & Borges, 2021, p. 199).

Esses autores acrescentam que há um impacto negativo da nova BNC-Formação sobre a formação continuada pelos pressupostos que embasam a formação inicial - “o caráter tecnicista e praticista” - e consideram que:

. . . essas articulações impactam a formação continuada diretamente, pois acabam fazendo com que esta assuma o papel de espaço de preparação dos professores, de compensação de sua formação inicial, de separação teoria-prática, ou seja, tornam a formação continuada algo supérfluo na formação docente. (Nogueira & Borges, 2021, p. 200).

Utilizando as reflexões de Castells (2018, p. 340) a respeito da “reestruturação das rela- ções capital-trabalho”, podemos inferir que há um consenso sobre uma redefinição histórica nas relações entre capital e trabalho. Segundo o autor, a educação é o locus de construção de uma morfologia social atrelada aos interesses e à necessidade de uma sociedade na qual “o modo capitalista de produção dá formas às relações sociais em todo o planeta” (Castells, 2018, p. 555).

Há em curso uma reforma do pensamento que coloca o cerne da ação docente - o professor e o contexto de ação, a escola pública - no palco central de um discurso homogeneizador. Acreditamos que “outra racionalidade” para a formação docente pode ser alcançada, no encontro entre a universidade e a escola pública, por meio da extensão universitária.

Problematização, contexto e objetivo

O isolamento da universidade das pautas sociais, do ponto de vista histórico, pode ser localizado a partir do tempo em que o universo hipotético das ideias, de certeza científica e das torres do poder monárquico governava a forma de direcionar a maneira de enxergar o mundo. Teixeira (1964, p. 27) descreve que a universidade viveu “uma cultura fora do tempo” até fins do século XIX e que as revoluções científica, industrial e democrática começaram a transformar a ideia dessa instituição.2

Salles (2020, p. 16) afirma que as universidades, por serem projetos ainda recentes no Brasil, sobretudo em algumas regiões, são “um território instável que padece de um duplo déficit - um déficit de representação e outro de representatividade”. O autor ainda assinala que é possível superar esse desafio e conquistar a “excelência acadêmica”, “desde que haja o aprofundamento do compromisso social” (Salles, 2020, p. 16). Santos (2011, p. 67), por sua vez, assevera que, para enfrentar os desafios que foram postos para essa instituição ao longo das últimas décadas, é necessário “reconquistar a legitimidade através de cinco áreas de ação: acesso; extensão; pesquisa-ação; ecologia de saberes; universidade e escola pública”. Assumimos o desafio apresentado pelos autores, trazendo uma proposta que legitima as cinco áreas propostas, utilizando duas vias: a extensão e a escola pública.

Nos documentos oficiais vigentes no Brasil desde a redemocratização, a extensão é assumida sob diferentes racionalidades e bandeiras de luta. Vincula-se ao dinamismo estudantil, como a principal marca de defesa da necessidade de que a universidade cumpra sua missão cultural, profissional e social (Anjos, 2014). Articula-se, ainda, com os movimentos populares que oxigenam a vida da extensão universitária (Gadotti, 2017), com a luta do movimento docente em relação à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e à discussão, de forma contínua, do compromisso social da universidade (Anjos, 2014). Essas bandeiras são direcionadas pela sólida e constante construção efetiva de pautas para a institucionalização da extensão universitária pelo Forproex.

Entretanto é preciso considerar que as funções da universidade - ensino, pesquisa e extensão - vivem os dilemas causados pela obrigatoriedade de auferir medidas de qualidade, de garantir o compromisso social, de potencializar a interlocução de saberes e de reconhecer os novos tempos (Salles, 2020, p. 49). Talvez sejam esses dilemas que dificultam a assunção da extensão enquanto processo educativo, formativo e político.

Botomé (1996, pp. 145-186), ao apontar os “equívocos da extensão universitária”, sugeriu, há quase três décadas, que é necessário um processo de “reengenharia institucional”, passando pela ideia de “organização multidisciplinar dos setores da universidade, pela compreensão do papel do conhecimento que a universidade produz e domina” e “pelo aperfeiçoamento da atuação, através da práxis (alternância do agir e refletir)”. Talvez, para que essa proposta seja operacionalizada, seja necessário repensar os pressupostos que amparam a organização do currículo, associado às formas de integrar os sujeitos às ações.

Tomando como central essa ideia, delimitamos como objetivo geral deste artigo correlacionar os princípios e as diretrizes da extensão com as políticas de formação de professores e de ação na escola.

Fundamentação teórica

Visando à construção de um modelo que possibilite uma nova/outra racionalidade aberta para o objeto pesquisado, apresentamos, inicialmente, o conceito de “racionalidade aberta” e “brechas/desvios” de Morin (2015a, 2015b). Apresenta-se, ainda, o conceito de formação para autonomia e compromisso social de Santos (2013) e Freire (2019b) para, em seguida, buscar respostas criativas à política, conforme sugere Ball (2011).

Na epistemologia da complexidade, o que caracteriza o pensamento é o “movimento organizador/criador . . . que numa dialógica complexa . . . elabora, organiza, desenvolve, em modo concepção, uma esfera de múltiplas competências especulativas, práticas e técnicas . . . que se expande na esfera da linguagem” (Morin, 2015b, p. 201). Nesses termos, pode-se afirmar que as ações desenvolvidas nos espaços de formação e ação resultam de processos de análise (parte), síntese (todo), explicação e compreensão. Nesse movimento, pensamento, linguagem e ação interagem e se auto-organizam para dar conta dos fenômenos que perpassam as atividades dos sujeitos. No caso, é preciso considerar as políticas educacionais no contexto de formação e ação.

O desenvolvimento das políticas educacionais é visto pelos órgãos que compõem as altas hierarquias a partir da racionalidade que sustenta a educação, que é a de funcionalidade e eficácia. Portanto está distante do contexto e do sentido humano que compõem esse tecido. Acontece que há uma realidade fundamentalmente complexa que precisa ser considerada, comportando sentidos que são institucionais e pessoais.

Morin (2015b, p. 341), ao tratar dos problemas fundamentais da organização do trabalho, reflete a respeito dos fenômenos que aparecem em situações em que está envolvida uma grande quantidade de indivíduos. O autor assinala o esquema que chama de pseudorracional - porque comporta a ideia de hierarquia, em que manda quem pode, obedece quem tem juízo -, com o centro de comando, havendo aqueles que decidem e os que executam, sendo que essa divisão constitui a especialização. Para o autor, essa forma de racionalidade leva “a uma diminuição de autonomia e a uma inibição de competências ou potencialidades” (Morin, 2015b, p. 344). Essa inibição pode conduzir a uma sujeição aos determinantes da hierarquia, mas o autor pondera que essa sujeição é reversível3 e usa um sentido mais amplo para o termo “hierarquia”, advogando que:

A organização hierarquizada não é unicamente a subordinação do baixo ao alto, do especializado ao não especializado, da execução ao comando, mas também desenvolvimento e florescimento de emergências de baixo para cima, de nível em nível . . . não é unicamente a sujeição dos seres, é também a produção de seres e subjetividades cada vez mais ricas. (Morin, 2015b, p. 350).

Situamos esse movimento hierarquia-emergência como uma forma de sair da racionalidade que comporta ações diretivas e consideradas eficazes para ir ao extremo. Nele se encontra “a racionalidade complexa em que os antagonismos, concorrências, desordens e diversidade podem ser tomadas como fonte de evolução e de desenvolvimento da complexidade” (Morin, 2015b, p. 453).

Assim, o que era para ser visto numa lógica diretiva de combate à desordem, à concorrência e à instabilidade passa a ser visto como campo de complementação e coorganização vital ao desenvolvimento e à evolução. E “a aparente irracionalidade torna-se racionalidade aberta de um sistema que deve enfrentar permanentemente as forças de destruição e morte”4 (Morin, 2015b, p. 456). Portanto conceber uma racionalidade aberta diante desse objeto de estudo é olhar os sistemas de ideias - hierarquicamente apresentados numa lógica de especialização, eficácia e eficiência - não só a partir da realidade viva que a compõe (as pessoas, o contexto e as institucionalidades), mas também utilizando a ótica da confrontação, que possibilita o aparecimento de outros ângulos e de outras ações a serem realizadas.

Defendemos que a dialógica entre a racionalidade - pensamento que elabora concepções e a capacidade crítica que desintegra ideias fechadas em uma concepção única - e a imaginação criativa - que confronta e discute - não fornece somente informações completas, mas, sobretudo, possibilidades de contraposição de pensamentos dominantes e possibilidades de “desvios”. Adotamos o termo “desvio” como “brechas” que são abertas pela consciência de que a aproximação-distanciamento conduz a um pensamento sobre o objeto e a possibilidade de reflexão crítica e de intervenção criativa. Nesses termos, buscamos respostas “criativas” para as circunstâncias que foram impostas pelas políticas educacionais.

Abordagem metodológica

Tendo como ideia central apontar similaridades e/ou dissimilaridades em relação aos termos que conceituam a extensão e suas diretrizes, em correlação com os documentos normatizadores/normalizadores da formação e da ação dos professores, tomamos como referência a abordagem metodológica pautada na multirreferencialidade.

A técnica de análise de conteúdos (AC), tendo como ferramenta auxiliar o software MAXQDA, foi utilizada para evidenciar dados quantitativos - frequência de palavras e expressões que eram consoantes com os conceitos de extensão (CExt) e as diretrizes da extensão - a indissociabilidade, a interdisciplinaridade e a interprofissionalidade - e possibilitar a análise qualitativa desses dados a partir de um olhar mais detalhado, o que qualifica o processo de analítico.

Reconhecemos que há uma complexidade inerente ao objeto desta pesquisa e à realidade sobre a qual estamos inferindo - a das políticas de formação e ação. Esses dois polos têm dimensões que podem ser vistas como complementares porque podem ser assumidas como campos heterogêneos. Para compreendê-los, é necessário construir várias leituras, sob diferentes lentes de análise.

A extensão universitária tem implicações no currículo e na “organização da pesquisa” (Resolução n. 7, 2018, p. 28), constituindo, assim, um objeto de ensino e de pesquisa que tanto envolve a área educacional quanto a das ciências da organização e da gestão. Por sua vez, o campo das políticas de formação e de ação - BNC-Formação e BNCC - é uma parte de um todo e envolve o caráter institucional, educacional, social e jurídico.

A natureza desses normativos é educacional e jurídica, mas também operacional. Há aqui uma relação dialética entre os significados institucionais dos normativos e os significados pessoais atribuídos pelo coletivo que é envolvido no processo (marcado pela realidade educativa e social), o que nos conduz a pensar no que desses documentos pode ser evidenciado no campo da formação e da ação. Isso pressupõe uma ampliação das finalidades e dos fundamentos. Para tanto, faz-se necessário estabelecer uma ponte entre estruturas e normativos, que até então eram vistos de forma dissociada. Esse movimento é possível quando o objeto passa a ser visto a partir das interações e relações, das hibridizações entre os normativos, dos valores pessoais e culturais; por isso, nele não cabe uma referência única.

O que pode emergir de uma ótica multirreferencial de abordagem desses documentos não é somente um conjunto condensado de informações apresentadas com variáveis e distintos parâmetros, mas, sim, um conjunto de indicadores que permitam evidenciar outras possibilidades. Melhor dizendo, é preciso evidenciar relações em que seja possível construir “outra racionalidade” para esses normativos/normalizadores que amparam a formação e a ação docente.

Para não correr o risco de ter uma referência e uma linguagem únicas, neste artigo foi foram adotadas a AC e a análise documental. Bardin (2016, p. 29), ao definir a AC e conceituá-la como instrumento que possibilita uma “relação com outras ciências”, explica que, para alguns autores, ela é definida “como um conjunto de técnicas”. Pêcheux (1987, p. 59), ao apontar as “relações de vizinhança entre a linguística e análise de texto”, diz que a “análise de conteúdo e às vezes análise de texto” (grifos do autor) são práticas de análise que buscam “responder a questões concernentes aos usos semânticos e sintáticos colocados em evidência pelo texto com o fim de apontar a compreensão do texto” (Pêcheux, 1987, pp. 59-60).5 Michinel (comunicação pessoal, 2018)6 compreende a AC como uma técnica de pesquisa destinada a formular, a partir de certos dados, inferências reproduzíveis e válidas que possam se aplicar a um contexto que demanda ressignificação.

Diante do objeto deste estudo, buscou-se construir uma aproximação da AC com a análise documental. Para Bardin (2016, p. 48), “o objetivo da análise documental é a representação condensada da informação” e o da AC é a “manipulação de mensagens (conteúdo e expressão desse conteúdo) para evidenciar os indicadores que permitam inferir sobre uma outra realidade que não a da mensagem”. A autora afirma, ainda, que a análise dos documentos não está resumida à “análise categorial temática”. Para ela, o critério de categorização semântica pode ser considerado uma “classificação dos elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e por reagrupamento . . . com os critérios previamente definidos”, agrupando em categorias temáticas que possam expressar “índices invisíveis” (Bardin, 2016, p. 145). Nesse sentido, foi feito um trabalho de inventário - em que os elementos foram isolados de acordo com sua significação para o contexto empreendido (o da formação e o da ação) -, tendo como diretriz identificar brechas para que seja possível construir uma “nova racionalidade” para a formação e para a ação na escola. Dito isso, temos uma caracterização epistemológica em que o significado do corpus analisado é exploratório e semântico, tendo a seguinte questão de análise: o que apontam os documentos quanto a questões que possibilitem o desenvolvimento de uma formação crítica emancipatória por meio da extensão universitária?

Os dados: Apresentação e análise

Para atribuir sentido à configuração que foi dada ao objeto, iniciamos com uma abordagem histórica da extensão universitária, apontando as diretivas políticas e institucionais, os modelos das ações propostas e a significação/acepção dada por Anjos (2014), Gatti (2019) e Machado (2019). Em seguida, apresentamos os dados e analisamos as similaridades ou dissimilaridades encontradas.

Foram utilizadas duas abordagens para esta análise. A primeira, do ponto de vista da dimensão conceitual, aponta possíveis similaridades entre o conceito de extensão presente na Política Nacional de Extensão Universitária (PNExt) e na resolução de extensão, de modo articulado ao contexto da política educacional de formação, ou seja, diretrizes curriculares nacionais (DCN): Resolução n. 2, de 1º de julho de 2015, e Resolução n. 2, de 20 de dezembro de 2019, a BNC-Formação, além da Resolução n. 1, de 27 de outubro de 2020, a BNC-Formação Continuada.

A segunda abordagem aponta a correlação, utilizando a política educacional de ação, entre a BNCC e a BNCC-Temas Contemporâneos Transversais (TCT). Dessa forma, são colocadas em evidência as concepções formativas dos documentos, apresentando a frequência de códigos que apontam um caminho para a ampliação do universo de referência dos estudantes.

Do ponto de vista da historicidade da extensão universitária

Na Tabela 1 são apresentadas as diretivas que foram dadas ao objeto deste trabalho, a partir dos registros presentes na PNExt (Forproex, 2012, pp. 18-23). Para a análise, utilizou-se o aporte teórico de Anjos (2014), Gatti (2019), Machado (2019), Nogueira (2019) e Bonassina (2020), além de uma interpretação própria, fundada na compreensão da dimensão político- -educativa dessa função.

Tabela 1 Diretivas da extensão universitária no Brasil 

Período Diretivas Modelo de extensão Sentido/análise dos autores
1950-1960 Organização de movimentos culturais e políticos - União Nacional dos Estudantes (UNE) (Forproex, 2012, p. 18). Movimentos culturais e políticos que contribuíram para a formação de lideranças de que carecia o país (Forproex, 2012). Propagação da visão política da extensão universitária. Concepção de transformação, humanização e emancipação que vem da influência de Paulo Freire (Machado, 2019).
1966-1970 Criação do Centro Rural de Treinamento e Ação Comunitária (Crutac) e do Projeto Rondon - subordinação à Política de Segurança Nacional. Extensão de conhecimentos a partir de experiências junto às comunidades rurais. Integração da universidade ao contexto regional (Nogueira, 2019).
Promulgação da Lei Básica de Reforma Universitária (Lei n. 5.540, 1968). “As universidades e as instituições de ensino superior estenderão à comunidade, sob a forma de cursos e serviços especiais, as atividades de ensino e os resultados das pesquisas que lhe são inerentes” (Lei n. 5.540, 1968, grifos nossos). Nuances da passagem da concepção eventista inorgânica para a processual orgânica (Machado, 2019).
Criação, pelo Ministério da Educação (MEC), da Comissão Mista Crutac/MEC - campus avançado Minter. Criação de plano de trabalho destinado à institucionalização e ao fortalecimento da extensão. Ação do MEC por meio da qual houve a “ampliação da ação das universidades, inserindo o corpo docente no desenvolvimento das ações de extensão” (Anjos, 2014, p. 35).
1970-1988 Criação do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (Forproex, 2012). Extensão como trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social (Forproex, 2012).
“Indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art. 207).
Extensão como processo educativo e interdisciplinar.
“Criação a partir da necessidade de institucionalização, já que havia uma forma diferenciada, tanto para o financiamento quanto para as diretrizes” (Nogueira, 2019, p. 38, grifo nosso).
Gatti (2019) destaca o sentido polissêmico que está no cerne do conceito de extensão. Para o autor, a forma de fazer referência à extensão - processo, instrumento e trabalho - tem sido reformulada e ampliada, o que garante a “percepção de que a extensão deve ser compreendida como elemento identificador da universidade de modo que as interações estabelecidas são capazes de promover transformações no meio social e na própria instituição” (Gatti, 2019, p. 92).
1990-2001 Inclusão na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - Lei n. 9.394 (1996). A extensão como uma das finalidades da universidade. Anjos (2014) aponta que é necessário assumir que esse processo não é unilateral. Ele deve ser construído numa “relação de reciprocidade em que os contextos sejam valorizados em um movimento dialético permeado pela realidade social e pela experiência do pensar e fazer” (Anjos, 2014, p. 71).
Plano Nacional de Educação (PNE 2001-2010), por meio da Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Institui que “no mínimo 10% do total de créditos para a graduação no ensino superior no país será reservado para a atuação dos estudantes nas ações extensionistas” (Lei n. 10.172, 2001). É necessário reconhecer como uma conquista do Forproex, uma vez que essa é uma das primeiras das 12 ações classificadas como necessárias para a redefinição das políticas públicas voltadas para o apoio e fomento dessas ações. Outro ponto a destacar é que essa inclusão no PNE obrigou as instituições não só a repensar os currículos, mas, também, a rever a concepção da indissociabilidade da extensão.
2002-2020 Atualização do Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020, Projeto de Lei n. 8.035 - B/2010, transformado na Lei Ordinária n. 13.005 (2014). Referência à forma dos programas e projetos e a articulação das atividades às áreas de pertinência social (Lei n. 10.172, 2001). Para Machado (2019), esse plano aponta para a oferta de cursos de extensão, com características acadêmicas, primando por educação continuada.
Resolução n. 7 (2018) - Conselho Nacional Educação (CNE) / Câmara de Educação Superior (CES), que estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto na Meta 12.7 da Lei n. 13.005 (2014). No Projeto de Lei n. 8.035/2010, entre as estratégias para o ensino superior, são assegurados 10% de créditos curriculares. Essa proposição aponta para um modelo de extensão curricularizada, que consiste na garantia de inserção no projeto pedagógico dos cursos.
Busca pela consolidação dos objetivos pactuados ao longo da existência do Forproex - a Política Nacional de Extensão Universitária.
Atualização do conceito e das diretrizes da extensão.
O sentido atribuído por Ribeiro (2019) é de que a política de extensão universitária remete ao cumprimento da função social e educacional, de formação acadêmica. Sendo de caráter teórico-prático, possibilita uma forma participativa e dialógica. Dessa maneira, “a atribuição de créditos curriculares passa a ser um amplo processo de flexibilização curricular” (Nogueira, 2005, p. 45).
Na estruturação, concebe a extensão no currículo, ultrapassando a ideia de curricularizar - como encaixe - porque já a articula à pesquisa, portanto é processo de construção de conhecimento.
Pontos a destacar: a concepção político- -educacional que antecede o termo.
Inserção das expressões “instituições de ensino superior, produção e aplicação do conhecimento”.

Fonte: Elaboração dos autores a partir dos dados da pesquisa.

Morin (2016, p. 158) afirma que, para que haja uma compreensão de um sistema,

. . . os elementos devem ser definidos ao mesmo tempo nas e pelas características originas, nas e com as inter-relações de que participam, na e com a perspectiva de organização da qual eles participam, na e com a perspectiva do todo no qual eles se integram.

É desse modo que entendemos que as palavras expressas nos documentos, nas ações e no envolvimento dos protagonistas - estudantes, movimento docente do Forproex - não podem ser vistas isoladamente. Embora a extensão tenha sido constituída como uma parte das funções da universidade, ela compreende um todo porque deve estar além dos muros, por isso não pode ser vista isoladamente. Foi e está sendo essa a luta de toda a comunidade de extensionistas! Podemos conceber que se trata de um tecido que tem uma trama de enfrentamentos.

No interior das políticas governamentais, tem havido oscilação entre projetos desenvolvimentistas e instrumentais e projetos progressistas. Enganam-se aqueles que enfrentam esses modelos de maneira distante da dimensão formativa e emancipatória. Salles (2020, p. 16), ao refletir sobre universidade pública e democracia, afirma que não é possível conquistar “excelência acadêmica sem aprofundar o compromisso social”. Santos (2013, p. 419), ao apontar as “teses para uma universidade pautada pela ciência pós-moderna”, defende uma mudança estrutural, operacional e subjetiva que é configurada pelo princípio da “aplicação edificante da ciência”.

Nogueira (2019, p. 267) defende que “a extensão universitária é a dimensão acadêmica que pode abrir caminho para a presença da diversidade e a interculturalidade na universidade e como espaço de resistência e desconstrução da lógica de colonização”. Gatti (2019, p. 108), por sua vez, situa a extensão em um lugar “permeado de ambiguidades e contradições, que potencialmente têm a chance de suscitar o pensamento crítico, o estranhamento da própria realidade, sua discussão e, consequentemente, a produção da consciência verdadeira”. Já Bonassina (2020, p. 80) classifica “a extensão universitária como instrumento de transformação socioambiental nos casos de vulnerabilidade social”, apontando que “o grande desafio atual da extensão é repensar a relação do ensino e da pesquisa às necessidades sociais, estabelecer as contribuições da extensão para o aprofundamento da cidadania e para a transformação efetiva da sociedade”. Pode-se perceber como essas abordagens são amplas e destacam, ricamente, formas de ação que podem ser construídas coletivamente nos processos.

Reconhecendo que as conceptualizações apresentadas precisam encontrar solo fértil para ser edificadas, tomamos por base a ideia de Santos (2013). O autor afirma ser necessário dar “centralidade à extensão” como um ponto fundante para que esse tecido tenha efetivamente uma trama em que estejam incluídos todos os componentes disciplinares numa discussão interdisciplinar e, por que não dizer, transdisciplinar.

A extensão na centralidade: Apontando “brechas” e aproximações com os documentos normativos

Relacionamos a política de extensão aos principais pontos tomados nos normativos da ação. Essa relação é construída com as diretrizes curriculares da formação da seguinte forma:

  • do PNExt/Resolução n. 7, evidenciamos o conceito e as diretrizes para as ações;

  • da BNCC, “os fundamentos pedagógicos e as competências específicas de Matemática e suas tecnologias para o Ensino Médio” (Ministério da Educação, 2018, pp. 99-150); e

  • da BNCC-TCT, os “pressupostos pedagógicos para abordagem dos Temas Contemporâneos Transversais” (Ministério da Educação, 2019, pp. 18-26).

Para avançar na análise, apresentamos, inicialmente, o conceito que define as ações de extensão. Em seguida, chamamos a atenção para termos que são invisibilizados tanto nos artefatos de produção científica, conforme pode ser visto nos resultados da revisão sistemática de literatura (RSL), quanto na discursividade de “empreendedorismo político”.7 Eles perpassam os discursos de “competências”, “qualidade da educação” e “novo ensino”.

Para visibilizar e dar centralidade ao léxico discursivo que tem o princípio constitucional e metodológico da indissociabilidade, bem como o sentido educativo e político, apresentamos os conceitos presentes nos documentos que institucionalizam a extensão:

Extensão Universitária denota também prática acadêmica, a ser desenvolvida, como manda a Constituição de 1988, de forma indissociável com o Ensino e a Pesquisa, com vistas à promoção e garantia dos valores democráticos, da equidade e do desenvolvimento da sociedade em suas dimensões humana, ética, econômica, cultural, social. (Forproex, 2012, p. 42).

A Extensão na Educação Superior Brasileira é a atividade que se integra à matriz curricular e à organização da pesquisa, constituindo-se em processo interdisciplinar, político-educacional, cultural, científico, tecnológico, que promove a interação transformadora entre as instituições de ensino superior e os outros setores da sociedade, por meio da produção e da aplicação do conhecimento, em articulação permanente com o ensino e a pesquisa. (Resolução n. 7, 2018, pp. 2-3).

Buscando identificar uma correlação, na Tabela 2 estão apresentados os fundamentos e princípios nos quais foi possível estabelecer uma relação de aproximação do conceito de extensão com os documentos da formação (todos os grifos da tabela são nossos). Para isso, assertivas foram colocadas em destaque. A Resolução n. 2, de 1º de julho de 2015, foi incluída pelo entendimento de que ainda não houve tempo para que os cursos de formação fossem adequados às resoluções sobre o tema publicadas em 2019 e 2020.

Tabela 2 Diretrizes curriculares nacionais (2015-2020) 

Diretrizes curriculares nacionais (DCN)
Resolução n. 2, de 1º de julho de 2015
DCN para a Formação Inicial e Continuada em Nível Superior de Profissionais do Magistério para a Educação Básica
Resolução n. 2, de 20 de dezembro de 2019
BNC-Formação
Resolução n. 1, de 27 de outubro de 2020
BNC-Formação Continuada - (2020, pp. 1-72)
“A formação de profissionais do magistério deve assegurar a base comum nacional, pautada pela concepção de educação como processo emancipatório e permanente, bem como pelo reconhecimento da especificidade do trabalho docente, que conduz à práxis como expressão da articulação entre teoria e prática e à exigência de que se leve em conta a realidade dos ambientes das instituições educativas da educação básica e da profissão” (Resolução n. 2, 2015, p. 5).
Conduz o egresso “às dinâmicas pedagógicas que contribuam para o exercício profissional e o desenvolvimento do profissional do magistério por meio de visão ampla do processo formativo, seus diferentes ritmos, tempos e espaços, em face das dimensões psicossociais, histórico-culturais, afetivas, relacionais e interativas que permeiam a ação pedagógica, possibilitando as condições para o exercício do pensamento crítico, a resolução de problemas, o trabalho coletivo e interdisciplinar, a criatividade, a inovação, a liderança e a autonomia” (Resolução n. 2, 2015, p. 6).
“A articulação entre a teoria e a prática para a formação docente, fundada nos conhecimentos científicos e didáticos, contemplando a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, visando à garantia do desenvolvimento dos estudantes” (Resolução n. 2, 2019, p. 3).
“Um dos princípios norteadores: aproveitamento dos tempos e espaços da prática nas áreas do conhecimento, nos componentes ou nos campos de experiência, para efetivar o compromisso com as metodologias inovadoras e os projetos interdisciplinares, flexibilização curricular, construção de itinerários formativos, projeto de vida dos estudantes” (Resolução n. 2, 2019, p. 4).
“Para garantir a articulação entre os diferentes cursos e programas destinados à formação continuada de professores e para superar a fragmentação e ausência de articulação dos diferentes saberes, é recomendada às instituições de ensino superior (IES) a criação de institutos/unidades integradas para a formação de professores, que tenham no seu corpo docente, além daqueles que compõem a instituição formadora, professores experientes das redes escolares de ensino, criando, assim, uma ponte orgânica e contextualizada entre a educação superior e a educação básica” (Resolução n. 1, 2020, p. 6).

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados da pesquisa.

Reconhecemos que os termos em destaque são invisíveis diante da primazia de padrões racionalistas que são estabelecidos para a formação. Evidenciamos o segmento educação como processo emancipatório e permanente para retirar esse termo do “esconderijo” e apontá-lo como uma “brecha”. A partir disso, é possível construir ações que estejam implicadas com uma “cidadania horizontal entre os cidadãos”, conforme defende Santos (2002). É uma perspectiva que conduz a pensar numa revalorização do papel do sujeito em formação que deve estar implicado socialmente com o contexto e “que promova conhecimento prudente para uma vida decente” (Santos, 2002, p. 280). Há, nos termos, a possibilidade de uma racionalidade que é crítica, formativa e mais próxima de princípios humanísticos do que de princípios estruturalistas.

Acreditando que não houve tempo para dar materialidade à DCN atual nos projetos político-pedagógicos (PPP) dos cursos, evidenciamos a semelhança com o conceito de extensão e a abertura que o fundamento dá à possibilidade de um “impacto na formação do estudante” (Forproex, 2012, p. 52). Isso por causa da ideia de possibilitar, pela formação, as “condições para o exercício do pensamento crítico, a resolução de problemas, o trabalho coletivo e interdisciplinar, a criatividade, a inovação, a liderança e a autonomia” (Resolução n. 2, 2015, p. 6, grifos nossos), o que pode ocorrer pelo engajamento horizontal que se dá quando há um trabalho coletivo, interdisciplinar e indissociável.

Apontamos, também, uma aproximação do que dizem os documentos sobre a extensão com a diretriz da interprofissionalidade, que é concebida como uma forma de reflexão e ação sobre a profissão, sobre os problemas que envolvem as comunidades e os grupos sociais. No ponto colocado em destaque, “visão ampla do processo formativo, seus diferentes ritmos, tempos e espaços, em face das dimensões psicossociais, histórico-culturais, afetivas, relacionais e interativas que permeiam a ação pedagógica”, há indicativos de dois extremos epistemológicos que coexistem nas diretrizes curriculares nacionais (Resolução n. 2, 2015, p. 6, grifos nossos). Um deles diz respeito à aquisição de conhecimentos a partir de uma práxis, como ação-reflexão sobre/na realidade, que está articulada a saberes que são construídos na vivência do processo de formação em “seus diferentes ritmos, tempos”. O outro extremo epistemológico refere-se à integração desses saberes ao processo formativo (os conhecimentos específicos e os conhecimentos pedagógicos), que comporão a profissionalidade docente.8 Essa coexistência possibilita que a diretriz da interprofissionalidade seja alcançada a partir do momento em que a complexidade da dinâmica da escola seja vivenciada no processo de formação do estudante. Isso possibilita a mobilização de uma diversidade de conhecimentos e competências necessárias para a construção da autonomia e da identidade docente.

Os termos que trazem a perspectiva do currículo - itinerários formativos, processos interdisciplinares, flexibilização curricular - são tomados como aqueles que possibilitam uma aproximação com a concepção da extensão, desde que pela perspectiva de um “pensamento criador” (Morin, 2015b). Dessa forma, assumem a transposição do caráter disciplinar e suas bases fundantes passam a ter a ideia da formação para a autonomia (Freire, 2019b).

Para situar quantitativamente as similaridades, extraímos duas matrizes, utilizando a ferramenta MAXQDA, com base nos parâmetros matemáticos por ela sugeridos. Sobre essa análise, utilizamos como referência a existência dos códigos que apontam a dimensão conceitual e formativa e sugerem a ampliação do universo de referência numa perspectiva teórico-prática-humanística (uma visão do todo, holística) e a dimensão relacionada às diretrizes que podem existir nos documentos de formação e ação.

Na literatura, encontramos que a similaridade entre os objetos analisados pode ser explicada de duas formas. Uma, pela associação com coeficientes de correlação positivos maiores, representando maior similaridade. A outra ocorre porque a proximidade entre cada par de objetos pode avaliar a similaridade, na qual medidas de distância ou de diferença são empregadas e as menores distâncias representam maior similaridade (Assis et al., 2019, p. 146).

Foi utilizada a medida de similaridade indicada na ferramenta, com o parâmetro da “Existência de Código que gera uma matriz de similaridade que considera apenas se os códigos selecionados ocorrem ou não no documento” a partir do método:

Correspondência simples = (a + d) / (a + b + c + d) em que a existência e a inexistência são contadas como correspondência. Sendo: a = Número de códigos ou valores de variáveis que são idênticos em ambos os documentos; d = Número de códigos ou valores de variáveis que não existem em ambos os documentos; b e c = Número de códigos ou valores que existem em apenas um documento. (MAXQDA, 2020).

Por meio da associação com coeficientes de correlação positivos maiores, representando maior similaridade e adotando o que sugere a ferramenta, temos “o valor 0 (sem semelhança) e o valor 1 (idêntico). E quanto mais próximo de 1 mais semelhança; quanto mais distante de 1, indica pouca semelhança” (MAXQDA, 2020).

Consideramos que, quanto menos semelhantes/similares forem, maior a existência de “brechas/desvios” que podem ser utilizados de forma crítica e criativa para desenvolver ações de extensão universitária em toda a sua potencialidade, ou seja, com a dimensão educativa, política e social. Na matriz que traz a dimensão conceitual da extensão em correlação com os documentos da formação e da ação, temos os dados apresentados na Figura 1.

Fonte: Matriz de ocorrência de códigos visualizados por documento (MAXQDA, 2020).

Figura 1 Matriz de similaridade: O contexto (PNExt) identificado com as possíveis direções para a extensão universitária nas políticas educacionais 

Na categorização dos documentos foi utilizado o código CExt para nomear o conceito de extensão universitária. Foram adotados o conceito presente na Política Nacional de Extensão Universitária (Forproex, 2012) e aquele atualizado, apresentado pela Resolução n. 7, de 18 de dezembro de 2018.

O código DirCamp foi empregado para definir as conceptualizações de extensão universitária segundo a perspectiva de alguns autores. Nogueira (2019, p. 257) considera-a uma dimensão acadêmica que pode abrir caminhos para a presença da diversidade e da interculturalidade na formação universitária, como espaço de resistência à lógica de colonização. Gatti (2019) assume a ideia de que a extensão é uma função que possibilita transpor o modelo semiformativo.

Com esse aporte, entendemos que, nos documentos, há termos que estão próximos da concepção de processo educativo, científico. Por outro lado, há uma distância da ideia de processo formativo que é educativo-político. Na matriz apresentada na Figura 2, estão ampliadas as dimensões de análise, pois os documentos foram confrontados com os princípios e as diretrizes da extensão. Para isso, o olhar foi direcionado à articulação entre ensino/pesquisa/extensão, à interação dialógica e à contribuição para uma formação crítico-emancipadora (Resolução n. 7, 2018).

Ao realizar uma demografia das DCN, buscamos elementos que revelassem não só indicadores de existência dos termos, mas também uma possível equivalência, denotando uma aproximação com o sentido das diretrizes e com o quadro teórico que sustenta a análise.

Além das categorizações apresentadas, foram utilizados os seguintes códigos: DID, referente a Diretriz Interdisciplinaridade, com o enfoque metodológico que consiste na integração de conceitos disciplinares para refletir e agir sobre a realidade concreta das necessidades humanas contemporâneas; DIp, que faz referência à Diretriz da Interprofissionalidade, na perspectiva dos conhecimentos, saberes e valores que são mobilizados durante o encontro educativo (Fiorentini et al., 1998, p. 309); a Indissociabilidade (Ind) foi tomada como princípio constitucional e metodológico.

Fonte: Matriz de ocorrência de códigos visualizados por documento (MAXQDA, 2020).

Figura 2 Matriz de similaridade: Princípios e diretrizes em relação aos documentos da formação e da ação 

Isso posto, apontamos a distância significativa entre os documentos referentes à formação inicial e/ou continuada e o PNExt. Como indicativo, há a frequência de palavras utilizadas, conforme pode ser observado na Figura 3. Os termos que denotam aproximação com o sentido crítico da formação apareceram em uma quantidade significativamente menor.

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados da pesquisa.

Figura 3 Frequência de palavras: Relação Conceito de Extensão (CExt) 

Ao evidenciar as diretrizes DId, DID e DIp, observamos que a DCN-BNC-Formação apresenta uma considerável distância dessas diretrizes e que a Resolução n. 2 (2015) conta com uma relativa aproximação, como apresentado na Figura 4.

Fonte: Matriz de ocorrência de códigos visualizados por documento (MAXQDA, 2020).

Figura 4 Matriz de similaridade: Diretrizes da formação 

Buscando identificar essa distância, observamos que, nos segmentos codificados da Resolução n. 2/2019, a indicação da “conexão entre ensino e pesquisa com centralidade no processo de ensino-aprendizagem” (Resolução n. 2, 2019, p. 3) sinaliza uma relação de aproximação do binômio ensino-pesquisa e uma exclusão da extensão. O fato nos leva a concluir que, embora haja a referência à indissociabilidade, não há no texto da resolução orientações que indiquem a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, como determina a Constituição Federal (1988).

Outro ponto indicativo de distância é quanto ao uso da distinção entre instituições formadoras e instituições de ensino superior. A universidade é constitucionalmente qualificada para desenvolver ações de ensino, pesquisa e extensão. O conectivo “e” confere o sentido do todo que é indissolúvel. O ensino não pode ocorrer sem a pesquisa ou sem a extensão, ao contrário das “instituições formadoras”, que mormente têm uma natureza voltada apenas para o ensino. Há, aqui, um claro indicativo de que as bases que sustentam o ideal de formação dos professores estão mais alinhadas à formação voltada para o ensinar a fazer, a ação praticista, do que a uma formação na qual o ensino, a produção do conhecimento, a pesquisa e a relevância social desse conhecimento sejam submetidas a uma construção crítica.

Por fim, quanto ao indicativo da formação pretendida, conforme pode ser verificado na Figura 5, a formação tem o viés teórico e voltado para a prática profissional, estando distante da ideia de formação emancipatória e crítica com valores voltados para a autonomia docente.

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados da pesquisa.

Figura 5 Formação pretendida pelas políticas educacionais de formação 

O artigo 4º da BNC-Formação traz, mesmo que nas entrelinhas, a demanda de desenvolvimento da extensão para a formação docente articulada com as demandas da comunidade. Das competências apresentadas no documento como fundamentais para a ação docente, apenas uma está diretamente relacionada ao contexto de desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, prevendo o engajamento com as famílias, visando a melhorar o ambiente escolar. Aqui, cabe destacar que o foco está apenas na relação professor-aluno e não numa visão mais ampliada que denote um engajamento social como um ato de conhecimento e de conscientização (Freire, 2019a). Percebe-se um limite que direciona que o “olhar para as comunidades” seja o de estabelecer uma “boa convivência” entre professor e aluno.

Na PNExt e na Resolução n. 7, a formação do estudante tem um aporte de engajamento e reflexão crítica como polos que se complementam e contribuem para uma formação em que o princípio da autonomia seja vivenciado nas ações desenvolvidas. Nesse sentido, essa política determina como aporte à formação do estudante a ampliação do universo de referência a partir do contato direto com as questões contemporâneas.

A Figura 6 evidencia os segmentos com código que indicam os pressupostos formativos das políticas de formação.

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados da pesquisa.

Figura 6 Segmentos com código: Os pressupostos formativos das políticas de formação 

Os dados da Figura 6 confirmam o que apontam as análises desse instrumento - realizadas por Silva (2020), Lima e Sena (2020) e Nogueira e Borges (2021) - quanto ao fato de as dimensões técnicas e profissionalizantes estarem distantes das questões formativas que possibilitam uma formação mais crítica. Essa dessemelhança entre a BNC-Formação e a BNC-Formação Continuada de dimensões formativas que contribuem com uma formação mais humanista, defendidas na PNExt, pode ser considerada uma lacuna a ser preenchida por outra racionalidade. Consideramos que a falta de uma formação inicial em que as questões macroestruturais estejam presentes, que considere as dimensões mais humanizadoras da formação impacta diretamente a atuação profissional na educação básica. Melhor dizendo: se os alunos, em processo de formação inicial, só desenvolvem competências técnicas e operatórias, ao pensar uma ação de extensão também tendem a somente desenvolver ações meramente técnicas, distantes do papel crítico-reflexivo. Ressaltamos a necessidade de que o desenvolvimento das competências matemáticas, linguísticas e científicas esteja articulado a questões sociais, ambientais, culturais, econômicas e políticas. Essa dissociação caracteriza um estado de semiformação (Adorno, 1995) que não contribui para uma formação para a autonomia e para o compromisso social.

Apostando na contramão desse modelo formativo, podemos verificar que a BNCC-TCT (Ministério da Educação, 2019) está bem próxima da ideia de uma formação teórico-prático- -humanista. Isso permite o desenvolvimento de um trabalho colaborativo com a escola para transpor a lógica e os parâmetros fornecidos pela lógica instrumental em que estão sustentados os documentos da formação e da ação.

Outro ponto a destacar é a sigla BNCC - que antecede a expressão temas contemporâneos transversais (TCT) -, um indicativo do padrão que prevalece - o fundamento das competências e habilidades e a consideração de que eles assumem maior importância nos documentos avaliativos. Isso aponta para outra dimensão do trabalho do professor: conciliar as demandas avaliativas que seguem os padrões internacionais e desenvolver ações que tenham uma dimensão humanística. Além disso, para a formação, impõe-se o desafio de construir uma relação orgânica entre os pressupostos críticos humanistas, o que é necessário para uma formação para a autonomia e exige construir uma práxis que contemple a unidade teoria-prática.

Essa análise corrobora o que apontam Hage et al. (2020) e Silva (2020) quanto ao fato de que a concepção tecnicista da ação e da formação é medida-chave de consolidação da ideologia da sociedade do conhecimento, que prioriza competências e habilidades para a empregabilidade e homogeneíza o conhecimento trabalhado na escola, sem considerar as diferentes realidades. Isso revela a consolidação de uma formação em que prevalece a ideia de formar “mão de obra autoprogramável para atender às exigências do tempo e espaço e de outro lado uma mão de obra genérica” (Castells, 2018, p. 135) que esteja adequada a um sistema econômico informacional e global. Cabe à comunidade de educadores construir outro caminho, que se faz pela resistência e pelo exercício do pensamento crítico e criativo.

Considerações finais

Neste estudo, buscou-se construir uma correlação entre os documentos que embasam a extensão universitária e aqueles que subsidiam a formação e a ação na educação básica. Apontamos a aproximação com dimensões técnicas e profissionalizantes e o distanciamento das dimensões mais críticas e emancipadoras que possibilitem aos sujeitos, em formação, uma ampliação de referências que não seja somente pautada pelo princípio do “saber-fazer”. Enfatizamos que o contraponto a esse modelo de formação de professores está na política de extensão universitária.

Tomando as (dis)similaridades presentes nos documentos, buscamos os “termos invisibilizados” e os aproximamos dos princípios sociais, críticos e humanizadores defendidos na política de extensão universitária. Acreditamos que dessa forma é possível iniciar um movimento de “ações criativas” à política educacional que está instituída. Para isso, abrimos a possibilidade de construção de uma nova racionalidade pela extensão universitária enquanto processo sistêmico que possibilita ações formativas que podem modificar a conexão entre universidade e escola.

As análises realizadas nos apresentaram distâncias entre os normativos da formação. Por exemplo, a Resolução n. 2 (2015) preconiza uma relação orgânica entre formação inicial e continuada, o que significa maior articulação com a educação básica. Por outro lado, a Resolução n. 2 (2019) aborda apenas a formação inicial e aponta como fundamento formativo um viés linear e praticista. Decorre que no campo de formação de professores esses normativos direcionam a elaboração dos projetos político-pedagógicos e, considerando que ainda não houve tempo para as devidas atualizações, há uma porta aberta para que os princípios e dimensões da política de extensão universitária sejam mais amplamente vivenciados, debatidos e consolidados nesses espaços.

Compreendemos que as dessemelhanças dos normativos BNCC, BNC-Formação e BNC-Formação Continuada colocam esses documentos em patamares muito distantes dos princípios da extensão universitária, que são embasados teoricamente pela ideia de formação para a autonomia e para o compromisso social. Os achados revelaram que a ideia de formação do estudante para a prática profissional é consoante com a de formação técnica, e não com uma formação crítica. Vimos que existe uma “boa política” na BNCC, pois ela tem como complemento a BNCC-TCT, que está mais próxima da proposta de uma formação como compreensão da realidade. Uma aparente “boa política” se configura como mais um desafio à educação básica e aos formadores de professores, porque amplia a responsabilidade da universidade para com a escola e para com a formação inicial e continuada dos professores.

Isso posto, elencamos como “brechas” que precisam ser preenchidas:

  1. o distanciamento entre formação inicial e continuada;

  2. o afastamento do princípio constitucional da indissociabilidade;

  3. o excessivo foco no pragmatismo;

  4. o distanciamento de políticas já instituídas;

  5. o distanciamento das pautas que indicam transformação social, no caso, pautas emancipatórias;

  6. o distanciamento de uma formação em que a dimensão humanística do “viver” não esteja reduzida a utilidade e a economia.

Desse cenário de políticas educacionais que coloca como princípio fundamental o saber-fazer, propomos que os termos que estão invisibilizados nessas políticas sejam tomados como centrais para contrapor um modelo praticista. Para tanto, sugerimos uma “nova racionalidade” via extensão universitária que traz para o contexto da formação dos professores e da ação na educação básica outros saberes e fazeres e outras formas de ser, estar e pensar o mundo. Assim, propomos que o desenvolvimento das competências matemáticas, linguísticas e científicas esteja integrado às questões sociais, ambientais e culturais. Isso pressupõe construir “outra racionalidade” para os componentes curriculares dos cursos de formação de professores e uma “racionalidade aberta” das ações e disciplinas da educação básica. A sugestão é que essa “nova racionalidade” seja concretizada via extensão universitária.

Disponibilidade de dados

Os dados subjacentes ao texto da pesquisa estão informados no artigo.

Referências

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1Este artigo corresponde ao capítulo IV da tese de doutorado Ecologia cognitiva da extensão universitária: Encontro, diálogo e colaboração (Castro, 2022), defendida no âmbito do Programa de Doutorado em Difusão do Conhecimento. Destacamos que a tese foi elaborada no formato multipaper, em que cada capítulo corresponde a um objetivo específico da pesquisa e, de forma dialógica, constrói conhecimento sobre o objeto do estudo. Entendemos que esse formato possibilita um diálogo ampliado com o objeto da pesquisa desenvolvida e uma ampla divulgação do conhecimento produzido.

2Teixeira (1964, pp. 27-37), ao apontar as transformações que ocorreram ao longo da história dessa instituição (1852-1914; 1930, com a Segunda Guerra Mundial, até os dias de hoje), demarca não só o rompimento com o isolamento, mas, também, a “mistura com a vida presente”, que a faz marcada por seu “pluralismo e extrema confusão e divisionismo”.

3O autor exemplifica essa possibilidade de reversão das especializações utilizando as evidências dos processos de desespecialização/re/especialização nas sociedades de insetos, no caso, “as sugadoras, no centro de uma colmeia” (Morin, 2015b, p. 345).

4Para Morin (2015b), vida e morte são ecodependentes, devendo ser concebidas intensivamente em seus processos contraditórios e de transformação constante, em sua complexidade. O autor considera que a vida não é concebida apenas do ponto de vista físico-biológico, mas num sentido que abarca a perspectiva antropossocial do viver. A noção de vida deve ser concebida intensivamente no seu foco, o indivíduo vivo, e extensivamente na sua totalidade de biosfera, na sua organização primeira e fundamental - a célula - e em todas as formas de organização (policelulares, sociedades, ecossistemas) (Morin, 2015b, p. 392).

5Para Pêcheux (1987, p. 60), a ciência clássica da linguagem pretendia ser a “ciência da expressão e ciência dos meios dessa expressão”. Segundo o autor, o “deslocamento conceitual introduzido por Saussure, pela separação da homogeneidade entre a prática e teoria da linguagem” (pp. 60-61) deixou descoberto o terreno em que a prática e a teoria da linguagem buscavam responder sobre os usos semânticos, sintáticos e de sentido do texto.

6Registros da aula da disciplina Análise de Textos na Produção de Resultados Qualitativos, ministrada pelo professor José Luís Michinel, no primeiro semestre de 2018, em que foi apresentado um exercício de AC com o texto de Klaus Krippendorff.

7Ball (2011, pp. 91-92) conceitua o termo a partir da afirmação de que existem áreas de atividade que utilizam estudos educacionais que não são submetidos à erudição acadêmica ou científica e são utilizados com determinados interesses dos empreendedores. Para o autor, o empreendedor político é comprometido com a aplicação de soluções, organizações ou contextos técnicos que são tomados a priori como necessários à mudança estrutural e/ou cultural.

8O termo está associado à ideia de valores que são assumidos/construídos na trajetória de formação (inicial e/ou continuada) e ao longo do exercício profissional (Gorzoni & Davis, 2017).

Recebido: 07 de Novembro de 2022; Aceito: 30 de Março de 2023

Translated by Fernando Effori de MelloIII

III Freelancer; São Paulo (SP), Brazil; feffori@gmail.com

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