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Educação e Realidade

versão impressa ISSN 0100-3143versão On-line ISSN 2175-6236

Educ. Real. vol.47  Porto Alegre  2022

https://doi.org/10.1590/2175-6236117756vs01 

OUTROS TEMAS

Conectando Gestos e Imagens com Conceitos em Geometria

José Carlos Pinto LeivasI 
http://orcid.org/0000-0001-6876-1461

Carmen Vieira MathiasII 
http://orcid.org/0000-0001-5667-159X

José Anchieta da SilvaII 
http://orcid.org/0000-0003-1517-0654

IUniversidade Franciscana (UFN), Santa Maria/RS – Brasil

IIUniversidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria/RS – Brasil


RESUMO

A pesquisa teve como objetivo analisar como os estudantes identificaram conceitos, propriedades e relações de entes geométricos euclidianos, por meio de gestos com o uso de um jogo. A investigação caracteriza-se, quanto aos procedimentos técnicos, como uma pesquisa participante com abordagem qualitativa e foi realizada com alunos do Ensino Médio em uma escola privada. As análises realizadas, via categorização dos gestos utilizados, indicaram que os alunos produzem gestos de forma mais eficiente quando possuem uma imagem mental do ente geométrico a ser representado. A pesquisa também evidenciou que, aqueles que desempenham o papel de observadores no jogo, identificam o gesto produzido quando possuem conhecimento do conceito atrelado a ele.

Palavras-chave Geometria; Gestos; Jogos

ABSTRACT

The research aimed to analyze how students identified concepts of Euclidean geometric entities, their properties, and relations, through gestures with the use of a game. The investigation is characterized, regarding technical procedures, as participant research with a qualitative approach and was carried out with high school students in a private school. The analyses performed, via categorization of the gestures used, indicated that students produce gestures more efficiently when they have a mental image of the geometric entity to be represented. The research also showed that those who play the role of observers in the game, identify the gesture produced when they have knowledge of the concept attached to it.

Keywords Geometry; Gestures; Games

Introdução

Inicia-se este texto resgatando o desenvolvimento da Geometria por alguns séculos, até mesmo, milênios, até chegar ao estágio atual da civilização. Não se poderia deixar, pois, de evocar Euclides e sua formalização nessa preciosa área do conhecimento para a humanidade. O prefácio da tradução direta do hebraico feita por Irineu Bicudo para a língua portuguesa (Euclides, 2009) indica o espírito norteador da obra: “De fato, a prática de Euclides frequentemente contempla a concisão ‒ por exemplo, em lugar de ‘o quadrado sobre a AB (isto é, de lado AB)’ diz, na maioria das vezes, ‘o sobre a AB’: e, ‘o pelas AB, CD’, em lugar de ‘o retângulo contido pelas AB, CD (ou seja, de lados AB, CD)’” (Euclides, 2009, p. 12). Isso para se exemplificar a linguagem empregada à época, bem hermética.

Essa forma de linguagem, aos poucos, foi modificando-se para atender a novas formas de ler, refletir e apreender os significados matemáticos pensados por Euclides. A necessidade de compreender o espaço no qual se vive faz emergir novos questionamentos, teorias/concepções, no caso, para a Geometria. Nessa direção, Mlodinow (2010, p. 10) levanta vários questionamentos sobre a natureza do espaço, dentre os quais se extrai: “O espaço pode ser curvo? Quantas dimensões existem? Como a geometria explica a ordem natural e a unidade do Cosmos?”. Para esse autor, tais perguntas “[…] estão por trás das cinco revoluções geométricas da história mundial” (Mlodinow, 2010, p. 10).

A ideia de Descartes em organizar a Geometria Analítica, atribuindo coordenadas aos pontos, permitiu brincar com os lugares e formas geométricas até então advindas do sistema euclidiano, misturando números, letras e Geometria propriamente dita. Com isso, desenvolve-se, por exemplo, o Cálculo Diferencial e Integral, até chegar aos modernismos tecnológicos.

A Geometria Diferencial envolve Geometria e Cálculo, na qual se passa a formular as Geometrias-Não Euclidianas: Hiperbólica e Elíptica, as quais podem ser observadas a partir da curvatura de uma superfície. Nessa direção, as superfícies da curvatura gaussiana constante têm como protótipo o lugar geométrico: superfície esférica, de curvatura positiva; a pseudoesfera, de curvatura negativa; e o plano euclidiano, cuja curvatura é nula. Nesses lugares geométricos, novas concepções de reta surgem; por exemplo, as paralelas. Um dos fundamentos da Geometria Euclidiana Plana surge a partir do Axioma definido por Euclides, afirmando que, por uma reta e um ponto fora dela, passa uma única reta paralela à ela. Isso já não irá ocorrer na Geometria Esférica, em que não existe tal paralelismo, pois as retas são as circunferências máximas da superfície esférica, denominadas geodésicas. Em uma Geometria Hiperbólica, poderá existir mais do que uma paralela por um ponto não pertencente a uma reta. Os modelos como o de Klein e o de Poincaré ilustram tal propriedade.

Com o cartesianismo, resolve-se a questão do número de coordenadas de um ponto; porém, sua interpretação não vai além do mundo real a três dimensões, mesmo que elas sejam dadas por números inteiros. Inclusive, o filósofo inglês Henry More especulou sobre a existência da quarta dimensão, habitat dos fantasmas, os quais veriam os outros seres em 3D, enquanto o inverso não poderia ocorrer. Por analogia, os seres que habitam o mundo 2D não perceberiam os seres em 3D, enquanto estes os veriam achatados, similarmente com o que ocorre nas telas de cinema em filmes 3D.

Porém, para além das dimensões inteiras, mesmo maiores do que três, surge, modernamente, a dimensão fractal, originando a denominada Geometria Fractal. Embora muitos expressem essas novas geometrias como descobertas, entendem-se, aqui, como criações, uma vez que são fundamentadas com sua lógica matemática, com axiomas, teoremas e relações bem definidas. Seria possível continuar a discorrer sobre criações humanas no campo da Geometria, o que não é objeto deste artigo. Pretende-se chegar ao que hoje se discute, em termos de Educação Matemática e do ensino em geral, como inclusão, uma vez que serão explorados os gestos no ensino de Geometria, por meio de um jogo que envolve conceitos geométricos.

Os professores necessitam estar preparados, quer na formação inicial, quer na formação continuada, para encontrar em sua sala de aula alunos, por exemplo, com deficiência auditiva, ou sem nenhuma possibilidade de ouvi-los. Portanto, necessitam usar de outros recursos didáticos para poderem se comunicar para além da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), raramente constante em sua formação inicial ‒ embora exista uma disciplina obrigatória de LIBRAS nos currículos atuais das licenciaturas, em geral, isso não é suficiente. Como então efetivar essa comunicação em Geometria, com raros símbolos que podem auxiliá-los na compreensão dessa área?

Segundo Varela (1999), um novo paradigma surgiu nas últimas décadas, desafiando suposições cartesianas da ciência cognitiva inicial. O paradigma em questão reconhece a natureza incorporada da cognição, envolvendo o sensório-motor como um elemento fundamental para tal.

Incorporado implica o seguinte: (1) cognição dependente dos tipos de experiência resultantes de um corpo com capacidades sensório-motoras; e (2) capacidades sensório-motoras individuais que são elas próprias incorporadas em um contexto biológico e cultural mais abrangente. […] processos sensoriais e motores, percepção e ação, são fundamentalmente inseparáveis na cognição vivida e não meramente ligados contingentemente como pares de entrada/saída

(Varela, 1999, p. 11-12, tradução nossa).

Acredita-se, a partir dessa ideia, que seja possível aliar novas possibilidades para o ensino e a aprendizagem de Geometria, especialmente, em salas de aulas inclusivas. Nesse sentido, o grupo GEPGEO vem realizando investigações sobre o tema “Gestos em Geometria”. No ano de 2019, o grupo se debruçou sobre o jogo Imagem & Ação1 e, a partir deste, criou o denominado “Geometria em Ação”, o qual será descrito a seguir, bem como sua validação com estudantes de diversos níveis de escolaridade.

Dessa forma, justifica-se a pesquisa abordada neste artigo, que teve como objetivo analisar como estudantes do Ensino Médio identificaram conceitos, propriedades e relações de entes geométricos euclidianos, por meio de gestos com o uso do jogo “Geometria em Ação”.

Revisão de Literatura

Os gestos são classificados por McNeill (2005) como movimentos de mãos e braços com características simbólicas, intimamente ligadas a ou mesmo produzidas simultaneamente com a linguagem falada, denominados gestos de co-fala. Dependendo da situação, do contexto e da contrapartida, um gesto pode ser entendido como deliberadamente expressivo. Nesse caso, ele atinge a distinção pelo intérprete, fazendo do ato de gesticular um esforço social (Kendon, 2004). Em qualquer caso, os gestos são dissociados do auto-toque – como coçar o nariz –, da manipulação de objetos, das expressões de afeto e das linguagens gestuais.

Conforme Goldin-Meadow (2006), há ocasiões em que a fala é impossível, como no seguinte exemplo: o barulho torna difícil de ouvir; as regras exigem silêncio ou ninguém usa uma linguagem falada comum. Sob circunstâncias desse tipo, os falantes, usando suas mãos, desenvolvem sistemas de signos. Assim, os gestos podem cumprir propósitos diferentes no enunciado de uma pessoa. Eles podem: substituir expressões verbais; ser usados como suporte em um processo de comunicação; ou ser portadores independentes de significado, eventualmente, interagindo com enunciados verbais (Clement, 2008).

Segundo Kita e Oëzyuërek (2003), os gestos decorrem de representações mentais espaciais ou motoras que estão interconectadas com as representações mentais subjacentes à fala. Essa perspectiva, recentemente, foi apresentada por Hostetter e Alibali (2008, p. 721) como “Gesto como Ação Simulada” – Gesture as Simulated Action (GSA). Essa estrutura sustenta que, tanto o gesto quanto a fala são baseados em ações simuladas e estados perceptivos, ativando áreas pré-motoras e motoras do cérebro. Às vezes, os indivíduos não conseguem inibir essa ativação motora e, como resultado, produzem gestos.

Nessa perspectiva, Alibali et al. (2019, p. 69) afirmam que

[…] os indivíduos produzem o gesto como parte natural de seus esforços para comunicar significados pretendidos que possuem elementos perceptivos e baseados em ação. Ações simuladas e estados perceptivos desempenham um papel central na estrutura GSA. Essa visão está alinhada com a perspectiva da cognição incorporada, a qual sustenta que os processos cognitivos humanos têm suas raízes na ação e na percepção.

Pier et al. (2014), por exemplo, descrevem um indivíduo que produziu um gesto usando as duas mãos para simular duas engrenagens movendo-se em direções opostas. A partir de seus gestos, é possível inferir que esse indivíduo simulou mentalmente a ação de girar uma engrenagem.

Os mesmos autores afirmam que muitas pesquisas destacam maneiras pelas quais a cognição matemática é incorporada ou formulada por meio da percepção e da ação. Tais investigações identificam, especificamente, o gesto como um recurso cognitivo importante para o aprendizado de matemática.

Nas salas de aula de matemática, os gestos são utilizados de forma espontânea para conectar representações e ideias matemáticas distintas (Nathan et al., 2013). Ou, ainda, para promover o compartilhamento de uma base comum com os alunos e fomentar fundamentos matemáticos entre a classe como um todo (Alibali et al., 2019).

De acordo com Novack e Goldin-Meadow (2015, p. 405)

[…] os gestos de um aluno podem indexar momentos de instabilidade conceitual, e os professores podem fazer uso desses gestos para obter acesso ao pensamento de um aluno. Os alunos também podem descobrir novas ideias a partir dos gestos que produzem durante uma aula ou a partir dos gestos que veem seus professores produzirem. Assim, o gesto tem o poder não apenas de refletir o entendimento de um aluno sobre um problema, mas também de mudar esse entendimento.

Pensando no ensino e na aprendizagem em Matemática, os gestos podem ser vistos como os movimentos incorporados que criam contornos de formas geométricas ou retratam conceitos como inclinações ou ângulos através de representações das mãos ou do corpo (Melcer; Isbister, 2016).

Nessa mesma direção, Congdon et al. (2017) apontam evidências de que os estudantes retêm e generalizam melhor o que aprendem em uma aula de Matemática quando recebem instruções que contenham fala e gesto simultaneamente, em comparação a quando recebem instruções que contenham fala e gesto sequencialmente. Assim, eles observam que o gesto sincronizado com a fala possui a capacidade de promover uma aprendizagem que perdure e pode ser generalizada.

Walkington et al. (2014, p. 480) apontam uma importante diferença entre dois tipos de gestos representativos. Segundo os autores,

[…] em gestos representativos estáticos, os sujeitos representam um objeto (como um triângulo, por exemplo), mas não tentam agir diretamente sobre esse objeto. Ou seja, o gesto apresenta uma representação estática de um único objeto, que não está interagindo com outros objetos. Em gestos representativos dinâmicos, os sujeitos primeiro representam um objeto e, em seguida, se envolvem em transformações fluídas desse objeto usando as possibilidades de seu corpo. Por exemplo, o sujeito pode ‘contrair’ um triângulo formado com as mãos em dois segmentos de reta um em cima do outro, ou criar um retângulo com as mãos que ‘cresce’ à medida que as mãos se movem para fora.

Ainda conforme Walkington et al. (2014, p. 481), “[…] a ação física de gesticular resulta e inicia estados cognitivos. Portanto, realizar gestos dinâmicos com o corpo pode ser um subproduto dos processos de raciocínio e dar origem a novas ideias”.

Tais processos de raciocínio são particularmente importantes nas formas de ensinar e aprender. Em particular, no que diz respeito à Geometria, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aponta que ela envolve um grande conjunto de conceitos e procedimentos. Estes são fundamentais para a resolução de problemas físicos em diversas áreas do conhecimento. Além disso, “[…] estudar posição e deslocamentos no espaço, formas e relações entre elementos de figuras planas e espaciais pode desenvolver o pensamento geométrico dos alunos […]” (Brasil, 2017, p. 271).

Quanto ao Ensino Médio, é esperado que os alunos dos três anos desenvolvam a seguinte competência geral:

[…] utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital ‒, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo

(Brasil, 2017, p. 9).

A respeito de habilidades de percepção espacial, Del Grande (1994) indica categorias formuladas por Frostig e Horne e Hoffer, dentre as quais se encontram: coordenação visual-motora, discriminação visual e memória visual. Entende-se que tais habilidades podem ser observadas e, até mesmo desenvolvidas, por meio de “gestos”. Para esses autores, a primeira habilidade é definida como “[…] coordenar a visão com o movimento do corpo” (Del Grande, 1994, p. 158), o que remete diretamente ao ato de gesticular determinados conceitos, como será visto na análise à frente no presente artigo.

Quanto à discriminação visual, essa é definida como “[…] a habilidade de distinguir semelhanças entre objetos” (Hoffer, 1977 apud Del Grande, 1994, p. 1592). Nesse sentido, o gesto para descobrir o conceito envolvido possibilita ao jogo “Geometria em Ação” verificar como ocorre conexão entre o que é gesticulado e o que é verbalizado.

Por fim, o mesmo autor define memória visual como a habilidade de “[…] lembrar-se com precisão de um objeto que não está mais à vista e relacionar suas características com outros objetos, estejam eles à vista ou não” (Del Grande, 1994, p. 159). Isso ocorre no referido jogo, a partir do momento em que os estudantes evocam conceitos que foram estudados em anos anteriores.

Assim, entende-se que tais habilidades podem ser percebidas entre os interlocutores de um jogo que explore gestos envolvendo conceitos geométricos. Esses gestos são produzidos por um indivíduo para serem interpretados por um grupo de competidores e reproduzidos oralmente por outro indivíduo que os interpreta.

A pesquisa de Blanco (2014), com futuros professores de Matemática, buscou diagnosticar, em algumas atividades geométricas, habilidades de visualização para obter soluções de problemas. Por exemplo, ao realizar o corte de um cubo por um plano que o intersecta nas três arestas que concorrem em um vértice, questiona quantos vértices teria o novo sólido. A autora indica haver a tarefa de conteúdo do problema em si e a de cortar o sólido a uma distância dada do vértice. Afirma que, embora não seja necessário identificar a secção produzida, pois a imagem já se apresenta na própria figura do enunciado, constitui uma habilidade de discriminação visual. Em contrapartida, é possível que a ação de contar os vértices da nova figura exija uma imagem mental do corpo resultante, a ser mobilizada durante o processo de resolução. Na sequência, apresentam-se os procedimentos metodológicos da pesquisa.

Procedimentos Metodológicos

De acordo com Severino (2016, p. 23), “A Universidade, em seu sentido mais profundo, deve ser entendida como uma entidade que, funcionária do conhecimento, destina-se a prestar serviço à sociedade no contexto da qual ela se encontra situada”. A partir dessa contextualização preconizada pelo autor, o presente trabalho foi realizado por um grupo de estudos e pesquisas em ensino de Geometria de um Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, envolvendo licenciandos em Matemática, professores atuantes no ensino básico, mestres e mestrandos, doutores e doutorandos. Isso fortalece o que o autor indica a respeito do papel que a Universidade deve desempenhar na comunidade na qual está inserida.

Assim, na medida em que o grupo vai até a escola, experimenta seus achados e investiga seus resultados, tem-se uma pesquisa com abordagem qualitativa envolvida no processo. A pesquisa qualitativa propõe o contato direto e prolongado dos pesquisadores com o ambiente e a situação investigada, tendo os dados produzidos majoritariamente de forma descritiva (Lüdke; André, 1986).

A partir disso, estabelece-se um primeiro contato com a escola, por intermédio de um professor de Matemática regente do Ensino Médio, apresentando a proposta da pesquisa. O professor apresentou o projeto para a coordenação pedagógica da instituição. O grupo de pesquisa, em conjunto com a coordenação pedagógica e os professores do Ensino Médio, constatou que havia a possibilidade de trabalhar com duas turmas de terceiro ano.

Como o professor regente da turma participa do grupo de pesquisa, a presente investigação caracteriza-se, quanto aos procedimentos técnicos, como uma pesquisa participante. Esse tipo de investigação “[…] é aquela em que o pesquisador, para realizar a observação dos fenômenos, compartilha a vivência dos sujeitos pesquisados, participando de forma sistemática e permanente, ao longo do tempo de pesquisa das suas atividades” (Severino, 2016, p. 126).

A presente pesquisa vem ao encontro do indicado pelo autor, na medida em que aplica o jogo “Geometria em Ação”, criado pelo grupo, em duas turmas de terceiro ano do Ensino Médio. O material foi implementado às vésperas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), em uma mesma escola, situada em uma cidade da região central do Rio Grande do Sul.

O jogo, que será descrito na sequência, exigia que os investigadores controlassem os grupos durante sua disputa, bem como que ditassem as regras, anotassem pontuações e respostas corretas. O processo foi registrado em fotos e filmagens dos gestos produzidos pelos estudantes, na tentativa de que algum dos componentes do grupo verbalizasse o conceito gesticulado, o qual correspondia a uma carta que o gesticulador sortearia do monte, sem que os demais percebessem.

Portanto, a participação dos pesquisadores envolvidos necessita que seja colaborativa, pois cada um deve atentar para um detalhe ou grupo durante as jogadas. Por essa razão, a atividade foi realizada pelos três autores do artigo. Além disso, na primeira turma, participaram 32 estudantes, os quais foram divididos em quatro grupos, enquanto na segunda, foram 17 participantes, divididos em dois grupos.

Os registros dos participantes foram realizados por meio de filmagens e foi aplicado um questionário composto por dez perguntas abertas. Esse questionário foi impresso e distribuído aos estudantes, tendo por objetivo perceber o posicionamento desses participantes perante a experiência e avaliar o potencial do jogo realizado.

A filmagem realizada se faz necessária, pois elucida ao pesquisador alguns detalhes dúbios em suas observações, especialmente pelo seu envolvimento durante a utilização do jogo, o qual pode provocar uma movimentação ou “indisciplina” na sala de aula. A respeito desse termo, Parrad-Dayan (2008) indica que violência e indisciplina não são sinônimas. A autora aponta, pelo menos, três tipos de indisciplina no âmbito escolar, dentre elas, “[…] a terceira modalidade de indisciplina é um protesto contra as regras e as formas de trabalho. Trata-se aqui de denunciar um contrato implícito que funciona na aula sem que a opinião dos alunos tenha sido levada em conta” (Parrad-Dayan, 2008, p. 27).

Nessa direção, o jogo, como atividade em sala de aula, foge ao que a escola tradicional indica como “[…] um espaço ordenado e controlado, onde as diferentes atividades estão ritualizadas. O movimento, o ato de tomar a palavra, o estudo, etc. respondem a rotinas estruturadas” (Parrad-Dayan, 2008, p. 28). Em contrapartida, “[…] a escola nova permite a convivência escolar democrática, que não exclui a possibilidade da emergência de situações de conflito” (Parrad-Dayan, 2008, p. 28).

A atividade realizada foi na segunda direção, uma vez que os alunos participaram espontaneamente e, em sua maioria, foram ativos na realização das atividades. Inicialmente, alguns estavam um pouco inibidos, em particular o estudante que fora escolhido para retirar a carta e fazer o gesto que traduzisse o conceito envolvido nela, para a descoberta por seu colega de grupo. Na medida em que as jogadas avançavam, os participantes sentiam-se à vontade para se “indisciplinarem” no jogo.

O jogo é um recurso poderoso para proporcionar essa “indisciplina” no âmbito da sala de aula. No entanto, muitas discussões emergem entre educadores sobre o papel do jogo, bem como do manual, visto que ambos remetem “[…] à falta de clareza na explicação, que é compreensível, porque, muitas vezes, o autor vê como óbvios aspectos que não o são para alguns leitores. Por isso, a descrição elaborada de cada jogo é detalhada por vezes até exaustiva. O objetivo final é a boa compreensão por parte do leitor” (Jurado; Nieta, 2016, p. 13). Portanto, além de atentar para a questão da “indisciplina”, a presente pesquisa também explora o jogo adaptado para uma boa compreensão da Geometria, de forma a sanar deficiências por ventura encontradas, contribuindo para uma aprendizagem geométrica satisfatória.

No que diz respeito à coleta de dados para a posterior análise, especialmente pela exuberância das manifestações dos indivíduos durante o jogo, tornou-se importante o uso de recursos atuais, como a filmadora e o próprio celular.

Hoje em dia, com filmadoras profissionais ou até mesmo com telefones celulares e tablets, a capacidade para gravar em vídeo, o desvelar de sons e imagens de um fenômeno, momento a momento, tem se transformado numa ampla e poderosa ferramenta da comunidade de pesquisa em Educação Matemática

(Powell; Silva, 2015, p. 19).

De fato, esse recurso permite ao pesquisador acompanhar, no caso da presente pesquisa, os gestos produzidos por um indivíduo, de modo que seu parceiro de grupo consiga fornecer subsídios visuais que lhe permita identificar qual o conceito que a pessoa está querendo comunicar. Nesse sentido, as imagens podem ser, de fato, significantes para a análise desejada e a indicação dos dados relativos a uma pesquisa (Powell; Silva, 2015).

O jogo elaborado pelo grupo, denominado “Geometria em Ação”, é constituído de um tabuleiro, peões, dados, 102 cartas contendo conceitos, propriedades e importantes resultados envolvendo tópicos geométricos que constam nos programas do Ensino Médio. O jogo conta, também, com dois glossários, sendo que um deles contém somente definições, e o segundo, definição e imagem do conceito. A Figura 1 ilustra o tabuleiro e algumas cartas.

Fonte: Arquivo do grupo de pesquisa.

Figura 1 Tabuleiro e Algumas Cartas 

Na Figura 2, ilustra-se um item do glossário, constituído da definição e da imagem. A diferença entre os dois está no fato de que, ao consultar o glossário das definições, a equipe que acertar o gesto produzido pelo indivíduo que gesticula, quando lançar o dado, perde um ponto do valor correspondente ao número sorteado para avançar no tabuleiro; se consultar o glossário com imagens, perde dois pontos.

Fonte: Arquivo do grupo de pesquisa.

Figura 2 Um Item do Glossário com Imagem 

A análise dos gestos realizados pelos alunos do Ensino Médio durante o jogo e constantes no presente artigo atém-se aos conceitos que foram sorteados e àqueles buscados nos glossários quando da necessidade do aluno.

Resultados e Discussões

Como já anunciado, a pesquisa foi realizada às vésperas do ENEM-2019, com duas turmas de terceiro ano do Ensino Médio, em uma escola privada da região central do Rio Grande do Sul. A primeira turma teve 14 participantes, enquanto a segunda teve 17. De início, os investigadores observaram certa timidez do primeiro grupo, enquanto os do segundo grupo agitaram-se e empolgaram-se mais à medida em que a disputa se acentuava. Na Figura 3, ilustram-se algumas das situações no desenvolvimento do jogo.

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 3 Disputas e Gestos 

Considera-se a importância do momento de aplicação da investigação, especialmente na verificação do que preconiza a BNCC, tanto para o Ensino Fundamental quanto para o Ensino Médio. No documento, para o primeiro ano, a unidade temática “Geometria” apresenta o seguinte objeto do conhecimento: “Figuras geométricas espaciais: reconhecimento e relações com objetos familiares do mundo físico”. Também, indica a seguinte habilidade necessária nesse objeto: “Relacionar figuras geométricas espaciais (cones, cilindro, esferas e blocos retangulares) a objetos familiares do mundo físico” (Brasil, 2017, p. 279). Dessa forma, considera-se relevante que o jogo “Geometria em Ação” possa proporcionar aos estudantes, no final do Ensino Médio, uma retomada desses conteúdos. Além disso, ao buscar na memória elementos que possam ser gesticulados, a fim de que o conceito envolvido possa ser verbalizado, indica a relevância do jogo para a aprendizagem geométrica.

Aliado ao que é sugerido para o Nível Fundamental e para o Nível Médio, fica estabelecida a seguinte competência geral na BNCC:

[…] utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo

(Brasil, 2017, p. 541).

Para cumprir com tal objetivo, destaca-se também do mesmo documento a seguinte habilidade:

Utilizar as noções de transformações isométricas (translação, reflexão, rotação e composições destas) e transformações homotéticas para construir figuras e analisar elementos da natureza e diferentes produções humanas (fractais, construções civis, obras de arte, entre outras).

(Brasil, 2017, p. 533).

A partir desses dois indicativos destacados, reforça-se a importância de analisar a realização do jogo com vistas a perceber sua relevância para o momento e para os indivíduos participantes da atividade (o jogo foi aplicado uma semana antes do ENEM).

Para a análise da atividade, observou-se que foi filmado um grupo por vez e, dessa forma, não foi possível acompanhar de modo efetivo todos os conceitos sorteados e, consequentemente, os gestos realizados.

O Quadro 1 sintetiza os gestos sorteados que foram analisados a partir dos vídeos; para quais gestos houve ou não a solicitação do glossário por parte dos participantes que iriam realizá-los; e se os gestos foram (ou não) identificados pelo grupo.

Quadro 1 Síntese dos Gestos Sorteados 

Conceito sorteado Glossário de conceito com imagem Gesto identificado pelo grupo
Ângulo Não Sim
Ângulos suplementares Não Sim
Área Não Sim
Baricentro Sim Sim
Círculo Não Sim
Corda Não Sim
Corpos redondos Não Sim
Geratriz Sim Sim
Grau Não Sim
Hipotenusa Não Sim
Lado Não Sim
Mediatriz Sim Não
Pirâmide de base quadrada Não Sim
Polígono inscrito Sim Não
Ponto Não Sim
Ponto médio Não Sim
Prisma de base hexagonal Não Sim
Translação Sim Não
Triângulo Sim Sim
Tronco de cone Não Não
Vetor Não Não

Fonte: Elaboração dos próprios autores.

Para a análise dos gestos, optou-se por investigar aqueles em que os alunos solicitaram o glossário. Dessa forma, serão considerados os correspondentes aos conceitos de translação, mediatriz, baricentro, polígono inscrito e geratriz. Categorizamos os gestos selecionados que representavam os conceitos sorteados como gesto estático ou dinâmico, conforme a definição dada em Walkington et al. (2014).

O primeiro conceito selecionado, para o qual os estudantes solicitaram o glossário, foi o de translação. Observa-se que esse é um termo utilizado em outras áreas do conhecimento, como física, por exemplo. Mesmo sendo um termo corriqueiro, existiu o fator insegurança, que fez com que a aluna recorresse ao glossário para relembrá-lo. A Figura 4 ilustra uma sequência de gestos realizados pela participante.

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 4 Gesto Representativo do Conceito Translação 

Nesse caso, é possível observar que houve a ideia de movimento, ou seja, ocorreu um gesto dinâmico. O conjunto de imagens contidas na Figura 4 ilustra apenas alguns dos gestos realizados pela participante, que movimentou as mãos para produzir certo gesto no ar, utilizando o corpo para se deslocar e repetindo o mesmo gesto com as mãos. Como o conceito não era conhecido pela participante, ele pode ser considerado complexo para sua reprodução. Nesse contexto, Melinger e Kita (2007) afirmam que os falantes produzem mais gestos em momentos de carga conceitual relativamente alta ‒ por exemplo, quando lhes era pedido para descrever uma imagem com maior complexidade ‒ do que naqueles de relativamente baixa carga conceitual ‒ quando lhes era solicitado para representar uma imagem com menor complexidade.

Conforme Kita (2000), a produção de gestos representacionais ajuda os falantes a organizarem informações visoespaciais e ocorrem com mais frequência com descrições de complexidade crescente. Percebe-se que foi exatamente o que ocorreu para a representação do conceito de mediatriz. Ao realizar a representação gestual desse conceito, para que as colegas o entendessem, a estudante primeiro expressou a ideia de segmento, depois de metade e, por fim, a ideia de perpendicularismo, como se ilustra na Figura 5.

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 5 Gesto Representativo do Conceito Mediatriz 

Apesar do movimento realizado, esse gesto pode ser considerado estático, visto que fragmenta os conceitos. Esse pode ser o motivo pelo qual, mesmo com todo o esforço da estudante, suas colegas não conseguiram identificar o conceito sugerido pelo gesto. O mesmo ocorreu com o conceito relativo a baricentro. A Figura 6 ilustra parte dos gestos produzidos pela estudante.

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 6 Gesto Representativo do Conceito Baricentro 

Nessa representação, a aluna desenhou um triângulo no ar, apontando para o seu centro. As colegas começaram a arriscar possíveis conceitos associados, como triângulo, ponto médio, circuncentro, incentro, dentre outros. Quase que imediatamente, alguém falou baricentro, acertando o conceito que estava sendo representado por meio do gesto dinâmico produzido pela colega. Observa-se que o gesto, no caso específico do conceito de baricentro, foi um movimento incorporado, como consideram Melcer e Isbister (2016). Isso possibilitou a criação do contorno do triângulo e do ponto notável desse ente geométrico, retratando não apenas um único conceito, mas vários.

Um conceito sorteado em dois momentos distintos foi o de polígono inscrito. Em uma das oportunidades, os alunos precisaram recorrer ao glossário, enquanto na outra não. Chamou atenção dos pesquisadores, ao analisarem os gestos produzidos pelos estudantes para esse conceito, o fato de que, em ambas as oportunidades, os colegas ‒ que não eram os protagonistas ‒ também gesticularam, como ilustra a Figura 7.

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 7 Gesto Representativo do Conceito Polígono Inscrito 

Essa ação de gesticular juntos é corroborada por Goldin-Meadow (2006, p. 143) ao afirmar que “[…] o gesto também é sentido”. A autora indica que “[…] os gestos não apenas evocam imagens visuais, mas podem evocar imagens motoras, ampliando assim as possibilidades de representação” (Goldin-Meadow, 2006, p. 143). O mesmo fato ocorreu ao ser representado o conceito de geratriz, como ilustra a Figura 8.

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 8 Gesto Representativo do Conceito Geratriz 

Nesse caso, o aluno começou representando um segmento, depois deu a ideia de ser um cone, fazendo a representação de um triângulo no ar e depois mostrando o número três. Nessa fase, os colegas começaram a arriscar conceitos que diziam respeito a entes geométricos relacionados ao cone.

Observa-se, nessas duas últimas análises, que os estudantes construíram representações motoras não apenas enquanto gesticuladores, mas também quando observavam os gestos do outro. Esse fator expande o conjunto de ferramentas representacionais disponíveis. Ou seja, além de formatos visuais, a apreensão da informação também ocorreu por meios motores.

Após a realização do jogo, o professor responsável pela turma, que corresponde ao terceiro autor deste artigo, propôs um questionário, conforme descrito anteriormente. Na sequência, é feita a análise sintetizada dos itens questionados.

A primeira pergunta solicitava a identificação dos alunos nas turmas trabalhadas. Dos respondentes, 14 alunos eram da turma 231 e 22 da turma 232. A segunda questão focava nas dificuldades em compreender os conceitos relacionados à Geometria. A maioria dos alunos alegou que Geometria era difícil de compreender. Essa resposta era esperada, devido à quantidade de consultas ao glossário que foram necessárias no decorrer do jogo, visto que os alunos não lembravam ou não tinham conhecimento dos conceitos abordados.

A próxima pergunta tinha relação com a motivação para participar do jogo realizado. Como resposta, foram citadas as seguintes expressões soltas: “competição”, “participação”, “convívio”, “aprendizado”, “diversão com amigos”, “ganhar com o grupo”, ‘revisão para o ENEM”, “trabalhar com os colegas”, “o método”, “praticar de uma maneira diferente”, “interessante”, “aprender de forma lúdica”, entre outros. Nesse sentido, percebe-se que o objetivo ao levar o jogo para a sala de aula foi atingido. Visto que,

[…] utilizar jogos como material pedagógico tem como objetivo criar um ambiente descontraído que viabilize a aprendizagem por meio da observação, da criatividade, do pensamento lógico, da resolução de situação problema, da articulação com diferentes conhecimentos e da inter-relação com os colegas de sala

(Apresentação; Teixeira, 2014, p. 305).

As outras cinco questões abordavam aspectos relativos ao jogo. Questionou-se se os alunos realizaram gestos para os colegas de grupo descobrirem do que se tratava. Onze alunos responderam que não, enquanto 25 estiveram à frente do grupo. Entre os 25 que fizeram gestos, as palavras que lembraram foram: área, lado, ponto médio, triângulo, ângulos suplementares, baricentro, círculo, corda, ortocentro, ângulo, hipotenusa, ponto, medida, paralelepípedo, cubo, reta, cilindro, base, pirâmide, geratriz. Nesse quesito, ainda foi questionado se algum colega do seu grupo havia acertado o conceito que ele representou por meio de gestos, o que levou 23 alunos a responderem positivamente, enquanto outros 2 informaram que não conseguiram. Quanto a terem conseguido descobrir o conceito que o colega representou, 32 informaram que sim e apenas 3 disseram não ter conseguido acertar nenhuma vez. Também foi questionado sobre o uso do glossário: 19 estudantes responderam positivamente.

As duas últimas questões versaram sobre a avaliação da atividade e sobre possíveis mudanças a serem realizadas no jogo. Os alunos foram muito sugestivos, indicando mudanças para as regras, formas de organização do jogo e quantidade de pessoas necessárias para administrar o tempo de resposta. Tais levantamentos serão levados em consideração em novas versões que devem ser organizadas pelo grupo de pesquisa.

Conclusão

A pesquisa teve como objetivo analisar como estudantes do Ensino Médio identificaram conceitos, propriedades e relações de entes geométricos euclidianos com o uso do jogo “Geometria em Ação”. Inicialmente, um dos interesses dos pesquisadores, participantes de um grupo de estudos e pesquisa em Geometria, foi apresentar o jogo para alunos desse nível, oportunizando que tivessem conhecimento da existência de atividades matemáticas relacionadas à visualização, representação gestual, simbolização e raciocínio.

A surpresa se deu em termos de aceitação e participação dos estudantes desse nível de ensino, os quais, em um primeiro momento, não compreenderam que se tratava de uma oportunidade de produção, de forma colaborativa, sem as amarras impostas pelo cotidiano escolar. Porém, passada essa fase de adaptação, perceberam que o espaço dado a partir do jogo era propício para explorar Geometria e retomar conceitos vistos em outros momentos, o que os levaria a uma revisão para o ENEM que se aproximava.

Quanto aos gestos realizados, foi possível perceber que, quanto mais complexo o conceito para o aluno – com consulta do glossário –, era mais difícil fazer os colegas compreenderem a representação gestual associada. Esse achado pode ser explicado por teorias que descrevem uma relação precisa do gesto com a expressão falada, como a proposta de Morsella e Krauss (2004)3 apud Goldin-Meadow e Alibali (2013). A hipótese é que o gesto prepara a palavra e esse efeito de preparação é mais rápido para palavras familiares do que para desconhecidas.

No caso do jogo “Geometria em Ação”, os gestos são uma expressão de conceitos geométricos. Dessa perspectiva, os gestos são eficazes quando os estudantes possuem imagens mentais corretas e são capazes de organizá-las de maneira eficiente apenas usando suas mãos e seu corpo. Além disso, tais conceitos devem ser conhecidos por quem os observa. Se os observadores não recordam o conceito, são incapazes de reconhecer o gesto, por mais preciso que ele seja. Em suma, a presente pesquisa sugere que os indivíduos produzem gestos de forma mais eficiente quando possuem uma imagem mental do ente geométrico, fazendo-se entender por meio da representação motora, quando os observadores também conhecem o conceito.

Quanto às respostas fornecidas pelos estudantes para as perguntas realizadas no questionário, destaca-se o envolvimento dos alunos na atividade proposta, pois, quando questionados sobre possíveis mudanças a serem realizadas, vários aspectos foram elencados. Eles sugeriram que poderia haver algum tipo de premiação para as equipes ganhadoras e que a dinâmica na participação dos grupos poderia ser alterada, de forma que nenhum grupo ficasse muito tempo sem jogar. Uma proposta de alteração no jogo que está sendo considerada pelo grupo de pesquisa para uma nova versão é a divisão dos conceitos em níveis – do mais fácil ao mais difícil. O grupo acredita que essa sugestão é muito importante e precisa ser incorporada, uma vez que partiu de sujeitos que testaram o jogo e realizaram contribuições com muita seriedade e criticidade.

Considerando que a aplicação da atividade ocorreu nas vésperas do ENEM, houve curiosidade em saber se o jogo promoveu algum benefício em virtude desse exame. Vinte e seis alunos responderam positivamente a essa questão, o que se considera uma contribuição positiva do grupo de pesquisa para o público envolvido. Além disso, foi solicitado, aos estudantes, uma pequena avaliação do jogo. As respostas foram dadas por meio de expressões típicas para a faixa etária dos alunos, tais como: “atividade bacana”, “aula mais leve e divertida”, “conhecimento junto com diversão”, “utiliza a competição para instigar a aprendizagem”, “ótimo para revisar conteúdo”, entre outras.

Essa avaliação foi recebida de forma muito positiva, visto que o Grupo GepGeo tem como objetivo criar e sugerir atividades em que a Geometria seja trabalhada em sala de aula, visando que os alunos consigam compreender os conceitos envolvidos.

Notas

1Imagem & Ação, lançado em 1986, pela Grow, é um jogo de tabuleiro de mimica e adivinhação com mais 2.400 palavras ou expressões subdivididas em 6 categorias. A cada rodada as equipes devem adivinhar o que a mímica de um de seus integrantes quer expressar para avançar as casas no tabuleiro. Ganha quem chegar ao final primeiro (Muniz et al., 2016).

2HOFFER, Alan. Mathematics Resource Project: Geometry and Visualization. Palo Alto, Calif.: Creative Publications, 1977.

3MORSELLA, Ezequiel; KRAUSS, Robert. The role of gestures in spatial working memory and speech. The American Journal Of Psychology, v. 117, n. 3, p. 411-424, 2004.

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Recebido: 18 de Agosto de 2021; Aceito: 18 de Julho de 2022

José Carlos Pinto Leivas tem graduação, pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel), especialização, pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Matemática. Seu doutorado foi em Educação, na Linha de Pesquisa em Educação Matemática, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). É professor titular aposentado pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

E-mail: leivasjc@ufn.edu.br

Carmen Vieira Mathias é professora de Matemática na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Possui licenciatura, pela UFSM, e mestrado e doutorado, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Matemática. Trabalha desde 2014 como voluntária em um Projeto de Extensão intitulado Curso de GeoGebra, no qual já foram formados mais de 5000 professores para a utilização do software que intitula o projeto no ensino de Matemática.

E-mail: carmenmathias@gmail.com

José Anchieta da Silva é professor de matemática da Educação Básica. Atua em escolas privadas e cursos preparatórios em Santa Maria. Possui licenciatura, pela Faculdade de Ensino e Pesquisa de Itajubá e atualmente é aluno do curso de Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional (PROFMAT) na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

E-mail: prof.anchieta@gmail.com

Editora responsável: Carla Karnoppi Vasques

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