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Educação em Revista

versión impresa ISSN 0102-4698versión On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.39  Belo Horizonte  2023  Epub 20-Ago-2023

https://doi.org/10.1590/0102-469838185 

Artigos

OS MANUAIS DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO PLANO NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO

LOS MANUALES DEL PROFESOR DE EDUCACIÓN FÍSICA EN EL PLAN NACIONAL DEL LIBRO DE TEXTO

RENATO CAVALCANTI NOVAES1  , Investigação, análise dos dados e escrita original
http://orcid.org/0000-0003-3804-2313

ANTONIO JORGE CONÇALVES SOARES2  , Análise dos dados, escrita do texto e revisão da escrita final
http://orcid.org/0000-0001-7769-9268

FELIPE DA SILVA TRIANI3  , Coleta de dados, análise dos dados e escrita do texto
http://orcid.org/0000-0001-6470-8823

SILVIO DE CASSIO COSTA TELLES3  , Supervisor do projeto de pesquisa, análise dos dados e escrita do texto
http://orcid.org/0000-0003-2652-6118

1 Marinha do Brasil(MB). Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

2 Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

3Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.


RESUMO:

A Educação Física foi inserida no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) em 2019, sendo o manual do professor o modelo de livro adotado. Este artigo analisa a inserção da Educação Física nesse programa e considera o contexto dos livros didáticos nesse componente curricular e o alinhamento dos manuais do professor com as políticas neoliberais de currículo que invadiram o campo da educação brasileira nas últimas décadas. Em um primeiro momento apresentamos o percurso dos livros didáticos de Educação Física no Brasil, desde os guias ginásticos, passando pelos livros didáticos, até os manuais do PNLD, momento em que a Educação Física escolar desperta nova relevância no mercado editorial. Em seguida, realizamos uma análise da coleção de manuais didáticos que obteve a maior quantidade de exemplares vendidos nos anos de 2019 e de 2020, a coleção Práticas Corporais, da Editora Moderna, revelando como ela pode se tomada como um dos indícios das reformas neoliberais de currículo em curso. Por fim, alertamos para a emergência de um sentido de Educação Física escolar moldado pelo mercado e apontamos alternativas para os manuais do professor de forma a escapar da lógica mercadológica vigente.

Palavras-chave: Educação Física escolar; Plano Nacional do Livro Didático; currículo; neoliberalismo; livro didático; políticas públicas

RESUMEN:

La Educación Física se incluyó en el Plan Nacional de Libros de Texto (PNLD) en 2019, y el manual del maestro fue el modelo de libro adoptado. Este artículo analiza la inserción de la Educación Física en este programa y considera el curso de los libros de texto en este componente curricular y la alineación de los manuales docentes con las políticas curriculares neoliberales que han invadido el campo de la educación brasileña en las últimas décadas. En primer lugar, presentamos el contexto de los libros de texto de Educación Física en Brasil, desde guías de gimnasia, pasando por libros de texto, hasta manuales del PNLD, un momento en el que la Educación Física escolar despierta una nueva relevancia en el mercado editorial. Luego, realizamos un análisis de la colección de libros de texto que tuvo el mayor número de ejemplares vendidos en 2019 y 2020, la colección Prácticas Corporales de Editora Moderna, revelando cómo se puede tomar como una de las señales de las reformas neoliberales en el currículo en curso. Finalmente, alertamos sobre el surgimiento de un sentido de Educación Física escolar conformado por el mercado y apuntamos alternativas a los manuales del profesor con el fin de escapar de la lógica actual del mercado.

Palabras clave: Educación Física Escolar; Plan Nacional de Libros de Texto; currículo; neoliberalismo; libro de texto; políticas públicas

ABSTRACT:

Physical Education was included in the National Textbook Plan (PNLD) in 2019, and the teacher's manual was the adopted book model. This article analyzes the insertion of Physical Education in this program and considers the context of textbooks in this curricular component and the alignment of teacher manuals with the neoliberal curricular policies that have invaded the field of Brazilian education in the recent decades. First, we present the context of Physical Education textbooks in Brazil, from gymnastics guides to textbooks, and to PNLD manuals, a moment in which school Physical Education obtains new relevance in the publishing market. Then, we conduct an analysis of the textbook collection with the highest number of copies sold in 2019 and 2020, named Corporal Practices, from the Editora Moderna publishing company, revealing how it can be seen as one of the signs of ongoing neoliberal curricular reforms. Finally, we sound an alarm regarding the emergence of a sense of school Physical Education shaped by the market and point out alternatives to teacher manuals in order to escape the current market-oriented logic.

Keywords: School Physical Education; National Textbook Plan; curriculum; neoliberalism; textbook; public policies

INTRODUÇÃO

A inserção da Educação Física no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) ocorreu pela primeira vez no ano de 2019. Esse programa atende as escolas de ensino básico da rede pública, com o objetivo de avaliar e disponibilizar material didático e paradidático, o que faz do governo federal o maior comprador de livros didáticos do Brasil e um dos maiores do mundo1. Apenas no ano de 2019, foram investidos mais de um bilhão de reais na aquisição de livros didáticos e paradidáticos através do PNLD (FNDE, 2020).

De forma geral, a aquisição de livros pelo PNLD tem início com um edital de convocação que regula os critérios de avaliação dos livros que serão adquiridos. A avaliação das obras é então realizada por uma equipe composta majoritariamente por professores, em geral de diferentes universidades públicas, que elaboram um guia com as resenhas dos livros que atendem aos critérios do edital. Em posse desse guia, os professores da rede pública de ensino básico podem escolher aqueles que serão adotados em suas aulas. Em seguida, as escolas informam o governo federal os livros escolhidos para que a encomenda seja realizada junto às editoras. O orçamento destinado a essa compra é proveniente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia responsável pelo PNLD.

A inclusão da Educação Física no PNLD em 2019 teve início com a divulgação do edital de convocação 01/2017, que estabeleceu o manual do professor como modelo de livro a ser adotado nessa disciplina (BRASIL, 2017a). Esse edital está relacionado com a publicação da BNCC para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental em 2017, documento de caráter normativo que define as aprendizagens essenciais dos componentes curriculares (BRASIL, 2017b), uma vez que, por meio do Decreto 9.099 (BRASIL, 2017c), o PLND foi incumbido de apoiar a implementação da BNCC. Desse modo, os manuais de Educação Física do PNLD precisariam ser redigidos em acordo com os princípios metodológicos e os saberes contemplados na BNCC, documento norteador para a estruturação dos currículos.

Tanto a BNCC quanto o PNLD estão inseridos em um contexto de reformas educacionais, deflagradas globalmente nas últimas décadas. Para Ball (2014), essas reformas possuem em comum a atuação de grandes corporações que, por intermédio de instituições finlantrópicas, produzem intervenções na estruturação dos currículos escolares. Desse modo, diversos autores têm se dedicado a denunciar o papel determinante do setor privado na implementação da BNCC, em especial por meio de seus grupos filantrópicos (AVELAR; BALL, 2017; MACEDO, 2014; 2019; TARLAU; MOELLER, 2020, NOVAES et al. 2021a). Adrião (2017) destaca no PLND o interesse de grandes corporações no mercado dos “insumos curriculares”, entendidos como o conjunto de produtos e serviços relacionados à implementação curricular. Dessa forma, BNCC e PNLD se articulam em políticas públicas educacionais voltadas para o currículo e, por conseguinte, para o mercado de insumos curriculares, o que reforça a transformação da concepção de educação em mercado em expansão e em negócio rentável.

Diante desse quadro, o objetivo do artigo é analisar a inserção da Educação Física no PNLD, considerando o contexto dos livros didáticos desse componente curricular e o alinhamento dos manuais do professor com as políticas neoliberais de currículo. Para tal, em um primeiro momento apresentamos o contexto dos livros didáticos de Educação Física no Brasil, desde os guias ginásticos, passando pelos livros didáticos, até os manuais do PNLD, momento em que a Educação Física escolar (EFE) desperta nova relevância no mercado editorial. Em seguida, realizamos uma análise da coleção de manuais didáticos que obteve a maior quantidade de exemplares vendidos nos anos de 2019 e de 2020, revelando como representam as reformas neoliberais de currículo na disciplina da educação física escolar.

O CONTEXTO DOS LIVROS/MANUAIS DIDÁTICOS NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Segundo Macedo (2004), os livros didáticos funcionam como dispositivos curriculares inseridos em contextos específicos e “não são objetivos ou factuais, mas produtos culturais que devem ser entendidos como o resultado complexo de interações mediadas por questões econômicas, sociais e culturais” (p. 106). Os livros didáticos, portanto, se relacionam com os documentos curriculares vigentes e com o mundo social, cultural e político nos quais estão inseridos. Em outras palavras, compreender como eles se relacionam com a Educação Física passa pelo entendimento das suas aproximações com o currículo dessa disciplina escolar inserido em um contexto cultural mais amplo.

Ao utilizarmos o termo “currículo”, concebemos que ele envolve não apenas os documentos curriculares emanados por órgãos planejadores e gestores, mas também:

[...]os documentos das escolas, os projetos, os planos, os livros didáticos, a mídia, enfim, tudo que atravessa o espaço-tempo escolar, assim como tudo aquilo que é vivido, sentido, praticado e que se coloca na forma de documentos escritos, conversações, ações e sentimentos vividos pelos praticantes do cotidiano, compreende-se que as diferentes dimensões do currículo são dimensões ou diferentes faces do mesmo fenômeno - o currículo escolar em sua relação com a realidade sociopolítica, histórica, econômica e cultural mais ampla (CARVALHO; SILVA; DELBONI, 2017, p. 489).

No sentido de compreendermos a relação do campo da EFE com os livros/manuais didáticos, nos valemos da pesquisa de Loureiro e Moreira (2020) que realizaram um balanço da produção acadêmica sobre os livros didáticos na EFE brasileira. Os autores identificaram que a produção acadêmica (artigos, trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses) nas últimas três décadas se debruçou sobre 19 livros didáticos que circularam no país desde o século XIX. Isso não significa dizer que não existiram outros livros de referência ou que os livros encontrados pelos autores foram todos de ampla circulação, mas os resultados servem para nos ajudar a compreender o contexto dos livros didáticos.

A partir de seus resultados, podemos afirmar que o primeiro modelo de livro didático para a Educação Física a ser adotado no Brasil foram os manuais ginásticos, os quais receberam também outras denominações, como: compêndios, tratados ou regulamentos. Segundo Loureiro e Moreira (2020), percebe-se que os manuais ginásticos consistiram nas principais referências didáticas para a incipiente Educação Física no início do século passado. Esses manuais estavam pautados em uma concepção de Educação Física que almejava fundamentalmente promover hábitos de saúde e de higiene, atribuindo aos exercícios físicos a função de desenvolver na população hábitos corporais sadios, disciplinados e morais (SOARES, 2017). Dentre os manuais levantados por Loureiro e Moreira (2020), nem todos foram escritos para aplicação específica na escola. Alguns possuíam seções específicas sobre a ginástica escolar, outros eram voltados para a educação corporal da sociedade em geral. De qualquer modo, os manuais serviram de referência curricular para a EFE, comumente referida pelo nome de ginástica, ao determinarem objetivos, métodos, conteúdos e sequências pedagógicas (PUCHTA, 2015).

Loureiro e Moreira (2020) destacam o Regulamento Geral de Educação Física, também popularizado como Regulamento 7º, como importante manual didático que orientou o ensino da EFE nas décadas de 1930 e 1940. Publicado em 1934, essa foi a primeira obra proposta pelo estado voltada para o ensino da Educação Física no Brasil. O Regulamento de certa forma reproduzia o método francês de ginástica e era dividido em três seções: escolar, desportiva e militar. De acordo com Souza Junior et al. (2015), o Regulamento foi utilizado em escolas de todo o território nacional.

A partir da década de 1940, Linhales (2009) aponta que existiam outras publicações de referência que pretendiam romper com modelo ginástico estabelecido a partir da inclusão do ensino dos esportes. De acordo com Pucha (2015), as primeiras décadas do século passado foram marcadas por diferentes entendimentos sobre o que seria a “educação física” e o processo de escolarização dos exercícios físicos. Dessa forma, os manuais ginásticos não foram as únicas referências didáticas, mas podemos destacá-los por sua circulação e por terem sido (como no caso do Regulamento 7º) adotados como referência por órgãos governamentais de planejamento educacional.

Loureiro e Moreira (2020) destacam na produção acadêmica sobre livros didáticas uma ruptura nos documentos de planejamento da EFE em 1971 com a publicação pelo então Ministério da Educação e Cultura (MEC) de um Guia para as aulas de Educação Física. Esse guia, ainda vinculado ao modelo de manual, pautou-se na visão do esporte como conhecimento predominante da EFE, concepção denominada posteirormente pelos críticos como esportivizante, e exerce influência sobre a EFE até os dias de hoje (BRACHT, 2019).

Alinhado a mesma lógica esportivizante, o primeiro livro propriamente didático de Educação Física foi publicado pela editora Saraiva em 1976: o Trabalho Dirigido de Educação Física (TDEF), de autoria de Hudson Ventura Teixeira. Assim como os manuais ginásticos, um dos volumes do TDEF era um “manual do professor” voltado para o 1º e o 2º graus, e os outros dois volumes consistiam em livros para os estudantes desses dois segmentos, inclusive com atividades a serem preenchidas por eles. Assim, o TDEF possuía as mesmas característas dos livros didáticos das demais disciplinas escolares na época e muitas secretarias de educação adotaram não apenas o livro, mas também sua sequência de conteúdos, de forma que se tornou um guia curricular (LOUREIRO; MOREIRA, 2020). Em 1996, esse mesmo livro foi revisado, ampliado e publicado pela mesma editora, com o título de Educação Física e Desportos (Figura 1).

Fonte: elaborado pelos autores2.

Figura 1 O TDEF para o professor e para os estudantes 

Os livros para o estudante de Hudson Teixeira se aproximam dos livros produzidos para as demais disciplinas escolares e se distanciam dos manuais ginásticos e esportivos adotados até então. Depois do TDEF, outros livros direcionados aos estudantes foram publicados e a pesquisa de Loureiro e Moreira (2020) destaca aqueles que foram analisados pela produção acadêmica (Quadro 1), de forma que podemos considerá-los algumas das principais publicações para o campo, apesar de existirem outras. Vale dizer que os livros didáticos para o estudante pós-TDEF surgiram apenas na década de 2000, momento marcado por uma transição na EFE com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDBEN) e com a publicação de uma série de documentos curriculares norteadores, como os Parâmetros Curriculares Nacionais, publicados para diferentes segmentos ao longo do final da década de 1990 e no início da década seguinte. Esses documentos curriculares governamentais, que incluíam a EFE, foram influenciados pelo chamado movimento renovador. Esse movimento rompe com a concepção de EFE esportivizante, voltada para a aptidão física, e toma a cultura corporal como o objeto de conhecimento da EFE (BRACHT, 2019).

Fonte: Loureiro e Moreira, 2020 3.

Quadro 1 Livros didáticos de Educação Física 

Assim, esses livros se caracterizam propriamente como livros didáticos escolares, ou seja, são voltados para o aluno. Reconhecidos como tal e diferentemente dos manuais ginásticos/esportivos, receberam também outras denominações como: coleção, cadernos e lições. Contudo, o TDEF, alinhado a um tipo de organização didática inspirada na tecnologia educacional (criticada como tecnicismo), se distancia dos livros didáticos publicados a partir de 2000 que recebem a influência do movimento renovador da EFE.

Com exceção da Coleção Cultura Corporal e do próprio TDEF, os livros do Quadro 1 se distinguem como iniciativas governamentais organizadas por algumas secretarias estaduais ou municipais de educação. Dentre elas, destaca-se o livro didático da Secretaria Estadual de Educação do Paraná, elaborado por professores da própria rede, que foi o primeiro livro didático a ser adotado por um estado brasileiro (LOUREIRO; MOREIRA, 2020). Assim, com essas inciativas não podemos falar em desinvestimento do estado quando o assunto é currículo; pelo contrário, a maior parte das publicações nessa época foi realizada pelo poder público. Outrossim, esses livros foram apenas uma das iniciativas das secretarias de educação que, a partir da década de 2000, passaram a elaborar documentos e orientações curriculares estaduais ou municipais (CORREIA, 2012).

Se comparármos a EFE com as demais disciplinas, podemos afirmar que esse campo de saber manteve-se, até aquele momento, um tanto apartado do grande mercado editorial de livros didáticos alimentado pelas demais disciplinas escolares (MUNAKATA 1997; 2012; SILVA, 2012). Uma explicação possível está no caráter prático da Educação Física, que, segundo Bracht (2019), historicamente valorizou um “saber fazer” muito mais do que um “saber sobre”, o que nesse caso dispensaria os livros didáticos. Outra possibilidade de explicação estaria no recente processo de reconhecimento da Educação Física como componente curricular decorrente da promulgação da LDBEN, o que fez superar tardiamente o status de atividade escolar, com um fim em si mesma, para ser percebida como disciplina escolar com um corpo legítimo de conhecimentos.

Outro fator que pode ter afastado a EFE do mercado dos livros didáticos foram as críticas ao aspecto pouco reflexivo e manualesco dos livros didáticos. Isso porque o processo de transição da EFE de atividade para componente curricular coincide com o período, descrito por Munakata (1997), de críticas no campo da educação aos livros didáticos que se seguiu após a ditadura civil-militar no Brasil. Se de um lado tínhamos os críticos ao livro didático para EFE, de outro, autores como Darido et al. (2010, p. 450) afirmavam que a Educação Física precisava “enfrentar urgentemente a questão do livro didático” de forma a superar polêmicas e críticas acerca de sua relação com o mercado editorial. No entanto, para Silva et al. (2020), essa é uma polêmica não superada no campo e parece existir certa resistência dos professores de Educação Física quanto à utilização de livros didáticos.

A reforma curricular que culminou com a promulgação da BNCC, em dezembro de 2017, criou uma demanda por insumos curriculares e serviços de assessoria pedagógica alinhados a uma nova organização curricular. Pela primeira vez, a Educação Física foi incluída em um edital do PNLD, encarregado por sua vez de apoiar a implantação da BNCC (BRASIL, 2017c). Esse edital previu três modelos possíveis de materiais didáticos a serem adotados pelas disciplinas: 1) livro do estudante impresso; 2) manual do professor impresso; e 3) manual do professor digital. De todas as disciplinas, apenas a Educação Física ficou restrita à opção do manual do professor impresso, enquanto todas as demais foram contempladas com as três opções de materiais didáticos (BRASIL, 2017a). Uma explicação possível para essa restrição estaria justamente na falta de tradição dessa disciplina escolar em adotar livros didáticos.

As Figuras 2 e 3 ilustram os manuais didáticos (impressos) de Educação Física que, submetidos às regras de avaliação previstas no edital de convocação de 2017 (BRASIL, 2017a), foram contemplados no PNLD 2019 (BRASIL, 2018) e 2020 (BRASIL, 2019). O PNLD 2019 foi direcionado para os anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), enquanto os anos finais (6º ao 9º ano) ficaram para o PNLD 2020.

Fonte: Brasil, 2018.

Figura 2 Manuais do professor de Educação Física no PNLD 2019 - Anos Iniciais 

Fonte: Brasil, 20194.

Figura 3 Manuais do professor de Educação Física no PNLD 2020 - Anos Finais 

Esses manuais indicam uma nova fase dos livros didáticos de EFE e uma descontinuidade com a tradição, mesmo que tais livros não tenham sidos contemplados no balanço da produção acadêmica dos livros didáticos para a Educação Física por Loureiro e Moreira (2020). Podemos afirmar que esses manuais consistem, portanto, em monumentos de uma nova ruptura no modelo de livro didático na EFE. Ressaltamos que os manuais do professor do PNLD, pautados numa perpesctiva instrumental do ensino, acabam por guardar semelhanças com o modelo dos manuais ginásticos para a Educação Física, amplamente adotado na primeira metade do século passado; os quais foram objeto de críticas pelo caráter mecanicista e pouco reflexivo que conferiam à EFE. O campo da EFE, principalmente, a partir do movimento renovador, teceu críticas a esse tipo de manual por sequestrar a autonomia docente e por reforçar a ideia de um fazer pedagógico eminentemente instrumental. Observemos que essa crítica sempre coexistiu com outra que reclamava a formação deficiente ou limitada do professor de Educação Física para atuar na escola. O problema não está no fato da produção de material didático para o professor, mas sim no tipo de material que se enquadra numa perspectiva que limita o ensino a simples organização técnica e didática do conhecimento e das experiências de aquisição. Para além dos debates internos ao campo específico da EFE, não podemos fechar nossos olhos para o fato que a nova política de produção editorial de material de didático e de capaciatação profissional está associada a um mercado emergente na educação nas três últimas décadas (CASSIANO, 2007).

Considerando os manuais didáticos de Educação Física como produtos culturais e objetos de disputa pelos agentes do mercado editorial, destacamos sua relação com os interesses econômicos presentes no PNLD como uma demonstração do argumento que desenvolvemos até aqui. A partir de informações obtidas no site do FNDE (2020), exibimos na Tabela 1 os valores pagos pelo governo federal às editoras pelos manuais contemplados no PNLD 2019 e 2020.

Tabela 1 Manuais para o professor de Educação Física adquiridos pelo PNLD 2019/2020 

Autor(es) Título Volume Editora Exemplares vendidos Total/ volume em R$ Total/ editora (R$)
Suraya Darido et al. (2017a) Práticas Corporais: Educação Física - Manual do Professor 1º e 2º anos Moderna 54.282 584.863,35 3.026.598,15
Suraya Darido et al. (2017b) 3º ao 5º ano 84.153 925.242,90
Suraya Darido et al. (2018) 6º ao 9º ano 91.245 1.516.491,9
Roselise Stallivieri (2017) Manual do Professor para a Educação Física 1º e 2º anos Terra Sul 18.318 156.985,26 1.196.524,97
Roselise Stallivieri (2018) 3º ao 5º ano 29.158 316.072,72
Diego Berton (2018) 6º ao 9º ano 29.165 723.466,99
Luciana Leopoldino et al. (2018) Encontros Educação Física 1º e 2º anos FTD 40.858 210.418,70 657.703,90
3º ao 5º ano 62.470 447.285,20
Ana Carolina Boog e Elisabete Urizzi (2018a, 2018b) Práticas corporais e a Edvucação Física escolar 1º e 2º anos Boreal 19.832 128.908,00 291.588,55
3º ao 5º ano 31.345 162.680,55
TOTAL 460.826 R$5.172.415,57

Fonte: Os autores5.

A Tabela 1 revela a venda de pouco mais de 460 mil exemplares, o que significa um pagamento de mais de R$ 5.000.000,00 pelos manuais para a EFE. Vale pontuar que esse valor incide em apenas uma pequena “fatia do bolo” das editoras, mais precisamente 0,25%, uma vez que, apenas em 2019 e 2020, elas arrecadaram quase dois bilhões com livros didáticos e paradidáticos para o Ensino Fundamental. No entanto, para o campo da EFE consideramos significativos o volume e o valor dos manuais adquiridos pelo fato de ter alcançado quase meio milhão de professores de Educação Física do Ensino Fundamental. Nesse sentido, a inserção da Educação Física no PNLD não é algo sem importância e nem desconectado da perspectiva neoliberal que começa a dominar o mercado da educação; pelo contrário, potencialmente essas decisões voltadas para produção de materiais didáticos afetam o campo da educação e a ação docente como parte principal dos dispositivos curriculares.

De todos os manuais para o professor de Educação Física, mais da metade (58,5%) foi da coleção Práticas Corporais: Educação Física - Manual do Professor, com 229.680 exemplares vendidos. A coleção é publicada pela editora Moderna e, dentre os autores, destaca-se a primeira autora, conhecida no campo da EFE, a professora Suraya Darido (UNESP-Rio Claro). A autora se destacou ao longo de sua trajetória acadêmica na produção de materiais diáticos que ficaram conhecidos entre os professores de EFE, entre eles o livro Educação Física na Escola, publicado pela Editora Guanabara Koogan em 2005 e de autoria/organização de Darido e Rangel. Além disso, em sua trajetória Darido tem produção acadêmica qualificada voltada para o debate do livro didático na EFE (DARIDO et al., 2010; RODRIGUES; DARIDO, 2011; DINIZ; DARIDO, 2012). Segundo Loureiro e Moreira (2020), em levantamento sobre a produção acadêmcia sobre os livros didáticos na EFE, entre 1993 e 2019, Darido assinou 44% dos artigos (12 de um total de 27 artigos), além de ter sido orientadora de 28,6% das teses e 17,6% das dissertações que trataram a mesma temática.

Outro dado importante é que os três livros, Práticas Corporais: Educação Física - Manual do Professor (DARIDO et al., 2017a; 2017b; 2018), publicados pela Editora Moderna para diferentes anos da educação básica, ocorreu em paralelo às três versões da BNCC. Não deixa de ser curioso que Darido foi consultora especialista e redatora das três versões da BNCC em 2015, 2016, 2017, como pode ser comprovado no documento oficial e no próprio currículo da pesquisadora6. Esse é um indício que explicita como o mercado vai buscar massa crítica na universidade para legitimar o novo modelo de negócio na educação que, no caso da EFE, reintroduz o modelo pedagógico dos manuais com novas roupagens, discursividades e conhecimentos alinhados à BNCC. Considerando a representatividade dessa coleção na EFE, na próxima seção nos debruçaremos sobre sua análise e das instituições no mercado editorial que deram suporte a esse tipo de produção.

A COLEÇÃO PRÁTICAS CORPORAIS

A Editora Moderna e o Grupo Santillana em contexto

Neste momento, pretendemos compreender o pano de fundo de atuação da Editora Moderna, responsável pela coleção Práticas Corporais: Educação Física - Manual do Professor, em especial no que diz respeito ao mercado editorial brasileiro inserido numa lógica global. A Editora Moderna foi fundada por Ricardo Freire e mais dois professores em 1968 no Brasil e suas publicações sempre estiveram direcionadas para o público escolar. Em 2001, foi comprada pelo grupo espanhol Santillana, presente praticamente em todos os países de língua espanhola, além de outros como Portugal, Reino Unido, Estados Unidos e Brasil. O Santillana, por sua vez, é parte do maior conglomerado de mídia espanhol, o grupo PRISA (Promotora de Informaciones, Sociedad Anónima), dono, dentre outros, do jornal El País.

De acordo com Cassiano (2007), a compra da Editora Moderna pelo Grupo Santillana ocorreu em um período de entrada de capital internacional espanhol no mercado editorial brasileiro no qual o oligopólio do mercado de livros didáticos passou a propriedade das empresas familiares para os grandes grupos internacionais. Na Tabela 2, destacamos a atual liderança da Editora Moderna no mercado de livros didáticos no Brasil. A partir de dados obtidos em FNDE (2020), observa-se que a Moderna foi a editora que mais vendeu livros didáticos/paradidáticos nos anos de 2019 e 2020, recebendo mais de 600 milhões de reais nesses dois anos. Considerando que a coleção Práticas Corporais (DARIDO et al., 2017a, 2017b, 2018) rendeu R$ 3.026.598,15 nesses mesmos anos, esse valor representa 0,49% do montante total da Editora Moderna.

Tabela 2 Editoras com maiores valores de aquisição no PNLD 2019 e 2020 

EDITORA 2019 2020 TOTAL
Moderna R$ 245.474.157,13 R$ 367.646.392,27 R$ 613.120.549,40
Ática R$ 215.334.753,96 R$ 226.861.773,82 R$ 442.196.527,78
FTD R$ 143.397.824,93 R$ 240.877.985,62 R$ 384.275.810,55
Edições SM R$ 114.721.621,41 R$ 126.968.469,31 R$ 367.846.454,93
Saraiva Educação R$ 97.612.280,70 R$ 111.307.799,51 R$ 208.920.080,21

Fonte: Os autores.

A aquisição da Editora Moderna pelo Grupo Santillana não apenas manteve o destaque da editora no mercado editorial brasileiro, mas implicou também um alinhamento com a atuação nos currículos escolares pelas grandes corporações investidas no negócio da educação. Além da venda dos chamados insumos curriculares, o Grupo Santillana participou da reforma curricular que culminou com a publicação da BNCC através de seu braço filantrópico, a Fundação Santillana. Por meio de sua fundação, organizou seminários e publicações favoráveis à implementação da BNCC em parceria com outros atores do mercado que formam uma ampla rede política, como: o Instituto Península; o Instituto Ayrton Senna; o Instituto Unibanco; o Todos pela Educação; o CENPEC; entre outros.

Para Macedo (2019), esses atores sociais se articulam de duas formas: 1) fundações que atuam por meio de renúncia fiscal, ou seja, gestão privada de recursos públicos; e 2) “movimentos” que aglutinam as fundações em articulação com entes públicos. O atual protagonismo das fundações e dos “movimentos” civis na implementação de políticas públicas de currículo está naturalizado na educação pública, pois tais instituições atuam na organização e/ou financiamento de reuniões, capacitação/formação continuada, pesquisas e produção de materiais didáticos, entre outros7 (AVELAR; BALL, 2017; MACEDO, 2019b). Em síntese, essas ações se pautam na crença de que a centralização e a padronização dos currículos escolares pode ser, além de um bom negócio, um tipo de solução técnica para resolver os problemas da educação, a despeito dos contextos específicos e das desigualdades de oportunidades produzidas nos sistemas educacionais.

A atuação das grandes corporações em ações “filantrópicas” a partir das estratégias citadas é uma marca do que Freitas (2018) denomina de “reformas empresariais da educação” e que culmina nos currículos centralizados, como a BNCC. Essa forma de filantropia se distingue do sentido tradicional do termo, uma vez que as grandes corporações estão diretamente envolvidas no negócio da educação e se beneficiam direta ou indiretamente com a filantropia, configurando o que Ball (2014) nomeia de “filantrocapitalismo”. Como aponta Adrião (2017), a adoção dessa estratégia dificulta distinguir a fronteira entre uma ação puramente filantrópica e uma oportunidade de negócios, assim como borra as fronteiras entre gestão privada e pública no estado.

Entre os investimentos do Grupo Santillana no mercado da educação, podemos destacar um amplo portfólio que envolve editoras, sistemas de ensino e de avaliação, além de plataformas educacionais. Segundo informações do próprio site, o grupo consiste em uma Holding de negócios educacionais que inclui, além da Editora Moderna, diferentes empresas atuando no Brasil: 1) a Richmond: editora que oferece materiais para o ensino da língua inglesa para professores e alunos; 2) a Salamandra: linha editorial voltada para o ambiente escolar formado por um catálogo de escritores nacionais e internacionais; 3) o Sistema Uno: sistema de ensino que forma uma rede com mais de 400 escolas e 130 mil alunos, adotado, inclusive, em escolas públicas do município de São Paulo (ADRIÃO et al., 2016); 4) o Sistema Farias Brito: sistema de ensino que encampa a Organização Farias Brito e a Editora Moderna, com foco na aprovação para vestibulares e Enem; 5) o Programa Crescemos: focado no “desenvolvimento socioemocional alinhado ao currículo acadêmico proposto pela BNCC” (GRUPO SANTILLANA, 2021); 6) o Avalia Educacional: que elabora avaliações externas padronizadas alinhadas à BNCC e às avaliações em larga escala do MEC com o objetivo de melhorar o desempenho escolar; 7) a Kepler: plataforma tecnológica desenvolvida pela Editora Moderna com o propósito de alcançar alto rendimento escolar; e 8) a Compartilha: plataforma de formação continuada dos profissionais que atuam no ambiente escolar.

Todas essas empresas do Grupo Santillana estão voltadas para a escola e coadunam com os ideais das reformas neoliberais de currículo, com foco em padronização e performatividade, sob a crença que os problemas que envolvem a escolarização no Brasil demandam de soluções técnicas ou tecnológicas, tanto para o aprendizado quanto para capacitação docente. Nesse sentido, a força impositiva das reformas vem justamente do seu caráter universalizante, estandartizado e globalizado (LAVAL, 2019). Com elas, adota-se todo um vocabulário típico dessas reformas neoliberais adaptadas à gramática educacional, como: alto desempenho acadêmico; desenvolvimento de habilidades socioemocionais; padronização dos sistemas de ensino e de avaliação; e formação docente. Esse repertório de serviços é posto à venda também para a rede privada, mas o grande cliente desses serviços tem sido o sistema público de ensino brasileiro. Tal movimento da relação entre instituições privadas de serviços educacionais e o estado se tornou uma forma de privatização da gestão e do currículo escolar, uma vez que envolve a comercialização de diferentes insumos curriculares (ADRIÃO, 2018). Observemos que não entra no escopo das propostas desses grupos privados o investimento na formação docente nas universidades públicas, a reestruturação da infraestrutura escolar e da carreira docente ou as possibildades de mitigar as desigualdades de origem que impactam fortemente no desempenho escolar.

Até aqui intecionamos destacar como a Editora Moderna/Grupo Santillana se insere num movimento mais amplo das reformas empresariais da educação, com múltiplas atuações e interesses que convergem para o entendimento da educação como negócio rentável. Trata-se de compreender o pano de fundo no qual os livros/manuais didáticos de EFE foram produzidos e produzem sentidos. Na próxima seção, argumentaremos como a coleção de manuais de professor de Educação Física da Editora Moderna se entrelaça com os ideais mercadológicos no atual modelo de negócio que domina o campo da educação no Brasil.

Os livros didáticos como monumentos da reforma curricular

Para a análise da coleção Práticas Corporais: Educação Física - Manual do Professor, optamos por trabalhar com os “livros didáticos como fonte para a análise do que se poderia chamar de uma “proposta curricular” (MACEDO, 2004, p. 106). Conforme afirmamos anteriormente, os livros didáticos não se materializam em um vácuo econômico e cultural; pelo contrário, são o resultado dos conflitos inseridos em um contexto cultural e econômico mais amplo. Nossa análise da coleção intenciona produzir uma leitura que demonstre o caráter relacional do texto com os regimes de verdade que o sustentam, entendidos como as narrativas sociais que impõem um discurso como verdadeiro e universal (FOUCAULT, 1986).

Portanto, tomamos o texto na dimensão monumental (FOUCAULT, 1993), ou seja, “o que nos interessa descobrir já está lá; basta saber ler. O que nos interessa, então, é tomar o texto menos por aquilo que o compõe por dentro, e mais pelos contatos de superfície que ele mantém com aquilo que o cerca” (VEIGA-NETO, 2001, p. 105). Logo, uma leitura monumental se distingue de outras formas de análise textual, pois não configura uma análise de conteúdo dos textos com uma finalidade de categorização objetiva de seus elementos internos, tampouco de uma análise do discurso linguístico para a descoberta dos sentidos ocultos do texto. Dessa forma, o livro didático pode ser lido como:

[...] um marcador que organiza as crianças na ordem moral da escola. Situa-se como um monumento da cultura e da possibilidade de educar com o qual as crianças são comparadas e situadas. Torna-se um ponto focal que separa as crianças segundo dualidades, como competência versus não-competência ou realização versus não-realização (POPKEWITZ, 2001, p. 111, grifo nosso).

Nossa análise, portanto, da coleção Práticas Corporais não está no que o texto esconde, mas naquilo que é aparente e que se relaciona com os discursos vigentes. Como qualquer outra leitura, “não é única, definitiva, mais correta; ela não vai atrás de uma suposta verdade maior” (VEIGA-NETO, 2001, p. 104). Na mesma direção, Kellner (1995, p. 121) afirma que na analise monumental é preciso “deslindar as relações entre imagens, textos, tendências sociais e produtos numa cultura”.

Uma primeira leitura monumental está na própria relação da coleção com a Editora Moderna e o PNLD, colocando-a no contexto do mercado editorial. Já na leitura em si do texto dos manuais, a busca do seu aspecto relacional com os regimes de verdade se evidencia na sua relação com a reforma da BNCC. Logo na introdução, compartilhada pelos três manuais (DARIDO et al., 2017a, 2017b, 2018), os autores afirmam:

Utilizamos a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (3ª versão) como documento orientador desta coleção, tendo como referência os objetivos de aprendizagem preconizados para o componente curricular Educação Física. É a primeira vez na história que temos um documento que propõe uma organização curricular nacional para a Educação Física, o que, do nosso ponto de vista, representa um avanço para a área à medida que favorece melhor compreensão do que devemos ensinar em cada momento do processo formativo, viabilizando a formulação de expectativas de aprendizagem ao longo dos diferentes ciclos da Educação Básica (DARIDO et al., 2017b, p. 7, grifo nosso).

A coleção assume a BNCC como um documento norteador que representa um avanço para a EFE8. Todavia, o alinhamento da coleção ao mercado editorial, promovido pela política pública, não permite que os autores considerem, nem por um momento, o debate sobre as posições desfavoráveis à BNCC, como as que foram explicitados pelas seguintes instituições: Associação Nacional de Políticas e Administração da Educação (ANPAE); Associação Nacional de Pós-Graduação em Pesquisa e Educação (ANPED); e a Associação Brasileira de Currículo (ABdC); assim como pela literatura nacional com: Macedo (2014; 2015; 2016); Freitas (2018); Dourado; Siqueira, (2019), entre outros; e pela literatura internacional nas críticas a outros documentos curriculares semelhantes em outros países, realizadas por: Reid, (2009); Ravitch, (2011); Sahlberg, (2016), entre outros. Com isso, a coleção acaba por naturalizar os pressupostos da BNCC que estão longe de serem consensuais no campo da educação.

Os manuais são organizados seguindo não apenas as orientações da BNCC quanto aos objetivos da aprendizagem, mas refletem também a estrutura interna do documento. Cada um dos manuais da coleção é composto por um texto introdutório e está organizado em seções correspondentes às unidades temáticas da BNCC (brincadeiras e jogos; danças; lutas; esportes; ginástica; ou práticas corporais de aventura). Essas unidades estão divididas nos capítulos da seguinte forma: 1) Para começar; 2) Análise e compreensão; 3) Experimentação e fruição; 4) Construção de valores; e 5) Avaliação e registro. Essa divisão remete às oito “dimensões do conhecimento” da Educação Física propostas pela BNCC : 1) experimentação; 2) uso e apropriação; 3) fruição; 4) reflexão sobre a ação; 5) construção de valores; 6) análise; 7) compreensão; e 8) protagonismo comunitário. Os manuais emulam, portanto, as dimensões do conhecimento utilizadas originalmente para elaboração e compreensão das habilidades da Educação Física na BNCC para a própria organização interna dos capítulos. Segundo Darido et al. (2017a), “as dimensões de uso e apropriação, reflexão sobre ação e o protagonismo comunitário são tematizados de forma transversal no decorrer da coleção”. Ressaltamos que essa divisão dos capítulos pelas dimensões do conhecimento não está prevista nos editais dos manuais didáticos (BRASIL, 2018, 2019), o que reforça a percepção de que a coleção incorpora o mais fielmente possível a linguagem da BNCC.

Os manuais evidenciam também as fragilidades do referencial neotecnocrático que estrutura a BNCC. Em uma análise do texto da BNCC, Neira (2018) identifica que as “dimensões do conhecimento” possuem inspiração na racionalidade das teorias curriculares de meados do século passado que retornam à cena nas reformas neoliberais de currículo. Um problema grave dessas teorias é conceber que o conhecimento pode ser fragmentado em partes menores, que juntas formariam uma totalidade e cujo resultado seria a aprendizagem (LOPES; MACEDO, 2011). Nos manuais, ao utilizarem as “dimensões do conhecimento” para subdividir os capítulos, desconsideram que a "construção de valores” ou a “reflexão sobre a ação” não estão restritas a apenas uma subseção, pois abrangem a totalidade da prática educativa. Assim, desconsideram, como afirma Morin (2006), que tanto o conhecimento quanto a educação são mais do que a soma de suas partes.

A abertura de cada seção dos manuais apresenta as habilidades da BNCC correspondentes a cada unidade temática (Figura 4), o que novamente demonstra o alinhamento dos manuais com as políticas neoliberais de currículo que retomam, com novas roupagens, a crença na tecnologia educacional como ferramenta para resolver os problemas de aprendizagem na escola básica. Vale pontuar que a adoção dos termos “competências” e “habilidades” constitui uma retórica exarada por diferentes grupos de influência internacional, como a UNESCO e a OCDE, assim como pelas políticas públicas de currículo nacionais desde a década de 1990.

Fonte: Darido et al., 2017a.

Figura 4 Exemplo de lista de habilidades da BNCC nos manuais 

Observemos que a linguagem das políticas neoliberais de currículo está “intimamente associada às noções de eficiência, desempenho e competência” (LAVAL, 2019, p. 69) que submetem a “educação à linguagem econômica e a modelos sistêmicos”, projetada para civilizar os alunos para o mercado de trabalho (LEMOS; MACEDO, 2019, p. 57). Segundo Laval (2019, p. 76), essa linguagem “põe em questão a tarefa tradicional da escola, a transmissão de conhecimentos e a formação intelectual e cultural no sentido mais amplo do termo”. Os manuais, por sua vez, remetem continuamente à linguagem das competências e habilidades presente na BNCC. Desse modo, a coleção em tela pretende:

Comtemplar as competências gerais da BNCC, bem como as competências específicas da área de Linguagens e do componente curricular Educação Física [...]. [Toma], como principal competência o direito de os alunos terem acesso às práticas corporais criadas, reproduzidas e transformadas pelo ser humano ao longo de sua história (DARIDO et al., 2017a, p. 6).

Os currículos padronizados com a BNCC funcionam como uma espécie de “cavalo de Troia”, termo utilizado por Ball (2014, p. 118), para demonstrar como a linguagem neotecnocrática do mercado se insere no processo de escolarização. Essa transposição segue um percurso que se inicia nas políticas neoliberais de currículo adotadas internacionalmente que passam a pautar os currículos nacionais, como é o exemplo da BNCC, e se consubstanciam em insumos curriculares, como na produção dos manuais didáticos em questão (NOVAES et al., 2021a).

A literatura crítica indica como essa concepção neotecnocrática da educação reduz questões complexas e políticas da educação a simples questões técnicas de ensino e de organização que devem ser adotadas universalmente pelos professores (TAUBMAN, 2009; FREITAS, 2018; LAVAL, 2019). Segundo Laval (2019, p. 259):

A criação das bases curriculares se caracteriza cada vez mais pela prescrição de tarefas, pela determinação precisa de noções e conceitos - ainda que ameacem esfacelar os conteúdos -, pela definição de tempos de ensino em cada sequência e pela preconização do percurso pedagógico que o professor deve seguir, ou até do plano de aula.

Essa roteirização do ensino se encontra tanto no início quanto no final de cada capítulo dos manuais. No início de cada tema, após a apresentação das habilidades e dos objetivos, define-se um passo a passo para o professor, sob o título de “Para começar” (Figura 5); e, ao final de cada unidade temática, o manual oferece um instrumento de “avaliação e registro” para aplicação nas turmas. São roteiros e instrumentos que oferecem um percurso detalhado para o professor e que reforçam a concepção de roteirização do ensino da EFE via BNCC.

Fonte: Darido et al., 2017b.

Figura 5 Exemplo de roteiro para o professor para os temas da coleção 

Outrossim, os manuais estão repletos de exemplos de atividades e sequências pedagógicas. Na subseção “experimentação e fruição”, encontram-se roteiros de atividades que ocupam, em geral, a maior parte dos capítulos. Está dividida em atividades que podem ser: exercícios para aprendizagem de determinadas ações motoras; ou jogos/brincadeiras. São explicadas de acordo com: 1) os seus objetivos; 2) os materiais necessários; e 3) os procedimentos a serem adotados. No final, encontramos ainda um item de discussão que apresenta questionamentos a serem realizados aos alunos sobre as atividades propostas. A Figura 6 apresenta um exemplo dessa subseção.

Fonte: Darido et al., 2017a 9.

Figura 6 “Experimentação e fruição” para a unidade sobre Ginásticas 

Dessa forma, cada capítulo apresenta atividades referentes aos objetos de conhecimento estipulados pela BNCC e procura facilitar a sua aplicação em sala de aula. Isso significa que os manuais servem inclusive como solução para algumas das possíveis dificuldades docentes quanto aos objetos de conhecimentos propostos pela BNCC, uma vez que, conforme apontam Novaes, Triani e Telles (2020), muitos deles não fazem parte do repertório dos professores de Educação Física na graduação. Isso porque a BNCC estipula sete categorias de esportes a serem ensinadas:

[Esportes de] Marca: [...] patinação de velocidade, todas as provas do atletismo, remo, ciclismo, levantamento de peso etc.; [Esportes de] Precisão: [...] bocha, curling, golfe, tiro com arco, tiro esportivo etc.; Técnico combinatório: [...] ginástica artística, ginástica rítmica, nado sincronizado, patinação artística, saltos ornamentais etc.; [Esportes de] Rede/quadra dividida ou parede de rebote: [...] voleibol, vôlei de praia, tênis de campo, tênis de mesa, badminton e peteca; [...] basca, raquetebol, squash etc.; [Esportes de] Campo e taco: [...] beisebol, críquete, softbol etc.; [Esportes de] Invasão ou territorial: [...] basquetebol, frisbee, futebol, futsal, futebol americano, handebol, hóquei sobre grama, polo aquático, rúgbi etc.; [Esportes de] Combate: [...] judô, boxe, esgrima, taekwondo etc (BRASIL, 2017b, p. 215).

Apesar de o texto da BNCC (BRASIL, 2017b) reforçar que essas modalidades não são obrigatórias, pois servem apenas de exemplo para a compreensão da divisão dos esportes em categorias (grifadas acima em negrito), essas categorias são utilizadas justamente na divisão dos objetos do conhecimento por ano no documento, o que impõe que pelo menos parte dos conteúdos sejam ministrados nas aulas (Quadro 2).

Fonte: Brasil, 2017b .

Quadro 2 Distribuição dos objetos de conhecimento na BNCC do Ensino Fundamental 

Isso impõe outro problema que a coleção ensaia corrigir: como ensinar conteúdos tão específicos quando a maior parte das escolas não dispõe de recursos materiais adequados para essas práticas corporais? A solução apontada pelos manuais passa pelo aproveitamento de materiais adaptados e alternativos (Figura 7) e que, em uma análise sobre o texto da Educação Física na BNCC, Novaes, Triani e Telles (2020, p. 81) denominam de “pedagogia da sucata”. Consiste em uma solução típica da racionalidade neoliberal, cujo lema é fazer mais com menos (LAVAL, 2019), a qual se apresentaria como alternativa econômica sob o pretexto da sustentabilidade para o professor de EFE diante da falta de investimentos nas escolas. Nesse sentido, a BNCC e as instituições privadas, aquelas que vendem serviços e consultorias ao estado, não enfrentam uma questão central sobre a qualidade das aulas das escolas em geral e, especificamente, da EFE que passa pela disponibilidade de equipamentos escolares (infraestrura física de qualidade) e de materiais permanentes e de consumo. Assim, o que denominamos de roteirização do ensino da Educação Física ainda tem o agravante de passar a mensagem de que “tudo pode ser ensinado” independente das condições de trabalho, basta se dedicar, seguir o roteiro e dominar o protocolo técnico do fazer docente.

Fonte: Darido et al., 2017b, 2018.

Figura 7 Utilização de materiais alternativos para as aulas de EFE nos manuais 

Vimos até então que os manuais apresentam objetos de conhecimento voltados mais para um “saber fazer” do que um “saber sobre” a Educação Física e seus temas correlatos. Inclusive na subseção intitulada “construção de valores”, para tratar o valor da inclusão e da diferença, o manual propõe que o professor ofereça atividades/jogos que façam todos os alunos experimentarem, de forma simulada ou teatralizada, as limitações físicas, a deficiência visual ou motora. Esse é um exemplo da dominância da gramática do “saber fazer” em relação a um tema que demanda outro tipo de investimento pedagógico. Apenas na seção “análise e compreensão” de cada capítulo é possível observar uma discussão sobre os diferentes temas para reflexão do professor, o que a distingue do caráter geral roteirizado dos manuais. No entanto, tal reflexão está voltada para as características dos movimentos e técnicas das práticas corporais ou de suas formas de classificação (por exemplo: diferença entre jogo e esporte; definição sobre esportes de invasão; ou sobre um estilo de dança, etc.) e pouco para questões sociais trazidas à tona por concepções críticas e pós-críticas de currículo da EFE. Consideramos esse um reflexo do texto da BNCC, que, segundo Neira (2018), aborda as teorias curriculares de forma superficial e as renega, por conseguinte, a um segundo plano.

Nesse contexto, para Taubman (2009), a fragmentação do ensino das políticas neoliberais de currículo provoca uma ruptura marcada por um silenciamento teórico das teorias críticas e pós-críticas de currículo. Enquanto as reformas educativas do final do século passado preconizaram um ideal de aluno crítico e reflexivo apoiado em perspectivas como as políticas de identidade, o feminismo, o neo-marxismo, a pedagogia da libertação, entre outras, as políticas neoliberais optam por referenciais instrumentais, psicologizantes e supostamente neutros politicamente. Esse é justamente o tom apresentado pelos manuais em análise, que não se aprofundam nos referenciais teóricos supracitados.

Em contrapartida, os autores do manual tentam argumentar que o posiciomanto teórico adotado se alinha às perpsectivas críticas e pós-críticas de currículo na EFE:

Ao optarmos por uma perspectiva cultural, nos alinhamos de alguma forma com alguns expoentes autores da área de Educação Física escolar, tais como Suraya C. Darido, Mauro Betti, Jocimar Daolio, Valter Bracht, Elenor Kunz, entre outros. Investidos dessa perspectiva que assume os objetos de ensino da Educação Física como conhecimentos ou produções corporais para além de gestos e técnicas motoras, decidimos empregar a BNCC como fundamento teórico para a organização desta coleção [...] (DARIDO et al., 2017b, p. 8).

O contorsonismo argumentativo tenta conciliar a “perspectiva cultural”, crítica e pós-critica da EFE com a BNCC. Podemos ler o texto como uma tentativa de imunizar as possíveis críticas ao instrumentalismo presente nos manuais destinados ao professor. Quando afirmam que seguiram a BNCC como fundamento teórico para a organização da coleção, fica evidente o alinhamento editorial da coleção da EFE com os pressupostos neotecnocráticos presentes no documento base. De fato, trata-se de uma conciliação problemática, uma vez que a fundamentação da BNCC é baseada em pressupostos neotecnocráticos/mercadológicos que reduzem os problemas que envolvem a educação à dimensão instrumental e técnica da didática e da organização dos saberes.

Ademais, consideramos contraditórias a tentativa de alinhamento entre os manuais e os autores críticos e pós-criticos da EFE. Por exemplo, no trabalho bem conhecido de Bracht (2005), intitulado Educação Física e Aprendizagem Social, o autor propõe uma metodologia funcional-integrativa dividida em cinco momentos, a saber: 1) reunião com os alunos para planejamento e decisões prévias sobre a aula; 2) realização do jogo eleito; 3) paralisação do jogo com discussão, reflexões e propostas para a continuidade da aula; 4) testagem das soluções e variantes; e 5) avaliação e planejamento da aula seguinte. Consiste, assim, em uma proposta de aula na qual conhecimentos, experiências e planejamento são vividos num processo de codecisão entre alunos e professor, o que vai de encontro ao que está posto pelos manuais. Da mesma forma, podemos afirmar que os trabalhos de Mauro Betti, Jocimar Daolio, Eleonor Kunz representam uma inflexão na EFE em relação ao tecnicismo educacional e a esportivização que dominou a década de 1970 e fez parte da década seguinte no campo. Os novos manuais acabam por reintroduzir na EFE isso que foi denominado de neotecnocratismo educacional e, no máximo, introduzem superficialmente a questão dos valores e da reflexão no ensino com um “verniz” das teorias críticas e pós-criticas na coleção.

Poder-se-ia argumentar que o posicionamento dos manuais visaria um equilíbrio entre os valores mercadológicos inerentes à BNCC e ao PNLD e os humanísticos do campo do currículo. Contudo, o caráter diretivo da roteirização dos manuais deixa pouco espaço para os referenciais teóricos da “perspectiva cultural” à qual afirmam se alinhar. Sobre a roteirização dos manuais, os autores assim alertam ao professor:

[...] não pretendemos determinar ou limitar sua atuação, uma vez que, como mediador do processo de ensino-aprendizagem, você deve gerenciar a formação dos alunos e utilizar os materiais disponíveis para fazer as adequações necessárias ao seu contexto escolar (DARIDO et al., 2017b, p. 8).

Esse trecho revela os receios dos autores de que a roteirização proposta seja lida pelos críticos ou pelos próprios professores como sequestro da autonomia docente. Certamente que os professores possuem autonomia para fazerem suas próprias escolhas e que os manuais não decretam o fim da autonomia docente, todavia, esse tipo de estrutura e gramática pedagógica intenciona tornar os professores consumidores de planejamentos pré-concebidos pelos especialistas. Como afirmam Ball, Maguire e Braun (2016), as políticas públicas podem ser entendidas como estratégias discursivas para produzir o aluno e o professor que, por sua vez, interpretam e atuam no contexto dessas políticas produzindo sentidos próprios. Desse modo, os professores oscilam entre a submissão às políticas públicas e à criatividade como possibilidade de fuga de tais discursos. Isso significa que os manuais, apesar de sua estrutura discursiva, não possuem poder absoluto de ação sobre a prática docente, principalmente no que diz respeito ao caráter intersubjetivo da educação e da atuação docente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso esforço analítico foi na direção da demonstração de como a coleção em questão representa os ideais das reformas neoliberais de currículo. Os manuais fazem parte de um discurso poderoso e capilarizado no meio social que produz efeitos materiais, simbólicos e econômicos ao entrelaçar: organizações internacionais - como a UNESCO e a OCDE -, instituições filantrópicas - como a Fundação Santillana e a Fundação Lemann -, com políticas públicas de currículo - como a BNCC e o PNLD - e com a compra de insumos curriculares pelo estado de empresas que atuam no mercado da educação pública. Nossa crítica, portanto, está focada nos discursos das políticas públicas de currículo que funcionam como condições de possibilidade para a própria concepção dos editais de chamada voltada para produção dos manuais do professor. Os manuais aqui analisados são apenas exemplares do tipo de política de educação em curso.

Concretamente, ao longo deste texto problematizamos a inserção da Educação Física no PNLD no contexto das reformas neoliberais de currículo. De início, demonstramos uma nova ruptura no sentido dos livros didáticos de EFE com a demanda por manuais do professor criada pelo PNLD. Em seguida, debruçamo-nos sobre a coleção Práticas Corporais: Educação Física - Manual do Professor, dada a sua representatividade no mercado editorial, ainda que periférica em termos econômicos se considerarmos a totalidade dos títulos disponibilizados para as demais disciplinas. A coleção de EFE, publicada pela Editora Moderna, está inserida em uma lógica de atuação global neoliberal dessas empresas que atuam na educação. Expusemos como a coleção se vale de uma estratégia de roteirização do ensino da Educação Física que desloca a concepção da docência de um fazer intelectual para uma fazer instrumentalizado, técnico e apolítico. Demonstramos que os manuais corporificam as reformas neoliberais de currículo ao naturalizarem uma linguagem eminentemente neotecnocrática do ensino numa lógica mercadológica.

A roteirização do ensino se materializa nos manuais do professor de Educação Física, com o espelhamento do arcabouço técnico-teórico da BNCC. Se a BNCC pode ser vista como um documento predominantemente técnico e um tanto distante do professor, os manuais didáticos cumprem a função de entrelaçar as políticas públicas de currículo à prática docente. Talvez não pudesse ser muito diferente, uma vez que a BNCC e o PNLD são condições sine qua non para a existência da coleção. De qualquer maneira, o efeito observado é que a coleção naturaliza os pressupostos teóricos da BNCC e fornece os instrumentos, pelo menos em tese, para sua implentação.

Na lógica neoliberal, a roteirização observada nos manuais é apresentada como uma solução instrumental e imediata, que, infelizmente, não se debruça sobre questões mais urgentes, como a falta de investimentos na infraestrutura escolar, na carreira docente e nas condições de trabalho dos professores, bem como não discute as desigualdades de oportunidades escolares e os possíveis caminhos para mitigar esses problemas no processo de escolarização. A solução proposta, como não custa repetir, é técnica, isto é, promover a universalização do currículo com modelos roteirizados de aula. Insinua-se, assim, para uma instrumentalização da EFE e para estratégias de responsabilização docente. Para Laval (2019), embora essa forma de pensar seja racional e até mesmo atraente, ataca os valores humanísticos centrais do magistério que conferem sentido à aprendizagem. Ainda segundo esse autor, é um equívoco padronizar produtos escolares como se padronizam redes fast-food sob o pretexto de melhora da qualidade do ensino.

Por se tratar de uma política pública, a inserção da Educação no PNLD não é um acontecimento sem importância. Consiste em um marco para essa disciplina e, conforme discutimos, isso acontece num momento de investimento na normatividade curricular no Brasil e de maior influência do mercado nas políticas públicas de educação. Enquanto os livros didáticos de Educação Física anteriores aos manuais nasciam da ação isolada de grupos de professores e/ou de autores, os manuais se apresentam inseridos em uma política pública de abrangência nacional, o que reforça seu poder impositivo e indica uma transição na própria concepção do fazer docente da EFE.

No momento em que nos deparamos com a normatividade imposta pela BNCC, interessa-nos refletir sobre como os manuais didáticos poderiam fazer diferentemente, de forma a contrabalancear o movimento de instrumentalização do ensino na EFE. Consideramos que seriam caminhos produtivos para os futuros manuais do professor de Educação Física preocupados em escapar da lógica vigente: 1) apontar alternativas não diretivas de ensino, evitando, assim, a roteirização; 2) valorizar a investigação e a produção dos saberes locais; 3) aprofundar nas teorias curriculares que valorizam o saber sobre o fazer, sem perder de vista esse fazer; 4) evitar, quando possível, a reprodução da linguagem neotecnocrática das reformas neoliberais de currículo, incutidas na BNCC ou em outros documentos normativos; 5) conectar a formação ou capacitação docente com aquisição de capital cultural para que os professores possam socializar com os alunos, para além das tarefas, sensibilidades e outras lentes para ler e pensar o mundo social e político que estamos inseridos.

Reiteramos que a crítica central deste texto está mais nas políticas públicas de currículo e no discurso neoliberal do que nos manuais didáticos analisados, uma vez que esses últimos são apenas efeitos desse tipo de política. O que de fato nos preocupa é a emergência de um sentido de educação deformado pelo mercado que desemboca na EFE. Por esse motivo, procuramos desnaturalizar esse discurso para reforçar o sentido de educação baseado em valores humanísticos, políticos e culturais e em relações singulares e intersubjetivas, bem diferente dos pressupostos universalizantes que espreitam os atuais documentos curriculares.

REFERÊNCIAS

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1 Disponível em: https://www.gov.br/fnde/pt-br/assuntos/noticias/mec-disponibiliza-o-acesso-a-escolha-dos-livros-didaticos-do-pnld-2022. Acesso em jan. de 2022.

2Mosaico elaborado pelos autores a partir de figuras disponíveis em: https://busca.saraiva.com.br/busca?q=hudson%20de%20ventura%20teixeira e https://www.traca.com.br/livro/497170/#

3Adaptado de quadro maior.

4Os mosaicos das Figuras 2 e 3 foram elaborados pelos autores a partir de figuras disponíveis em Brasil (2019) e Brasil (2020), respectivamente.

5Dados disponíveis em: https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/dados-estatisticos . Acesso em jul. de 2021.

6Disponível em: http://lattes.cnpq.br/1055731898835975. Acesso em dez. de 2021.

7A atuação de instituições filantrópicas não se restringe aos núcleos curriculares comuns, pois elas também se debruçam sobre disciplinas escolares específicas. No caso da EFE brasileira, destaca-se o protagonismo da plataforma ‘Impulsiona’, braço filantrópico do Instituto Península (NOVAES et al, 2021b).

8Argumento coerente para a autora principal, Suraya Darido, que trabalhou na elaboração tanto dos manuais quanto nas três versões do documento oficial da BNCC.

9Disponível em: https://pnldf1.moderna.com.br/educacaofisica/praticascorporais . Acesso em maio 2021.

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSE

10Os autores declaram que não há conflito de interesse com o presente artigo

Recebido: 02 de Fevereiro de 2022; Aceito: 09 de Maio de 2022

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